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Processo n.º 40/2018. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: Secretário para a Segurança.
Recorrido: A.
Assunto: Matéria de facto. Falta de provas em processo disciplinar. Recurso para o Tribunal de Última Instância.
Data do Acórdão: 16 de Maio de 2018.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – O Tribunal de Última Instância (TUI) só conhece de matéria de direito, no recurso jurisdicional administrativo (artigo 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso), pelo que não lhe cabe apreciar matéria de facto, em que não está em causa nenhuma violação de norma legal ou princípio jurídico, mas a livre apreciação da prova por parte do acórdão recorrido, insindicável pelo TUI.
II - O princípio explicitado na conclusão anterior aplica-se ao acórdão do Tribunal de Segunda Instância que anulou acto punitivo de demissão, que considerou ter sido praticado sem se ter feito prova dos factos imputados ao arguido no processo disciplinar.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A, Verificador Alfandegário dos Serviços de Alfândega, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 14 de Novembro de 2016, do Secretário para a Segurança, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 11 de Janeiro de 2018, concedeu provimento ao recurso, anulando o acto recorrido, por falta de prova dos factos imputados ao arguido no acto punitivo.
Inconformado, interpõe recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI) o Secretário para a Segurança, tendo alegado, de útil, que a decisão punitiva baseou-se na apreciação dos elementos disponíveis dos autos, em que não deixou de estar presente a acomodação do arguido aos factos que lhe eram opostos, não obstante a sua gravidade, não obstante a sua qualidade de agente policial, o que não significou, porém, qualquer inversão do ónus da prova, ou violação da presunção da inocência do arguido.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II – Os factos
i) O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
O recorrente é verificador alfandegário dos Serviços de Alfândega.
No âmbito do Processo Disciplinar nº XX/XXXX-X.X-XXX, instaurado contra o recorrente, foi proferido a 14.11.2016 pelo Exm.º Secretário para a Segurança, o seguinte despacho:
“Despacho n.º XX/XX/XXXX
Processo disciplinar n.º XX/XXXX-X.X.XXX
Arguido: Verificador Alfandegário n.º XXXXX, A, SA
Nos presentes autos vem suficientemente provado que o arguido, Verificador Alfandegário n.º XXXXX, A, dos Serviços de Alfândega, entre indeterminada data do mês de Abril e 27 de Julho de 2012, se dedicou à exploração da prostituição, em colaboração de esforços com outro indivíduo, seu co-arguido no processo crime que corre termos no Ministério Público, sob o inquérito registado com o n.º 7364/2012, tomando a seu cargo o papel de fotografar jovens mulheres contratadas no China interior para prestação de serviços sexuais em Macau, publicando as fotografias na internet para efeitos de publicidade.
Com esta actividade, o arguido auferia uma comissão que se estima em 100 patacas por cada serviço prestado pelas jovens, partilhando-a com o seu co-arguido.
A exploração da prostituição, seja qual for a forma pela qual é prosseguida, constitui crime previsto e punido pela Lei Penal de Macau, constituindo uma conduta especialmente censurável disciplinarmente, em particular quando protagonizada, como o revelam os factos imputados a arguido, por um elemento de uma corporação com natureza de órgão policial, de quem se espera seja um exemplo de respeito pela legalidade instituída e que sempre actue, tanto na sua vida profissional, como na sua vida privada, por forma a reforçar a confiança da população na instituição que serve. Com este comportamento o arguido afrontou regras elementares de ética, afectando o decoro e o brio da corporação a que pertence, os Serviços de Alfândega.
O arguido, violou de forma grave, atento o grau de culpa formulado com base num juízo de censura ético-jurídica da sua conduta pelo comum dos cidadãos, os deveres funcionais que sobre si impendem, e constam da al. a) n.º 3 do artigo 5º e das alíneas f) e o) do n.º 2 do artigo 12º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo Decreto-lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro.
A conduta do arguido, pese embora referida a ambiente estranho à corporação, compromete definitivamente a relação funcional, tornando-a insustentável, por absoluta perda de confiança geral necessária à sua manutenção, tal a indignidade social que a caracteriza.
Pelo que, depois de ouvido do Conselho de Justiça e Disciplina e ponderada que foi a atenuante do bom comportamento anterior a que se refere a al. b) do n.º 2 do artigo 200º do EMFSM, no uso da competência que me advém das disposições conjugadas do Anexo G ao seu artigo 211º, com referência ao n.º 1 da Ordem Executiva n.º 111/2014, PUNO o arguido, Verificador Alfandegário n.º XXXXX, A, dos Serviços de Alfândega, com a pena de DEMISSÃO, nos termos da alínea n) do n.º 2 do artigo 238º do citado Estatuto”.
ii) Mais se fez constar no acórdão recorrido :
No processo disciplinar o único elemento de prova constituiu o recebimento de acusação do Ministério Público contra o arguido, já que este, ouvido no processo disciplinar, exerceu o seu direito ao silêncio. Acrescentou-se ainda: “Foi junto um recorte de jornal, constante de fls. 8 e 9 do processo administrativo, mas entendemos que tal não pode servir como prova dos factos imputados”.

III – O Direito
1. A questão a resolver
Trata-se de saber se o acórdão recorrido violou a lei ao decidir que o acto punitivo de demissão foi praticado sem se ter feito prova dos factos imputados ao arguido no processo disciplinar.

2. Matéria de facto
É pacífico que o Tribunal de Última Instância só conhece de matéria de direito, no recurso jurisdicional administrativo (artigo 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso), pelo que não lhe cabe apreciar matéria de facto, como a que está em causa, visto não estar em causa nenhuma violação de norma legal ou princípio jurídico, mas a livre apreciação da prova por parte do acórdão recorrido, insindicável pelo TUI.

3. Nota final
A final, o acórdão recorrido emitiu uma opinião, no sentido de ainda ser permitido à Administração ponderar de novo efectuar novas diligências de prova, aplicando de novo, uma pena ao arguido.
Trata-se de mera opinião, sem a eficácia e a força de uma decisão judicial, porque esta está limitada pelo pedido e causa de pedir (anulação do acto administrativo com fundamento em vícios arguidos na petição do recurso contencioso), sendo que aquela decisão anulou o acto administrativo por falta de prova dos factos imputados ao arguido no processo disciplinar. Será este o âmbito do caso julgado, após trânsito em julgado do presente acórdão.
Afigura-se-nos (trata-se, também, como é óbvio, de mero entendimento não vinculativo) que tal opinião não está correcta.
Na verdade, no nosso sistema jurídico (nos sistemas anglo-saxónicos não é exactamente assim), a decisão final, no processo penal, que julga não provados os factos da acusação, conduz à absolvição, o que impede novo julgamento. Trata-se de uma decisão definitiva, logo que transitada em julgado. Como explica PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE1 “Ninguém pode ser julgado em novo processo penal pelos mesmos factos após decisão transitada em julgado que considere que os factos não constituem crime, que os factos não se provaram ou que o procedimento criminal está extinto por motivos não estritamente pessoais. Esta regra estabelece a eficácia da sentença absolutória com base em causas objectivas dentro do processo penal”.
O mesmo princípio se aplica à decisão disciplinar, que é anulada judicialmente por não se ter feito prova dos factos imputados ao arguido no processo disciplinar, pois que, como decidimos no acórdão de 31 de Julho de 2012, no Processo n.º 41/2012:
I – De acordo com o artigo 256.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro, o processo disciplinar dos membros das forças de segurança rege-se pelas normas constantes do mencionado Estatuto e, na sua falta ou omissão, pelas regras aplicáveis do regime disciplinar vigente para os trabalhadores da Administração Pública de Macau e da legislação processual penal.
II – Ainda que não existisse norma citada na conclusão anterior, como o procedimento disciplinar é um procedimento administrativo especial, de natureza sancionatória, no processo de integração de lacunas, esgotado o recurso à analogia dentro do próprio direito processual disciplinar, há que fazer apelo às normas e princípios do procedimento administrativo, só em seguida se recorrendo às normas e princípios do processo penal, na medida em que não vá contra a especificidade do procedimento disciplinar.
O acórdão recorrido decidiu que o acto punitivo não se podia manter porque os factos imputados ao arguido não se provaram. No caso, os meios de prova do processo disciplinar foram a dedução de acusação contra o arguido em processo criminal e um recorte de jornal. Mas a situação seria precisamente a mesma se tivessem sido inquiridas testemunhas ou outro meio de prova e o Tribunal julgasse os factos não provados e anulasse, por isso, o acto punitivo. Certamente que a Administração não poderia reabrir o processo disciplinar e inquirir mais 3 ou 4 testemunhas. As situações são exactamente idênticas do ponto de vista jurídico-procedimental e processual.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso jurisdicional.
Sem custas.
Macau, 16 de Maio de 2018.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa

1 PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal à Luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2011, 4.ª edição, p. 977.
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