打印全文
Processo n.º 38/2018
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança
Data da conferência: 16 de Maio de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Suspensão de eficácia de actos administrativos
- Princípio da tutela jurisdicional efectiva
- Prejuízo de difícil reparação

SUMÁRIO
1. A violação, ou não, do princípio da tutela jurisdicional efectiva não se deve aferir com a procedência, ou não, da pretensão do interessado, não sendo de acolher o entendimento de que só com uma decisão judicial favorável fica cumprido o princípio em causa e efectivamente tutelado o interesse legalmente protegido.
2. É de considerar como de difícil reparação o prejuízo consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares.
3. Cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, não sendo bastante a mera utilização de expressões vagas e genéricas.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificado nos autos, requereu junto ao Tribunal de Segunda Instância e ao abrigo do disposto nos art.ºs 120.º, 121.º e 123.º n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo Contencioso, o procedimento cautelar de suspensão de eficácia do acto do Senhor Secretário para a Segurança, de 22 de Janeiro de 2018, que confirmou no recurso hierárquico o despacho proferido em 18 de Agosto de 2017 pelo Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), que revogou a autorização de permanência em Macau enquanto trabalhador não residente.
Por Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, foi indeferido o pedido de suspensão de eficácia do acto.
Inconformado com este Acórdão, vem A recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Vem o ora Recorrente recorrer da decisão proferida pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância (TSI) de não suspensão de eficácia do despacho proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, que manteve a decisão de revogação da sua autorização de permanência na RAEM enquanto trabalhador não residente.
2. Considerou o Venerando Tribunal de Segunda Instância que embora se tenham dado por verificados os requisitos constantes nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC, o mesmo não aconteceu com o requisito exigido na alínea a) e que, consequentemente, a suspensão do acto impugnado não causa previsivelmente um prejuízo de difícil reparação para o Recorrente.
3. É sobre esta decisão que o Recorrente, não se conformando com a mesma, ora recorre.
4. Entendeu o TSI que não se encontra preenchido o requisito da alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º CPAC, ou seja, que “a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso”.
5. Este requisito determina que a providência deve ser concedida se, face à sua não concessão, se vier a verificar uma situação de facto consumado insusceptível de alteração e reparação para os interesses que o Recorrente visa assegurar no processo principal.
6. Sobre este requisito foram vertidas as seguintes conclusões: “(…) Salvo o devido respeito por melhor opinião, somos a entender que, no caso vertente, o requerente não apresentou prova mínima susceptível de demonstrar os factos por si alegados, no sentido de que a privação do rendimento decorrente da perda de emprego em Macau irá gerar uma situação de carência quase absoluta e impossibilitar a satisfação das necessidades básicas e elementares da própria família. Embora seja verdade que, com a revogação da autorização de permanência do requerente, este ficará impedido de permanecer e continuar a trabalhar na RAEM, mas o requerente não logrou demonstrar a impossibilidade de ele assegurar o seu próprio sustento e o sustento da sua família. De facto, não sabemos se o Requerente, para além dos rendimentos provenientes do exercício da sua actividade profissional, terá também outras fontes de rendimento ou poupanças, e se as tiver, a perda de rendimentos profissionais pode não afectar o requerente em termos absolutos. Além de que não logrou o requerente justificar e demonstrar por que razão não irá conseguir arranjar outro emprego fora da RAEM, por forma a obter meios de subsistência. Desta forma, por não se ter logrado a prova da irreparabilidade ou de difícil reparação dos prejuízos decorrentes da execução do acto, vai o pedido indeferido (…)”.
7. Com o devido respeito, não podemos concordar com a decisão ora recorrida.
8. Em primeiro lugar, importa referir que o recurso contencioso de anulação de actos administrativos não tem efeito suspensivo, sendo que, como se sabe, levará algum tempo a ser decidido, pelo que a execução imediata do acto prejudica irremediavelmente o Recorrente.
9. O procedimento de suspensão de eficácia é um procedimento cautelar conservatório destinado precisamente a acautelar o efeito útil do recurso contencioso, tendo como finalidade manter o status quo perante a ameaça de um dano irreversível, de modo a manter inalterada a situação preexistente ao recurso contencioso e evitando alterações prejudiciais, isto é, a não produção de efeitos do despacho que revogou a autorização de permanência do Recorrente na RAEM.
10. Dado o carácter de urgência do pedido de suspensão de eficácia, como providência cautelar que é, não pode exigir-se uma prova stricto sensu que demonstre a veracidade dos factos articulados, mas tão só uma prova simples da situação jurídica alegada pelo Recorrente, sendo suficiente a existência aparente da situação alegada. Quer isto dizer que, atenta a sua estrutura simplificada e natureza urgente, a providência cautelar requer apenas uma prova sumária da probabilidade séria do direito invocado e do receio fundado ou iminência de danos ou prejuízos, de modo a assegurar um processo célere que acautele o direito em questão.
11. Conforme alegado no referido pedido de suspensão de eficácia apresentado, o Recorrente encontra-se a residir e a trabalhar na RAEM há 4 anos, onde tem uma relação de trabalho estável e aufere um salário mensal com o qual se sustenta e sustenta todo o seu agregado familiar, composto pela sua mãe, irmã, companheira e dois filhos menores.
12. O Recorrente é o único membro da família a trazer sustento, pelo que, caso a sua autorização de permanência seja revogada, ficará o mesmo, de repente, sem qualquer possibilidade de se sustentar a si e ao seu agregado familiar.
13. Com todo respeito, os factos alegados revelam por si só uma auto-suficiência para o decretamento da suspensão de eficácia do acto proferido pela Administração, porquanto são os mesmo susceptíveis de conferir uma dose quanto baste de credibilidade e de veracidade. Mais ainda, para a suspensão da eficácia do acto, a Lei basta-se com a previsibilidade do prejuízo, sendo necessário apenas que se faça um mero juízo indiciário sobre tal prejuízo, o que no nosso caso é inquestionável.
14. É do conhecimento comum que a consequência necessária e directa da não-manutenção da autorização de permanência na RAEM, seja a do Recorrente seja a de outro qualquer trabalhador não residente, é o imediato cancelamento da relação laboral, à qual acrescem os custos sociais e económicos que tal decisão acarreta, nomeadamente, o facto do Recorrente deixar abruptamente de auferir um salário e, consequentemente, deixar de se poder sustentar condignamente a si e ao seu agregado familiar.
15. Isto porque o salário auferido pelo Recorrente representa a sua única fonte de sustento e de toda a sua família.
16. Entende-se por meios de subsistência as mais elementares carências de subsistência e de vida como seja prover pela sua alimentação, vestuário, saúde e habitação.
17. Sendo-lhe revogado o seu direito de permanência na RAEM, o Recorrente ficará sem trabalho e sem meio de se poder sustentar a si e à sua família, o que acarretará naturalmente consequências nefastas e um prejuízo de reparação impossível para si e para o seu agregado familiar.
18. Assim, salvo o devido respeito, não compreende o Recorrente o alegado na douta decisão recorrida de que o mesmo “não apresentou prova mínima susceptível de demonstrar os factos por si alegados”, nomeadamente que “a privação do rendimento decorrente da perda de emprego em Macau irá gerar uma situação de carência quase absoluta e impossibilitar a satisfação das necessidades básicas e elementares da própria família”, não logrando demonstrar “a impossibilidade de ele assegurar o seu próprio sustento e o sustento da sua família”.
19. Alega também o TSI que o Recorrente nada alegou acerca da sua situação pessoal e financeira, não indicando se possuía “outras fontes de rendimentos ou poupanças”. Salvo o devido respeito, não pode o Recorrente concordar com tal afirmação. Foi pelo mesmo declarado no pedido de suspensão de eficácia apresentado que aufere um salário com o qual se sustenta a si e à sua família e que, na eventualidade de ter que abandonar a RAEM, deixará de auferir esse salário, ficando consequentemente impossibilitado de se sustentar, bem como de sustentar o seu agregado familiar.
20. Por via de regra, a principal fonte de rendimento dos trabalhadores não residentes decorre única e exclusivamente da sua actividade profissional, principalmente no caso dos presentes autos, em que se trata de um cidadão nacional da Tanzânia, país em que são notoriamente conhecidas as dificuldades em que seus nacionais vivem.
21. Deste modo, salvo o devido respeito, parece-nos claro que, à semelhança dos outros factos alegados, caso o Recorrente possuísse outras fontes de rendimento ou poupanças para além do salário decorrente da sua actividade profissional, não seriam pelo mesmo envidados tantos esforços para não perder seu trabalho, nem assumiria a sua eventual perda uma situação de fulcral importância para o Recorrente.
22. Entende, pois, o Recorrente, salvo o devido respeito, estar completa a informação facultada ao TSI no que respeita à sua situação pessoal e financeira.
23. A douta decisão recorrida indica ainda que “(…) não logrou o requerente justificar e demonstrar por que razão não irá conseguir arranjar outro emprego fora da RAEM, por forma a obter meios de subsistência (…)”.
24. O Recorrente é de natural da Tanzânia, encontrando-se a residir e a trabalhar na RAEM há 4 anos. Aqui, impõe-se questionar como é que poderá o Recorrente de um momento para o outro arranjar trabalho fora da RAEM, seja no seu país de origem, seja noutro país, sem que isso lhe acarrete um prejuízo de difícil reparação?!
25. A Tanzânia é um dos países mais pobres do mundo, cuja economia depende essencialmente da agricultura e das exportações. Por este motivo, decidiu o Recorrente sair do país e procurar trabalho em Macau, de forma a poder proporcionar a si e à sua família melhores condições de vida. Regressando ao seu país de origem, o Recorrente não só terá imensa dificuldade em arranjar emprego, se o arranjar, como os salários praticados na Tanzânia são consideravelmente menores aos salários praticados na RAEM.
26. Tendo em conta que o Recorrente é a única fonte de sustento da família, tal situação determinará obrigatoriamente um agravamento das condições de vida dos mesmos, causando um prejuízo de difícil reparação.
27. Por outro lado, é do conhecimento geral que os cidadãos da Tanzânia necessitam de um visto de entrada e da respectiva autorização de trabalho para residir e trabalhar num país estrangeiro, pelo que, no período de tempo em que estiver a aguardar pelo referido visto e respectiva autorização de trabalho, estará o Recorrente impossibilitado de trabalhar e de auferir um salário que lhe permita sustentar-se a si e à sua família, ficando submetido a uma condição de vida desumana face à impossibilidade de se poder sustentar, o que, mais uma vez, causará um prejuízo de difícil reparação.
28. A decisão de revogação da autorização de permanência do Requerente na qualidade de trabalhador não residente encontra-se inquinada dos vícios de falta de fundamentação e de violação de Lei, os quais foram alegados no recurso contencioso que deu entrada no TSI e que se encontra ainda em apreciação, sendo que o Recorrente não concebe nem antevê outro resultado que não seja a revogação da decisão de revogação da sua autorização de permanência na RAEM enquanto trabalhador não residente.
29. De acordo com as regras da experiência comum, a decisão a proferir sobre o recurso contencioso interposto nunca será tomada em tempo útil de forma a evitar prejuízos para o Recorrente. Assim, vindo a ser proferida sentença favorável ao Recorrente, a mesma não terá qualquer utilidade prática se a sua relação laboral já se encontrar dissolvida e o mesmo tiver sido obrigado a sair do território pela Administração!
30. O Recorrente tem um sério e fundado receio que, em face de eventuais delongas na prolação da sentença por parte do Tribunal, tal demora venha a causar-lhe prejuízos irreparáveis, designadamente que o submeta a uma condição de vida desumana face à impossibilidade de se poder sustentar, sendo que tais prejuízos alegados não se tratam de uma mera probabilidade, mas antes de uma certeza inegável!
31. Como defende o Professor Freitas do Amaral, “(…) para evitar que a anulação tardia do acto recorrido já não traga qualquer benefício útil ao recorrente, a lei prevê o instituto da suspensão da eficácia dos actos administrativos (…)”. Do mesmo modo ensina Vieira de Andrade que este meio processual urgente permite “(…) acautelar o efeito útil do recurso, evitando que, em determinadas situações, a demora normal (e, por maioria de razão, a anormal) do processo possa retirar todo o alcance prático à sentença de provimento (ou na linguagem clássica, um meio para combater o “periculum in mora”) (…)”.
32. Se, por mera hipótese, não for dado provimento ao presente recurso e for decretada a providência requerida, o que não se concede, quando vier a ser decidida no recurso contencioso de anulação a questão de fundo, tal decisão poderá não vir a ter qualquer utilidade.
33. Por essa razão, impõe-se a suspensão de eficácia do acto recorrido e a suspensão da decisão de revogação da autorização de permanência do Recorrente na RAEM até decisão final do recurso contencioso, de modo a evitar uma posterior situação de impossibilidade ou de irreversibilidade da legalidade.
34. O princípio da tutela judicial efectiva atribui aos juízes amplos poderes cautelares, legitimando-os a adoptarem a medida cautelar que, em cada situação, se afigure mais idónea para assegurar a eficácia e utilidade da sentença final.
35. Por todo o exposto, entende o Recorrente que, salvo o devido respeito, o douto Acórdão recorrido violou a lei, nomeadamente o disposto nos artigos 2.º e 121.º do CPAC, pelo que se impõe uma decisão diversa no sentido de que seja concedida a requerida suspensão de eficácia do acto recorrido até decisão final do recurso contencioso, de modo a evitar uma posterior situação de impossibilidade ou de irreversibilidade da legalidade.

Não contra-alegou a entidade recorrida.
O Digno o Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que se deve negar provimento ao recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Os Factos Provados
O Tribunal de Segunda Instância considera indiciariamente provada a seguinte factualidade com pertinência para a decisão da causa:
- Por despacho de 22.1.2018, proferido pelo Exm.º Secretário para a Segurança, foi indeferido o recurso hierárquico interposto do despacho proferido pelo Senhor Comandante da PSP que revogou a autorização de permanência do ora recorrente na qualidade de trabalhador não residente, com fundamento na existência de fortes indícios de que o recorrente teria praticado um crime previsto e punível pelo artigo 200.º do Código Penal em virtude de alegadamente se ter apropriado ilegitimamente do montante de MOP$2.000,00 que terá encontrado na máquina ATM do BNU.
- O recorrente tem nacionalidade Tanzaniana, alegando ter trabalhado na RAEM há 4 anos.

3. O Direito
Imputa o recorrente a violação do disposto nos art.ºs 2.º e 121.º do CPAC.
Desde logo, não se vislumbra como foi violado o art.º 2.º do CPAC, que consagra o princípio da tutela jurisdicional efectiva, segundo o qual “A todo o direito subjectivo público ou interesse legalmente protegido corresponde um ou mais meios processuais destinados à sua tutela jurisdicional efectiva, bem como os procedimentos preventivos e conservatórios necessários para acautelar o efeito útil de tais meios”.
Na realidade, ao recorrente é garantido o direito, que foi efectivamente exercido, de interpor o recurso contencioso contra a decisão administrativa, que revogou a sua autorização de permanência na qualidade de trabalhador não residente, bem como de requerer o procedimento preventivo, que é a presente suspensão de eficácia requerida, pretensão esta que foi apreciada pelo TSI.
A violação, ou não, do princípio da tutela jurisdicional efectiva não se deve aferir com a procedência, ou não, da pretensão do interessado, não sendo de acolher o entendimento de que só com uma decisão judicial favorável fica cumprido o princípio em causa e efectivamente tutelado o interesse legalmente protegido.
Improcede a alegação do recorrente.

O regime de suspensão de eficácia dos actos administrativos é previsto nos art.ºs 120.º e segs. do CPAC.
Regula o art.º 121.º a legitimidade e os requisitos para a suspensão de eficácia:
“A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
Como se sabe, os requisitos contemplados nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 121.º para a suspensão de eficácia dos actos administrativos são de verificação cumulativa, bastando a não verificação de um deles para que a providência não seja decretada, salvo nas situações previstas nos n.ºs 2, 3 e 4.
É claro que o caso vertente não se integra em nenhuma das situações dos n.ºs 2, 3 e 4 do art.º 121.º, daí que se exige a verificação de todos os requisitos do n.º 1.

No presente recurso, o acórdão recorrido considera verificados os requisitos previstos nas al.s b) e c) do n.º 1 do art.º 121.º.
Discute-se apenas o preenchimento, ou não, do requisito indicado na al. a), que se refere ao prejuízo de difícil reparação, causado pela execução do acto administrativo.
O acórdão recorrido entende que, competindo ao requerente alegar e demonstrar a existência do prejuízo de difícil reparação decorrente da execução do acto, para que a suspensão de eficácia seja concedida, o recorrente não logrou a prova dessa irreparabilidade ou de difícil reparação dos prejuízos, o que impõe o indeferimento do pedido do recorrente.
Afigura-se-nos que não merece censura tal decisão, pois também achamos que não está preenchido o pressuposto elencado na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º.

Desde logo, há que ver em que consiste o previsível prejuízo de difícil reparação, exigido na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC, tendo em conta o caso concreto em questão.
Ora, tal como entende este Tribunal de Última Instância, o dano susceptível de quantificação pecuniária pode ser considerado de difícil reparação para o requerente, sendo de considerar ainda como tal os casos “em que a avaliação dos danos e a sua reparação, não sendo de todo em todo impossíveis, podiam tornar-se muito difíceis” bem como o prejuízo “consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares”.1
E “a dificuldade de reparação do prejuízo deve avaliar-se através de um juízo de prognose relativo a danos prováveis, tendo em conta o dever de reconstrução da situação (hipotética) pela autoridade administrativa na sequência (em execução) de uma eventual sentença de anulação.”2
Por outro lado, as jurisprudências têm entendido que cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos, não bastando alegar a existência de prejuízos, não ficando tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente.

No caso concreto, e para fundamentar o invocado prejuízo de difícil reparação decorrente da execução da decisão administrativa, alega o recorrente que, sendo o único membro da família a trazer sustento, ele tem em Macau uma relação de trabalho estável e aufere um salário mensal, que representa a sua única fonte de sustento e de toda a sua família e com o qual se sustenta e sustenta todo o seu agregado familiar, composto pela sua mãe, irmã, companheira e dois filhos menores, pelo que, caso a sua autorização de permanência seja revogada, ficará o mesmo, de repente, sem qualquer possibilidade e sem meio de se poder sustentar a si e à sua família.
Na óptica do recorrente, os factos alegados revelam por si só uma auto-suficiência para o decretamento da suspensão de eficácia do acto proferido pela Administração.
No entanto, não se afigura bastante a alegação, sendo ainda necessário provar os factos alegados, fazendo-o por forma concreta e especificada a demonstrar a existência de prejuízos previsíveis de difícil reparação decorrentes da execução do acto administrativo em causa.
Sucede que o recorrente não apresentou nenhuma prova para demonstrar os factos por si alegados, a fim de permitir ao tribunal conhecer a situação económica dele e da família, não se sabendo se o recorrente precisa de mandar todos os meses dinheiro, e quanto dinheiro, à sua terra para o sustento da família, se tem poupanças provenientes do seu salário mensal, etc., enfim, se a perda do emprego irá gerar uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares da família.
É verdade que Tanzânia é um país pobre onde a vida não tem as mesmas condições em Macau e a perda do emprego determinará um agravamento das condições de vida do recorrente e dos seus familiares.
Tal não significa, porém, que a actividade exercida em Macau é o único que o recorrente consegue arranjar e nem o próprio recorrente alegou que não conseguiria qualquer emprego na sua terra ou em outros locais do mundo e consequentemente sustentar os seus familiares.
Concluindo, entende-se que o recorrente não logrou provar que a execução do acto administrativo cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para si ou para os interesses que ele defenda ou venha a defender no recurso, pelo que se deve negar provimento ao recurso.

4. Decisão
Face ao expendido, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente com a taxa de justiça fixada em 4UC.

Macau, 16 de Maio de 2018

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa

1 Ac. do TUI, de 25-4-2001, Proc.º 6/2001.
2 José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p. 176.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




1
Processo n.º 38/2018