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Processo nº 1001/2017 (Recurso Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 19 de Abril de 2018
Descritores:
     - Contrato de trabalho
     - Salário
     - Gorjetas
     - Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios

SUMÁRIO:

I. Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).

II. Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).

Processo nº 1001/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM.

I. Relatório:
A, de nacionalidade nepalesa, com residência no Reino Unido, em …, instaurou no TJB (Proc. nº LB1-16-0140-LAC) contra “B S.A.R.L” e “C, S.A.”, acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que as Rés sejam condenadas a pagar-lhe a quantia total de MOP$281.150,00, acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento, referente a compensação a título de subsídio de alimentação, de efectividade, de trabalho prestado em dias de descanso semanal, de feriado obrigatório remunerado, de bonificações e outras remunerações adicionais, incluindo gorjetas, de comparticipação no alojamento, trabalho extraordinário, em termos que aqui damos integralmente reproduzidos.
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Por despacho de fls. 166, o tribunal “a quo” admitiu a correcção requerida a fls. 148-149 pelo autor aos diversos erros de escrita que cometeu na petição inicial, essencialmente concernentes à indicação da moeda em que seriam considerados os valores do salário base mensal e do salário normal diário (erradamente referidos em patacas, quando foram em dólares de Hong kong), bem como da moeda em que devem ser consideradas as indemnizações peticionadas.
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Deste despacho foi interposto recurso jurisdicional pelas rés, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
“I - Vem o presente recurso interposto do despacho proferido a fls 166 dos autos, que admite “a correcção requerida pelo Autor aos pedidos formulados no suo petição inicial convertendo-se os valores inicialmente apresentados em patacas pelos agora concretizados em Hong Kong dólares, o que se faz em coerência com os documentos juntos aos autos e por forço do princípio do economia processual, pois se assim se não fizesse previsivelmente ter/amos o Juízo Laboral inundado de outros tantas acções, somente por forço deste lapso, que assim se admite que seja reparodo.”;
II - O despacho recorrido carece de fundamento legal, não podendo acolher-se o entendimento que, por via do princípio da economia processual e por forma a evitar que o Juízo laboral seja inundado de outras tantas acções, seja admitida a correcção dos pedidos formulados pelo Autor, simplesmente porque não há nada a corrigir e estamos perante verdadeiras alterações dos pedidos fora das situações legalmente previstas e nos autos, ao contrário do constante do despacho, não há nenhum documento que pudesse justificar a pretensão do Autor;
III - Acresce que ao contrário do que decorre da decisão ora posta em crise não há nenhum documento junto aos autos que pudesse justificar a pretensão do Autor em ver rectificado os valores peticionados;
IV - O princípio da economia processual mais não é que um princípio de simplificação do processo, segundo o qual o processo deve obter o maior resultado com o mínimo de esforço, mas sempre nos limites da legalidade e da Justiça imparcial, não sendo de se admitir o recurso ao princípio da economia processual como desculpa ou fundamento de atropelo a lei;
V – O Autor fundamentava o seu pedido de correcção do pedido no preceituado no artigo 24412 do Código Civil e no artigo 21712 do CPC, os quais, flagrantemente não têm aplicação ao caso conforme acaba por deixar escapar o despacho recorrido sobre os quais nem se debruça;
VI - Do que vem declarado pelo Recorrido no seu requerimento não resulta que se trate de um erro de escrita ou de cálculo, nem dos seus articulados anteriores, mormente da petição inicial, se descortina esse erro, pai Recorrido sempre foi muito claro em alegar e calcular todas as parcelas do seu pedido em Patacas, e nunca em momento algum se refere a Dólares de Hong Kong;
VII - É pacífico que, a existir um lapso manifesto, tal erro só pode ser ratificado se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto, sendo necessário que ao ler-se o texto se veja de imediato o erro e que se entenda o que o interessado pretendia dizer;


VIII - Aquilo que o Recorrido pretendeu e acabou por ser deferido pelo Tribunal a quo foi alterar o seu pedido, o que, conforme resulta do citado artigo 217Q nQ 2 do CPC só e a mitido na Réplica, sendo certo que alteração não é o mesmo que ampliação;
IX -Mas ainda que se tratasse de um requerimento de ampliação do pedido, o que legalmente é permitido até ao encerramento da discussão em primeira instância (art. 217Q, nQ 2 do CPC), a pretensão do Recorrido carece de qualquer fundamento legal porquanto não se trata de “desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”, nem o Recorrido o fundamentou;
X - Se o Recorrido pretendia alegar que auferia a quantia mensal de HK7.500.00 (em vez de o receber em patacas) e deduzir os seus pedidos com base nessa quantia, poderia e deveria tê-lo feito ab initio na sua petição inicial, não podendo admitir-se que o faça agora lançando mão de expedientes processuais a despeito de erros de escrita que, como se viu, não existem;
XI - Atento o principio da preclusão, o Recorrido não pode vir desdizer aquilo que disse e sobre o qual as partes já tiveram oportunidade de se pronunciar e sobre matéria que foi já aceite pelas partes, colocando o processo e as restantes partes na contingência das suas variações;
XII - Se o Autor não alegou que auferia o salário em dólares de Hong Kong - e essa alegação não decorre do seu articulado - e não deduziu os seus pedidos com base nesse mesmo salário, apenas a si lhe poderá ser imputado, não sendo admissível que lhe seja permitido fazê-lo agora, em momento inoportuno, lançando-se mão ao princípio da economia processual, como veio a fazer a decisão recorrida;
XIII - No essencial, não se poderá sobrevalorizar o princípio da economia processual em detrimento de outros princípios que enformam o processo, designadamente desvalorizando-se os princípios da estabilidade da instância e da preclusão;
XIV - Motivo pelo qual, entendem as Recorrentes, sempre com todo o respeito, que enferma tal despacho do vício de erro na aplicação do Direito por violação dos artigos 6Q e 217Q do CPC artigo 16Q do CPT e do artigo 244Q do código Civil, devendo o mesmo ser revogado e substituído por outro que decrete o indeferimento do requerimento apresentado pelo Autor, ora Recorrido;
Assim, e nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, devendo o despacho de fls 166 ser revogado e substituído por outro que decrete o indeferimento do requerimento apresentado pelo Autor, ora Recorrido, assim se fazendo a costumada Justiça.”
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O recorrente respondeu ao recurso, pugnando pelo seu improvimento, em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
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Foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenadas as rés em montantes já liquidados e outros que vieram a ser liquidados em execução de sentença, em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
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Contra esta sentença foi interposto recurso jurisdicional pelas rés da acção, cujas alegações concluíram nos seguintes termos:
“1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção parcialmente procedente e condenou as Rés, ora Recorrentes, no pagamento de uma indemnização ao Autor A no valor de MOP101,055.00 pe1.ª Ré B, sendo MOP15,980.00 a título de subsídio de alimentação, MOP10,400.00 a título de subsídio de efectividade, MOP20,600.00 a título de descansos semanais, MOP20,600.00 a título de não gozo dos dias de descanso compensatório, MOP20,085.00 a título de comparticipação no alojamento descontadas, MOP13,390.00 pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho e no valor de MOP69,087.50 pe1.ª Ré C, sendo MOP15,460.00 a título de subsídio de alimentação, MOP13,200.00 a título de subsídio de efectividade, MOP25,492.50 a título de comparticipação no alojamento descontadas, MOP14,935.00 pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho, acrescidas de juros moratórios à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório; Mais condenando as Rés, ora Recorrentes, a pagar ao Autor o montante correspondente ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório e a Ré B às bonificações ou remunerações adicionais incluindo as gorjetas pagas ao operários residentes, a liquidar em execução de sentença.
2. As ora Recorrentes vêm impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente a matéria fáctica vertida no ponto G e H da Matéria Assente e ainda nos quesitos 1.º a 17.º e 18.º-A a 22.º da Base Instrutória, porquanto da prova produzida em sede de julgamento nunca poderiam os referidos quesitos terem sido provados, já que a matéria fáctica foi, salvo devido respeito, incorrectamente julgada pelo Douto Tribunal a quo e também no plano do Direito aplicável ao caso concreto, a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece dos vícios de erro de julgamento e erro na aplicação do direito e nulidade por falta de fundamentação decorrente da violação do ónus da alegação por parte do Autor ora, Recorrido.
3. Assim, foi a seguinte a factualidade tida por assente e provada:
Entre 01 de Abril de 2000 e 21 de Julho de 2003, o Autor esteve ao serviço da 1.ª Ré (B), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente (cfr. doc. 1). (A); O Autor foi recrutado pela Sociedade D - Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. - e exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99, (Cfr. doc. 2 e 3). (B); Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 280 trabalhadores não residentes) por parte da 1.ª Ré (B) para a 2.ª Ré (C), com efeitos a partir de 21/07/2003 (Cfr. Doc. 4). (C); Entre 22/07/2003 e 17/04/2006 o Autor esteve ao serviço da 2.ª Ré (C), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (D); Durante todo o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade nos locais (postos de trabalho) indicados pelas Rés. (E); Durante o período que prestou trabalho, as Rés pagaram ao Autor a quantia de HKD$7,500.00, a título de salário de base mensal. (F); Durante todo o período da relação de trabalho com as Rés, o Autor prestou a sua actividade num regime de turnos rotativos. (G); Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a 1.ª Ré (B) num regime de 3 turnos rotativas de 8 horas por dia: Turno A: (das 08h às 16h), Turno B: (das 16h às 00h), Turno C: (das 00h às 08h) (H); Resulta do ponto 3.1. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de “( ... ) $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação”. (1.º); Entre 01/04/2000 e 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação ou nunca entregou ao Autor qualquer tipo de alimentos e/ou géneros. (2.º); Ao tempo que o Autor prestou a sua actividade para a 1ª Ré (B) não existiam cantinas e/ou refeitórios nos Casinos que (ao tempo) eram operados pela 1.ª Ré (B). (2.º-A); Entre 22/07/2003 e 17/04/2006, a 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (3.º); Resulta do ponto 3.3. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99, que «(...) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se o Autor), este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1.º outorgante (leia-se, a 1ª e 2ª Rés) paga aos operários residentes no Território”. (4.º); Entre 01/04/2000 e 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas. (5.º); Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(...) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (6.º); Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés. (7.º); Entre 01/04/2000 e 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (8.º); Entre 22/07/2003 e 17/04/2006, a 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (9.º); Entre 01/04/2000 e 31/12/2002, a 1.ª Ré (B) nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (10.º); A 1.ª Ré nunca concedeu ao Autor um período de descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição. (11.º); A 1.ª Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (12.º); A 1.ª Ré (B) nunca conferiu ao Autor um qualquer outro dia de descanso compensatório. (13.º); Entre 01/04/2000 e 21/07/2003 o Autor prestou a sua actividade durante feriados obrigatórios para a 1.ª Ré. (14.º); A 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia adicional (leia-se, um qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (15.º); Entre 22/07/2003 e 17/04/2006 o Autor prestou a sua actividade durante feriados obrigatórios para a 2.ª Ré. (16.º); A 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia adicional (leia-se, qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (17.º); Durante o período em que o Autor prestou trabalho, as Rés procederam a uma dedução no valor de HKD750,00, sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (18.º); A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pelas Rés e/ou pela agência de emprego. (18.º-A); As Rés nunca pagaram ao Autor qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado pelo Autor durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo. (19.º); Os turnos respeitavam sempre uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (A-C)-(B-A)-(C-B), após a prestação pelo Autor (e pelos demais trabalhadores) de sete dias de trabalho contínuo e consecutivo. (20.º); Entre o fim da prestação de trabalho no turno C (00h às 08h) e o início da prestação de trabalho no turno B (16h as 00h), o Autor prestava a sua actividade num total de 16 horas de trabalho (correspondente a dois períodos de 8 horas cada) num período de 24 horas. (2l.º); Entre o fim da prestação de trabalho no turno B (l6h às 00h) e o início da prestação de trabalho no turno A (8h às 16h) o Autor prestava a sua actividade num total de 16 horas de trabalho (correspondente a dois períodos de 8 horas cada) num período limitado de 24 horas. (22.º)
4. Ora, pela sua relevância no presente recurso não pode deixar de se transcrever os fundamentos aduzidos pelo douto Tribunal na resposta à matéria de facto: “Concretamente, atendemos ao depoimento prestado pela testemunha apresentada pelo Autor, com a razão de ciência que melhor resulta da acta da audiência, que revelou conhecimento directo dos factos sobre que depôs, num depoimento que se revelou sóbrio e não comprometido, tendo explicado que não era política das Ré permitir o gozo de descansos semanais (não sendo tal trabalho sido pago além de um dia normal); explicou ainda, a este propósito, que nunca foi dado qualquer dia de descanso compensatório. Explicou ainda a testemunha que não foi pago qualquer subsídio de efectividade ou qualquer compensação pela prestação de trabalho em dias de feriado obrigatório; quanto a estes últimos, a resposta restritiva decorre da circunstância de a testemunha ter explicado que o Autor (à sua semelhança) gozava 24 dias de férias anuais, não tendo, no entanto, conseguido concretizar exactamente em que período tal sucedia, até porque esses dias podiam ser utilizados ao longo do ano quando havia alguma razão forte que os fizesse por exemplo ir ao país deles, razão por que não houve prova suficiente dos dias de feriado obrigatório em que o Autor prestou trabalho.”.
5. Mais ficou estabelecido na sentença recorrida que: “Explicou ainda a testemunha que nunca foram pagas quaisquer quantias a título de subsídio de alimentação, gorjetas ou outras remunerações além do salário. Mais explicou a testemunha que não eram fornecidas refeições, mas tão só um local - que não era assim uma cantina - onde os trabalhadores podiam tomar a refeição que traziam de casa. A testemunha inquirida afirmou ainda que, a título de alojamento, era cobrada a quantia mensal de 750 HK, mesmo que os trabalhadores optassem por residir fora das residências fornecidas pelas Rés. Mais relatou ainda a testemunha, de forma detalhada, como se processavam os turnos de trabalho e a sua rotatividade, precisamente nos termos que provados ficaram. Cumpre ainda referir que nenhuma prova de sentido contrário foi produzida, quer testemunhal, quer documental, que permitisse pôr em causa o depoimento prestado em audiência pela testemunha, nomeadamente, nenhum registo que comprove ter o autor alguma vez faltado ao serviço ou que lhe tivesse sido paga qualquer quantia, e a que titulo, além do que resulta provado (...).”.
6. Entendeu o Digno Tribunal a quo em levar para a Especificação a matéria vertida nos quesitos G e H, facto que as ora Recorrentes reclamaram por entenderem que face à impugnação feita em Contestação e ao facto de não disporem dados para determinarem da efectivação de tais turnos e, atento o estipulado no artigo 13.º, n.º 2 da Lei 7/2008 das Relações de Trabalho, a Lei apenas obriga o empregador a manter e conservar os registos dos trabalhadores durante a vigência da relação de trabalho e por um período de três anos após a sua cessação.
7. No caso concreto a cessação da relação de trabalho ocorreu há mais de 10 anos e por isso as Rés não mais tinham em seu poder elementos que lhe permitissem confirmar tal facto. Pelo que, desta forma, as Recorrente não concordam e rejeitam também tal decisão a qual também impugnam, considerando que a matéria vertida nos factos G e H deve fazer parte da Base Instrutória e nunca da Matéria Assente, tendo a douta sentença recorrida violado a aplicação da lei e o disposto no artigo 13.º, n.º 3 da Lei 7/2008, pelo que deverá a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que declare a passagem da matéria vertida nos pontos G e H dos Factos Assentes para a Base Instrutória com as demais consequências legais.
8. Mas caso assim não seja entendido, da prova produzida em sede de julgamento a resposta a todos os quesitos acima descritos, i.e., l.º a 17.º e 18.º-A a 22.º e a fundamentação supra transcrita teriam necessariamente de ser diferentes, pelo que estamos perante um claro erro de julgamento e como no presente caso foi deferida a documentação das declarações prestadas na audiência de julgamento, existindo por isso suporte de gravação, o que permitirá ao douto Tribunal de Segunda Instância melhor avaliar, e decidir, sobre o ora invocado erro na apreciação da prova, aqui expressamente se requerendo a reapreciação da matéria de facto, nos termos admitidos no artigo 629.º do CPC, aplicável ex vi artigo l.º do CPT.
9. A Recorrentes, ao invocarem no presente recurso o erro na apreciação da prova, que, na sua óptica, inquina a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, não pretendem apresentar apenas uma simples discordância relativamente à interpretação dos factos feita por aquele douto Tribunal, tendo bem presente o dispositivo do art. 558º do CPC, e a natureza insindicável da livre convicção relativamente à apreciação da prova efectuada pelo Tribunal recorrido, e estando bem ciente da jurisprudência afirmada nos Tribunais Superiores da RAEM sendo que é entendimento das Recorrentes que tal erro de julgamento se verifica na situação dos autos, e que o vício apontado à decisão recorrida resulta dos próprios elementos constantes dos autos, que por si só são contraditórios, ou do recurso às regras da experiência comum.
10. Nos presentes autos foi ouvida apenas uma única testemunha, X, cujo testemunho se encontra gravado na Passagem gravada em 21.03.2017, CD 1 Tradutor 1 Excerto 2 - 10.12.39 do minuto 18:17 ao minuto 19:35, Tradutor 3 do minuto 05:59 ao 11:56, Tradutor1 Excerto 4 10.48.21 do minuto 00:03 ao minuto 02:48, Excerto 5 - 10.51.33 do minuto 00:05 ao minuto 00:21, Excerto 6, 10.52.43 do minuto 46:38 ao 00:58, Excerto 7 10.54.14 do minuto 00:08 ao minuto 00:43, Excerto 8 - 10.55.27 do minuto 00:05 ao minuto 00:18., Excerto 9 10.57.03 do minuto 00:05 ao minuto 00:28, Excerto 10 11.05.23 do minuto 5:49 ao minuto 19:42.
11. E do mesmo se extrai que o depoimento da única testemunha ouvida em julgamento é genérico sem que tivesse a testemunha conseguido concretizar se em relação ao Autor as coisas se passavam corno se haviam passando em relação a si mesma, já que em relação ao Autor a instancias do Meritíssimo Juiz e perguntado à testemunha se alguma vez tinha trabalhado com o Autor declarou que: “(...) Meritíssimo Juiz: A? (18:17)Testemunha: Salvo erro ele iniciou as funções a partir de 2000 (18:53), e saiu em 2006. (18:54)Meritíssimo Juiz: E aonde é que ele trabalhou? (translator 3 Excerto 1: (25:32)) Testemunha: He worked in Palace casino (translator 3 Excerto 1: (25:40)), Landmark, Landmark (19:14), Faraó, salvo erro. (19:15)Meritíssimo Juiz: E já agora vivia em algum apartamento, (translator 3 Excerto 1: (25:55)), nos apartamentos, em que andar? (19:23) Testemunha: Sim, também vivia no 12.º andar. (19:35)” (Cfr. Passagem gravada em 24.01.2017, CD 1 Tradutor 1 Excerto 1 e Excerto 2 - 10.12.39). Ora, face a esta resposta, como pode o Tribunal a quo dar com precisão como provados os factos vertidos nos quesitos que dizem respeito aos pedidos relativos aos descansos semanais, aos feriados obrigatórios, ao subsídio de alimentação e de efectividade, às horas extraordinárias relativamente aos turnos e relativamente ao pagamento de gorjetas?
12. Aquilo que revelou é que pouco sabe sobre o Autor, e aquilo que sabe é relativamente a si próprio, pois mais parece um verdadeiro depoimento de parte, sobre si mesmo, não tendo um conhecimento directo sobre o que se passava com o Autor, ora Recorrido, o que revela a parcialidade do seu depoimento, sendo que a aludida testemunha foi Autor numa acção em tudo semelhante àquela em que veio depor, o que tende a revelar a parcialidade do seu depoimento e face às afirmações acima transcritas nunca poderia o Tribunal a quo ter dado como provado que o Autor não recebeu os subsídios a que alega ter direito, ou que nunca faltou sem conhecimento e autorização das Rés, ou que aquele nunca gozou dias de descanso semanal ou feridos obrigatórios ou se, a cada 21 dias, trabalhava 16 horas em cada período de 24!
13. Aliás, quanto aos Turnos a testemunha depôs de forma inconsistente e contraditória, sem saber explicar como os mesmos decorriam, ora dizendo que trabalhavam 16 horas seguidas de 7 em 7 dias, ora dizendo que trabalhavam de 21 em 21 dias (Tradutor 1, Excerto 5 - 10.51.33. minuto 00:05 a 00:21 e Excerto 6 - 10.52.43 minuto 46:38 a 46:51, Excerto 7 - 1.54.14 minuto 00:08 a 00:43, Excerto 8 - 10.55.27 minuto 00:05 a 00:18, Excerto 9 - 10.57.03, minuto 00:05 a 00:28, Excerto 10 -11.05.23 minuto 6:26 ao minuto 10:06) parecendo pois insuficiente admitir que a procedência do pedido do Autor seja feita com base num único depoimento genérico e indirecto, isto quando às Rés, ora Recorrentes, se tornou impossível contradizer documentalmente o depoimento da testemunha porquanto a presente demanda só se iniciou volvidos mais de 10 anos sobre o termo da relação laboral, não estando a mesma portanto obrigada a manter nos seus arquivos a documentação atinente a todos os seus trabalhadores, pelo que também aqui pecou o Digno Tribunal a quo quando deu como provados tais factos.
14. Quanto às gorjetas também aqui o Tribunal a quo pecou ao dar como provado os quesitos 4.º e 5.º da Base Instrutória, pois foi a seguinte a pergunta que foi colocada em audiência foi “(… Olhe, alguma vez. o senhor ou os colegas que aqui estão receberam gorjetas da B?)” (CD 1 tradutor 1, Excerto 3 10.36.02. minutos 08:03 a minuto 08:20). Ao que o mesmo respondeu: “Não nunca.” (Minuto 08:20).Vindo o Digno Tribunal a dar como provado que “Entre 01/04/2000 e 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas. (5.º), sem que alguma vez em audiência tenha sido questionado à testemunha se os trabalhadores residentes, incluindo guardas de segurança tinham recebido gorjetas, já que aquilo que decorre do contrato de prestação de serviços é que: “(...) este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1.ª Outorgante paga aos operários residentes no Território.” (Sublinhado nosso).
15. Ora, se tal facto não foi sequer perguntado à testemunha nem esta sobre o mesmo se pronunciou e se a eventual atribuição de gorjetas aos Guardas Nepaleses dependia da atribuição de gorjetas aos guardas de segurança residentes da B como é que o Tribunal teve provas suficientes para apurar se foram pagas gorjetas aos trabalhadores residentes no território para assim dar a matéria vertida no quesito 5.º como provada? A verdade, é que não se obteve prova suficiente para dar como provado tal facto e tal quesito, pelo que, e é com todo o respeito que o afirmamos, também aqui falhou o Digno Tribunal a quo, devendo a resposta ao mesmo quesito ser diversa da que foi dada, devendo tal quesito ser dado como não provado, pelo que após reapreciação da prova efectuada em juízo por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância deverá ser proferido douto Acórdão que julgue procedente o invocado vício de erro de julgamento ao dar por provados os quesitos 1.º a 17.º e 18.º-A a 22.º da Douta Base Instrutória, os quais serão de dar por não provados e ser proferido douto Acórdão que julgue procedente o invocado vício de erro de julgamento ao dar por provados todos os quesitos da Douta Base Instrutória, os quais serão de dar por não provados.
16. Mas ainda que improceda o recurso na parte respeitante à impugnação da decisão que dirimiu a matéria de facto, urge ainda questionar se o Autor teria direito a receber todos os créditos que reclama nos termos em que a sentença ora posta em crise os concedeu e a resposta só pode ser em sentido negativo, isto porque quanto ao subsídio de alimentação e ao subsídio de efectividade o Tribunal a quo condenou as ora Recorrentes a pagarem ao Autor compensações a título de subsídio de alimentação e a título de subsídio de efectividade tendo dado o douto Tribunal a quo como provado os supra transcritos quesitos 1.º a 3.º e 6.º a 9.º da Base Instrutória fundamentando a condenação da seguinte forma: «A pretensão do Autor assenta no regime legal de contratação de trabalhadores não residentes regulado no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, cujas condições mínimas de contratação estarão, segundo defende, incorporadas no contrato de prestação de serviços que a Ré celebrou tal como exigido pela alínea c) do n.º 9 desse diploma legal e na qualificação jurídica deste contrato como sendo a favor de terceiro.
(...)
Relativamente à questão jurídica fundamental, ao enquadramento da relação estabelecida entre as partes outorgantes dos mencionados contratos de prestação de serviços e à sua repercussão na esfera jurídica do Autor, o Tribunal de Segunda Instância já firmou jurisprudência unânime no sentido de que estamos na presença de um contrato a favor e terceiro que tem como beneficiário o Autor, citando-se como exemplo, o Acórdão datado de 25.07.2013, cujo sumário parcial aqui nos permitimos reproduzir:
(...)
Assim sendo, sem necessidade de outras considerações, como parte beneficiária do contrato de prestação de serviços dado como assente, o Autor tem direito a prevalecer-se do clausulado mínimo dele constante.
(...)
Quanto ao subsídio de alimentação resulta provado em 9) que era devido ao Autor o pagamento de 20 patacas diárias a tal título. Resulta ainda provado que entre 14 de Maio de 2001 (...) e 21 de Julho de 2003 a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (cf. facto 10), pelo que tem o Autor a receber a tal título a quantia de MOP15.980,00 (799 dias x MOP20);
- Resulta ainda provado que entre 22 de Julho de 2003 e 17 de Abril de 2006 a 2.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (cf. facto 12), pelo que tem o Autor a receber a tal título a quantia de MOP 15.460,00 (773 dias x MOP20)».
Fundamentando ainda que “Quanto ao subsídio de efectividade resulta este previsto no Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99 (cf. facto 15) e não foi pago pela 1.ª Ré ao Autor (cf. facto 17), sendo que entre 14 de Maio de 2001 (...) e 21 de Julho de 2003 o Autor não deu qualquer falta ao serviço, sem conhecimento e autorização prévia da Ré (cf. facto 16), pelo que lhe é devida a quantia de MOP 100 x 4 dias x 26 meses, isto é, MOP10.400,00;
- Resulta ainda provado que não foi pago pela 2.ª Ré ao Autor (cf. facto 18), sendo que entre 22 de Julho de 2003 e 17 de Abril de 2006 o Autor não deu qualquer falta ao serviço, sem conhecimento e autorização prévia da Ré (cf. facto 16), pelo que lhe é devida a quantia de MOP100 x 4 dias x 33 meses, isto é, MOP13.200,00.»
17. Numa situação como à dos autos em que à data da contratação do Autor estava em vigor o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro - o qual regia a contratação de trabalhadores não residentes - o Venerando Tribunal de Segunda Instância pronunciou-se do seguinte modo: «Tendo sido celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade […] Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré, estamos em face de um contrato a favor de terceiro, pois se trata de um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a Sociedade […] Lda. (promissória) o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores estranhos ao contrato (beneficiários).».
18. Retirando-se daqui que o contrato de prestação de serviços funciona como uma garantia do mínimo das condições remuneratórias a cumprir por parte da entidade promitente ou empregadora, sendo portanto de analisar se aquando do início da relação laboral os trabalhadores ficaram individualmente prejudicados face ao resultado que teriam se a entidade empregadora cumprisse apenas com aqueles mínimos das condições remuneratórias mas a verdade é que se as Recorrentes se tivessem limitado a cumprir com os mínimos a que se obrigaram, o Autor teria auferido um salário idêntico ao nível médio dos salários praticados para desempenho equivalente, num mínimo de 100.00 patacas diárias, acrescida de 20,00 patacas diárias por pessoa a título de subsídio de alimentação, ou seja, MOP3,600.00 mensais, ao qual poderia acrescer um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço e caso se considere que o Autor, ora Recorrido, auferia HK$7.500,00, ou seja, mais do dobro dos aludidos montantes, ficam assim devidamente cumpridas e verificadas as condições remuneratórias mínimas previstas no contrato de prestação de serviços, donde nunca poderiam proceder os pedidos formulados pelo Autor, ora Recorrido, a titulo de subsídio de alimentação e de efectividade.
19. Mas ainda que assim não se entenda sempre se diga que, o pedido formulado a título de subsídio de alimentação não poderia proceder, isto porque o Tribunal a quo entendeu que o Autor teria direito a receber, por parte da B, MOP20 por 799 dias de trabalho que mediaram entre o dia 14 de Maio de 2001 (atenta a prescrição dos créditos reclamados pelo Autor) e 21 de Julho de 2003, tendo ainda direito a receber, por parte da C, MOP20 por 733 dias de trabalho que mediaram entre 22 de Julho de 2003 e 17 de Abril de 2006, mas a verdade é que não se comprovou que entre 14 de Maio de 2001 e 17 de Abril de 2006 o Autor tenha trabalhado 1572 dias, mas antes aquilo que se provou foi que durante o período em que o Autor prestou trabalho nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés resultando assim assumido pelo Autor que teve períodos de “dispensa ao trabalho remunerados e/ ou não remunerados e autorizados pe1.ª Rés”.
20. Perguntando-se então quantos dias o Autor faltou ao trabalho com conhecimento e autorização da Rés? É que a parca matéria fáctica alegada pelo Autor não pode conduzir, sem mais, à procedência do pedido. Isto porque resultou apurado que o Autor teve férias, que deu faltas ao serviço e que pediu dias de dispensa com autorização das Rés mas não se comprova, nem tão pouco foi alegado, quais são esses dias e se não foram alegados esses dias, e sendo os subsídios de alimentação e de efectividade atribuídos em função da efectiva prestação de trabalho, como poderá o Tribunal determinar quais os dias em que o Autor trabalhou e quais efectivamente os dias em que o Autor tem direito a tais subsídios? Parece-nos pois que não estaria o Tribunal a quo em condições de determinar quais os dias relativos aos quais o Autor tem direito ao subsídio de alimentação pois conforme tem vindo a ser entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, este subsídio trata-se de um acréscimo salarial que pressupõe necessariamente a prestação efectiva de trabalho por parte do seu beneficiário tendo tal argumento vindo a ser defendido por esse Venerando Tribunal em diversos arestos dos quais se destaca o proferido em l3.04.2014 no processo 414/2012.
21. Ora de acordo com esta decisão para que houvesse condenação das Rés, ora Recorrentes, no pagamento desta compensação, deveria o Autor ter alegado e provado quantos foram os dias de trabalho efectivamente por si prestados, o que não sucedeu estando, aliás, a decisão em contradição com a factualidade provada (Cfr. resposta aos quesitos 1.º a 3.º e 6.º a 9.º), pelo que, salvo devido respeito por melhor opinião, não tendo sido alegados nem provados os factos essenciais de que depende a atribuição do mencionado subsídio de alimentação, ou seja, a prestação efectiva de trabalho, não poderia o douto Tribunal ter condenado as Recorrentes nos termos em o que fez, padecendo assim a douta sentença nesta parte do vício de erro de julgamento da matéria de facto e na aplicação do Direito, devendo consequentemente ser revogada e substituída por outra que absolva as Recorrentes do pagamento de compensação a título de subsídio de alimentação.
22. Quanto ao subsídio de efectividade veio a apurar-se que o mesmo fazia parte do Contrato de Prestação de Serviços n. º 2/99 e ainda que o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés, sucede que, por definição e conforme resulta do aludido Contrato de Prestação de Serviços, o subsídio de efectividade visa premiar a efectiva prestação do trabalho e o Contrato de Prestação de Serviços é claro ao prever que o subsidio de efectividade pressupunha que “[…] no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço.” (Sombreado nosso), sendo irrelevante que o trabalhador tenha faltado por motivo justificado ou mesmo sob autorização prévia, sendo que nos presentes autos não foi feita qualquer prova relativamente à assiduidade do Autor, não se tendo apurado quantos dias de trabalho efectivo ele prestou e nem quantas vezes faltou ao serviço, antes pelo contrário, resulta dos autos e da matéria de facto provada que o Autor deu faltas ao serviço, ainda que com conhecimento e autorização prévia por parte das Rés, não tendo porém sido tais faltas quantificadas, nem se determinando quando foram dadas e neste pressuposto se questiona como foi possível ao Tribunal a quo fixar os dias que fixou para cálculo das compensações se não sabe quantos foram os dias de faltas justificadas? E mais uma vez deixou a decisão recorrida escapar que o próprio Autor alega não ter trabalhado todos os dias.
23. Ou seja, é insuficiente a matéria de facto apurada nos presentes autos que permita ao Tribunal a quo sustentar a condenação das Recorrentes a pagar ao Recorrido qualquer montante a título de subsídio de efectividade, devendo assim ser revogada e substituída por outra que absolva as Recorrentes do peticionado, ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se poderá conceder, que tão-somente condene as Recorrentes a pagarem ao Recorrido a compensação a título de subsídio de efectividade e de subsídio de alimentação que se venham a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no n.º 2 do artigo 564.º do CPC.
24. Quanto à compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal, com relevo para a apreciação de tais pedidos deu o Tribunal a quo por provado o constante nos quesitos 10.º a 13.º da Base Instrutória e tendo resultado que o Recorrido deu faltas ainda que justificadas, como pode o Tribunal entender decidir o número de dias devidos e não gozados pelo Recorridos a que se faz alusão a fls. 204 verso da sentença? Isto porque, estando provadas as dispensas ao trabalho ainda que remuneradas e tendo sido dito pela testemunha que o Autor gozava 24 dias de férias anuais, tal como referido pelo Meritíssimo Juiz a quo no relatório da resposta à matéria de facto, sem que a testemunha conseguisse determinar em que dias o Autor gozou tais dias de férias anuais (Cfr. agravação CDI- Tradutor 1, Excerto 10, 11.05.23 minutos 12:49 a minuto 12:58), nunca poderia o Tribunal ter condenado a Recorrente B ao pagamento da quantia de MOP20.600,00+MOP20.600,00 (descansos compensatórios) sem que se provasse o número de dias concretos que o Autor deixou de gozar o seu descanso semanal.
25. Verificou-se assim uma errada aplicação do Direito e erro no julgamento da matéria de facto por parte do Tribunal a quo na condenação das Recorrentes nas quantias peticionadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal e em quantia indefinida quanto aos feriados obrigatórios, já que o mesmo raciocínio se aplica a este pedido de credito, em violação do princípio do dispositivo consagrado no artigo 5.º do CPC e, bem assim, o disposto nos artigos l7.º e 19.º do DL n.º 24/89/M, devendo assim a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva as Recorrentes do peticionado, ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se poderá conceder, que tão-somente condene as Recorrentes a pagar ao Recorrido a compensação a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal que se venha a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no n.º 2 do artigo 564.º do CPC.
26. No que diz respeito à reclamação das compensações reclamadas pela prestação de trabalho em regime de turno e trabalho extraordinário à semelhança do ocorrido com o subsídio de alimentação o Recorrido limitou-se a invocar factos genéricos, não alegando especificadamente quais os factos que permitam concluir que tenha direito a pedir qualquer tipo de compensação a esse título, nem a própria testemunha, sendo o testemunho genérico e indirecto sem conhecimento real e concreto da situação do Recorrido, tomando-se impossível apurar quais as horas que o Recorrido teria trabalhado a mais ou a menos, dada a falta de alegação do Autor, ora Recorrido, e da falta de prova em julgamento, pois nem o Recorrido nem a testemunha especifica datas, dias de trabalho efectivamente prestado, quando é que tais turnos coincidiam e quais os dias. E tendo ficado provado que o Recorrido dava faltas ao serviço (ainda que justificadas) ou pedia dispensas, como pode o Tribunal determinar com certeza quais os dias em que o Autor estava de turno? Ou ainda se eram ou não despendidas horas extraordinárias?
27. Na verdade, não é possível ao Tribunal a quo determinar quais as horas extraordinárias que o trabalhador efectuava em cada dia, em cada semana, mês e ano. Motivo pelo qual também aqui o Tribunal a quo andou mal ao condenar as Recorrentes, em violação do artigo 5.º do CPC e do artigo 10.º do n.º DL 24/89/M. E não se sabendo quando, em cada ano, o Autor, ora Recorrido faltou ao serviço e gozou as férias anuais, porque a testemunha não logrou concretizar em audiência, pergunta-se mais uma vez como pode o Tribunal a quo estabelecer com toda a certeza os dias para cômputo das compensações relativas aos descansos semanais, subsídio de efectividade, subsídio de alimentação e trabalho extraordinário nos turnos? Face a esta falta de previsão por parte do Digno Tribunal no apuramento das compensações a atribuir ao Recorrido entendem as Recorrentes, sempre com o devido respeito, que padece a douta decisão dos vícios de erro de julgamento da matéria de facto e erro na aplicação do direito. Devendo assim a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva as Recorrentes do peticionado, Ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se poderá conceder, que tão-somente condenem as Recorrentes a pagar ao Recorrido a compensação a título de trabalho extraordinário que se venha a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no n.º 2 do artigo 564.º do CPC.
28. Entendeu o Tribunal a quo que resulta do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99 que teria o Autor direito a receber as bonificações ou remunerações adicionais incluindo as gorjetas pagas aos operários residentes, a liquidar em execução de sentença. Com interesse para apreciação desta questão, pode ler-se na decisão recorrida que, “Resulta do ponto 3.3. do Contrato de Prestação de Serviço n.º 2/99 que “(...) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se o Autor), este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1.ª Outorgante (leia-se, a 1.ª Ré) paga aos operários residentes no território” (sublinhado e destacado nossos).
29. Com o devido respeito, entendem as Recorrentes que o Tribunal a quo interpretou mal a aludida cláusula no que ao pagamento das gorjetas diz respeito. Resulta claramente da supra transcrita cláusula que os trabalhadores não residentes teriam direito às bonificações ou remunerações adicionais PAGAS pela Recorrente aos operários residentes. As gratificações pagas pela entidade patronal têm carácter de recompensa, visando premiar e incentivar o trabalhador face ao seu bom desempenho. No caso ficou por comprovar e até mesmo por alegar quais foram as bonificações ou remunerações adicionais que a Recorrente B pagou aos trabalhadores residentes. Sendo certo que nessas bonificações ou remunerações adicionais não será de incluir as gorjetas porquanto não são as mesmas pagas pela aqui l.ª Ré, ora Recorrente, mas sim pelos seus Clientes. Não tinha a Recorrente B nenhum dever de pagar ao Autor nenhuma gorjeta, tal como não existia esse dever para com nenhum dos seus trabalhadores residentes.
30. Ao contrário do que o Autor pretendeu transparecer e veio a ser erradamente admitido pelo Tribunal, as gorjetas não correspondem a uma prestação do empregador mas sim de um terceiro e como tal não estão abrangidas pela sobredita cláusula. Como aliás decorre da nova lei das relações de trabalho (Lei 7/2008) que enquadra as gorjetas no conceito de “remuneração variável” (cfr. artigo 2.º, alínea 5)) e não como remuneração de base o que reforça o argumento que a sua distribuição não constitui uma verdadeira obrigação para a entidade patronal e por isso nunca poderia o Tribunal ter condenado a Recorrente B ao pagamento das bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas, por falta de preenchimento do requisito para tal, pelo que não poderá a Recorrente B senão ser absolvida do sobredito pedido, devendo então a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente B do peticionado.

31. Face a todo o acima exposto se concluiu também que a decisão em crise padece do vício de falta de fundamentação, isto porque a decisão em crise mantém na íntegra as conclusões incoerentes feitas na petição inicial, mantendo por responder a questões/vícios que a seguir se enumeram: (i) ter o Autor trabalhado todos os dias da semana, embora reconheça ter faltado algumas vezes ainda que tenham sido faltas justificadas; a que dias se refere o Tribunal quando faz os cálculos da indemnização? (ii) Quantos foram esses dias de faltas justificadas e quando foram gozados os 24 dias de férias anuais? E onde se encontram tal facto na Base Instrutória? (iii) Deverá ser atendida a “média de 30 dias por cada ano civil” de faltas autorizadas, como o Autor concede na nota 3 ao artigo 27.º da petição inicial? Mas que factos suportam esta conclusão? Questionando-se que, face estes pressupostos, como foi possível ao Tribunal fixar os dias que fixou para cálculo das compensações a que condenou as Rés a pagar ao Autor se não se sabe quantos foram os dias de faltas justificadas do Recorrido.
32. Com todo o devido respeito, as incoerências e violação do ónus de alegação por parte do Recorrido só poderia, em nossa modesta opinião, ser resolvida pelo Tribunal de Primeira Instância de uma de duas formas: ou dava a oportunidade ao Autor para aperfeiçoar a petição inicial, apresentando nova peça consistente e coerente que permitisse uma decisão clara e esclarecida; ou dava por provado apenas e tão só os factos que se encontram efectivamente provados e suficientemente alegados, os que, in casu, não são praticamente nenhuns, sendo que o que o Tribunal a quo não podia ter feito o que fez, ou seja, factualizar as conclusões do Autor não suportadas em factos nem por prova bastante em audiência e sustentar os factos incoerentes e contraditórios que se mantêm na íntegra, pelo que esta decisão, por essa razão, padece também de vício de falta de fundamentação decorrente da violação do ónus de alegação por parte do Recorrido, sendo, por isso, nula.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em conformidade, deverá ser declarada nula a sentença recorrida nos termos nos termos do disposto no artigo 571.º, n.º 1, alínea b) do CPC, ex-vi do artigo 43.º do CPT, com as demais consequências legais.
Sem prescindir, e caso assim não se entenda, deverá ser revogada a sentença recorrida nos termos supra explanados, com as demais consequências da Lei,
Termos em que farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!”
*
Não houve resposta a este recurso.
*
O autor da acção também recorreu da sentença, terminando as suas alegações nos seguintes termos conclusivos:
“1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao ora Recorrente as quantias pelo mesmo reclamadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal e feriados obrigatórios;
2. Salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de Direito quanto à concreta forma de cálculo devida pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e de feriado obrigatórios e, nesta medida, se mostra em violação ao disposto nos artigos 17.º, 19.º e 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, razão pela qual deve a mesma ser julgada nula e substituída por outra que atenda à totalidade dos pedidos reclamados pelo Autor na sua Petição Inicial;
Em concreto,
3. Ao condenar a 1.ª Ré a pagar ao ora Recorrente apenas uma quantia em singelo pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal não gozado, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al, a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, na medida em que de acordo com o referido preceito se deve entender que o mesmo trabalho deve antes ser remunerado em dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, acrescido de um outro dia de descanso compensatório, tal qual tem vindo a ser seguido pelo Tribunal de Segunda Instância;
Acresce que,
4. Contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal a quo, não parece correcto concluir que pela prestação de trabalho nos dias de feriados obrigatórios se deva proceder ao desconto do valor do salário em singelo já pago;
5. Pelo contrário, salvo melhor opinião, a fórmula correcta de remunerar o trabalho prestado em dia de feriado obrigatório nos termos do disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril - ainda que a determinar em sede de liquidação de execução de Sentença - será conceder ao Autor, ora Recorrente, um “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal, para além naturalmente da retribuição a que tem direito” - o que equivale matematicamente ao triplo da retribuição normal - conforme tem vindo a ser entendido pelo douto Tribunal de Segunda Instância.
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta; Sentença ser julgada nula e substituída por outra, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!”
*
As rés responderam a este recurso nos seguintes termos conclusivos:
“I - Vem o Autor colocar em crise a douta sentença recorrida por entender que andou mal o Tribunal de Primeira Instância ao adoptar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância a respeito do pagamento do trabalho prestado em dia de descanso semanal, condenando assim as Rés, ora Recorridas, apenas ao valor correspondente a um salário em singelo e não ao dobro pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, mais alegando o Autor que o tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na alínea a), do n.º 6 do artigo 17º do DL 24/89/M de 3 de Abril.
II - No entanto, e quanto à forma de cálculo adoptada para apuramento de uma eventual compensação quanto aos descansos semanais as Recorridas concordam com a fórmula adoptada pelo Tribunal a quo que mais não é do que a fórmula que é apresentada pelo Tribunal De Última Instancia, pois tal apuramento mais não segue senão o que está escrito na lei, determinando a alínea a) do n.º 6 do artigo 17º do aludido diploma legal que: “O trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago:
a) Aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição.”
Referindo-se a lei ao trabalho que deve ser pago pelo dobro da retribuição e não à compensação que deve ser paga pelo dobro, referindo-se muito concretamente ao valor do trabalho efectuado em dia de descanso semanal e não ao valor da compensação.
III - Pelo que a interpretação literal da lei foi bem aplicada pelo Tribunal a quo e pelo Tribunal de Última Instância, sendo, aliás, esta mesma interpretação a perfilhada pelo Dr. Miguel Quental, Ilustre mandatário do ora Recorrente, no seu livro “Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau”, pags. 283 e 284, quando afirma: “Da nossa parte, sempre nos pareceu como mais correcto que a expressão “dobro da retribuição normal” queria significar para os trabalhadores que auferem um salário mensal o direito a auferir o equivalente a 100% da mesma retribuição, a acrescer ao salário já pago.”, bem como a posição do Professor Teixeira Garcia no seu livro “Lições do Direito do Trabalho” Parte II, pag. 186, nota 18.
IV - Assim, e de acordo com decisões de Tribunais Superiores de Macau, designadamente com a decisão nº 28/2007 proferida pelo Tribunal de Última Instância, de acórdão datado de 21 de Setembro de 2007, nas situações em que o trabalhador já tenha recebido o salário normal correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal, só terá então direito a receber outro tanto, e não em dobro, porquanto o trabalhador já foi pago em singelo, pelo que, caso resulte que o Recorrente não foi pago pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal, - o que não se concede -, este apenas terá direito a receber outro tanto da remuneração diária média, mas não em dobro, tal como é reclamado, devendo, por isso, improceder o recurso apresentado pelo Recorrente.
V - O Recorrente vem também colocar em crise a sentença proferida pelo Tribunal a quo na parte em que faz o cálculo quanto à compensação pelo trabalho prestado em dia de feriado.
VI - Ora, entendem as Recorridas que o cálculo apurado pelo Tribunal a quo, que vai na mesma senda do Tribunal de Última Instância, mais uma vez, faz uma interpretação acertada da lei pois de acordo com o nº 1 do artigo 20º do mesmo diploma, “O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no nº 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal (...)”, i.e. se o trabalhador prestar trabalho no dia de feriado obrigatório para além do salário que já recebeu em singelo, terá direito ao dobro a título de compensação e não ao triplo, como erradamente é interpretado pelo Recorrente, indo no mesmo sentido o Tribunal de Última Instância, sendo entendimento deste Tribunal Superior que tendo o trabalhador sido remunerado em singelo pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório, o mesmo só terá direito a auferir o dobro da sua retribuição (conforme Decisão nº 28/2007 proferida pelo Tribunal de Última Instância, acórdão datado de 21 de Setembro de 2007).
VII - Assim, caso resulte provado que o Autor, ora Recorrente, tenha trabalhado em feriados obrigatórios e se for possível determinar o número de dias que prestou trabalho em dia de feriado obrigatório ― o que deveras se não concede -, tendo em conta que o Autor foi sempre remunerado pela sua prestação de trabalho em dias de feriados obrigatórios no valor de um dia de salário normal diário, o mesmo apenas teria direito a receber o dobro do salário normal diário por cada dia de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório e nunca o triplo. Devendo, por isso, improceder também aqui o recurso apresentado pelo Recorrente.
Assim, e nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser considerado totalmente improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
“1) Entre 01 de Abril de 2000 e 21 de Julho de 2003, o Autor esteve ao serviço da 1.ª Ré (B), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente (cfr. doc. 1). (A)
2) O Autor foi recrutado pela Sociedade D – Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. - e exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99 (Cfr. doc. 2 e 3). (B)
3) Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 280 trabalhadores não residentes) por parte da 1.ª Ré (B) para a 2.ª Ré (C), com efeitos a partir de 21/07/2003 (Cfr. Doc. 4). (C)
4) Entre 22/07/2003 e 17/04/2006 o Autor esteve ao serviço da 2.ª Ré (C), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (D)
5) Durante todo o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade nos locais (postos de trabalho) indicados pelas Rés. (E)
6) Durante o período que prestou trabalho, as Rés pagaram ao Autor a quantia de HKD$7,500.00, a título de salário de base mensal. (F)
7) Durante todo o período da relação de trabalho com as Rés, o Autor prestou a sua actividade num regime de turnos rotativos. (G)
8) Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a 1.ª Ré (B) num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia:
Turno A: (das 08h às 16h)
Turno B: (das 16h às 00h)
Turno C: (das 00h às 08h) (H)
9) Resulta do ponto 3.1. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de “(…) $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação”. (1.º)
10) Entre 01/04/2000 e 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação ou nunca entregou ao Autor qualquer tipo de alimentos e/ou géneros. (2.º)
11) Ao tempo que o Autor prestou a sua actividade para a 1ª Ré (B) não existiam cantinas e/ou refeitórios nos Casinos que (ao tempo) eram operados pela 1ª Ré (B). (2.º-A)
12) Entre 22/07/2003 e 17/04/2006, a 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (3.º)
13) Resulta do ponto 3.3. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99, que “(…) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se o Autor), este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1.º outorgante (leia-se, a 1ª e 2ª Rés) paga aos operários residentes no Território”. (4.º)
14) Entre 01/04/2000 e 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas. (5.º)
15) Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (6.º)
16) Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés. (7.º)
17) Entre 01/04/2000 e 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (8.º)
18) Entre 22/07/2003 e 17/04/2006, a 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (9.º)
19) Entre 01/04/2000 e 31/12/2002, a 1.ª Ré (B) nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (10.º)
20) A 1.ª Ré nunca concedeu ao Autor um período de descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição. (11.º)
21) A 1.ª Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (12.º)
22) A 1.ª Ré (B) nunca conferiu ao Autor um qualquer outro dia de descanso compensatório. (13.º)
23) Entre 01/04/2000 e 21/07/2003 o Autor prestou a sua actividade durante feriados obrigatórios para a 1.ª Ré. (14.º)
24) A 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia adicional (leia-se, um qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (15.º)
25) Entre 22/07/2003 e 17/04/2006 o Autor prestou a sua actividade durante feriados obrigatórios para a 2.ª Ré. (16.º)
26) A 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia adicional (leia-se, qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (17.º)
27) Durante o período em que o Autor prestou trabalho, as Rés procederam a uma dedução no valor de HKD750,00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (18.º)
28) A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pelas Rés e/ou pela agência de emprego. (18.º -A)
29) As Rés nunca pagaram ao Autor qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado pelo Autor durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo. (19.º)
30) Os turnos respeitavam sempre uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (A-C)-(B-A)-(C-B), após a prestação pelo Autor (e pelos demais trabalhadores) de sete dias de trabalho contínuo e consecutivo. (20.º)
31) Entre o fim da prestação de trabalho no turno C (00h às 08h) e o início da prestação de trabalho no turno B (16h às 00h), o Autor prestava a sua actividade num total de 16 horas de trabalho (correspondente a dois períodos de 8 horas cada) num período total de 24 horas. (21.º)
32) Entre o fim da prestação de trabalho no turno B (16h às 00h) e o início da prestação de trabalho no turno A (8h às 16h) o Autor prestava a sua actividade num total de 16 horas de trabalho (correspondente a dois períodos de 8 horas cada) num período limitado de 24 horas. (22.º)”.
***
III – O Direito
A - Do recurso interlocutório interposto pelas rés
Está em causa o despacho de fls. 166, que deferiu o requerimento de correcção da petição em relação à moeda a ter em consideração na indicação de alguns dos montantes peticionados.
Ora, ao contrário do que este TSI já procedeu em casos semelhantes, entendemos agora que o recurso em apreço não pode ser admitido, na sequência da decisão do Ex.mo Presidente deste tribunal tomada no âmbito de uma reclamação deduzida precisamente com fundamento na não admissão de um recurso similar pelo juiz da 1ª instância. Referimo-nos à reclamação nº 46/2017/R e à respectiva decisão, datada de 13/11/2017.
Efectivamente, nos termos do art. 583º do CPC, a decisão impugnada não é desfavorável à recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal judicial de base, que, nos termos do art. 18º, nº1 da Lei de bases da Organização Judiciária, é de MOP$ 50.000,00.
Assim, sendo, não se conhecerá do recurso.
*
B - Do recurso da sentença interposto pelo autor
1 – Do trabalho prestado em dias de descanso semanal
Insurge-se o recorrente contra a fórmula de cálculo que o tribunal “a quo” utilizou para a compensação devida pelo serviço prestado pelo autor nos dias que deveriam ser de descanso semanal. O tribunal apenas conferiu ao autor um valor de salário em singelo, quando na opinião deste deveriam ser dois.
Tem razão o recorrente.
Sobre este assunto, tem este TSI vindo a decidir de forma insistente (v.g., ver os Acs. TSI de 15/05/2014, Proc. nº 61/2014, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014, de 29/05/2014, Proc. nº 627/2014; 29/01/2015, Proc. nº 713/2014; 4/02/2015, Proc. nº 956/2015; de 8/06/2016, Proc. nº 301/2016; de 6/07/2017, Proc. nº 405/2017) que a fórmula utilizada pelo TJB não é mais correcta.
Com efeito, no que a este assunto concerne, vale o disposto no art. 17º, nºs 1, 4 e 6, al. a), do DL nº 24/89/M.
Nº1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
Nº4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
Nº6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Portanto, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.º 6, al. a)).
Como remunerar, então, este dia de trabalho prestado em dia que seria de descanso semanal?
Ora bem. Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o valor devido (pagou o dia de descanso que sempre teria que ser pago), falta pagar o trabalho prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.º 1);
E, em qualquer caso, sem prejuízo da remuneração correspondente ao dia de “descanso compensatório” a que se refere o art. 17º, nº4 - desde que peticionada, como foi o caso, - quando nele se tenha prestado serviço (neste sentido, v.g., Ac. TSI, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014).
Quanto à remuneração pelo dia de descanso semanal, temos, portanto, que a fórmula a utilizar será sempre AxBx2.
Não faria, aliás, sentido que fosse de outra maneira. Na verdade, se o trabalhador, mesmo sem prestar serviço nesse dia de descanso (v.g., domingo), sempre auferiria o correspondente valor (a entidade patronal não lho poderia descontar, visto que o salário é mensal), não faria sentido que, indo trabalhar nesse dia, apenas passasse a receber em singelo o trabalho efectivamente prestado. Seria injusto que apenas se pagasse ao trabalhador esse dia de serviço, que deveria ser de folga e descanso. Que vantagem teria então o trabalhador por prestar serviço a um domingo, se, além do que receberia mesmo sem trabalhar, apenas lhe fosse pago o valor do trabalho efectivamente prestado nesse dia de folga como se tratasse de uma dia normal de trabalho?!
Por isso é que o legislador previu que o trabalho efectivamente prestado nesses dias pelo trabalhador, além do valor que já lhes seria devido em qualquer caso, fosse compensado em dobro pelo valor da retribuição normal diária. Quando a lei fala em dobro refere-se, obviamente, à forma de remunerar esse serviço efectivamente prestado nesses dias de descanso, sem prejuízo, como é bom de ver, do valor da remuneração a que sempre teria direito correspondente a cada um desses dias de descanso e que já recebeu.
Significa isto, assim, que a 1ª instância não poderia ter descontado o valor em singelo já recebido pelo recorrente.
Mas, por outro lado, não temos a certeza de que este seja o valor correcto, tendo em atenção de que ele não terá em conta os dias de falta ao serviço, conforme facto provado nº 16 (art. 7º da BI).
Assim, e sem deixar de considerar a fórmula de cálculo acima definida, será caso para apuramento em sede própria quanto ao quantum compensatório, face à anulação parcial da sentença com vista à ampliação da matéria de facto e repetição de julgamento nessa parte (neste sentido, v.g. Acs. de 29/06/2017, Processos nºs 341/2017, 313/2017).
*
2 – Do trabalho em dias de feriado obrigatório
A sentença, neste passo, considerou que o autor tinha direito a receber por cada dia de feriado obrigatório não gozado um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro, a que haveria que deduzir-se o montante em singelo já pago por cada dia de serviço efectivamente prestado.
Simplesmente, por não se ter apurado quais os dias de feriado obrigatório em que prestou trabalho, relegou a sua liquidação para execução de sentença.
O autor, ora recorrente, não se insurge contra a circunstância de ter sido relegada a liquidação do valor indemnizatório a este título para execução de sentença, mas sim, e apenas, contra a parte em que o tribunal decidiu que a prestação do trabalho deveria ser compensada apenas com mais um salário diário por cada dia de feriado não gozado.
Repare-se no que foi dito, por exemplo, no acórdão proferido no Proc. deste TSI nº 824/2012, em 15/12/2012:
“Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer “não inferior”? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3 .
Como se vê, a fórmula obriga a ter em consideração 3 dias de remuneração.
Dito de outra maneira, terá que ser pago o dia de trabalho efectivamente prestado (singelo) acrescido do dobro do valor salarial diário (é este acréscimo que falta pagar).
Procede, pois, o recurso nesta parte.
Simplesmente, o quantum compensatório a este título deverá ser apurado nos termos que mais abaixo se dirão, face à anulação parcial da sentença para apuramento da pertinente matéria de facto (neste sentido, v.g. Acs. de 29/06/2017, Processos nºs 341/2017, 313/2017).
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C - Do recurso da sentença interposto pelas rés da acção
1 - Do erro no julgamento da matéria de facto
1.1 - Insurgem-se as rés contra a circunstância de ter sido levada à matéria assente o teor das alíneas G) e H), quando deveria, pelo contrário, ser incluída na Base Instrutória. E isto, por entenderem que o desconhecimento que alegaram relativamente a essa matéria não pode ser dado por confissão, uma vez que não são obrigadas a conservarem os documentos alusivos ao autor e à vida da sociedade.
Não têm razão. Basta considerar que aquela matéria diz directamente respeito à relação jurídica estabelecida entre o autor e as rés ora recorrentes. Portanto, sendo facto que também lhes é pessoal e de que não podem deixar de ter conhecimento, o simples modo de impugnar dizendo desconhecer genericamente tal factualidade não surte, como se sabe, os desígnios impugnativos (410º, nº3, do CPC). Assim sendo, se o tribunal ficou convencido da veracidade das respectivas afirmações feitas pelo autor, nenhuma censura se pode fazer ao tribunal “a quo”, por não haver fundamento legal para tal (cfr. art. 335º, do CC e 407º e 410º, nº3, do CPC).
Improcede, pois, o recurso quanto a esta matéria.
*
1.2 - Vislumbram ainda as recorrentes um alegado erro na apreciação da matéria de facto controvertida.
Não têm razão, salvo o devido respeito. É que no recurso ora interposto o leitmotiv da fundamentação utilizada reside no facto de o tribunal apenas ter assentado as respostas à factualidade controvertida no depoimento da única testemunha do autor, que as recorrentes tomam como simplesmente genérico e parcial, uma vez que também ela fora autora numa outra acção dirigida contra as rés pelas mesmas razões de índole laboral.
Não podemos concordar. A testemunha sempre foi categórica sobre cada facto a que depôs, dizendo – e convencendo – que a sua situação sempre foi igual à do aqui autor ou vice-versa. Ou seja, essa testemunha deixou claro que ele e todos os seus colegas de trabalho viveram a mesma situação no que concerne aos diversos direitos laborais aqui alegadamente violados.
Tal testemunha mostrou, portanto, conhecer bem o quadro de facto em que todos os empregados, seus colegas, se moviam todos se moviam e em que forneciam a sua prestação de trabalho às rés.
Não pode este TSI concluir, em suma, que o tribunal “a quo” fez uma má avaliação da factualidade tida como provada. Se a livre convicção do julgador da 1ª instância dificilmente poderia ser abalada, o elemento de prova testemunhal que as recorrentes sindicam, acaba, em nossa opinião, por confirmar o resultado de tal convicção.
É a posição que este TSI tem tomado uniformemente sobre o assunto em casos similares a este.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
*
2 – Do subsídio de alimentação
Acham as recorrentes que pelo facto de terem pago um valor salarial superior ao que resulta dos mínimos estabelecidos no contrato de prestação de serviços nº 1/99 não teria que cumprir os valores definidos neste contrato a outros títulos, nomeadamente de subsídio de alimentação e outros.
Sem razão, tal como já foi decidido neste TSI, no Ac. de 25/07/2013, Proc. nº 322/2013, e aqui reiteramos: “Nada obsta que da relação entre o promitente e o terceiro (agência prestadora de serviços e mão de obra), para além do assumido nesse contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador)”.
Defendem, por outro lado, as recorrentes que o tribunal não podia proceder à sua condenação no pagamento do subsídio de alimentação, pela simples razão de que se não sabe quantos dias ele terá faltado ao serviço.
Têm razão, quanto a este aspecto.
Sobre o assunto foi dito no Ac. do TSI, de 14/06/2012, Proc. nº 376/2012:
“Ora, este subsídio tem uma função social radicada numa despesa alimentar efectuada por causa da prestação de trabalho efectiva1. E embora tenha havido por parte da jurisprudência alguma tendência para o considerar prestação retributiva, a verdade é que nem por isso outra a associava, mesmo assim, à noção de trabalho efectivo, tal como, por exemplo, foi asseverado no Ac. da Relação de Lisboa de 29/06/1994, Proc. nº 092324 “ Quer a Jurisprudência, quer a Doutrina têm vindo a entender que o subsídio de alimentação, sendo pago regularmente, integra o conceito de retribuição .... Porém, estando ligada essa componente salarial à prestação de facto do trabalho, só será devida quando o trabalhador presta serviço efectivo à entidade patronal…”.2.
Com o art. 260º do Código do Trabalho Português, o panorama mudou de figura, pois o nº2, do art. 260º deixou claro que esse subsídio não devia ser considerado remuneração, salvo nos casos em que o seu valor excede o montante da despesa alimentar. E assim, terá ficado mais claro que ele só é assumido pelo empregador por causa da prestação efectiva de trabalho. Ele “visa compensar uma despesa diariamente suportada pelos trabalhadores quando realiza a sua actividade”3. Ou “…visa compensar uma despesa na qual o trabalhador incorre diariamente, sempre que vai trabalhar…” (destaque nosso)4.
Em Macau, não está regulada a atribuição destes subsídios, mas não cremos que o sentido da sua natureza que melhor se adequa à geografia local é aquele que atrás descrevemos. Por conseguinte, por não estar regulada na lei (DL nº 24/89/M), nem no referido contrato de prestação de serviços nº 45/94 (fls. 137 e sgs. dos autos), deveremos considerá-lo como compensação pela prestação de serviço efectivo.
Logo, da mesma maneira que deverá descontar-se o subsídio nos períodos de férias ou naqueles em que a pessoa está de licença de maternidade, também ele deve ser subtraído quando o trabalhador não prestou serviço por outra qualquer razão5.”
A ré/recorrente manifesta-se contra a sentença, por considerar que o autor, conforme a matéria de facto provada, chegou a faltar alguns dias ao serviço, mesmo com justificação ou autorização.
Mas, o acórdão deste TSI de 29/05/2014 (Proc. nº 627/2013) deu a resposta para esta questão:
«Contrariamente ao sustentado, não será de afirmar que se retira necessariamente do facto de o autor não faltar sem ser autorizado o facto implícito de ter faltado…. Esse facto pode ser compatibilizado … se dele se retirar que aí se enuncia uma regra que não deixou de ser observada: o trabalhador não podia faltar sem autorização; o trabalhador não faltou sem autorização; se faltasse tinha que ser autorizado. Daqui não se pode concluir que faltou autorizadamente, ou seja, que alguma vez tenha usado essa faculdade». Foi uma solução que seguida foi também no Ac. de 19/06/2014, no Proc. nº 189/2014, e no Ac. de 29/05/2014, Proc. nº 627/2013.
Sucede, contudo, que tal solução não dá resposta segura às situações em que tenha havido gozo efectivo dos dias de descanso anual e de feriados obrigatórios. Por outro lado, estamos em crer que uma leitura mais objectiva da resposta ao art. 7º da BI permite concluir que o trabalhador terá dado algumas faltas ao serviço, ainda que com autorização.
Assim, a melhor solução é aquela que propende para remeter a fixação da indemnização a este título para execução de sentença (assim foi decidido, por exemplo, nos Acs. de Ac. de 13/03/2014, Proc. nº 414/2012, 24/04/2014, Proc. nº 687/2013, 29/05/2014, Proc. nº 168/2014, 24/07/2014, Proc. nº 128/2014)”.
Não seguiremos, neste caso, porém, a tese de relegar a liquidação em execução de sentença, visto que há matéria que deverá ser de novo quesitada, tal como melhor se dirá mais adiante (neste sentido, v.g. Acs. de 29/06/2017, Processos nºs 341/2017, 313/2017).
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3 – Do subsídio de efectividade
Por entender não se ter provado quantos dias de trabalho efectivo o autor prestou serviço, as recorrentes defendem que não podia o tribunal condená-las no pagamento desta indemnização, a qual, na sua óptica, carece de serviço prestado em cada mês sem qualquer falta, justificada ou não. Se assim, não se entender, defende que se deveria deixar para execução de sentença a liquidação do “quantum” indemnizatório respectivo.
Este TSI tem entendido que a sua atribuição carece de uma prestação de trabalho regular e sem faltas (v.g., Acs. proferidos nos Procs. Nºs 376/2012; 189/2014).
E diz mais este tribunal: “Em relação a este subsídio, vista a sua natureza e fins - já não se manifestam as razões que levam a considerar que a sua atribuição esteja excluída numa situação de não assiduidade justificada ao trabalho. Se o patrão autoriza uma falta seria forçado retirar ao trabalhador uma componente retributiva da sua prestação laboral, não devendo o trabalhador ser penalizado por uma falta em que obteve anuência para tal e pela qual o patrão também assumiu a sua responsabilidade” (Ac. de 25/07/2013, Proc. nº 322/2013).
Assim, “… se o trabalhador falta porque autorizado, por razões de descanso ou de férias, tal não implica que se considere que o trabalhador não foi assíduo e se lhe retire uma componente retributiva que resulta da própria redacção que atribui uma retribuição extra em função do mês anterior e já não de um determinado número de dias de trabalho efectivo.” (cit. ac.).
Ora sendo assim, face à matéria do facto 15) (resposta ao art. 7º da BI), segundo a qual “durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés”, parece ser claro que as eventuais ausências, porque consentidas, não podem relevar negativamente na esfera do trabalhador.
Razão pela qual não pode merecer provimento o recurso nesta parte, ficando desde já, tal como o liquidou a sentença recorrida, as rés a pagar ao autor da acção as quantias de 10.400,00 e 13.200,00, respectivamente pela B e C, a título de subsídio de efectividade.
*
4 – Do trabalho prestado em dias de descanso semanal e descanso compensatório e de feriado obrigatório
Vêm as recorrentes manifestar-se contra a atribuição do valor liquidado a título de trabalho nos dias de descanso semanal, compensatório e nos feriados obrigatórios.
Em sua opinião, uma vez que ficou provado que o autor teve faltas, ainda que justificadas, não seria possível especificar o número de dias devidos e não gozados por ele, ao contrário do que fez a sentença recorrida.
Têm razão, tal como se decidiu no TSI, de 27/04/2017, Proc. nº 167/2017, cujos termos aqui fazemos nossos.
Sucede, porém, que foi alegada matéria concernente aos dias de trabalho a que o autor terá faltado e que não foi quesitada, e que deverá constituir assim factualidade a que o tribunal “a quo” terá que voltar em sede de repetição de julgamento após a necessária quesitação (neste sentido, v.g. Acs. de 29/06/2017, Processos nºs 341/2017, 313/2017).
*
5 – Do trabalho extraordinário
As recorrentes reiteram a ideia de que o autor da acção deu faltas ao serviço, além de ter gozado férias anuais. Com base nisso, defendem que não podia o tribunal apurar os dias em que ele teria efectuado serviço extraordinário nos turnos.
Tem razão.
Contudo, e ao contrário do que se tem decidido quanto a esta questão (em que se tem relegado a liquidação do valor indemnizatório a este título para execução de sentença, conforme, v.g., Ac. deste TSI, de 27/04/2017, Proc. nº 167/2017), haverá que ampliar a matéria de facto para o que o processo deverá baixar à 1ª instância, nos termos que mais adiante se dirão.
*
6 – Das bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas
Defende a recorrente B que não tinha que pagar ao autor quaisquer bonificações ou gorjetas, primeiro por não ter ficado provado quais foram as bonificações ou remunerações adicionais pagas aos trabalhadores residentes, segundo porque as gorjetas não são pagas por si, mas pelos seus clientes, que para o efeito devem ser tidos como terceiros. Quanto ao primeiro argumento, ele tem que ver com a matéria do ponto 3.3 do Contrato de Prestação de Serviços nº 1/99, segundo o qual o trabalhador, após 30 dias de prestação de serviço, teria direito, para além da remuneração normal, às bonificações adicionais, incluindo as gorjetas, que a 1ª ré paga aos operários residentes em Macau (facto 12 da matéria provada e 4º da BI).
Pois bem. A matéria provada não revela quais sejam as bonificações ou remunerações adicionais, que a 1ª ré tenha pago aos seus trabalhadores residentes. Não consta da matéria provada o teor do art. 34º da p.i, que “a ré (B) sempre pagou aos trabalhadores residentes no Território, de forma regular e contínua, diversas bonificações e/ou remunerações adicionais, incluindo-se as gorjetas que eram recebidas dos clientes das salas de jogo e que eram distribuídas pelos mesmos trabalhadores (residentes) após serem reunidas e contabilizadas pela 1ª ré (B)”. E não consta por não ter sido levada à Base Instrutória, nem ao acervo dos factos assentes (conferir isto através da análise da BI).
Acontece que, tal como este TSI já decidiu, cumpriria ao recorrente concretizar ou especificar quais os suplementos, bonificações e remunerações adicionais concedidas, em que circunstâncias, quais os seus beneficiários e montantes, etc., não lhe bastando assim formular um pedido genérico (Ac. do TSI, de 29/06/2017, Proc. nº 326/2017).
Assim sendo, não tendo sido cumprido esse ónus, sem que o tribunal “a quo” tivesse procedido ao convite à correcção da petição, perante um tal pedido genérico, cumpre-nos proceder à absolvição da instância da 1ª ré quanto a ele.
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7 – Da falta de fundamentação
Por fim, a recorrente imputa à sentença a nulidade decorrente da falta de fundamentação em virtude de ter assentado nas incoerentes conclusões levadas à petição inicial pelo autor.
Ora, não cremos que este fundamento – se verdadeiramente ocorresse – levaria à nulidade da sentença. Quando muito, poderia levar à modificabilidade da decisão de facto (art. 629º, do CPC) face à impugnação da respectiva factualidade (art. 599º, do CPC), à anulação da sentença na parte referente à matéria de facto (art. 629º, nº4, do CPC), ou então à improcedência da acção em virtude de os factos provados não revelarem convenientemente a causa de pedir.
Improcede, pois, também este segmento do recurso.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1 - Rejeitar, por inadmissibilidade, o recurso interlocutório interposto pelas Rés B e C.
Custas pelas recorrentes, com taxa de justiça em 2 UCs cada uma.
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2 - Conceder provimento parcial ao recurso da sentença interposto pelas rés e, em consequência:
a) Anular parcialmente a sentença de forma a apurar os concretos dias de trabalho efectivamente prestado e a poder fixar-se a compensação relativa aos subsídios de alimentação, bem como as importâncias devidas a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal, descanso compensatório, trabalho extraordinário e por turnos e feriados obrigatórios;
b) Revogar o decidido quanto ao pedido relativo a bonificações adicionais, incluindo gorjetas e, consequentemente, absolver a Ré da instância nessa parte;
2.1- Julgar não provido o recurso na parte restante, em consequência do que se mantém a sentença recorrida, nomeadamente na parte concernente à liquidação a que já procedeu quanto ao subsídio de efectividade e à comparticipação no alojamento.
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3 - Conceder provimento ao recurso do autor e, em consequência, revogar a sentença na parte respectiva e condenar a 1ª ré B no pagamento dos períodos de trabalho prestado em dias de descanso semanal e aos feriados obrigatórios de acordo com as fórmulas acima referidas, cujo “quantum” concreto, porém, será apurado em conformidade com o que vier a ser decidido após a repetição parcial do julgamento, nos termos acima definidos.
4 - Vão ainda as rés B e C condenadas nos juros de mora nos termos definidos no Ac. do TUI, de 2/03/2011, Proc. nº 69/2010.
Custas pelas partes em função do decaimento.
T.S.I., 19 de Abril de 2018
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
(não acompanho o Acórdão na parte respeitante ao cálculo da compensação dos dias de descanso semanal e feriados obrigatórios.)
Lai Kin Hong
1 Neste ponto, corrige-se a posição anteriormente tomada no proc. nº 781/2011.
2 No sentido de que só deve ser pago nos períodos de prestação efectiva de serviço, ainda Ac. R.P. de 6/05/1995, Proc. nº 9411201; É por isso que ele não deve ser pago nos subsídios de férias e de Natal (Ac. R.E., de 21/09/2004, Proc. nº 1535/04-2).
3 Luis M. Telles de Meneses Leitão, in Direito de Trabalho, Almedina, 2008, pag. 349. No mesmo sentido, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, pag. 547 e Diogo Vaz Marecos, in Código do Trabalho anotado, Coimbra Editora e Wolters Kluver, pag. 662-663.
4 Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho anotado, 5ª edição, 2007, pag. 498.
5 A não ser nas situações em que a não prestação se fica a dever a causa imputável ao empregador e em que, apesar disso, o trabalhador teve que efectuar a despesa alimentar.
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1001/2017 47