打印全文

Processo n.º 87/2018
(Recurso em matéria cível)

Data: 19 de Abril de 2018

ASSUNTOS:
- Indemnização pela mora do locatário no âmbito do contrato de arrendamento
- Indemnização dos prejuízos excedentes em matéria locativa
- Interpretações possíveis do artigo 1027º/3 do CCM

SUMÁRIO:

I – O artigo 1027º/2 do CCM estipula a indemnização pela mora do locatário, que tem uma função compulsória, visando forçar a restituição mais ceda possível do locado pelo inquilino ao senhorio.
II - Em relação à indemnização pelo prejuízo excedente, uma vez verificados, a título de lucros cessantes, ela tem por fundamento o efectivo prejuízo causado, que pode já não se medir pelo valor da renda, não obstante ser o mesmo o respectivo facto gerador, mesmo que o montante dos danos causados ao locador seja inferior ou equivalente ao quantitativo da renda, hipótese em que ao credor basta a indemnização contemplada pelo artigo 1027º/2 do CC.
III – Para fixação da indemnização por prejuízo excedente, previsto no artigo 1027º/3 do CCM, duas leituras possíveis: a primeira é a de que não pode levar em consideração o valor do dobro da renda (artigo 1027º/2 do CCM), em consequência da mora; a segunda será a de que o valor do dobro da renda entra em conta, o que origina resultado diferente seguir um ou outro entendimento.
IV – Se se entende que a indemnização por prejuízo excedente é ainda da responsabilidade contratual, uma vez que se funda ainda no contrato de arrendamento e na culpa de ocupação ilegítima do locado pelo inquilino, fazendo uma interpretação sistemática, lógica e teleológica da norma do artigo 1027º/3 do CCM, a leitura mais consentânea com a ratio legis da norma do artigo 1027º/3 do CCM é a de que a indemnização da mora entra em consideração para efeitos da fixação da indemnização por prejuízo excedente, sob pena de se duplamente “sancionar” o locatário.
V – O valor da renda do locado praticado no mercado actual, indicado nos dois relatórios de avaliação, elaborados a comando da Autora e da Ré, para efeitos da fixação da indemnização por prejuízo excedente, pode servir de padrão de referência para o Tribunal. Quando este aceita o valor mais baixo e fundamenta a sua opção, não obstante dela uma das partes discordar, tal decisão não merece censura em sede do recurso.


O Relator,

________________
Fong Man Chong


Processo n.º 87/2018
(Recurso em matéria cível)
Data : 19 de Abril de 2018

Recorrente : A有限公司
(A Limitada) (Ré)

Recorrida : B
(B) (Autora)
*
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    I - RELATÓRIO
A Autora B (B) propôs, em 07/05/2015 e junto do TJB, uma acção especial de despejo (P.º n.º CV3-15-0027-CPE) contra a Ré, (A Limitada) (A有限公司), tendo formulado os seguintes pedidos:
a) Ser ordenado o despejo nos termos da alínea b) do artigo 929º do CPC, e a Ré condenada a entregar à Autora as Fracções, livres e devolutas, nas mesmas e boas condições em que se encontravam aquando da celebração do respectivo contrato de arrendamento;
b) Ser a Ré condenada a pagar à Autora, a título de indemnização, nos termos nº2 do artigo 1027º do Código Civil, o dobro das rendas vencidas desde o termo do Acordo até à efectiva restituição das Fracções, no valor de HK$113.400,00;
c) Condenar-se a Ré a pagar à Autora uma indemnização, a título de prejuízos excedentes, nos termos do nº3 do artigo 1027º, na quantia que melhor se liquidará em execução de sentença, mas que em 1 de Junho corrente ascendia a HK$773.200,00, acrescidos dos montantes equivalentes as rendas mensais vincendas à razão de HK$386.600,00, correspondente aos prejuízos da Autora, derivados da impossibilidade de obter os rendimentos que resultariam do novo arrendamento das Fracções (deduzido do montante relativo à indemnização prevista no nº2 do artigo 1027º do Código Civil), se não fosse a ocupação ilegítima das mesmas pela Ré, e dos juros de mora calculados à taxa legal desde a citação, até efectiva restituição das Fracções reivindicadas; e
d) Condenar-se a Ré no pagamento das custas e procuradoria do processo.
*
A Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 149 a 154.
Feito o julgamento com observância do ritualismo legal, foi proferida a sentença em 27/06/2017, conforme o teor de fls. 330 a 336.
Na parte decisória da sentença consigna-se o seguinte:
1. - Ordenar o despejo e condenar a Ré a entregar à Autora, em boas condições, as Fracções,
2. - Condenar a Ré a pagar à Autora, a título de indemnização, nos termos do n.º 2 do artigo 1027.° do Código Civil, o dobro das rendas vencidas desde 1 de Abril de 2015 até à efectiva restituição das Fracções, no valor de HKD$113.400,00, e
3. - Condenar a Ré a pagar à Autora, a título de indemnização mensal de HKD$58,600,00, a partir de 1 de Abril de 2015 até à efectiva restituição das fracções.
*
Não se conformando com esta decisao, a Ré, A Limitada (A有限公司), ora Recorrente, notificada do despacho de fls. 350 que admitiu o recurso ordinário interposto por ela, veio, em 27/06/2017 e junto TJB, nos termos do artigo 613º do CPC, apresentar as suas alegações, tendo formulado as seguintes conclusões :
關於賠償之部份
1. 在保持充分尊重下,上訴人不能認同原審法院關於被上訴判決第12頁中,每月港幣$58,600元的賠償的理解。
2. 首先,原審法院之所以訂定每月港幣$58,600元的賠償,是基於認同其中一份物業租值估價書(估計租值為HKD$172,000.00)為基準。
3. 根據原審法院認定的事實列中(載於被上訴判決第3頁至第6頁),未有對現時涉案單位的租值列入獲認定的事實列中。
4. 當原審法院未有將涉案單位現時的租值列入其認定的事實列時,應屬違反上述澳門《民事訴訟法典》第567條之規定。
5. 故上訴人認為欠缺事實基礎的前提下,不應裁定上訴人須每月支付 HKD$58,600元予原告作為賠償。
6. 如不認同上述理解,為著完整的陳述,以下繼續提出其他理據。
7. 根據本案獲證事實,我們知道,未能證明原告找到新租客或有新租客曾向原告提出承租要約又或要約租金金額。
8. 事實上,實際出租的價值存在多種因素,物業租值估價書只是其中一個指標。
9. 至少至2015年4月時,涉案單位的租值只為HKD$56,700.00 (被上訴判決第5頁之獲證事實) ,在此認為,倘若涉案單位是熱門的,必然能證明有比 HKD$56,700.00高價的租金要約,但本案沒有。
10. 故此,上訴人認為,上訴人每月支付雙倍租金HKD$113,400元予原告,己能滿足原告有本案所遭受的損失,繼而不應適用澳門《民法典》第1027條第3款的規定裁定上訴人須支付HKD$58,600元予原告作為賠償。
*
Em sede de contra-alegações, a Recorrdia B (B), veio a apresentar as seguintes conclusões:
1. Nas conclusões Vem o presente recurso da Recorrente interposto da sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base de Macau de fls. 330 e ss. dos presentes autos, do passado dia 27 de Junho de 2017, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pela Autora, ora Recorrida;
4. Em concreto, o douto Tribunal a quo determinou i) ordenar o despejo e condenar a Ré a entregar à Autora, em boas condições, as Fracções, ii) condenar a Ré a pagar à Autora, a título de indemnização, nos termos do n.º 2 do artigo 1027.° do Código Civil, o dobro das rendas vencidas desde 1 de Abril de 2015 até à efectiva restituição das Fracções, no valor de HKD113.400,00, e iii) condenar a Ré a pagar à Autora, a título de indemnização mensal de HKD58,600,00, a partir de 1 de Abril de 2015 até à efectiva restituição das fracções;
5. Inconformada com o decidido no termos da alínea iii) supra, a Ré, ora Recorrente, apresentou o presente recurso jurisdicional, justificando o mesmo com o facto de inexistir no processo facto relativo ao montante da renda de mercado das Fracções;
6. Dessa alegada inexistência, extrai a Ré, ora Recorrente, não poderem ser atendidos os relatórios de avaliação das Fracções em causa pelo Tribunal e, no final de contas, a impossibilidade da sua condenação numa indemnização mensal no montante de HKD58.600,00, a título de prejuízos excedentes;
7. Pese embora o maior respeito que nos merece opinião diversa, o recurso interposto pelo Recorrente está - na modesta opinião da ora Recorrida - forçosamente condenado a não colher, dada a improcedência dos fundamentos em que assenta;
8. Ora, a Recorrente fundamenta com a alegação de que o Tribunal, à luz do artigo 567.° do CPC, se encontra limitado, na sua actividade jurisdicional, aos factos alegados pelas Partes e que é ilegal a consideração dos relatórios de avaliação juntos aos autos, quer pela Autora, ora Recorrida, quer pela Ré, ora Recorrente, para determinação do montante da renda de mercado;
9. No caso sub judice, foram identificados como factos principais, entre outros, a existência de prejuízos em resultado da não restituição das Fracções à Autora pela Ré e a existência de potenciais arrendatários das Fracções por uma renda mensal no valor de HKD$500.000,00 e a impossibilidade de celebrar contrato de arrendamento em virtude da falta de restituição das Fracções à Autora;
10. Ademais, no pedido formulado a.título principal na petição inicial, a Autora peticionou fosse a Ré condenada "a pagar à Autora uma indemnização, a título de prejuízos excedentes, nos termos do n.º 3 do artigo 1027.º, na quantia que melhor se liquidará em execução de sentença, mas que em 1 de Junho corrente ascendia a HKD 773.200,00 (setecentos e setenta e três mil e duzentos de dólares de Hong Kong) equivalentes para efeitos fiscais a MOP 796.396,00 (setecentas e noventa e seis mil e trezentas e noventa e seis Patacas), acrescidos dos montantes equivalentes as rendas mensais vincendas à razão de HKD 386.600,00 (trezentos e oitenta e seis mil e seiscentos dólares de Hong Kong) equivalentes para efeitos fiscais a MOP 398.198,00 (trezentas e noventa e oito mil cento e noventa e oito Patacas), correspondente aos prejuízos da Autora, derivados da impossibilidade de obter os rendimentos que resultariam do novo arrendamento das Fracções (deduzido do montante relativo à indemnização prevista no n.º 2 do artigo 1027.º do Código Civil), não Tosse a ocupação ilegítima das mesmas. pela Ré, e dos juros de mora calculados à taxa legal desde a citação, até efectiva restituição das Fracções reivindicadas".
11. Por sua vez, aquando da junção do relatório de avaliação referente à renda de mercado das Fracções objecto dos presentes autos, a Autora mencionou que o mesmo era importante para, a final, auxiliar a tarefa do Tribunal na determinação da renda de mercado das Fracções, para todos os efeitos legais.
12. Ou seja, o conteúdo do referido relatório, e em particular a apontada renda de mercado, revestiu a natureza de facto instrumental e/ou facto complementar ou concretizador;
13. A respeito dos factos instrumentais, a doutrina e a jurisprudência são unânimes no sentido de considerar que não se lhes aplica o princípio do dispositivo, tal como acima se referiu para os factos principais;
14. Por outro lado, a respeito dos factos complementares ou concretizadores, é também entendimento unânime deverem considerar-se os factos essenciais à procedência das pretensões das partes que revistam natureza complementar ou concretizadora de outros oportunamente alegados e que resultem da instrução da causa, contanto que tenha sido dado cumprimento ao princípio do contraditório;
15. Ora, no caso vertente, como complemento e/ou concretização aos factos já alegados pela Autora na fase dos articulados, esta forneceu dados-ao Tribunal para a ponderação e determinação do valor da renda de mercado das Fracções, sendo que, após ter sido dada oportunidade à Ré de se pronunciar sobre os mesmos, foi ela própria quem ofereceu mais dados relativos à renda de mercado, através da junção de novo relatório de avaliação, aumentando assim a base probatória para o Tribunal;
16. Pelo que, aqui chegados, há que concluir pelo total insucesso da alegação da Ré e, como tal, deverá ser julgado improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão em crise;
17. Ainda que assim não se entenda, o que não se concede e apenas se equaciona por mero dever de patrocínio, sempre será de dizer que a questão agora suscitada pela Ré, ora Recorrente, de os factos relativos à renda de mercado das Fracções não terem sido alegados ou quesitados (para além de não corresponder à verdade, como supra se confirmou), jamais foi suscitada pela Recorrente;
18. De facto, aquando da apresentação do requerimento/articulado superveniente juntando-se relatório de avaliação das rendas das Fracções, a Ré, ora Recorrida, não suscitou qualquer questão relativamente à sua junção;
19. Pelo contrário, tendo-lhe sido disponibilizada a oportunidade para sobre o mesmo se pronunciar - em cumprimento do direito de contraditório legalmente reconhecido, não só a Ré não requereu a sua desconsideração como, outrossim, apresentou ela própria um outro relatório de avaliação das rendas referente às Fracções;
20. Ou seja, no momento e em sede própria, a Ré não impugnou a junção do relatório de avaliação como facto instrumental e complementar à determinação do prejuízo excedente alegado pela Autora, pelo que consentiu na sua junção e, tendo junto um relatório próprio, deu a sua total concordância;
21. Nesse sentido, não tendo sido alegada, nem sequer abordada nos presentes autos, a questão ora alegada em sede de recurso, não pode vir agora a mesma ser sindicada junto do Tribunal ad quem, como-é entendimento do TSI da RAEM (acórdão de 25/07/2013, processo n.º 382/2013);
22. E a verdade é que a Ré, ora Recorrente, dispôs da oportunidade para se pronunciar sobre a mesma antes do encerramento da discussão, optando por, como supra se disse, não contestar a junção do relatório de avaliação da Autora, ora Recorrida, e ainda juntar ela própria um relatório de avaliação;
23. Razão pela qual, desde logo, a alegação da Ré, ora Recorrente, está condenada a improceder, porquanto versa sobre matéria não objecto da decisão ora em crise e, como tal, insusceptível de ser sindicada no quadro do presente recurso.
24. Ademais, identifica-se aqui, com o devido respeito e salvo melhor opinião, uma óbvia manifestação de má-fé e abuso de direito, na sua vertente de venire contra factum proprium, na medida em que a Ré, ora Recorrente, perante a possibilidade de impugnar a junção do relatório de avaliação da Autora não o fez (optando por juntar o seu próprio relatório de avaliação) e agora vem por o mesmo em causa e a decisão do Tribunal a quo que julgou tendo o mesmo em consideração;
25. Falecem assim, por completo, todas as alegações da Ré, ora Recorrente, devendo o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se a sentença ora em crise.
Concluindo, pede que o presente recurso seja julgado totalmente improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.
* * *
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

    III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
已確定事實:
1. A Autora é proprietária das Fracções autónomas designadas por “BHR/C”, do Rés-do-Chão “BH” e “AC/V” da cave “A”, ambas para comércio, do prédio sito em Macau, na XXX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXX, a folhas 146, do Livro B32 e registada a favor da Autora sob a inscrição n.º XXX e nº XXX, respectivamente (doravante as “Fracções”) (alínea A) dos factos assentes).
2. As Fracções têm o valor matricial de MOP$1,236,000.00 e MOP$9,888,000.00, respectivamente, e encontram-se inscritas a favor da Autora, na matriz predial, sob o n.º XXX (alínea B) dos factos assentes).
3. A Autora adquiriu a propriedade das Fracções, mediante escritura públicas de compra e venda, outorgadas a 31 de Agosto de 2004, e exaradas a folhas 6 e 8 do Livro de notas para escrituras diversas nº 11 do Cartório Notarial do Notário Privado Dr. XXX (alínea C) dos factos assentes).
4. A Autora celebrou em 24 de Novembro de 2004, enquanto senhoria, com a Ré, enquanto inquilina, um contrato de arrendamento relativo às Fracções, válido até 30 de Novembro de 2014 (doravante o “Contrato do Arrendamento”) – cfr. doc. nº 6 na P.I., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (alínea D) dos factos assentes).
5. Por carta, registada com aviso de recepção enviada em 25 de Março de 2014, a Autora deu notícia à Ré de que não pretendia renovar o Contrato de Arrendamento – cfr. doc. nº 7 na P.I., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (alínea E) dos factos assentes).
6. A referida carta foi recebida e aceite pela Ré (alínea F) dos factos assentes).
7. A Ré invocou a necessidade de algum tempo extra para desocupar e restituir as Fracções, pediu que a Autora lhe concedesse um período de tempo adicional para proceder à devolução das mesmas (alínea G) dos factos assentes).
8. A Autora aceitou conceder à Ré um período adicional de 4 meses para proceder à desocupação e restituição das Fracções (alínea H) dos factos assentes).
9. E para que duvidas não surgissem quanto a essa ocupação tolerada, a Autora celebrou um acordo de desocupação com a Ré em 2 de Dezembro de 2014 (o “Acordo”) – cfr. doc. nº 8 na P.I., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (alínea I) dos factos assentes).
10. Nos termos desse Acordo a Ré, acordou em desocupar e restituir as Fracções, livres de pessoas e bens, impreterivelmente até 31 de Março de 2015 (alínea J) dos factos assentes).
11. Em 31 de Março de 2015, data na qual deveria ter sido efectuada a entrega as Fracções à Autora, a Ré não o fez (alínea K) dos factos assentes).
12. Tendo continuado a ocupar as Fracções (alínea L) dos factos assentes).
13. A Autora enviou à Ré uma missiva, em 20 de Abril de 2015, ordenando-lhe a desocupação e restituição das Fracções num prazo de 7 dias após a recepção dessa carta – cfr. doc. nº 9 na P.I., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (alínea M) dos factos assentes).
14. A Ré persiste em não abandonar as Fracções, mantendo a ocupação das mesmas até à presente data (alínea N) dos factos assentes).
15. A ocupação da Ré está a causar prejuízos à Autora que se tem visto impedida de usar, fruir e dispor das Fracções na sua totalidade (alínea O) dos factos assentes).
16. 被告曾按已確定事實I)項所指協議中的約定,每月將HK$56,700.00存入原告所述的銀行戶口 (alínea P) dos factos assentes).
17. 不過其後原告將上述銀行戶口結清,被告未能繼續作出存款 (alínea Q) dos factos assentes).
18. 其後,被告把每月HK$56,700.00當作“租金”存放在澳門大西洋銀行 (alínea R) dos factos assentes).
19. 從2015年5月份起,已存放了7個月的“租金” (alínea S) dos factos assentes).
*
   調查基礎內容:
- A Autora adquiriu as Fracções com o objectivo de as dar de arrendamento e auferir as respectivas rendas (resposta ao quesito 1 da base instrutória).
- Foi oferecida à Autora uma proposta de arrendamento para depois da desocupação das fracções (resposta ao quesito 2 da base instrutória).
* * *
    IV - FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância, importa ver o que o tribunal a quo decidiu:
“(…) 確定了既證事實,現對事實作出分析及考慮適用的法律。
原告要求勒令被告遷出其租賃予後者的單位,同時要求被告賠償仍未遷離不動產的租金及相關損害賠償,以及相關法定利息。
按原告的陳述,原告與被告訂立的租賃合同關係已持續了十年,租賃期由2004年12月1 日至2014年11月30日止,原告於租賃期屆滿前,即2014年3月25日以掛號信方式通知被告其不繼續租約,原告認為已按《民法典》第一千零三十九條規定的提前通知被告單方中止租賃合同,被告在合同屆滿後應將租賃的單位返還予原告。原告要求勒令被告遷出其租賃予後者的獨立單位,同時要求被告賠償直至租賃期屆滿後仍未遷離不動產的租金及相關損害賠償及相關法定利息。
被告抗辯指其並非不願於2015年5月31日交還涉案單位,而是其須在返還單位前按約定對涉案單位進行復原工程,唯有關工程需時處理申請准照及進行修復工作,故被告才沒有依時將單位返還,但被告在此後仍每月將租金HK$56,700元存入原告於大西洋銀行的戶口。
   
原告與被告之間的法律關係的性質
依照已查證的事實,第一原告與被告簽訂了合同,當中前者將位於澳門關閘橫路118號地庫全層及BH舖位租賃予被告,租賃期由2004年12月1日至2014年11月30日,為期十年,雙方訂定首5年之每月租金為港幣$45,000元,第6至7年之每月租金為港幣$48,600元,第8至9年之每月租金為港幣$52,500元,以及第10年之每月租金為港幣$56,700元。
原告與被告所建立的法律關係為租賃關係,當中一方負有義務將一物提供予他方暫時享益以收取回報。租賃以不動產為標的者稱為不動產租賃(《民法典》第九百六十九條及第九百七十條)。
因此,原告與被告之間確實存在租賃合同關係。
***
單方終止租賃合同
《民法典》第一千零三十八條規定:
     “一、不動產租賃期屆滿後,無任何一方當事人按約定或法律規定之時間及方式提出單方終止者,合同即告續期。
      二、然而,如從不動產租賃開始至合同期滿或至其續期期滿不足兩年,則出租人無權在期滿時單方終止合同。
     三、續期之期間相同於合同之原定期間;然而,如合同期間超過一年,則續期之期間僅為一年,但另有訂定者除外。”
     《民法典》第一千零三十九條規定:
     「一、一方立約人須至少提前下列期間,以書面方式將其對合同之單方終止通知他方立約人:
     a) 為期六年或六年以上之租賃,一百八十日;
     b) 為期一年或一年以上六年以下之租賃,九十日;
     c) 為期三個月或三個月以上一年以下之租賃,三十日;
     d) 為期三個月以下之租賃,租賃期之三分之一。
     二、上款所指之提前期間係由合同期間或續期期間屆滿時起計。」
有效的單方中止必須具備:一)提前於法定期限通知對方;二)以書面方式作出通知。
按既證事實,本案的租賃合同關係始於2004年12月1日,為期十年,至2014年11月30日為止,因此,原告應於合同續期期間屆滿前180日通知被告終止合同的意願。
原告是否已遵從了法律的規定?按照已證的事實,於2014年3月25日以掛號郵件方式通知被告,在2014年11月30日,原告將不予續租,並要求被告於租賃期屆滿日遷出該等舖位。
易言之,原告係在合同期限屆滿前的一百八十日前已透過書面方式通知被告租約不再續期,原告的單方終止滿足法律規定的提前期限及通知方式,因此,原告的單方終止之聲明能產生終止合同的效力,該租賃合同於2014年11月30日期限屆滿,繼而已失效。
***
租賃合同終止後,承租人根據《民法典》第九百八十三條j)項的規定,有義務將租賃物按受領時租賃物所處之狀況保存及返還出租人。
而據《民法典》第一千零二十五條第二款的規定,在沒有以文件記載租賃物被交付予承租人時所處之狀況者,推定該物在良好保存狀況下交付承租人。
因此,被告須將不動產交還予原告。
     ***
沒有返還租賃物後產生的損害賠償
原告要求判處被告支付因後者拒絕向前者返還租賃物的賠償。
《民法典》第一千零二十七條規定:
     “一、承租人基於任何原因未於合同終止時立即返還租賃物者,有義務支付雙方當事人所訂定之租金作為損害賠償,直至其返還租賃物為止;但有理由將應返還之租賃物提存者除外。
      二、然而,承租人一經遲延履行其債務,損害賠償隨即提高為兩倍;對承租人之遲延不適用第三百三十三條所規定之處罰。
      三、如出租人遭受之損失超出以上兩款所指之金額,則保留其就超出部分獲得賠償之權利。”
依照上列條文的規定,承租人有義務於租賃合同屆滿時將租賃物返還予出租人。
雖然原告與被告的租賃關係在2014年11月30日已失效,被告理應在合同失效後返還租賃物。
然而,據獲證事實,原告與被告就租賃物的返還另外約定了期限,當中原告容許被告於2015年3月31日前將租賃物返還予原告。基於雙方之間具有協議,故此,被告有義務於此日期前將租賃物返還。
若於到期日沒有履行義務返還租賃物,便須作出賠償,法律規定了三種賠償:一) 支付雙方原定的租金;二) 若承租人遲延履行,則支付租金的兩倍;三) 出租人其他額外的損失。
關於承租人何時才處於遲延履行,司法見解對此有作出論述。
中級法院在2014年12月4日第458/2014號的裁判,就一宗與本案案情相近的案件中裁定出租人需要對承租人作出催告後,承租人不返還租賃物方構成遲延。
“Isto é, não obstante a caducidade do arrendamento, que foi regular e atempadamente denunciado, prevenindo a possibilidade de o locatário ainda ali permanecer, seja por tolerância do locador, seja por outra razão, permanência que pode até conduzir à renovação do contrato, afigura-se que o legislador configura vários estádios de incumprimento, atribuindo consequência diversas em função da gravidade do incumprimento. Parece que o legislador configura aí a possibilidade de um incumprimento sem mora, caso em que o locatário pagará a título de indemnização o correspondente ao montante das rendas pelo período em que utilize o locado, devendo, porém, pagar em dobro se entrar em mora.
A mora está ligada à culpa - “O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido” – art. 793, n.º 2 do CC. 
Uma vez que o legislador releva a permanência do locatário para além do termo do prazo, atribui efeito jurídico a essa permanência, gradua diferentemente o seu inadimplemento, prevenindo até uma situação de tolerância do locador por um prazo de um ano, sob pena de essa tolerância se converter em abuso se o senhorio permanecesse inerte durante esse tempo e beneficiasse da indemnização máxima (montante equivalente ao dobro da renda), se porventura se considerasse que o locatário entrara logo em mora aquando do termo do prazo de arrendamento, por todas estas razões somos a considerar que se torna necessária uma interpelação judicial ou extrajudicial, não obstante a denúncia do arrendamento para o termo do respectivo prazo.”
不過,本案的情況與上述司法裁判中的爭議不盡相同。在本案中,原告與被告在租賃合同屆滿後,另外協議了承租人須返還租賃物的期限。在此協議下,承租人返還租賃物的義務屬有期限義務不應再有爭議。故此,被告在雙方協議的期限過後仍然不返還租賃物,被告便處於遲延。
另外,被告主張其逾期不交還租賃物是由於需要履行雙方的協議對租賃物進行復原工程才導致,被告擬以此證明其沒有過錯不履行。然而,被告未能證明其逾期不交還單位真是因為要進行復原工程,更未能證明工程需要逾四個月,被告沒有合理理由不履行遷出協議。故此,被告的逾時不遷出及將租賃物交還乃被告的遲延。
***
原告要求的賠償
清晰了承租人不返還租賃物的法律後果後,讓我們審視原告提出的損害請求是否有理。
原告要求被告作如下賠償:
     1) 自2015年3月31日起直至返還租賃為止的租金的雙倍,租金為港幣$113,400元;
     2) 自2015年6月1日起因被告非法佔用租賃物致使原告未能與新租客簽署租約而收取的租金差額,每月租金差額為港幣$386,600元。
按照上述《民法典》第一千零二十七條的規定,法律明示規定了不返還租賃物時以租金或租金的雙倍作為賠償;法律還允許出租人追討超過租金或其雙倍的損失的賠償。
根據前面的論述,搬遷協議期限屆滿後,被告須向原告支付每月租金雙倍,即港幣$113,400元的賠償。
除了上述法定賠償之外,原告還要求被告賠償不返還租賃物令前者不能將之立即出租的租金損失。
對於不能享用物的損害,司法見解一般認為“作為此損害賠償的理據必須主張及證實一項真切確實的提議,相關租用單位的提議因侵害人的占用而落空。確切的提議內容以及因此而未能獲得的收益。”(見葡萄牙高法院2008年5月6日的司法裁判)。
按既證事實,原告能證明有人向其提出於2015年4月1日被告遷出後租賃案中單位,被告於期限過後沒有遷出,當然原告不可能將之出租予潛在租客或他人,原告因此而蒙受損失。不過,至於原告具體的損失,原告主張其未能收取的具體租金為港幣$500,000元,不過原告未能證明此事實。易言之,原告雖然蒙受不能享益出租單位的損失,但不能確定其具體損失的價值。
《民法典》第五百六十條第六款規定:“如不能查明損害之準確價值,則法院須在其認為證實之損害範圍內按衡平原則作出判定。”
儘管案中沒有有關市場租值的事實,然而,正如原告在法律陳述中所言,案中有兩份分別由原告及被告呈交的由第三方就爭議租賃物租值的估價書 (載於卷宗第236至265頁及第268至277頁),由原告提交的估價書的租值為港幣$471,800元,被告提交的租值估價為港幣$172,000元。
我們當然知道估算的租值不一定等於實際出租的價值,當中的租金差別可以夾雜其他的主觀或客觀因素。不過,撇除這些可影響租值的因素,此兩份估價書仍然是可供法院衡量租賃物的可能租值的具意義的參考數據。
兩份估價書的租值介乎港幣$172,000元至港幣$471,800元,當中存在差不多三十萬的差價,我們無法確知巨大差價的背後理據。不過,我們認為以最低的估值港幣$172,000元為標準作為原告的租金損失應合乎衡平原則。因此,被告支付兩倍租金賠償後,原告還有每月港幣$58,600元的租金享益的損失。
故此,被告尚須賠償每月港幣$58,600元的賠償,直至實際返還租賃物為止。
**
除了上述賠償外,原告尚要求被告支付賠償金的利息。
《民法典》第一千零二十七條特別規定了租客延遲不返還租賃物業主可獲得的賠償,即可獲雙倍租金的賠償及有權就其他額外的損失獲得賠償,既然法律已就遲延情況規定相應的賠償,原告不可再要求相關賠償的遲延利息。
***
裁 決
據上論結,本院裁定訴訟理由部分成立,裁決如下:
     - 命令被告A有限公司 (A Limitada)遷出位於拱形馬路(關閘橫路)118至142號、黑沙環馬路1至7號、蓮峰街112至198號地下,物業登記局標示編號12125,第B32號簿冊第146頁“BHR/C”及“AC/V”的商業用途的獨立單位,並將之完整返還予原告B ;
     - 判處被告支付予原告每月港幣$113,400元的雙倍租金賠償,自2015年6月1日起計,直至實際返還上述獨立單位為止;
     - 判處被告支付原告每月港幣$58,600元的賠償,自2015年6月1日起計,直至實際返還上述獨立單位為止;
     - 裁定原告的其餘請求不能成立,並開釋被告。
*
訴訟費用由原告及被告按敗訴比例承擔。
*
依法作出通知及登錄本判決。”
Conforme a argumentação tecida pela Recorrente/Ré nas alegações do recurso, importa nesta sede resolver essencialmente 2 questões:
1) - É legal ou ilegal a consideração dos valores referidos nos relatórios de avaliação do valor de renda do locado juntos aos autos, quer o apresentado pela Recorrida/Autora, quer o da Recorrente/Ré, para determinação do montante da renda do locado à luz do critério de mercado imobiliário, uma vez que tais relatórios não são mencionados nem nos FACTOS ASSENTES, nem nas respostas dadas aos quesitos em sede de BASE INTRUTÓRIA;
2) - É legal ou ilegal, no caso sub judice, a condenação da Recorrente/Ré no pagamento de indemnização a título de prejuízos excedentes, ao abrigo do disposto no artigo 1027º/3 do CC de Macau.
*
Comecemos pela primeira.
Encontram-se juntos aos autos 2 relatórios de avaliação do valor da renda dos imóveis arrendados à luz dos preços praticados no mercado, apresentados por ambas as partes, tendo cada um dos relatórios um valor diferente, sendo mais baixo o valor de renda do relatório da Recorrente/Ré, e mais alto o de renda do relatório da Recorrida/Autora, o Tribunal a quo acabou por acolher o valor de renda do locado proposto pelo relatório apresentado pela Recorrente/Ré.
Porém, veio esta a questionar a legalidade desta opção do Tribunal, entendendo que tal viola o disposto no artigo 567º do CPC, uma vez que tal valor não está indicado nos FACTOS ASSENTES.
Desde já, entendemos que este argumento carece de razão, pois:
a) – Tal prova foi apresentada pela própria Recorrente/Ré, depois de filtrada pelo princípio do contraditório, veio a ser acolhida pelo Tribunal a quo, o que é perfeitamente legal e sustentado;
b) – Tal relatório, uma vez junto aos autos, constitui prova adquirida, a que o julgador pode recorrer para formar a sua convicção em sede da decisão, tal como preceitua o artigo 436º (princípio da aquisição processual) do CPC:
“ O tribunal deve tomar em consideração todas as provas realizadas no processo, mesmo que não tenham sido apresentadas, requeridas ou produzidas pela parte onerada com a prova, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado.”
c) – Uma coisa são os factos, outra serão as provas. Os relatórios em causa servem para provar o valor da renda do locado, obviamente este dado não tem o valor de prova plena, é um tipo de prova como outras que estão sujeitos à livre apreciação do Tribunal, desde que, este, ao aceitá-la, explique e fundamente a sua decisão.
d) – Nestes termos, mesmo que se entenda que exista dúvida acerca do valor proposto nos respectivos relatórios, resolve-se tal dúvida contra a parte a quem o facto aproveita, tal como preceitua o artigo 437º (princípio a observar em casos de dúvida) do CPC:
“A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.”
e) – Por outro lado, o artigo 567º faz uma ressalva, ressalvando o disposto no artigo 5º do mesmo CPC, preceito este que dá perfeitamente cobertura à situação em análise, pois, são factos instrumentais, carreados pelas partes e filtrados pelo princípio do contraditório.
f) Pelo que, manifestamente improcede a impugnação desta parte feita pela Recorrente/Ré.
*
Relativamente à 2ª questão: aplicabilidade ao caso do artigo 1027º/3 do CC.
O artigo 1027º (Indemnização pelo atraso na restituição da coisa) do CC tem a seguinte redacção:
1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro; à mora do locatário não é aplicável a sanção prevista no artigo 333.º
3. Fica salvo o direito do locador à indemnização dos prejuízos excedentes, se os houver.
Este artigo corresponde ao 1045º do CC de 1966, não obstante ser ligeiramente diferente a redacção, pois, o CC de 1966 não tem o nº 3 do artigo 1027º do CC, mas já se defendia a possibilidade de pedir indemnização a título de lucro cessante, resultante de não restituição do locado pelo inquilino, despois de rescindido o respectivo contrato de arrendamento.
Neste aspecto, discutia-se, no âmbito do CC de 1961, a natureza de indemnização por esses danos, existem essencialmente 2 correntes:
a) A primeira defende que esta indemnização por danos excedentes é ainda uma modalidade de indemnização contratual;
b) A segunda entende que se trata de um tipo de responsabilidade extracontratual e como tal a sua invocação depende da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil nos termos gerais, ou seja, os pressupostos previstos no artigo 486º do CC de 1966.
O acórdão do STJ de 13/10/1998 decidiu: “A indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada tem natureza contratual e apenas está de pendente do condicionalismo previsto no artigo 1045º do CC”.
Em sentido ligeiramente diferente, decidiu-se no acórdão da RP de 30/06/1997 (in CJ Ano 1997, Tomo III, pág. 225 e seg.) “aquela indemnização não impede o senhorio de fazer valer contra o locatário os princípios da responsabilidade civil se a conduta deste, ao não lhe restituir o prédio findo o contrato, lhe causar danos. Valerão aqui os princípios da responsabilidade civil extracontratual, nos termos do artigo 483º do CC de 1966.”
Com a redacção actual do artigo 1027º do CC de Macau, tal controvérsia já está resolvida, uma vez que, face ao nº 3 do artigo citado, inclinamos para defender que tal responsabilidade é ainda de tipo contratual, uma vez que se funda ainda no contrato de arrendamento e na culpa de ocupação ilegítima do locado pelo inquilino, é este entendimento, porventura, mais consentâneo com a ratio legis do artigo 1027º/3 do CC.
Face à redacção do artigo 1027º/3 do CC de Macau, suscitam-se algumas dúvidas ao nível da sua interpretação e aplicação.
É entendimento pacífico que ao Tribunal não cabe fazer doutrinas, mas sim e somente aplicar as leis e resolver o litígio que lhe seja apresentado. Porém, provavelmente não será tão linear quando se está perante uma norma polissémica, circunstância esta que obriga o Tribunal a ponderar todas as hipóteses rodeadas da norma interpretanda e procurar uma solução mais correcta e justa para o caso concreto.
Cingimo-nos às normas do artigo 1027º do CCM, em torno da qual podemos construir várias hipóteses para mostrar a perplexidade da situação.

PRIMEIRO EXEMPLO:
Suponha-se que ficam provados os seguintes factos:
a) - A renda fixada num determinado contrato de arrendamento é no valor de MOP1,000.00 (mil patacas);
b) – O inquilino não pagou pontualmente as rendas já há mais de 6 meses;
c) – O valor da renda do locado, à luz do critério do mercado imobiliário, é de MOP$5,000.00 (cinco mil patacas).
Nesta situação, algumas dúvidas podem existir:
(1) - O inquilino tem de pagar ao senhorio a indemnização por mora, que corresponde ao dobro da renda, ou seja, ele tem de pagar o valor de MOP$2,000.00 (dois mil patacas).
(2) – Qual é o prejuízo excedente que o senhorio sofre?
Duas leituras possíveis:
i) – Há quem entende que o senhorio está a sofrer um prejuízo mensal de MOP$3,000.00 (três mil patacas) (MOP$5000.00 – MOP$2,000.00);
ii) – Há outro entendimento possível, defendendo que o senhorio está a sofrer um prejuízo mensal de MOP$4,000.00 (MOP$5,000.00 – MOP$1,000.00)

SEGUNDO EXEMPLO:
São os seguintes dados assentes:
a) O valor da renda é MOP$1,000.00;
b) O inquilino não pagou as rendas há mais de 6 meses;
c) O valor da renda do imóvel locado, à luz do critério do mercado imobiliário, é de MOP$1,500.00 (mil e quinhentas patacas).
São suscitadas as mesmas questões:
O senhorio está sofrer algum prejuízo excedente?
Se sim, e se a indemnização da mora não entra em conta para efeitos da fixação da indemnização por prejuízo excedente (artigo 1027º/3 do CCM), portanto: o valor de prejuízo excedente será MOP$1,500.00 – MOP$1,000.00 = MOP$500.00.
Caso contrário, se se entende que a indemnização da mora entra em conta do valor da indemnização de prejuízo excedente (MOP$1,000.00 + MOP$1,000.00 = MOP$2,000.00) (dobro), este valor já vai além do valor da renda do mercado (que é apenas de MOP$1,500.00). Nestes termos, não há lugar à indemnização por prejuízo excedente.

TERCEIRO EXEMPLO:
São os seguintes dados assentes:
a) O valor da renda é MOP$1,000.00;
b) O inquilino não pagou as rendas há mais de 6 meses;
c) O valor da renda do imóvel locado, à luz do critério do mercado imobiliário, é de MOP$500.00 (quinhentas patacas).
São levantadas as mesmas questões:
O senhorio está sofrer algum prejuízo excedente? A resposta é claramente negativa.
Mesmo assim, o inquilino tem de pagar o dobro da renda a título de indemnização da mora. Ou seja, ainda que o valor da renda esteja “distanciada” da realidade, o inquilino tem de pagar mesmo. Os factores do mercado já não relevam neste domínio.
É de ver que, seguida uma ou outra posição, o resultado seria diferente.
A solução correcta só poderá ser conseguida mediante interpretação sistemática, lógica e teleológica da norma do artigo 1027º/3 do CCM. Não resta dúvida que, quer a sanção prevista no nº 2, quer no nº 3 do artigo citado, visa “forçar” o inquilino a devolver o locado ao senhorio com o mais cedo possível, sob pena de estar sujeito a sanções pesadas até que o locado seja devolvido a quem de direito.
Por esta via, a leitura mais consentânea com a ratio legis da norma do artigo 1027º/3 do CCM é a de que a indemnização da mora entra em linha de consideração para efeitos da fixação da indemnização por prejuízo excedente, sob pena de se duplamente “sancionar” o inquilino!
Nesta óptica, é assente que a indemnização, nos termos do artigo 1027º/1 e 2 do CC, não exclui a responsabilidade civil por outros danos nos termos do disposto no nº 3 do mesmo artigo, desde que existam provas de tais prejuízos excedentes.
No caso sub judice, cabe realçar as seguintes ideias:
- Tal valor de renda, acolhido pelo Tribunal a quo (HK$172,000.00) foi apresentado pela Recorrente/Ré, enquanto o valor defendido no relatório de avaliação, elaborado à ordem da Recorrida/Autora, é de HK$471,800.00, uma diferença abissal!
- O Tribunal a quo cautelosamente optou por o valor mais baixo, apresentado pela Recorrente/Ré. Nota-se aqui, não se trata de uma aceitação automática deste valor como base da fixação das indemnizações, tal valor serve apenas de um ponto de referência. E nesta óptica, tal valor poderia ser alterado por este Tribunal, só que não faremos por seguintes motivos:
1) – A Autora/Recorrida não interpôs recurso, nem impugnou este valor, motivo pelo qual o Tribunal ad quem não pode alterar este dado;
2) – O Tribunal ad quem não pode fixar equitativamente um valor superior ao estabelecido pelo Tribunal a quo, uma vez que nenhuma parte veio a impugnar este ponto.
- Por força do disposto no artigo 1027º/1 e 2, a Recorrente/Ré tem de pagar no total e em cada mês, à Recorrida/Autora a quantia de HK$113,400.00 (dobro do valor da renda fixado no contrato de arrendamento), mesmo assim, a Recorrida/Autora sofre ainda prejuízos, porque este valor HK$113,400.00 (HK$56,700.00 X 2) é abaixo do valor da renda do mercado, conforme o que consta do relatório de avaliação elaborado à ordem da própria Recorrente/Ré.
- Nestes termos, fazendo apelo ao nº 3 do artigo 1027º do CC, a Recorrente/Ré deve pagar MENSALMENTE a indemnização dos prejuízos excedentes que se traduz em: HK$172,000.00 - HK$113,400.00 = HK$58,600.00.
Resumindo e concluindo:
A Ré deve pagar a quantia equivalente ao dobro da renda que se praticava, como justa indemnização específica pela não restituição dos prédios, embora de natureza contratual, por continuar a usar a coisa, em prejuízo da locadora, correspondente à renda que estava a ser praticada e que se traduz no valor de uso do prédios.
Em relação à indemnização pelos prejuízos excedentes, uma vez verificados, a título de lucros cessantes, ela tem por fundamento o efectivo prejuízo causado, que pode já não se medir pelo valor da renda, não obstante ser o mesmo o respectivo facto gerador, mesmo que o montante dos danos causados ao locador seja inferior ou equivalente ao quantitativo da renda, hipótese em que ao credor basta a indemnização contemplada pelo artigo 1027º/2 do CC.
Nestes termos, é de manter a decisão recorrida, não obstante com fundamentos diferentes.
Tudo visto, resta decidir.
* * *
    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão da primeira instância.
*
Custas pela Recorrente (Ré).
*
Registe e Notifique.
                 RAEM, 19 de Abril de 2018.
                 Fong Man Chong
                 Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho (vencido conforme voto em anexo)


Proc. nº 87/2018
Voto de vencido
  
Não acompanho o projecto pelo seguinte motivo.
O nº2 do art. 1027º, do Código Civil estabelece a indemnização pela mora do locatário, ao passo que o nº3 ressalva o direito à indemnização do locador pelo “prejuízo excedente”. São indemnizações diferentes!
Esta era a posição que alguma jurisprudência já em Portugal advogava (v.g., Ac. da Relação de Coimbra, de 21/10/2003, in C.J., 2003, IV, pág. 111) e que o legislador da RAEM acabou por acolher ao introduzir “ex novo” no nº3.
Ora, esta indemnização pelo “prejuízo excedente” corresponde, em minha opinião, à diferença entre o valor da renda antiga (a que vinha sendo praticada) e a que seria praticada no mercado se o imóvel estivesse dado de arrendamento actualmente.
Tal diferença, para ser efectiva, não pode levar em consideração o valor do dobro da renda, em consequência da mora (nº2). Ou seja, o prejuízo excedente não pode ser calculado pela diferença entre o valor da renda acrescido do valor da indemnização pela mora (i.é., renda x 2) e do novo valor do locado, mas sim entre o valor da renda praticada (em singelo) e o do novo valor do locado no mercado na actualidade.
  
TSI, 19/04/2018
___________________
José Cândido de Pinho
2018/87-despejo-prejuízos-excedentes 32