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Processo n.º 24/2018. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: Secretário para a Segurança.
Recorrido: A.
Assunto: Revogação de autorização de permanência como trabalhador. Antecedentes criminais. Trânsito em julgado de sentença condenatória.
Data da Sessão: 16 de Maio de 2018.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
Dando-se como adquirido que, para efeitos do disposto na alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 6/2004, aplicável por força do n.º 1 do artigo 15.º do Regulamento Administrativo n.º 8/2010, que estatui sobre a revogação da autorização de permanência na RAEM de trabalhador, tem relevância os antecedentes criminais deste, viola a lei o acto administrativo que opera tal revogação com fundamento em o trabalhador ter sido julgado e condenado à revelia, em pena de prisão, cujo procedimento penal veio a ser extinto por prescrição sem que, portanto, a sentença condenatória tenha transitado em julgado.

O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 29 de Janeiro de 2016, do Secretário para a Segurança, que, em recurso hierárquico, manteve a decisão do Comandante Substituto do Corpo de Polícia de Segurança Pública que revogou a autorização de permanência do recorrente na qualidade de trabalhador não-residente, com fundamento em que o recorrente foi condenado em pena de prisão pela prática de crime, invocando o disposto na alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 6/2004, por força do n.º 1 do artigo 15.º do Regulamento Administrativo n.º 8/2010.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 23 de Novembro de 2017, concedeu provimento ao recurso e anulou o acto recorrido, com fundamento em que o procedimento criminal pelo crime mencionado no acto recorrido fora extinto por prescrição, pelo que o recorrente não tinha antecedentes criminais.
Inconformado, interpõe o Secretário para a Segurança recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando a seguinte questão:
O Tribunal a quo cometeu erro de julgamento, pois o conceito de “antecedentes criminais” no âmbito das leis que regulam a imigração (maxime, na Lei n.º 4/2003), não deve ser entendido e aplicado no seu sentido vulgar, mas sim no seu sentido jurídico próprio, que é o que resulta dos artigos 1.º a 3.º do Decreto-Lei n.º 27/96/M.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
O recorrente é portador do Título de Identificação de Trabalhador Não Residente da RAEM n.º XXXXXXXX, com a data de validade até ao dia 10 de Janeiro de 2016.
O Comandante Substituto do Corpo de Polícia de Segurança Pública proferiu despacho em 30 de Outubro de 2015, revogando a autorização de permanência do recorrente na qualidade de trabalhador.
O recorrente apresentou o recurso hierárquico necessário para o Secretário para a Segurança em 30 de Novembro de 2015.
O Secretário para a Segurança proferiu o seguinte despacho em 29 de Janeiro de 2016:
“DESPACHO
ASSUNTO: Recurso hierárquico necessário
RECORRENTE: A

Avaliando o teor do despacho do Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, substituto, de 30.10.2015, e da petição de recurso hierárquico, que aqui se dão por reproduzidos, verifico que importa decidir sobre duas pretensões:
1. Em primeiro lugar, o Recorrente pede a suspensão do procedimento de revogação da autorização de permanência até à decisão final a proferir no recurso contencioso do indeferimento do seu pedido de autorização de residência.
Todavia, tal suspensão não se justifica, porque aqueles procedimentos são autónomas e independentes, por terem distinta natureza e finalidade:
   - o primeiro é de iniciativa da Administração, visa o objectivo geral de garantir boas condições de ordem e segurança públicas na RAEM, não permitindo a permanência em Macau, na qualidade de trabalhadores, de pessoas que potenciam, em si, um perigo para os referidos interesses e valores públicos e traduz-se, afinal, num acto decisório de conteúdo positivo;
   - o segundo é de iniciativa do particular, visa a obtenção de um estatuto jurídico e traduz-se, afinal, num acto decisório de conteúdo negativo.
Por isso indefiro o recurso, nessa parte.
2. Em segundo lugar, e propriamente a título de recurso hierárquico, o Recorrente pede a revogação do aludido despacho de 30.10.2015.
No entanto, verifica-se que, ao contrário do que reclama, o Recorrente, tem, efectivamente, antecedentes criminais, sendo que a não menção desse facto no certificado de registo criminal, bem como a alegada prescrição penal, não vinculam a Administração no âmbito do procedimento administrativo que visa a revogação da autorização de permanência, na qualidade de trabalhador.
Por outro lado, o Recorrente invoca a circunstância de o seu cônjuge e filhos serem residentes permanentes da RAEM, mas as relações familiares entre um residente e um não residente não conferem ipso facto um direito de o familiar não residente trabalhar/viver na Região.
3. Assim, não sendo apresentadas, pelo Recorrente, razões que aconselhem a opção de revogar o acto administrativo impugnado, dou o meu acordo, afinal, ao sentido da decisão. Em todo o caso, verificando que o acto impugnado não se mostra adequadamente fundamentado, modifico-o como segue, ao abrigo do art.º 161, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo:
“Está suficientemente comprovado, no processo, que o Recorrente tem antecedentes criminais, pela prática, na RAEM, de crimes de associação criminosa/sociedade secreta, jogo ilícito e exercício ilegal da actividade de radiodifusão.
As aludidas condutas, principalmente a de participação em associação criminosa/sociedade secreta, evidenciam, objectivamente, que a manutenção da autorização de permanência do Recorrente na RAEM, que se caracteriza por uma certa continuidade, por ser na qualidade de trabalhador, comporta riscos para a ordem e segurança da comunidade residente.
Com efeito, ainda que os factos criminosos datem de 1998, isso não é de molde a afastar o juízo de que o Recorrente pode propender a envolver-se de novo em práticas criminosas complexas, especialmente naquelas, particularmente graves, em que foi condenado (máxime, de associação criminosa/sociedade secreta). E isso não é prejudicado pelo facto de, entretanto, não haver notícia de outras práticas criminosas em Macau, como consta do processo, o Recorrente, após o levantamento da medida de coacção (prisão preventiva) abandonou a RAEM e não mais compareceu, nem sequer ao julgamento (foi julgado à revelia, em 31.03.2000), sendo que, até 2013, quando se completou o prazo de 15 anos da prescrição penal impendia sobre ele um mandado de detenção.
Ora, no n.º 1 do artigo 15.º do Regulamento Administrativo n.º 8/2010, prevê-se que a autorização de permanência, na qualidade de trabalhador, pode ser revogada quando se verifiquem os pressupostos previstos na lei para a revogação da autorização de permanência de quaisquer não residentes.
Assim, tudo ponderado, ao abrigo do citado n.º 1 do artigo 15.º do Regulamento Administrativo n.º 8/2010, conjugado com a alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 6/2004, determino a revogação da autorização de permanência, na qualidade de trabalhador, concedida a A (sic).”


III – O Direito
1. Questões a apreciar
O ora recorrido A foi interessado em, pelo menos, dois procedimentos administrativos, que culminaram com actos administrativos da ora entidade recorrente, o Secretário para a Segurança. Ambos os actos foram impugnados contenciosamente para o TSI e nos dois casos, houve recurso para este TUI. O presente recurso jurisdicional refere-se a um dos dois casos. Mas comecemos pelo primeiro porque tem relevância para a apreciação do recurso dos autos.
No nosso Processo n.º 14/2017, A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 19 de Agosto de 2015, do Secretário para a Segurança, que negou a concessão de autorização de residência temporária do recorrente, com fundamento em que o recorrente foi condenado em pena de prisão pela prática de crimes, que podem constituir ameaça e perigo para a segurança interna e tranquilidade da Região.
O TSI, por acórdão de 27 de Outubro de 2016, concedeu provimento ao recurso e anulou o acto recorrido, com fundamento em que o procedimento criminal fora extinto por prescrição, pelo que o recorrente não tinha antecedentes criminais.
O TUI, por acórdão de 31 de Maio de 2017, decidiu que, para efeitos do disposto na alínea 1) do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, não tem antecedentes criminais o julgado e condenado à revelia, em pena de prisão, cujo procedimento penal veio a ser extinto por prescrição.
E assim, negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Secretário para a Segurança.
Cabe recordar que, nos termos do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, o Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM. E, face ao n.º 2 do mesmo artigo, para efeitos de concessão da autorização referida deve atender-se, nomeadamente, aos antecedentes criminais do interessado.
No presente processo, sendo embora o mesmo interessado, A, estamos perante um diferente procedimento. Aqui já não está em causa a concessão de autorização de residência em Macau, mas a mera revogação de autorização de permanência como trabalhador não-residente.
No caso dos autos, o preceito aplicável e relevante não se refere a antecedentes criminais do trabalhador. Diz antes a alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 6/2004, aplicável por força do n.º 1 do artigo 15.º do Regulamento Administrativo n.º 8/2010, que a autorização de permanência na RAEM pode ser revogada, por despacho do Chefe do Executivo, quando a pessoa não residente constitua perigo para a segurança ou ordem públicas, nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM.
No entanto, como o acto recorrido invocou apenas como fundamento para revogação da permanência a condenação do interessado em pena de prisão, o acórdão recorrido considerou que relevava a questão de saber se o interessado tinha ou não antecedentes criminais, sendo que o TUI já decidira no caso anterior que o A não tinha antecedentes criminais, dado que o procedimento criminal prescrevera antes do trânsito em julgado da condenação.
No presente recurso jurisdicional o Secretário para a Segurança só suscita uma questão. Defende que o recorrido tem antecedentes criminais, pelo que o acórdão recorrido deve ser revogado.
E face ao princípio de que os recursos se limitam a conhecer das questões objecto de recurso e não de outras, salvo as de conhecimento oficioso, limitar-nos-emos a apreciar se o interessado tinha ou não antecedentes criminais.

2. Antecedentes criminais
No nosso acórdão 31 de Maio de 2017, no Processo n.º 14/2017, dissemos o seguinte:
“Ao recorrente foi negada a autorização de residência em Macau por ter antecedentes criminais.
Trata-se de saber se tem antecedentes criminais o indivíduo condenado à revelia pela prática de crime, em pena de prisão, cujo procedimento criminal veio a ser extinto por prescrição.

2. Condenação à revelia, não transitada em julgado
O arguido foi julgado e condenado, à revelia, pela prática de crimes, em pena de prisão.
A sentença nunca transitou em julgado, em virtude de o arguido não ter sido notificado da sentença condenatória e, entretanto, o procedimento criminal veio a ser extinto por prescrição.
Atente-se que não foi a pena que foi extinta por prescrição. Esta supõe o trânsito em julgado da sentença condenatória. No caso dos autos foi o próprio procedimento penal que foi extinto por prescrição, por nunca ter transitado em julgado a sentença.
Ou seja, a condenação do arguido foi meramente provisória e nunca se tornou definitiva, em virtude de ter sido julgado na sua ausência, dado que, quando se aguardava a notificação do arguido da sentença, decorreu o prazo de prescrição do procedimento criminal, que apagou a sentença condenatória, pelo que, esta, para todos os efeitos, não existe.
O procedimento penal extingue-se por efeito da prescrição (artigo 110.º do Código Penal).
Logo, o arguido não tem antecedentes criminais.
Como refere o parecer do Ex.mo Magistrado do Ministério Público, citando um autor, uma vez prescrito o crime, antes de qualquer decisão transitada em julgado, qualquer solução que o considerasse, de futuro, para efeitos criminais, seria atentatório do princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 29.º da Lei Básica.
O acórdão recorrido não merece censura”.
Mantemos o nosso entendimento.
Não obstante, vamos apreciar o novo argumento invocado agora pela entidade recorrente: antecedentes criminais são o que resulta dos artigos 1.º a 3.º do Decreto-Lei n.º 27/96/M, de 3 de Junho, pelo que uma condenação não transitada em julgado constitui um antecedente criminal. E acrescenta a mesma entidade, a própria sentença absolutória constitui um antecedente criminal.
O Decreto-Lei n.º 27/96/M, ainda vigente, regula o registo criminal, dispondo o n.º 1 do artigo 2.º, que o registo criminal é constituído pela informação sobre a identidade civil do titular e pelo conjunto das decisões criminais sobre o mesmo proferidas e registadas nos termos do presente diploma.
Esclarece o n.º 1 do artigo 1.º do mesmo diploma legal que “A identificação criminal tem por objecto a recolha, tratamento e conservação ordenada dos extractos das decisões criminais proferidas por tribunais que pertençam à organização judiciária de Macau contra todos os indivíduos neles acusados, com o fim de permitir o conhecimento dos seus antecedentes criminais”.
E no artigo 3.º estabelecem-se os factos e os actos que estão sujeitos a registo criminal, defendendo o Secretário para a Segurança, que são estes factos e os actos que constituem os antecedentes criminais, para efeitos de negar a alguém autorização de residência em Macau e para revogar autorização de permanência como trabalhador não-residente.
Vejamos o que diz o mencionado artigo 3.º:
“Artigo 3.º
(Conteúdo do registo criminal)
 Estão sujeitos a registo criminal:
 a) Os despachos de pronúncia ou decisões equivalentes;
 b) As decisões que revoguem as referidas na alínea anterior;
 c) As decisões absolutórias, nos casos em que tenha havido despacho de pronúncia ou decisão equivalente;
 d) As decisões condenatórias referentes a crimes, as referentes a contravenções puníveis com pena de prisão e as referentes a contravenções puníveis com multa, quando em reincidência lhes corresponda prisão;
 e) As decisões que revoguem a suspensão da execução da pena de prisão;
 f) As decisões que apliquem medidas de segurança, determinem a sua cessação, reexame, prorrogação ou suspensão, ou revogação da suspensão, concedam ou revoguem a liberdade experimental, bem como as decisões relativas a imputáveis portadores de anomalia psíquica ou a expulsão de inimputáveis não-residentes;
 g) As decisões que prorroguem a pena de prisão e as que concedam ou revoguem a liberdade condicional e o cancelamento definitivo ou provisório;
 h) As decisões que apliquem amnistias, nos casos em que tenha havido despacho de pronúncia ou decisão equivalente, indultos e perdões;
 i) As decisões que determinem a não transcrição em certificados de registo criminal de condenações que tenham aplicado;
 j) Os acórdãos que concedam a revisão das decisões;
 l) As decisões que concedam ou deneguem a entrega de infractores em fuga;
 m) Os despachos de admissão de recurso das decisões sujeitas a registo;
 n) As datas de início, termo, suspensão ou extinção das penas de prisão, das penas acessórias e das medidas de segurança;
 o) O cumprimento das penas de multa;
 p) O falecimento do titular do registo criminal”.
Ora, se bem que a identificação criminal tenha por objecto a recolha, tratamento e conservação ordenada dos extractos das decisões criminais proferidas pelos tribunais contra os indivíduos neles acusados, com o fim de permitir o conhecimento dos seus antecedentes criminais, daqui não se pode retirar que todos os registos previstos na lei, que constituem o Registo Criminal, constituam antecedentes criminais, para efeito de outras leis retirarem efeitos desfavoráveis aos registados, nomeadamente, impedindo-os de se tornarem residentes de Macau ou de continuarem a trabalhar em Macau.
Manifestamente, o que consta do artigo 3.º são os registos impostos por lei, relacionados com a prática de crime, mas não constituem, por si, antecedentes criminais.
O ora recorrente defende que todos os factos e os actos previstos nas alíneas a) a p) do artigo 3.º constituem antecedentes criminais para os efeitos dos autos.
Salvo o devido respeito, considerar que o falecimento do titular do registo criminal [alínea p)] constitua um antecedente criminal para o próprio, é difícil de sustentar, para não dizer mais.
E as decisões absolutórias, nos casos em que tenha havido despacho de pronúncia ou decisão equivalente também estão sujeitas a registo criminal [alínea c)], defendendo o recorrente, na sua alegação, que constituem um antecedente criminal para efeitos de revogação da autorização de permanência de um trabalhador.
Ora, nada nas leis permitem fazer esta interpretação. Mas, se por absurdo uma lei visasse produzir este efeito, ela não poderia ser aplicada por violar frontalmente o artigo 29.º da Lei Básica, segundo o qual, quando um residente (ou um não residente – artigo 43.º), for acusado da prática de um crime deve presumir-se inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação pelo tribunal.
Se uma lei estatuísse que alguém sofreria consequências desfavoráveis por ter sido julgado pela prática de um crime e absolvido por sentença transitada em julgado, essa lei violaria o artigo 29.º da Lei Básica.
Em resumo, não é possível defender que uma pessoa tem antecedentes criminais sem ter sido condenada por sentença transitada em julgado.
O acórdão recorrido não merece censura.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso jurisdicional.
Sem custas.
Macau, 16 de Maio de 2018.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa









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Processo n.º 24/2018