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Processo n.º 293/2017 Data do acórdão: 2018-5-3 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
– instigação
– autoria mediata
– art.o 25.o do Código Penal
– medida da pena
S U M Á R I O
1. Como após vistos todos os elementos probatórios já referidos na fundamentação probatória da sentença ora recorrida, não se vislumbra patente que o tribunal sentenciador tenha violado, aquando da formação da sua convicção sobre os factos, quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, quaisquer normas sobre o valor legal da prova, ou ainda quaisquer leges artis a observar no campo de julgamento da matéria de facto, não se verifica o erro notório na apreciação da prova como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
2. A figura de “instigação” fica abrangida pelo conceito de autoria mediata de que se fala no art.o 25.o do Código Penal.
3. Se ponderadas em conjunto todas as circunstâncias fácticas já apuradas pelo tribunal sentenciador, com pertinência à tarefa da medida concreta da pena aos respectivos padrões vertidos nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do Código Penal, não se detecta alguma injustiça notória na aplicação da pena ao recorrente, é de respeitar a decisão do tribunal recorrido também nesta parte.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 293/2017
(Recurso em processo penal)
Recorrente (3.o arguido): A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 196 a 202 do ora subjacente Processo Comum Singular n.o CR2-16-0464-PCS do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), que o condenou como instigador de um crime de simulação de crime, p. e p. pelo art.o 330.o, n.o 1, do Código Penal (CP), na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano e seis meses, sob condição de prestar, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da decisão, três mil patacas de contribuição pecuniária a favor da Região Administrativa Especial de Macau, veio o 3.o arguido A, já aí melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, no seu essencial, e rogando, na sua motivação apresentada a fls. 222 a 227v dos presentes autos correspondentes, o seguinte:
– discorda ele da matéria de facto dada por provada na sentença recorrida, por no caso dos autos não se conseguir afastar a dúvida razoável se ele tenha na verdade estimulado o 1.o arguido para participar falsamente à Polícia caso de furto dentro da fracção autónoma dos autos;
– porque na audiência de julgamento realizada perante o Tribunal recorrido, ele próprio declarou que não tinha estimulado o 1.o arguido para tal, o 1.o arguido declarou que foi ele o ora recorrente quem lhe tinha sugerido tal participação de falso caso de furto, e o 2.o arguido, também presente no local dos factos tal como estiveram presentes o recorrente e o 1.o arguido, declarou que não tinha chegado a ouvir se o recorrente tinha ou não estimulado o 1.o arguido para tal participação de falso caso de furto;
– por isso, perante o teor das declarações de uma só pessoa (do 1.o arguido) que apontou ao recorrente a feitura de tal estímulo para participação de falso caso de furto, há dúvida razoável se o recorrente tenha estimulado o 1.o arguido para essa participação à Polícia;
– verifica-se, assim, erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal recorrido, como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP);
– e mesmo que assim não se entendesse, sempre diria o recorrente que tendo o 1.o arguido curso superior como habilitações académicas, com 41 anos de idade à data do incidente em causa, e trabalhando na mediação imobilária, tudo isso era revelador, sem dúvida alguma, de que esse arguido já tinha experiência da vida na sociedade, e com suficiente conhecimento das coisas, pelo que esse arguido tinha plena capacidade para decidir da viabilidade da sugestão feita pelo recorrente, de maneira que a sugestão do recorrente, por si só, não daria para provocar a determinação do 1.o arguido na feitura da participação de caso de furto falso à Polícia, daí que deveria o recorrente ser absolvido do acusado crime de simulação de crime, por inverificação da instigação aludida no art.o 25.o do CP;
– por outro lado, sempre haveria excesso na medida da pena feita pelo Tribunal sentenciador, pelo que deveria ser reduzida a pena do recorrente para menos de quatro meses de prisão.
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 233 a 237, no sentido de procedência da argumentação do recorrente.
Subido o recurso, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 254 a 255v, pugnando pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que a sentença ora recorrida se encontra proferida a fls. 196 a 202 dos autos, cujo teor integral se dá por aqui inteiramente reproduzido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
No caso dos autos, começou o 3.o arguido ora recorrente por invocar o vício de erro notório na apreciação da prova, entretanto, para o presente Tribunal de recurso, em vão, porquanto após vistos todos os elementos probatórios já referidos na fundamentação probatória da decisão ora recorrida, não se vislumbra patente que o Tribunal sentenciador tenha violado, aquando da formação da sua convicção sobre os factos, quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, quaisquer normas sobre o valor legal da prova, ou ainda quaisquer leges artis a observar no campo de julgamento da matéria de facto, pelo que não pode o recorrente vir tentar fazer impor, mas gratuitamente, o seu ponto de vista sobre a verdade dos factos, ao arrepio do princípio da livre apreciação da prova permitido ao Tribunal sentenciador no art.o 114.o do CPP. De frisar que o Tribunal sentenciador já explicou concreta e convincentemente (mormente nas linhas 12 a 15 da página 8 do texto da sentença, a fl. 199v dos autos), por quê é que não acreditou na versão das coisas dita pelo recorrente na audiência de julgamento.
Não se verificando, pois, o assacado erro notório na apreciação da prova, há que decidir da causa penal do recorrente com base no acervo dos factos provados em primeira instância, os quais são suficientes para condenar efectivamente o recorrente pela autoria mediata, nos termos do art.o 25.o do CP, de um crime consumado de simulação de crime do art.o 330.o, n.o 1, do CP. É que ficou, inclusivamente, provado em primeira instância que: com base na sugestão séria do recorrente, o 1.o arguido decidiu participar à Polícia caso de furto, mas falso, na fracção autónoma dos autos.
Nota-se que sobre a problemática, e seus pressupostos, de autoria mediata (e de a figura de “instigação” ventilada na doutrina penal alemã dever ser abrangida pelo conceito de autoria mediata), pode referir-se aos ensinamentos do PROFESSOR EDUARDO CORREIA, in DIREITO CRIMINAL, II, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, páginas 251 (a partir do segundo parágrafo) a 253 (até primeiro parágrafo).
Por fim, quanto à questão do esgrimido excesso na medida da pena, a solução do recurso nesta parte também fica a descontento do recorrente, uma vez que ponderadas em conjunto todas as circunstâncias fácticas já apuradas pelo Tribunal sentenciador e como tal descritas na fundamentação da sentença recorrida, com pertinência à tarefa da medida concreta da pena aos respectivos padrões vertidos nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, não se detecta alguma injustiça notória na aplicação da pena de sete meses de prisão ao recorrente, pelo que é de respeitar a decisão do Tribunal recorrido também nesta parte.
Naufraga, em conclusão, o recurso, sem mais indagação por ociosa ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente o recurso.
Custas pelo arguido recorrente, com três UC de taxa de justiça.
Macau, 3 de Maio de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chou Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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