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Processo n.º 34/2018
Recurso penal
Recorrente: A
Recorrido: Ministério Público
Data da conferência: 30 de Maio de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Crime de tráfico ilícito de estupefacientes
- Produção e tráfico de menor gravidade
- Atenuação especial da pena
- Suspensão da execução da pena de prisão

SUMÁRIO
1. Nos termos do n.º 2 do art.º 11.º da Lei n.º 17/2009, que prevê a produção e tráfico de menor gravidade, na ponderação da ilicitude consideravelmente diminuída, para efeitos de qualificação do crime de tráfico de menor gravidade, deve considerar-se especialmente o facto de a quantidade das plantas, das substâncias ou dos preparados encontrados na disponibilidade do agente não exceder cinco vezes a quantidade constante do mapa da quantidade de referência de uso diário.
2. Para qualificação de quantidade de droga como diminuta, a lei adopta um critério objectivo, com referência à quantidade que não exceder cinco vezes a constante do mapa da quantidade de referência de uso diário, sem nenhuma margem para consideração de outros elementos.
3. Quanto à atenuação especial da pena, é de salientar que a verificação das circunstâncias referidas no n.º 2 do art.º 66.º do Código Penal não constitui fundamento, por si só, para a aplicação do regime em causa, que tem como pressuposto material a acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, tal como expressamente estabelece o n.º 1 do art.º 66.º.
4. Há de apurar se existem no caso concreto circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, ao comando do n.º 1 do art.º 66.º do Código Penal.
5. No caso de prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes, mesmo em concurso com o crime de consumo de estupefacientes, não há hipótese de lançar mão do regime de suspensão da execução da pena de prisão previsto no art.º 19.º da Lei n.º 17/2009.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 27 de Outubro de 2017, A (2.º arguido nos presentes autos) foi condenado, pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de um crime de consumo ilícito de estupefacientes, p.p. pelos art.ºs 8.º n.º 1 e 14.º da Lei n.º 17/2009, nas penas de 4 anos e 6 meses de prisão e de 2 meses de prisão, respectivamente; em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 4 anos e 7 meses de prisão.
Inconformado com a decisão, recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu negar provimento ao recurso.
Vem agora o arguido recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões:
A) A correcção do Acórdão do TJB no que respeita às disposições legais condenatórias, i.e., ao crime (moldura da pena) e texto da Lei, importa supremacialmente ao conteúdo deste e prejudicou os mais elementares Direito de Defesa do arguido, designadamente o seu Direito ao Contraditório e ao Acesso à Justiça, de modo Imparcial e correcto, que constituem o núcleo dos Direitos Fundamentais dos Cidadãos – 4.º, 5.º, 11.º, 18.º, 25.º, 28.º, 29.º, 36.º, 40.º e 41.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau.
B) Nullum crimen sine lege. Nullum poena sine lege poenali.
C) Ao Venerando Tribunal de Segunda Instância cabia conhecer oficiosamente da nulidade respeitante à utilização de molduras penais diferentes da Lei 17/2009 – art.º 355.º, 356.º, n.º 1, 360.º e 361.º do Código de Processo Penal.
D) Depois da apresentação da Motivação recursiva, das duas uma: ou o Venerando Tribunal de Segunda Instância declarava nulo o Acórdão, nos termos expostos na motivação de recurso, descurando a correcção da MMa Juiz da Primeira Instância,
E) ou procedia esse Venerando Tribunal de Segunda Instância, caso assim entendesse, à correcção prevista no art.º 361.º, n.º 2 do C.P.P., por ser o único competente para a efectuar. O que vícia com nulidade o Douto Acórdão proferido e confirmativo da Decisão da Primeira Instância.
F) A moldura da pena do que crime porque veio o recorrente condenado é, no âmbito da Lei n.º 17/2009, art.º 8.º, n.º 1, na sua versão original e única de possível aplicação, de 3 a 15 anos de prisão,
G) sendo que a dosimetria da pena achada in casu, situação concreta óbvia de acordo com um raciocínio médio e lógico do homem normal leitor do Acórdão e motivo porque a MMa Juiz ad quo do T.J.B. condenou o arguido recorrente em 4 e seis meses de prisão efectiva, foi ter sido seguida a moldura da pena prevista para o tipo insítio no n.º 1 do art.º 8.º na versão alterada pela Lei n.º 10/2016, em que para o mesmo crime a pena passou a ser de 5 a 15 anos de prisão.
H) O Tribunal de Segunda Instância não apreciou dos vícios invocados, sem contudo ter efectiva e cabalmente justificado a confirmação do Acórdão do T.J.B., com o que se mantém todos os vícios assacados.
I) Embora se aceite a bondade da maioria dos factos dados como provados e não provados, entende-se que destes se retiram conclusões mais do que desrazoáveis, ilógicas, com todas as legais consequências, nos termos já expostos na prévia Motivação de Recurso, interpretados, ainda, de forma peculiar pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância, embora sem apoio.
J) O Direito foi e continuou a ser incorrecta e ilegalmente aplicado em várias questões.
K) O regime de aplicação única ao recorrente pelos factos delituosos praticadas só podem ser a Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto de 2009, e nunca a sua versão alterada, Lei n.º 10/2016, de 28 de Dezembro de 2016, atentos os art.ºs 1.º e 2.º do Código Penal de Macau.
L) O Douto Tribunal ad quo aplicou a Lei correctamente no que respeita ao crime de consumo ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas e incorrectamente no que respeita ao de tráfico ilícito de estupefacientes.
M) Não obstante ter aplicado com base na Lei indevida uma pena menor do que a moldura mínima (5 anos), o certo é que 4 anos e seis meses de prisão é incorrecto, ilegal e excessivo face aos factos provados e não provados.
N) Embora assim se não tenha entendido, é claro e simples, bastando a mera leitura do Acórdão do T.J.B. para que assim se conclua, que arguido confessou integralmente e sem reservas e os Acórdãos entenderam que o fez apenas parcialmente.
O) Quanto à confissão, sempre se dirá que as provas devem ser valoradas da forma prevista no art.º 336.º do Código de Processo Penal, e de acordo com o art.º 114.º do C.P.P., a livre convicção constitui uma forma não totalmente vinculada de valoração da prova e de descoberta da verdade processualmente relevante, desde que consista numa conclusão lógica e razoável de um bonus pater famílias.
P) O Tribunal não elencou as atenuantes, muitas in casu, tais como a confissão integral e sem reservas (desconsiderada), a cooperação demonstrada (constante dos Autos e analizada e reiterada em Audiência de Discussão e Julgamento – fls. 342 a 343), o seu comprovado estado de Toxicopendência (fls. 367, bem como relatórios de análise de urina e sangue), a comprovada quantidade de consumo de 1 gr do recorrente por dia, a sua conformação com o resultado da sua conduta mas em estado de consciência alterado, o seu desconhecimento da qualidade (suspeitava ser ICE) e da quantidade (não fazia a menor ideia), o acto delinquente único de transporte, a idade do recorrente, a sua integração social à data da detenção (que se manteria não tivesse sido interrompida pelas actuais circunstâncias), a boa ausência de quaisquer elementos Policiais relativamente a si, a sua necessidade de tratamento e acompanhamento, e, não de somenos, o ser primário e não ter cometido crimes.
Q) Violou o Douto Tribunal os art.ºs 40.º, em especial o n.º 2, 64.º, 65.º, 66.º, 67.º do Código Penal, art.ºs 19.º e 25.º da Lei 17/2009 na redacção original.
R) Não obstante a qualificação de ociosa para a posição aqui assumida, mantém-se que nunca poderia o recorrente ter sido condenado se não pelo art.º 11.º da Lei 17/2009, de 28 de Dezembro de 2009, pois a sua quantidade de consumo para cinco dias era no total de 5 gr, só podendo ser considerada para efeitos de tráfico ilícito de estupefacientes a quantidade de 0,807 gr de Metanfetamina,
S) pois não se poderá atender se não ao consumo determinado do recorrente, enquanto que na quantidade restante de 0,807 gr, não se sabendo quem era o seu consumidor destinatário, se tem que seguir o critério do Mapa de Consumo Publicado na Lei.
T) Atentos os critérios insítos e impostos, expostos na presente motivação (que se reproduz), nunca poderia, nem pode ser aplicada ao recorrente pena privativa de liberdade.
U) Sem concessões, se fosse aplicada pena privativa, nunca esta, caso sejam correctamente valoradas as atenuantes constantes do Douto Acórdão recorrido e dadas como provadas, poderia ser superior a 2 anos e noves meses de prisão pelo crime do art.º 8.º n.º 1, devendo ser sempre suspensa na sua execução – art.º 48.º do C.P..
V) Desconhece-se o iter cognoscitivo do Douto Tribunal ad quo a fim de se perceber como se chegou à medida concreta da pena aplicada ao recorrente, mas decididamente fora de qualquer critério expresso na Lei e corroborada nesta Segunda Instância.
W) O recorrente tem que ser condenado, sabemos até mesmo porque confessou integralmente e sem reservas, mas nunca numa pena privativa de liberdade,
X) E, mesmo que por mera hipótese académica fosse condenado em pena privativa de liberdade, sempre seria merecedor de tratamento para a sua toxicodependência com regime de acompanhamento, numa pena suspensa que lhe permite estar integrado e evoluir art.ºs 64.º, 48.º do C.P. e 19.º e 25.º da Lei 17/2009.
Y) A prognose à personalidade do recorrente, atentos os factos dados como provados e os elementos claros existentes nos Autos, é, seguramente, favorável.
Z) Finalizamos pugnando e exortando esse Nobre Tribunal a aplicar correctamente o Direito, em pena legal, correcta e adequada, não privativa de liberdade, ou pelo menos suspensa na sua execução, mas sempre com sujeição do recorrente a tratamento de toxicodependência e regime probatório.

Respondeu o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:
1. Na motivação do recurso, o recorrente alega que, ao crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas por si cometido é aplicável a Lei n.º 17/2009 não alterada e ele deve ser condenado pela prática do crime de produção e tráfico de menor gravidade, e por outro lado, mais alega que se deve conceder-lhe a atenuação especial da pena e lhe aplicar pena mais leve com suspensão da execução da pena.
2. Nos autos, efectivamente existe a questão sobre a aplicação de entre a lei nova e a antiga quanto ao crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas e ao crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas cometidos pelo recorrente.
3. Contudo, feita uma leitura minuciosa do acórdão do Tribunal a quo, podemos verificar que, na determinação da pena contra a prática do facto de tráfico de droga por parte do recorrente, justamente o Tribunal a quo aplicou o art.º 8.º da Lei n.º 17/2009 que ainda não foi alterada pela Lei n.º 10/2016. Pelo que, face ao crime cometido pelo recorrente, embora o Tribunal a quo no respectivo acórdão (não foi corregido) tenha utilizado a expressão “com alteração dada pela Lei n.º 10/2016”, evidentemente expressa essa pertence a um lapso de escrita.
4. Na verificação do respectivo lapso de escrita, o Tribunal a quo procedeu à correcção nos termos do art.º 361.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal, pelo que, não existe a violação de disposição legal tal como alegada pelo recorrente, por outro lado, o recorrente também foi notificado do respectivo despacho, e altura em que não manifestou oposição, pelo que também não existe a alegada violação do contraditório a que tem o direito.
5. Segundo os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, nomeadamente, a quantidade de estupefaciente encontrada na posse do recorrente pelos agentes da Polícia Judiciária e a quantidade de estupefacientes que o recorrente prestou auxílio para entregar ao 1º arguido, de qualquer maneira, deve-se dar como provada a prática pelo recorrente do crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. e p pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009.
6. O Código Penal dispõe no seu art.º 66.º, n.º 1 os pressupostos concretos e no n.º 2 todas as circunstâncias a considerar na concessão de atenuação especial da pena segundo o disposto no n.º 1 do mesmo artigo, nomeadamente, actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente (al. c) do n.º 2).
7. Contudo, é do conhecimento comum, mesmo que existam as circunstâncias previstas no n.º 2 do art.º 66.º do Código Penal, não é necessário conduzir à concessão de atenuação especial da pena, a activação da aplicação do mecanismo daquele artigo requer a verificação do preenchimento do n.º 1, ou seja a atenuação especial da pena deve ter necessariamente como pressupostos concretos, “circunstâncias que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”.
8. Analisados os autos constantes dos autos, nomeadamente, o recorrente, com dolo, agindo de forma livre, voluntária e consciente, praticou os actos que nos autos lhe eram imputados e foi detido em flagrante delito, mas na audiência de julgamento, o mesmo só confessou parte dos crimes que lhe era imputados, o que revela que o recorrente não mostra uma reflexão e arrependimento sobre os factos criminosos por si praticados. Além disso, embora o recorrente tenha fornecido algumas informações à autoridade policial depois de detido, nos autos não há qualquer dado que o seu acto viesse a produzir efeito importante ou contribuir para a eliminação da actividade de tráfico de drogas.
9. Daí podemos verificar que, evidentemente a situação do recorrente não reúne os pressupostos da concessão de atenuação especial da pena previstos na lei.
10. A Lei n.º 17/2009 dispõe no seu art.º 19.º que, se o arguido tiver sido condenado pela prática dos crimes previstos nos artigos 14.º ou 15.º e tiver sido considerado toxicodependente nos termos do artigo 25.º, o tribunal suspende a execução da pena de prisão, sob condição, para além de outros deveres ou regras de conduta adequados, de se sujeitar voluntariamente a tratamento ou a internamento em estabelecimento adequado, o que comprovará pela forma e nas datas que o tribunal determinar.
11. Nos autos, embora provado que o recorrente tenha consumido estupefacientes, não há dados que o mesmo seja toxicodependente, e além do mais, para além de ter sido condenado pela prática dum crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo art.º 14.º da Lei n.º 17/2009, o recorrente foi ainda condenado pela prática dum crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo art.º 8.º da mesma lei, pelo que, entendemos que ele não reúne os pressupostos previstos no art.º 19.º do referido diploma.
12. Tendo em consideração a única pena de 4 anos e 7 meses da prisão efectiva aplicada ao recorrente não reúne o pressuposto formal da concessão da execução da suspensão da pena, deve-se executar efectivamente a pena de prisão ora aplicada (art.º 48.º do Código Penal).

Nesta instância, a Digna Procuradora-Adjunta do Ministério Público manteve a posição já exposta na resposta à motivação do recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos provados
Nos autos foram dados como assentes os seguintes factos:
- Por volta de Julho de 2016, o arguido B, mediante a renda mensal de MOP2.300, junto a uma senhora, tomou de arrendamento um quarto perto da cozinha da [Endereço], para servir do local de festa de drogas.
- O arguido B colocou o estupefaciente “Metanfetamina” já embalado no beliche que se encontrava no quarto perto da cozinha, também colocou, nos dois quartos da referida fracção, as palhinhas, tubos plásticos, recipientes de vidro e garrafas de plástico que constituíam utensílios para o consumo de estupefaciente, a fim de facilitar o consumo de estupefacientes.
- A partir de Junho de 2016, o arguido C deslocou-se semanalmente à supracitada fracção para consumir estupefaciente.
- Por volta de Julho de 2016, o arguido D, mediante a renda mensal de MOP650, começou a tomar de arrendamento uma cama na sala de estar da supracitada fracção, altura em que o arguido B chegou a fornecer-lhe a “Metanfetamina” para consumir na fracção.
- No dia 3 de Agosto de 2016, o arguido B, junto do arguido E, adquiriu, pelo preço de MOP200, cerca de um grama de “Metanfetamina”.
- No dia 3 de Agosto de 2016, cerca das 21H00, a arguida F foi conduzida pela sua amiga “G” para ir descansar na supracitada fracção.
- No dia 3 de Agosto de 2016, cerca das 20H00, o arguido H, no jardim em frente do [Hotel] sito na Praça de Ponte e Horta, adquiriu, pelo preço de MOP300, junto dum individuo não identificado do sexo masculino, dois sacos de “Metanfetamina” e os trazia consigo para o seu consumo próprio.
- No dia 4 de Agosto de 2016, o arguido B e os cinco arguidos F, I, J, C, D e “G” juntamente consumiram a supracitada “Metanfetamina” de cerca de um grama. Por isso, os arguidos B e C utilizaram os utensílios existentes na fracção para os seus consumos.
- Durante o consumo de estupefaciente, o arguido B exigiu aos cinco arguidos F, I, J, C, D que reunissem MOP1.250 para adquirir mais três gramas de “Metanfetamina”, tendo todos concordado com isso.
- Depois, o arguido B decidiu-se a adquirir mais dois gramas de “Metanfetamina”, por isso entrou em contacto com a E para adquirir um total de cinco gramas de “Metanfetamina” e disse ao arguido A para ir buscar os estupefacientes junto da E que estava numa pensão perto do [Hotel] e regressar à fracção em causa.
- Em seguida, o arguido A, segundo as instruções do arguido B, deslocou-se a uma pensão perto do [Hotel] onde, junto da E, buscou cinco gramas de “Metanfetamina”. Na altura de transacção, o arguido A, adquiriu adicionalmente mais três gramas de “Metanfetamina”, pelo preço de MOP1.500 e levou o total de oito gramas de “Metanfetamina” para a [Endereço].
- A Polícia Judiciária recebeu informações de que o arguido B procedia à actividade de tráfico de droga na [Endereço], pelo que, no dia 4 de Agosto de 2016, cerca das 15H00, enviou agentes para fazer vigilância junto da porta da supracitada morada, tendo, cerca das 16H45 do mesmo dia, interceptado o arguido D para averiguação, quando este saiu da fracção.
- Com o consentimento do arguido D, investigadores da Polícia Judiciária entraram na fracção onde verificaram os arguidos B, F, I, J e C, bem como encontraram, na cama inferior do beliche, do quarto perto da cozinha, os objectos seguintes:
1. Uma caixa de cor preta para óculos com palavra impressa “RayBan”, que continha um saco plástico transparente contendo substância cristalizada branca, com peso de cerca de 0,17 grama incluindo o saco;
2. Um recipiente de vidro transparente em forma do funil manchado de substância suspeita de ser estupefaciente;
3. Uma palhinha de cor branca;
4. Uma palhinha transparente;
5. Uma palhinha de cor verde com risca;
6. Uma palhinha comprida de cor vermelha com risca;
7. Uma palhinha curta de cor vermelha com risca;
8. Um isqueiro de cor azul;
9. Um recipiente de vidro transparente;
10. Um recipiente de vidro de cor castanha com tampa introduzida por uma palhinha transparente com risca de cor vermelha e azul, e uma palhinha transparente que liga o recipiente de vidro em forma do funil;
11. Uma caixa de plástico de cor branca com caracteres impressos “益達” contendo líquido transparente e metido em cima da caixa um recipiente de vidro em forma do funil;
12. Um saco de cor azul que continha:
1) Um saco plástico transparente contendo substância cristalizada branca com peso de cerca de 1,25 gramas incluindo o saco;
2) Dois sacos plásticos transparentes contendo substância cristalizada branca com peso de cerca de 0,46 grama incluindo os sacos;
3) Seis sacos plásticos transparentes manchados de substância suspeita de ser estupefaciente;
4) Uma balança electrónica de cor preta com letras impressas “GHL”.
Ao mesmo tempo, foram encontrados na cama superior do beliche que se encontrava no quarto os objectos seguintes:
1. Um saco plástico transparente de tamanho médio;
2. Uma caixa plástico transparente contendo várias dezenas de palhinhas não utilizadas (vd. fotos constantes de fls. 20 e 21 dos autos);
3. E mais foram encontrados na cama inferior do beliche que se encontrava no quarto perto da sala de estar os objectos seguintes:
4. Um saco de plástico transparente manchado de substância suspeita de ser estupefaciente;
5. Uma palhinha comprida de cor azul e branca;
6. Uma palhinha curta de cor azul e branca;
7. Uma tampa de plástico de cor preta introduzida por uma palhinha comprida com risca de cor vermelha e branca e um tubo plástico;
8. Uma garrafa plástica transparente e metidos na tampa tubo de plástico e recipiente de vidro em forma do funil e na garrafa um tube de plástico (vd. foto constante de fls. 22 dos autos).
- Os supracitados palhinhas, tubos de plástico, recipientes de vidro e garrafas plásticas pertencem ao arguido B, servindo de utensílios para consumo de estupefacientes.
- Na altura de investigação, o arguido A chegou à fracção e foi imediatamente interceptado pelos investigadores da Polícia Judiciária, tendo sido encontrados, numa caixa de cigarro de cor branca com palavra impressa “Marlboro” por si segurada, os objectos seguintes:
1. Um saco plástico transparente com palavra impressa “Disney” contendo substância cristalizada branca com peso de cerca de 5,75 gramas incluindo o saco;
2. Um saco plástico transparente contendo substância cristalizada branca com peso de cerca de 1,7 gramas incluindo o saco;
3. Sete sacos plásticos transparentes contendo substância cristalizada branca com peso de cerca de 0,44 grama incluindo os sacos;
4. Dois sacos plásticos transparentes contendo substância cristalizada branca com peso de cerca de 0,73 gramas incluindo os sacos;
5. Um saco plástico transparente contendo substância cristalizada branca com peso de cerca de 1 grama incluindo o saco;
6. Um cigarro (vd. fls. 386v dos autos).
- Na altura, o arguido H chegou ao local e foi imediatamente interceptado pelos investigadores da Polícia Judiciária para revista, tendo sido encontrados, no bolso direito das calças do mesmo, um saco de cor preta com palavra impressa “Duracell”, que continha os objectos seguintes:
1. Dois sacos plásticos transparentes contendo substância cristalizada branca com peso de cerca de 0,77 gramas incluindo os sacos;
2. Um recipiente de vidro em forma do funil manchado de substância suspeita de ser estupefaciente;
3. Duas palhinhas.
- Os supracitados recipiente de vidro e palhinhas pertencem ao arguido H, servindo de utensílios para consumo de estupefacientes.
- Feito o exame laboratorial, confirmou-se que a palhinha de cor branca e a palhinha curta com risca de cor vermelha encontradas na cama inferior do beliche que se encontrava no supracitado quarto perto da cozinha, tinham o DNA pertencente ao arguido C, as duas extremidades da palhinha com risca de cor verde tinham os DNA pertencentes aos arguidos B e C, e as duas extremidades da palhinha comprida com risca de cor vermelha tinha o DNA pertencente ao arguido B (vd. fls. 299 a 309 dos autos)
- Feito o exame laboratorial, confirmou-se que o recipiente de vidro em forma do funil, a palhinha com risca de cor verde, o recipiente de vidro de cor castanha composto por palhinha e recipiente de vidro encontrados nas camas inferior e superior do beliche que se encontrava no supracitado quarto perto da cozinha, continham vestígios das substâncias de “Metanfetamina”, “Anfetamina” e “N, N-Dimetanfetamina” controladas na Tabela II-B anexa ao art.º 4.º da Lei n.º 17/2009. E a palhinha de cor branca, a palhinha transparente, a palhinha curta com risca de cor vermelha, o recipiente de vidro, os seis sacos de plástico transparentes, a balança electrónica de cor preta com palavra impressa “GHL” e o saco plástico transparente de tamanho médio, todos continham vestígios da substância de “Metanfetamina” controlada na Tabela II-B anexa ao art.º 4.º da mesma lei. Além disso, o interior da caixa de plástico de cor branca com caracter impresso “益達” com um recipiente de vidro em forma do funil metido em cima da caixa continha vestígio da substância de “Metanfetamina” controlada na Tabela II-B anexa ao art.º 4.º da mesma lei, e o líquido transparente contido na caixa também continha substâncias de “Metanfetamina” controladas na Tabela II-B anexa ao art.º 4.º da mesma lei, com peso líquido total de 0,65 mililitro (vd. fls. 285 a 297 dos autos).
- Feito o exame laboratorial, confirmou-se que um saco de substância cristalizada branca, um saco de substância cristalizada branca e dois sacos de substância cristalizada branca encontrados em camas superior e inferior do beliche que se encontrava no quarto perto da cozinha, continham substâncias de “Metanfetamina” controladas na Tabela II-B anexa ao art.º 4.º da mesma lei, com o peso líquido de 0,091 grama, 1,044 gramas e 0,298 grama respectivamente, e feita a análise quantitativa, a percentagem de “Metanfetamina” do peso líquido de 1,044 gramas e de 0,298 grama foi verificada em 76,3% e 74,9%, respectivamente, com o conteúdo líquido de 0,797 e 0,223 grama, respectivamente (vd. fls. 311 a 320 dos autos), totalizando o conteúdo líquido de 1,02 gramas, 5,1 vezes da quantidade de referência do uso diário prevista na lei.
- Feito o exame laboratorial, confirmou-se que o saco plástico transparente, a palhinha comprida de cor azul e branca e a palhinha curta de cor azul e branca, encontrados na cama inferior do beliche que se encontrava no quarto perto da sala de estar, continham vestígios da substância de “Metanfetamina” controlada na Tabela II-B anexa ao art.º 4.º da mesma lei. E a tampa de cor preta, a palhinha e o tubo plástico metido na tampa, a garrafa plástica transparente, o tubo plástico e o recipiente de vidro em forma do funil metidos na tampa e o tubo plástico transparente na garrafa, todos continham vestígios das substâncias de “Metanfetamina”, “Anfetamina” e “N, N-Dimetanfetamina” controladas na Tabela II-B anexa ao art.º 4.º da Lei n.º 17/2009 (vd. fls. 285 a 297 dos autos).
- Feito o exame laboratorial, confirmou-se que um saco de substância cristalizada branca, um saco de substância cristalizada branca e sete sacos de substância cristalizada branca, dois sacos de substância cristalizada branca e um saco de substância cristalizada branca, encontrados na posse do arguido A, com o peso líquido de 5,194 gramas, 1,215 gramas, 0,374 grama, 0,498 grama e 0,749 grama, respectivamente, e feita a análise quantitativa, a percentagem de “Metanfetamina” do peso líquido de 5,194 gramas, 1,215 gramas, 0,374 grama, 0,498 grama e 0,749 grama foi verificada em 73,8%, 70,2%, 72,2%, 65,1% e 70,7%, respectivamente, com o conteúdo líquido de 3,83 gramas, 0,853 grama, 0,270 grama, 0,324 grama e 0,530 grama, respectivamente (vd. fls. 311 a 320 dos autos), totalizando o conteúdo líquido de 5,807 gramas, 29,035 vezes da quantidade de referência do uso diário prevista na lei.
- Feito o exame laboratorial, confirmou-se que o recipiente de vidro e as duas palhinhas encontrados na posse do arguido H, continham vestígios das substâncias de “Metanfetamina”, “Anfetamina” e “N, N-Dimetanfetamina” controladas na Tabela II-B anexa ao art.º 4.º da Lei n.º 17/2009 (vd. fls. 275 a 281 dos autos). E os dois sacos de substância cristalizada branca encontrados na posse do mesmo arguido, com o peso líquido de 0,334 grama, depois de feita a análise quantitativa, a percentagem de “Metanfetamina” foi verificada em 61,5%, com o conteúdo líquido de 0,205 grama (vd. fls. 311 a 320 dos autos).
- O arguido A foi submetido à análise de urina, tendo se verificado que a sua urina apresentou reacção positivo ao estupefaciente “Metanfetamina” (vd. fls. 103 dos autos).
- Os dois arguidos B e A, agindo de forma livre, voluntária e consciente, adquiriram e detiveram, bem como forneceram a outra pessoa sem autorização os estupefacientes controlados na lei.
- O arguido B, agindo de forma livre, voluntária e consciente utilizou e deteve indevidamente o supracitado recipiente e palhinha para se destinar ao consumo de estupefacientes, bem como deliberadamente forneceu a outra pessoa o local para consumir estupefaciente.
- O arguido H, agindo de forma livre, voluntária e consciente, deteve indevidamente o supracitado recipiente e palhinha para se destinar ao consumo de estupefaciente.
- Os oitos arguidos B, A, F, D, I, J, C e H, com dolo, agindo de forma livre, voluntária e consciente, consumiram os estupefacientes controlados na lei.
- Os oito arguidos tinham perfeito conhecimento da natureza e das características dos supracitados estupefacientes, sabendo que os seus actos eram proibidos e punidos por lei.
- O 1º arguido declarou ser desempregado e ter a seu cargo sua mulher, possuindo como habilitações literárias o ensino secundário completo.
- O 2º arguido declarou ser comerciante auferindo mensalmente MOP20.000, ninguém a seu cargo, possuindo como habilitações literárias o ensino secundário.
- O 4º arguido declarou ser técnico informático, auferindo mensalmente MOP6.000, a seu cargo um menor, possuindo como habilitações literárias o ensino universitário.
- O 5º arguido declarou trabalhar em regime de part-time, auferindo mensalmente MOP3.000 e a seu cargo sua mãe, possuindo como habilitações literárias o ensino secundário completo.
- O 7º arguido declarou ser desempregado e ter a seu cargo seu pai, possuindo como habilitações literárias o ensino secundário.
- O 8º arguido declarou ser desempregado, ninguém a seu cargo, possuindo como habilitações literárias o ensino secundário completo.
- O 1º arguido não era delinquente primário, constando do seu registo criminal o seguinte:
● No dia 9 de Maio de 2017, pela prática dum “crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas” e dum “crime detenção indevida de utensílio ou equipamento”, foi condenado pelo TJB no processo n.º CR2-16-0506-PCC, numa única pena de prisão de 3 meses, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, sob regime de prova e cumprimento da obrigação de receber tratamento de desintoxicação, uma vez libertado condicionalmente durante a suspensão da pena de prisão dos presentes autos (encontrava-se preso preventivamente por outro caso). Inconformado com tal decisão, recorreu para o TSI, tendo, no dia 14 de Setembro de 2017, sido absolvido dum crime de detenção de “crime detenção de utensílio” e sido condenado na pena de prisão de 2 meses, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, pela prática dum “crime de consumo estupefacientes”. Tal decisão transitou em julgado no dia 28 de Setembro de 2017.
● Pela prática dum “crime de acolhimento”, dum “crime de produção e tráfico de menor gravidade” e dum “crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento”, foi designada pelo TJB a realização da audiência de julgamento, no dia 28 de Outubro de 2017 no processo n.º CR2-17-0228-PCC.
- Os 2º e 3º arguidos eram delinquentes primários.
- O 4º arguido não era delinquente primário, constando do seu registo criminal o seguinte:
● No dia 6 de Março de 2017, pela prática dum “crime de ameaça”, no processo n.º CR4-16-0491-PCS foi condenado pelo TJB na pena de prisão de 4 meses, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos. Tal decisão transitou em julgado no dia 27 de Março de 2017.
● No dia 5 de Setembro de 2017, pela prática dum “crime de ofensa à integridade física simples” e dum “crime de ameaça”, no processo n.º CR2-16-0086-PCC, foi condenado pelo TJB numa única pena de prisão efectiva de 1 ano. Tal decisão ainda não transita em julgado.
● Por ser acusado pelo Ministério Público da prática dum “crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, foi designada pelo TJB a realização da audiência de julgamento no dia 7 de Maio de 2018 no processo n.º CR3-17-0003-PCC.
● Por ser acusado pelo Ministério Público da prática dum “crime de ofensa à integridade física simples” e dum “crime de ameaça”, foi designada pelo TJB a realização da audiência de julgamento no dia 11 de Janeiro de 2018 no processo n.º CR4-17-0116-PCC.
- O 5º arguido era ainda delinquente primário na ocorrência do facto, constando do seu registo criminal o seguinte:
● No dia 18 de Julho de 2017, pela prática dum “crime detenção indevida de utensílio ou equipamento”, foi condenado pelo TJB no processo n.º CR2-17-0162-PCC, na pena de prisão de 2 meses, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos. Tal caso encontra-se em fase de recurso.
● Por ser acusado pelo Ministério Público da prática dum “crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas” e dum “crime detenção indevida de utensílio ou equipamento”, e dum “crime de produção e tráfico de menor gravidade”, foi designada pelo TJB a realização da audiência de julgamento no dia 4 de Dezembro de 2017 no processo n.º CR3-16-0371-PCC.
- O 6º arguido não era delinquente primário, constando do seu registo criminal o seguinte:
● No dia 22 de Setembro de 2017, pela prática dum “crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas” e dum “crime detenção indevida de utensílio ou equipamento”, no processo n.º CR3-17-0100-PCC, foi condenado pelo TJB numa única pena de prisão de 3 meses, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano. Tal decisão transitou em julgado no dia 12 de Outubro de 2017.
- O 7º arguido era delinquente primário.
- O 8º arguido era ainda delinquente primário, constando do seu registo criminal o seguinte:
● Por ser acusado pelo Ministério Público da prática dum “crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, foi designada pelo TJB a realização da audiência de julgamento no dia 7 de Maio de 2018 no processo n.º CR3-17-0003-PCC.

3. Direito
Há que apreciar as questões suscitadas pelo recorrente, que alega a violação do direito de defesa, aplicação da moldura penal de 3 a 15 anos de prisão prevista no n.º 1 do art.º 8.º da Lei n.º 17/2009 (na versão antes da alteração introduzida pela Lei n.º 10/2016), violação dos art.ºs 40.º n.º 2, 64.º, 65.º, 66.º, 67.º do Código Penal bem como art.ºs 19.º e 25.º da Lei n.º 17/2009, a condenação pelo crime p.p. pelo art.º 11.º, e não art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009 e, finalmente, a suspensão da execução da pena.

3.1. A primeira questão reside em saber se foi prejudicado o direito de defesa do recorrente, que relaciona com a correcção do acórdão proferido pelo Tribunal Judicial de Base.
Constata-se nos autos o seguinte:
- Por acórdão proferido em 27 de Outubro de 2017, o recorrente foi condenado, pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, com redacção dada pela Lei n.º 10/2016, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
- Inconformado, interpôs recurso o ora recorrente para o TSI, pugnando pela aplicação da pena prevista no n.º 1 do art.º 8.º da Lei n.º 17/2009, na versão antes da alteração introduzida pela Lei n.º 10/2016, que é de 3 a 15 anos de prisão.
- Por despacho proferido pela Juíza Presidente do Tribunal Colectivo de 1.ª instância em 7 de Dezembro de 2017 (fls. 1128 e verso), já depois da interposição do recurso, foi ordenada a correcção do acórdão recorrido, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 361.º do CPPM, por haver lapsos de escrita na indicação da norma incriminadora que pune a conduta do recorrente (e do 1.º arguido), suprimindo a menção da Lei n.º 10/2016. Passou a consignar no acórdão que o recorrente foi condenado, pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
- Tal despacho, bem como o texto do acórdão rectificado, foram notificados ao próprio recorrente e à sua Ilustre Defensora (fls. 1153, 1155 e 1194). Não veio o recorrente a dizer nada, nem a sua Defensora.
- O recurso foi julgado improcedente.
- No recurso interposto para TUI, alegou o recorrente que a correcção do acórdão do TJB prejudicou o seu direito de defesa.
Ora, compulsados os autos, nomeadamente o acórdão do TJB e a motivação do recurso apresentada pelo recorrente para TSI, não se afigura assistir razão ao recorrente.
Na realidade, não obstante constar no texto original do acórdão do TJB a menção da Lei n.º 10/2016, certo é que o Tribunal fixou a pena concreta de 4 anos e 6 meses de prisão dentro da moldura penal de 3 a 15 anos de prisão, conclusão esta que resulta claramente do contexto do acórdão, designadamente de fls. 38 do acórdão (fls. 933v dos autos), em que se pode ler o seguinte: dado que os art.ºs 8.º, 14.º e 15.º da Lei n.º 17/2009 foram alterados pela Lei n.º 10/2016, há que compará-los com os regimes previstos na Lei n.º 10/2016, nos termos do art.º 2.º n.ºs 1 e 4 do Código Penal. E após a comparação, entende-se que a lei antiga se mostra mais favorável ao arguido, pelo que o Tribunal Colectivo aplica a lei antiga para punir os factos ilícitos.
Por outro lado, a pena de 4 anos e 6 meses de prião foi encontrada dentro da moldura penal de 3 a 15 anos de prisão. Se fosse aplicada a lei nova, sendo a moldura 5 a 15 anos de prisão, a pena concreta não seria inferior a 5 anos, já que o Tribunal Colectivo não lançou mão do regime de suspensão da execução da pena.
Nota-se que no seu recurso interposto para o TSI, o ora recorrente colocou a questão de aplicação da lei, alegou que só poderia aplicar a Lei n.º 17/2009, sem qualquer alteração introduzida.
Sem dúvida, o recorrente defendeu-se com a aplicação da lei antiga, que foi efectivamente aplicada pelo tribunal.
Por fim, o despacho que ordenou a correcção do acórdão foi notificado ao próprio recorrente e à sua Defensora e ambos não vieram a dizer nada.
Tratando-se de lapsos de escrita, tanto podem ser rectificados pelo TJB como pelo TSI.
Concluindo, não se mostra nada prejudicado o direito de defesa, que foi efectivamente exercido pelo recorrente.

3.2. Pretende ainda o recorrente a convolação do crime para o p.p. pelo art.º 11.º da Lei n.º 17/2009.
O art.º 11.º prevê a produção e tráfico de menor gravidade.
Nos termos do n.º 2 do art.º 11.º, na ponderação da ilicitude consideravelmente diminuída, para efeitos de qualificação do crime de tráfico de menor gravidade, “deve considerar-se especialmente o facto de a quantidade das plantas, das substâncias ou dos preparados encontrados na disponibilidade do agente não exceder cinco vezes a quantidade constante do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à presente lei, da qual faz parte integrante”.
Alega o recorrente que a sua quantidade de consumo para cinco dias era no total de 5 gramas, só podendo ser considerada para efeitos de tráfico ilícito de estupefacientes a quantidade de 0.807 grama de Metanfetamina.
Salienta-se que, para qualificação de quantidade de droga como diminuta, a lei adopta um critério objectivo, com referência à quantidade que não exceder cinco vezes a constante do mapa da quantidade de referência de uso diário, sem nenhuma margem para consideração de outros elementos, incluindo o elemento subjectivo que pretendia impor o recorrente.
E a quantidade constante do mapa da quantidade de referência de uso diário de Metanfetamina é de 0.2g.
Atenta a factualidade assente nos autos, nomeadamente o peso líquido apurado nos autos de Metanfetamina concretamente “traficada” pelo recorrente, em conjugação de esforço com o arguido B (pois ficou provado que, segunda instruções deste arguido, o recorrente foi buscar Metanfetamina com peso bruto de 5 gramas e levou para o mesmo arguido), é evidente não assistir razão ao recorrente.

3.3. Questiona também o recorrente a medida concreta da pena determinada pelo tribunal para o crime de tráfico ilícito de estupefacientes, imputando a violação dos art.ºs 40.º n.º 2, 64.º, 65.º, 66.º, 67.º do Código Penal bem como art.ºs 19.º e 25.º da Lei n.º 17/2009.
A favor da sua tese, invoca o recorrente uma série de atenuantes que alegadamente não foram elencadas pelo tribunal, tais como a confissão integral e sem reserva, a cooperação demonstrada, o comprovado estado de Toxicodependência, a comprovada quantidade de consumo de 1 grama por dia, a conformação com o resultado da sua conduta mas em estado de consciência alterado, o desconhecimento da qualidade e da quantidade da droga, o acto delinquente único de transporte, a idade, a delinquência primária, a sua integração social à data da detenção e a necessidade de tratamento e acompanhamento, etc..
Quanto à atenuação especial da pena, é de salientar que a verificação das circunstâncias referidas no n.º 2 do art.º 66.º do Código Penal não constitui fundamento, por si só, para a aplicação do regime em causa, que tem como pressuposto material a acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, tal como expressamente estabelece o n.º 1 do art.º 66.º.
No ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, “A diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Por isso, tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue – quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos «normais», lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximos e mínimos próprios”.1
A jurisprudência também tem entendido que, para atenuação especial da pena, o importante é demonstrar-se a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena. Ou seja, só depois de valorizar todas as circunstâncias verificadas no caso concreto e se da imagem global do facto resulta a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena é que se deve atenuar especialmente a pena.
Daí que, para efeitos da atenuação especial da pena, há de apurar se existem no caso concreto circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, ao comando do n.º 1 do art.º 66.º do Código Penal.
Voltando ao caso ora em apreciação, não se nos afigura que, ponderadas todas as circunstâncias do caso concreto, se possa concluir pelo preenchimento do referido pressuposto material para a atenuação especial da pena.
Na realidade, não resultam dos autos todos os elementos alegados pelo recorrente a seu favor, tais como a confissão integral e sem reserva, a cooperação com a autoridade, a quantidade de consumo de 1 grama por dia, o desconhecimento da qualidade e da quantidade da droga, etc..
Salienta-se que, quando julgar em recurso não correspondente a segundo grau de jurisdição, o Tribunal de Última Instância apenas conhece de matéria de direito, excepto disposição em contrário das leis de processo (art.º 47.º n.º 2 da Lei de Bases da Organização Judiciária).
Decorre da factualidade assente que o recorrente agiu segundo as instruções do arguido B para ir buscar 5 gramas de Metanfetamina, quantidade esta que foi comprada por este e outros arguidos para festa de drogas, e quando chegou ao local combinado (uma fracção arrendada para servir do local de festa de drogas) foi interceptado pela Polícia na posse de estupefacientes. A detenção do recorrente foi feita em flagrante delito.
O recorrente agiu livre, voluntária e conscientemente, com perfeito conhecimento da natureza e das características dos supracitados estupefacientes, tendo ajudado o arguido B na aquisição e no transporte da droga, que iria ser fornecida a outras pessoas.
E são prementes as exigências de prevenção geral, face à realidade social de Macau, em que se tem detectado problemas graves relacionados com o tráfico e consumo de estupefacientes, impondo-se prevenir a prática do crime em causa, que põe em risco a saúde pública e a paz social.
A imagem global do facto revelado nos autos não se apresenta com uma gravidade tão diminuída que possa justificar a aplicação do regime de atenuação especial da pena.
Ora, face a todo o circunstancialismo apurado nos autos, nomeadamente a natureza e a gravidade do crime pelo qual foi condenado o recorrente, a sua culpa revelada nas actividades ilícitas, que é intensa, o grau da ilicitude dos factos, a quantidade da droga e as exigências de prevenção criminal, que são, sem dúvida, acentuadas, dúvidas não restam para afastar a atenuação especial da pena pretendida pelo recorrente.
Há que ver ainda a medida concreta da pena.
Nos termos do art.º 40.º n.º 1 do Código Penal de Macau, a aplicação de penas visa não só a reintegração do agente na sociedade mas também a protecção de bens jurídicos.
E ao abrigo do art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos, nomeadamente os elencados no n.º 2 do mesmo artigo.
No caso em apreciação, o crime pelo qual foi condenado o recorrente é punível com a pena de 3 a 15 anos de prisão.
Ponderado todo o circunstancialismo do caso concreto, nomeadamente as circunstâncias acima referidas e o comando do art.º 65.º do Código Penal de Macau, não se nos afigura excessiva a pena de 4 anos e 6 meses de prisão aplicada ao recorrente, que foi encontrada dentro da moldura penal fixada para o crime de tráfico ilícito de estupefaciente e em função da culpa do recorrente e das exigências de prevenção criminal.
Tal como tem entendido este Tribunal, “Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”2, pelo que se não se estiver perante essas situações, como é no caso vertente, o Tribunal de Última Instância não deve intervir na fixação da dosimetria concreta da pena.
Uma vez concluída pela bondade da decisão recorrida, não há hipótese de decretar, nos termos do art.º 48.º do CP, a suspensão da execução da pena aplicada ao recorrente, que tem como pressuposto a aplicação da pena não superior a 3 anos de prisão.
Finalmente e no que respeita à alegada violação do disposto nos art.ºs 19.º e 25.º da Lei n.º 17/2009, é de notar que, tal como resulta expressamente do n.º 1 do art.º 19.º, a suspensão da execução da pena de prisão aí contemplada só tem lugar “se o arguido tiver sido condenado pela prática dos crimes previstos nos artigos 14.º ou 15.º e tiver sido considerado toxicodependente nos termos do artigo 25.º”, que estipula a perícia médico-legal para determinar o estado de toxicodependência do arguido, a natureza dos produtos consumidos pelo arguido e o estado físico e psíquico do arguido.
Daí que no caso de prática do crime de tráfico de estupefacientes, mesmo em concurso com o crime de consumo de estupefacientes, como é o presente caso, não se deve lançar mão do regime previsto no art.º 19.º da Lei n.º 17/2009.
É de concluir pela improcedência do recurso.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça que se fixa em 6 UC.

               Macau, 30 de Maio de 2018
               
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
               

1 Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 306.
2 Ac. do TUI, de 23 de Janeiro de 2008, 19 de Setembro de 2008, 29 de Abril de 2009 e 28 de Setembro de 2011, nos Processos n.ºs 57/2007, 29/2008, 11/2009 e 35/2011, respectivamente.
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Processo n.º 34/2018 1