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Proc. nº 688/2017
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 03 de Maio de 2018
Descritores:
- Habilitações académicas
- Reconhecimento
- Farmacêutico

SUMÁRIO:

I - O reconhecimento de habilitações académicas de nível superior para o exercício de actividade condicionada, como é o caso da actividade de farmácia, compete à Direcção de Serviços de Saúde, nos termos do art. 3º, nº1, do Regulamento Administrativo nº 26/2003, de 25/08/2003.

II - A verificação consiste na confirmação de que as habilitações são as adequadas ao exercício de determinada actividade profissional e na aferição da idoneidade e autenticidade dos documentos comprovativos das habilitações académicas invocadas (art. 1º citado Regulamento Administrativo).


Proc. nº 688/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, solteiro, maior, de nacionalidade chinesa, titular do B.I.R.P.M. n.º XXX, emitido pelos S.I.M. e residente em Macau, na XXX-----
Interpôs no Tribunal Administrativo (Proc. nº 1245/16/ADM), recurso contencioso de anulação ------
Do despacho do DIRECTOR DOS SERVIÇOS DE SAÚDE, de 13/11/2015, que indeferiu o recurso hierárquico necessário interposto da decisão de não permitir ao recorrente registar-se na qualidade de farmacêutico junto dos Serviços de Saúde.
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Por sentença de 28/07/2017 foi o recurso julgado improcedente.
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É contra esta sentença que o recorrente ora vem recorrer jurisdicionalmente, em cujas alegações apresenta as seguintes conclusões:
«1.ª - O curso do recorrente deveria ter sido reconhecido não porventura como “licenciatura em farmácia” (1.ª parte da al. a) do art. 5.º do DL 58/90/M de 19 SET) mas sempre, ao menos, como “habilitação de nível superior em farmácia” (2.ª parte da al. a) do art. 5.º do DL 58/90/M de 19 SET).
2.ª - Isto porque o curso tirado pelo recorrente abarcou o conjunto das 6 cadeiras e disciplinas necessariamente pressupostas e exigíveis em quaisquer estudos superiores em farmácia, que são as seguintes: 1. 藥理學; 2. 藥劑學; 3. 藥物化學; 4. 藥物分析; 5. 臨床藥學及治療學; e 6. 生物藥劑及藥物動力學.
3.ª - Além de que há presentemente em Macau cerca de 450 farmacêuticos reconhecidos pela entidade recorrida, que estudaram em Taiwan, nos E.U.A. e na República Popular da China sendo a sua formação superior em “Ciências”, em “Medicina” e outras.
4.ª - Acontece que apesar de as aludidas formações em “Ciências” não se destinarem a “farmácia”, o certo é que por o respectivo plano de estudos incluir as tais 6 disciplinas, a entidade recorrida aceita-as como habilitações relevantes e licencia os seus titulares como farmacêuticos.
5.ª - De igual modo, a entidade recorrida aceita registar como “farmacêuticos” titulares de licenciatura em Medicina, isto não obstante estes não estudarem no seu plano de curso nenhuma das mencionadas 6 disciplinas, por as mesmas lhes serem absolutamente desnecessárias.
6.ª - Em ambas as situações é patente, face à situação concreta do recorrente, uma desigualdade de tratamento sem qualquer motivo racional que sustente tal diferenciado entendimento por parte da entidade recorrida face ao regime constante da al. a) do art. 5.º e da al. a) do art. 7.º, ambos do DL 58/90/M de 19 SET.
7.ª - Ao não ter assim sido entendido por parte do Tribunal a quo, a decisão judicial ora recorrida mostra-se ferida de um vício de violação de lei, concretamente atenta a errada interpretação e aplicação que lhe subjaz das normas jurídicas constantes da al. a) do art. 5.º e da al. a) do art. 7.º, ambos do DL 58/90/M de 19 SET.
8.ª - Acresce que que in casu foi violado o princípio da igualdade, ao não ter sido acolhida pelo Tribunal a quo o entendimento sustentado pelo recorrente de que lhe deveria ser interpretada e aplicada a norma constante da al. a) do art. 5.º do DL 58/90/M de 19 SET de forma homóloga e paritária à interpretação e aplicação dada às demais situações em que são aceites cursos de ciências e de medicina e se licenciam os respectivos titulares como farmacêuticos, assim desatendendo e olvidando que a situação fáctica e real do recorrente é homóloga e em tudo similar àquela a que, atenta a sua ratio juris, aquela norma visa dar regulação e tutelar.
9.ª - Acto decisório judicial que incorpora, ao não o reconhecer como vício invalidante, uma ofensa a esse princípio fundamental da igualdade, nessa sua dimensão de não discriminação ou obrigação de não diferenciação, em face do que se encontra o mesmo também fulminado de um vicio de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental (igualdade) e, como tal, estando ferido de nulidade.
NESTES TERMOS e nos mais de Direito, requer-se a V. Ex.as a revogação da douta sentença a quo e, consequentemente, seja a mesma substituída por outra que acolha as pretensões do recorrente.
Mais se requer, por fim, que tendo o acto sido praticado no primeiro dia útil posterior ao término do seu prazo, se digne mandar emitir de imediato a respectiva guia com vista ao pagamento pelo recorrente da multa devida».
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A entidade recorrida igualmente apresentou alegações, que sintetizou deste modo:
«I. Com as presentes alegações pretende o Recorrente demonstrar que a douta sentença recorrida padece do vício de violação de lei e do vício de violação do direito fundamental à igualdade.
II. A Entidade Recorrida discorda veementemente da posição defendida pelo Recorrente.
III. O Recorrente terminou o bacharelato de três anos em Tecnologia de Diagnóstico e Terapêutica (Ramo de Farmácia), tendo concluído também o curso complementar de licenciatura em Tecnologia de Diagnóstico e Terapêutica - Área de Especialização em Técnicas de Farmácia, na Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Macau.
IV. Os cursos supra mencionados não têm como objectivo a formação de farmacêuticos, não estando, pois, preenchido o requisito previsto na segunda parte da alínea a) do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 58/90/M, de 19 de Setembro (Regula o exercício da profissão e da actividade farmacêuticas), ao contrário do que o Recorrente nos pontos 5., 6., 7., 8. e 9. das alegações de recurso.
V. Tais cursos estão abrangidos pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 58/90/M, de 19 de Setembro, pelo que os cursos de que o Recorrente é titular permitem-lhe exercer exclusivamente a profissão de Técnico de Diagnóstico e Terapêutica.
VI. Além disso, os únicos documentos que provam as habilitações académicas do Recorrente são os constantes do processo instrutor, dos quais não fazem parte os documentos que juntou com a petição inicial sob os n.ºs 4, 5, 6 e 7 e volta a referir nos pontos 11. e 14. das alegações de recurso que foram, e bem, considerados irrelevantes pelo Tribunal “a quo” para a decisão destes autos.
VII. Assim, O Tribunal “a quo” decidiu que “... o recorrente concluiu dois cursos ministrados localmente, incluindo as seis disciplinas com designação cientifico similar (vide fls.112 a fls.114 e fls.118 a fls.119 do processo anexo em anexo), tendo sido atribuído ao recorrente o grau de licenciatura e complementar, ambos em Tecnologia de Diagnóstico e Terapêutica e não em Farmácia ou Farmacologia.” (tradução informal), decisão que conta com a total concordância da Entidade Recorrida.
VIII. Mais. Estamos perante uma situação de reconhecimento de habilitações académicas a que se refere a segunda parte da alínea a) do artigo 5.º, do Decreto-Lei n.º 58/90/M, de 19 de Setembro, que é feito de acordo com os artigos 1.º e 3.º do Regulamento Administrativo n.º 26/2003, de 25 de Agosto (Regulamenta a verificação de habilitações académicas), cuja competência pertence à Entidade Recorrida.
IX. No caso em apreço, resulta da sentença recorrida que a Comissão Técnica de Licenciamento de Profissões Farmacêuticas, fez uma análise concreta sobre o mérito das habilitações académicas do Recorrente de acordo com os critérios estabelecidos para o efeito, concluindo que não são adequadas ao exercício da profissão de farmacêutico.
X. A análise das habilitações académicas do Recorrente foi feita pela Comissão Técnica de Licenciamento de Profissões Farmacêuticas no uso de discricionariedade técnica, respeitando, assim, as normas estabelecidas na alínea a) do artigo 5.º e alínea a) do artigo 7.º Decreto - Lei n.º 58/90/M, de 19 de Setembro, e os artigos 1º e 3º do Regulamento Administrativo n.º 26/2003, de 25 de Agosto.
XI. Acresce que, como reconhece, e bem, a sentença recorrida, não há quaisquer indícios de erro grosseiro, grave ou flagrante que tenha sido cometido pela Comissão Técnica de Licenciamento de Profissões Farmacêuticas na avaliação das habilitações académicas do Recorrente.
XII. Ao contrário do que defende o Recorrente nos pontos 18. a 22. das alegações, a sentença recorrida não violou o princípio da igualdade por reconhecer que a Entidade Recorrida agiu no uso dos seus poderes discricionários.
XIII. Muito bem andou a sentença recorrida quando entendeu que “... a Comissão Técnica de Licenciamento de Profissões Farmacêuticas sob o ponto de vista de protecção dos interesses públicos (vide disposições do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 58/90/M), e de acordo com os conceitos profissionais, devem proceder à verificação técnica das habilitações do requerente, o que evidentemente pertence à discricionariedade técnica indicada na doutrina do direito administrativo.”.
XIV. Como resulta claramente da sentença recorrida só a apreciação casuística de determinadas habilitações académicas permite avaliar, com rigor, se as mesmas são adequadas ao exercício da profissão de farmacêutico na Região Administrativa Especial de Macau, respeitando-se, assim, o princípio da igualdade previsto no artigo 25.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e no artigo 5.º do Código do Procedimento Administrativo.
XV. Assim, o Tribunal a “quo”, com toda a pertinência, julgou improcedente o pedido do Recorrente.
XVI. Do supra alegado conclui-se que a douta sentença recorrida não enferma do vício de violação de lei, nem viola o princípio fundamental da igualdade, não padecendo, assim, de qualquer ilegalidade.
Nestes termos e nos demais de direito, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a douta sentença recorrida com as legais consequências.
Assim se fazendo, como sempre, a costumada JUSTIÇA!».
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
«Percorrida a douta sentença impugnada, não lhe detectamos os erros de julgamento em que se estriba a alegação de recurso.
Constata-se, aliás, que as questões colocadas em sede de recurso jurisdicional acabam por ser as mesmas que tinham sido suscitadas no recurso contencioso, verberando o recorrente a interpretação e aplicação que a sentença recorrida fez das normas e dos princípios pertinentes para apreciação dos vícios.
Pois bem, sobre os vícios e sobre a correcta interpretação a conferir aos invocados princípios e normas, pronunciou-se o Ministério Público em devido tempo, conforme parecer inserto a fls. 163 e seguintes, fazendo-o em moldes que aqui temos por bem reiterar em apoio à douta sentença recorrida.
Parece-nos óbvia a falta de razão do recurso.
O recorrente agarra-se à expressão “ou habilitações de nível superior em farmácia”, constante da segunda parte da alínea a) do artigo 5.º do DL n.º 58/901M, e daí salta para a norma do artigo 7.º do mesmo diploma, para sustentar a sua habilitação, bem como a respectiva prova, para o exercício da profissão de farmacêutico. Passa, porém, por cima do artigo 6.º, que, em bom rigor, é aquele que se refere ao curso superior que ele possui, e que o habilita ao exercício da profissão de técnico de farmácia, tal como a entidade recorrida explica, com suficiente clareza, em todos os articulados que ofereceu aos autos.
Esquece também o recorrente que o juízo predominantemente técnico da Administração, que, em apreciação da sua habilitação académica, não a reconheceu como bastante para o exercício da profissão de farmacêutico, cai no âmbito da chamada discricionariedade imprópria, que, apesar de não se confundir com o poder discricionário, se subordina ao mesmo regime. Ou seja, salvo em caso de erro grosseiro ou injustiça manifesta, que no caso não se divisam, está aquele juízo subtraído à sindicabilidade dos tribunais.
E, por fim, também olvida que a violação do princípio da igualdade pressupõe tratamento diferente, ou resolução diversa, de situações substancialmente iguais. O facto de cursos superiores de ciências ou de medicina serem reconhecidos como habilitação adequada para o exercício da profissão de farmacêutico não obriga a que esse reconhecimento tenha que ser igualmente conferido ao curso de Tecnologia de Diagnóstico e Terapêutica de que o recorrente é portador. Trata-se evidentemente de cursos diferentes, relativamente aos quais não se pode reclamar um tratamento igual, mesmo que entre alguns deles haja a coincidência de terem no seu plano de estudos aquelas seis cadeiras que são necessárias - não suficientes - para uma adequada habilitação em farmácia. Para fazer vingar o vício de violação de lei por ofensa do princípio da igualdade, era mister que ficasse demonstrado que, adentro do mesmo quadro normativo, a Administração havia considerado habilitado ao exercício profissional de farmacêutico alguém que fosse portador da mesma habilitação com que o recorrente se apresentou a requerer a sua inscrição profissional como farmacêutico. O que evidentemente não está demonstrado.
Improcedem os fundamentos da alegação de recurso, bem tendo andado a sentença recorrida ao manter na ordem jurídica o acto impugnado, termos em que deve ser recusado provimento ao recurso jurisdicional.»
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
«Em 14 de Novembro de 2011, a Comissão Técnica de Licenciamento de Profissões Farmacêuticas realizou reunião para estabelecer “os critérios de apreciação de habilitação académica para os pedidos de inscrição de farmacêutico” (vide a fls. 169, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
Em 8 de Outubro de 2015, o recorrente apresentou o requerimento de inscrição de farmacêutico modelo FARM-l, ao qual foram juntados os respectivos documentos (vide as fls. 1 a 124v., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
Em 13 de Outubro de 2015, o recorrente apresentou documentos suplementares aos Serviços de Saúde (vide as fls. 125 a 129, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
Em 14 de Outubro de 2015, a Divisão de Inspecção e Licenciamento elaborou informação e indicou que, após apreciada a habilitação académica do recorrente, não estava preenchida a condição para exercício da profissão de farmacêutico, prevista no art.º 5.º alínea a) do Decreto-Lei n.º 58/90/M de 19 de Setembro, propôs remeter o requerimento do recorrente à Comissão Técnica de Licenciamento de Profissões Farmacêuticas para apreciação (vide as fls. 164 a 167, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
No mesmo dia, o Chefe da Divisão de Inspecção e Licenciamento dos Serviços de Saúde formulou a informação n.º 01095/557/DIL/DAF/2015, na qual indicou que concordou com a referida informação e propôs remeter os autos e a referida informação à Comissão Técnica de Licenciamento de Profissões Farmacêuticas para apreciação (vide as fls. 168 a 171, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
No mesmo dia, o Subdirector dos Cuidados de Saúde Generalizados proferiu despacho de “À CTLPF” na informação referida (vide a fls. 171 dos autos).
No mesmo dia, a Comissão Técnica de Licenciamento de Profissões Farmacêuticas realizou reunião, indicou que, nos termos do art.º 1.º do Regulamento Administrativo n.º 26/2003 de 25 de Agosto e de acordo com “os critérios de apreciação de habilitação académica para os pedidos de inscrição de farmacêutico”, o curso de bacharel em Tecnologia de Diagnóstico e Terapêutica (major em Farmácia) e o curso complementar de licenciatura em Tecnologia de Diagnóstico e Terapêutica (área de especialização em Farmácia) da Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Macau não têm como finalidade formar farmacêuticos, deste modo, a tiratura dos referidos cursos e a obtenção da licenciatura em Tecnologia de Diagnóstico e Terapêutica da Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Macau por parte do recorrente não satisfazem a condição de habilitação académica para a profissão de farmacêutico, prevista no art.º 5.º alínea a) do Decreto-Lei n.º 58/90/M de 19 de Setembro, o recorrente não tem qualidade de inscrição de profissão de farmacêutico, propôs indeferir o requerimento do recorrente (vide as fls. 170 e 170v., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
Em 15 de Outubro de 2015, o Subdirector dos Cuidados de Saúde Generalizados proferiu despacho na informação n.º 01095/557/DIL/DAF/2015, concordou com o referido parecer da Comissão Técnica de Licenciamento de Profissões Farmacêuticas (vide a fls. 171, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
Em 23 de Outubro de 2015, por carta n.º 05869/DIL/DAFI2015, o Subdirector dos Serviços de Saúde notificou o recorrente da referida decisão e indicou que, não se conformando, poderia o recorrente interpor recurso hierárquico necessário à entidade recorrida dentro do prazo fixado (vide as fls. 172 e 172v., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
Em 3 de Novembro de 2015, o recorrente interpôs recurso hierárquico necessário à entidade recorrida (vide a fls. 173, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
Em 13 de Novembro de 2015, a entidade recorrida proferiu despacho, concordou com o teor da informação n.º 01171/599/DIL/DAF/2015, indicou que no recurso hierárquico necessário o recorrente não ofereceu novo documento comprovativo de habilitação académica que verifique o preenchimento da condição prevista no art.º 5.º alínea a) do Decreto-Lei n.º 58/90/M de 19 de Setembro, pelo que decidiu manter o despacho de indeferimento do requerimento de licenciamento da profissão de farmacêutico e rejeitar o recurso hierárquico necessário interposto pelo recorrente (vide as fls. 175 e 176, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
Em 18 de Novembro de 2015, por carta n.º 5968/DAF/SS/2015, os Serviços de Saúde notificou o recorrente da decisão referida e indicou que, não se conformando, poderia o recorrente interpor recurso contencioso ao Tribunal Administrativo dentro do prazo fixado (vide as fls. 177 e 177v., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
Em 4 de Janeiro de 2016, por telecópia, o recorrente interpôs recurso contencioso a este Tribunal.».
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Acrescenta-se ainda a seguinte factualidade que resulta dos documentos juntos aos autos:
- O recorrente concluiu no Instituto Politécnico de Macau (IPM) com aproveitamento o bacharelato de três anos em “Tecnologia de Diagnóstico e Terapêutica (ramo de farmácia) ” (doc. fls. 20-25)
- No mesmo IPM, concluiu, posteriormente, o curso complementar de licenciatura de um ano em Tecnologia de Diagnóstico e Terapêutica (área de especialização em técnicas farmacêuticas) (doc. fls. 26-32).
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III – O Direito
1 – Em 15 de Outubro de 2015, o Subdirector dos Cuidados de Saúde, acolhendo o parecer da Comissão Técnica de Licenciamento de Profissões Farmacêuticas e, portanto, considerando que o recorrente não reunia a necessária condição de “habilitação académica” para o exercício da profissão de farmacêutico, prevista no art.º 5.º alínea a) do Decreto-Lei n.º 58/90/M de 19 de Setembro, indeferiu o pedido de inscrição como farmacêutico.
Em recurso hierárquico, o Director dos Serviços manteve a decisão impugnada.
O recorrente discordou de tal decisão, recorrendo para o TA, que, porém, lhe não deu razão e a manteve na ordem jurídica, julgando improcedente o recurso contencioso.
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2 – No presente recurso jurisdicional, intenta o recorrente chamar a atenção para o erro em que a sentença impugnada terá incorrido na análise dos preceitos legais aplicáveis ao caso. Vejamos, então.
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3 – Está, em primeiro lugar, em causa a aplicação do art. 5º, al. a), do DL nº 58/90/M, de 19 de Setembro – diploma que regula o exercício da profissão e da actividade farmacêuticas no território de Macau – que assim dispõe:
Artigo 5.º
(Farmacêutico)
Podem exercer a profissão de farmacêutico os indivíduos que reúnam cumulativamente as seguintes condições:
a) Possuam licenciatura em farmácia obtida em universidades portuguesas ou habilitações de nível superior, em farmácia, reconhecidas nos termos da lei; (destaque nosso)
b) Possuam condições de saúde, físicas e psíquicas, para o exercício da profissão;
c) Tenham residência no Território;
d) Não exerçam actividades incompatíveis com a profissão farmacêutica;
e) Não tenham sido condenados, por decisão transitada em julgado, por crimes contra a saúde pública.
O recorrente não tem licenciatura em farmácia. Isso é seguro, como ele próprio, aliás, reconhece. Considera, contudo, que as suas habilitações são de nível superior em farmácia.
Ora, o art. 7º, sobre a prova das habilitações dispõe:
Artigo 7.º
(Prova das habilitações)
A prova das habilitações faz-se por um dos seguintes meios:
a) Quando obtidas em estabelecimentos de ensino de Macau ou de Portugal, através de documento emitido pelo respectivo estabelecimento; (destaque nosso)
b) Nos restantes casos, mediante o certificado de reconhecimento emitido pela Direcção dos Serviços de Educação ou pela Direcção dos Serviços de Saúde, consoante se trate de habilitações académicas ou profissionais, respectivamente.
E o art. 13º trata das condições para a inscrição na Direcção dos Serviços de Saúde. Veja-se o seu conteúdo:
Artigo 13.º
(Inscrição na Direcção dos Serviços de Saúde)
1. O exercício da profissão de farmacêutico e de ajudante técnico de farmácia só é possível após prévia inscrição dos interessados na Direcção dos Serviços de Saúde.
2. O pedido de inscrição é feito mediante requerimento dirigido à Direcção dos Serviços de Saúde, acompanhado dos seguintes documentos:
a) Documento comprovativo das habilitações referido no artigo 7.º deste diploma; (destaque nosso)
b) Atestado médico, passado pela autoridade sanitária, comprovativo de que o interessado possui condições de saúde, física e psíquica, para o exercício da profissão;
c) Certificado de residência no Território;
d) Declaração, assinada pelo próprio interessado, em como não está abrangido por nenhuma incompatibilidade para o exercício da profissão;
e) Certificado do registo criminal;
f) Cópia do documento de identificação.
3. No acto da entrega do requerimento o interessado pagará a taxa de inscrição prevista na lista anexa a este diploma.
4. A Direcção dos Serviços de Saúde fará o registo das inscrições autorizadas, do qual constará:
a) O nome e a morada do profissional;
b) A data do nascimento;
c) As habilitações académicas e profissionais;
d) O estabelecimento onde trabalha;
e) A experiência profissional.
5. Serão inscritas, por averbamento ao registo, as suspensões e o cancelamento da licença e a prática profissional, tratando-se de ajudantes técnicos de farmácia.
6. A inscrição é recusada quando o requerente não possuir os requisitos exigidos para o exercício da profissão.
7. As inscrições são válidas por um ano e renovam-se por iguais períodos, mediante o pagamento da taxa constante da lista anexa a este diploma.
8. Feita a inscrição, será emitida a favor do interessado uma licença, conforme modelo a aprovar pela Direcção dos Serviços de Saúde.
9. A licença terá o número que foi atribuído à respectiva inscrição.
10. A licença poderá ser suspensa ou cancelada a pedido do interessado e, compulsivamente, nos termos previstos neste diploma.
11. A recusa da inscrição, a suspensão e o cancelamento da licença impedem o exercício da respectiva profissão no Território.
Pois bem. Se a lei diz que podem exercer a profissão de farmacêutico os indivíduos que possuam licenciatura em farmácia obtida em universidades portuguesas, ou habilitações de nível superior em farmácia reconhecidas nos termos da lei, haverá que indagar se estão reunidos os requisitos na norma estabelecidos para o efeito. Neste caso, a verificação de habilitações académicas de nível superior para o exercício de actividade condicionada, como é o caso da actividade de farmácia, compete à Direcção de Serviços de Saúde, nos termos do art. 3º, nº1, do Regulamento Administrativo nº 26/2003, de 25/08/2003.
Considera o recorrente que as transcritas alíneas a) dos arts. 5º e 7º lhe deveriam ter acudido, ao contrário do que o concluiu a sentença recorrida.
Pois bem. Tendo o curso sido obtido em Macau, a prova das habilitações seria feita por documento “emitido pelo respectivo estabelecimento”. E tal foi observado no caso em apreço.
Acontece, porém, que uma coisa é a prova das habilitações, para o que é precisa a apresentação de um documento com essa finalidade, outra é a verificação das habilitações, para o que é necessária uma intervenção da entidade competente na respectiva análise sobre a existência dos requisitos ao exercício da profissão.
Ora, quanto a este segunda condição, as habilitações de nível superior, em farmácia, segundo a parte final do art, 5º, al. a), do DL nº 58/90/M, têm que “reconhecidas nos termos da lei”.
Para esta segunda tarefa vale o art. 3º, nº1, do Regulamento Administrativo nº 26/2003, de 14/08, cujo teor é o seguinte:
“A verificação de habilitações académicas nos níveis de ensino primário, secundário e superior, para efeitos de exercício de actividade profissional condicionada por intervenção de entidade pública, é da competência dessa entidade”.
Como fazer esta verificação?
Teve já este tribunal oportunidade de o dizer:
“Responde o art. 1º do Regulamento: “ A verificação de habilitações académicas consiste na confirmação de que as habilitações invocadas são as adequadas ao exercício de determinada função pública ou actividade profissional condicionada por intervenção de entidade pública ou para o prosseguimento de estudos e na aferição da idoneidade e autenticidade dos documentos comprovativos das habilitações académicas invocadas”.
Isto é, a verificação tem dois objectivos:
1º- Confirmar que as habilitações invocadas são as adequadas ao exercício de determinada função pública ou actividade profissional;
2º- Aferir da idoneidade e autenticidade dos documentos comprovativos das habilitações invocadas.
Dada a forma literal como o art. 1º está redigido, tudo leva a crer que a intenção do autor do Regulamento foi de cometer à entidade pública competente a análise concreta e casuística daqueles objectivos. E dizemos “casuística”, na medida em que a adequação das habilitações invocadas ao exercício de determinada função ou actividade (1º objectivo) pode não coincidir com a adequação das habilitações ao exercício de outra actividade ou função. Como se vê, todos os factores são variáveis nesta equação: as habilitações (que podem variar de grau e de substância), e as exigências de cada uma das funções ou actividades para que tende a verificação das habilitações. Para concluir, pois, que as mesmas habilitações podem não servir adequadamente para o exercício de diferentes funções.
Mas, o segundo objectivo da verificação também nos aponta para a casuística de que falávamos. Na verdade, importa sempre que a verificação das habilitações conclua pela aferição da idoneidade e autenticidade dos documentos juntos. Ora, isso não pode ser feito em abstracto, através de fórmulas mais ou menos universais, e antes deve ser feito caso a caso, consoante as especificidades de cada um” (Ac. do TSI, de 22/09/2011, Proc. nº 401/2009).
Só que, como o mesmo aresto afirmou:
“A verificação (…) implica uma tarefa subsuntiva claramente discricionária. Recebidos os documentos, aferidos idóneos e considerados autênticos (2ª parte, do art. 1º do Regulamento 26/2003), à entidade pública resta averiguar se as competências que decorrem dos ensinamentos ministrados ao interessado servem, se ajustam ou se adequam ao exercício da actividade em causa. E nessa tarefa devem ser esgrimidas todas as razões substantivas, com exclusão das de natureza formal, evidentemente, porque as capacidades, a preparação académica, técnica e profissional não podem deixar-se interferir por questões de outra ordem. Ora, o que a norma quer e exige é que esse exercício de análise seja feito, caso a caso, pessoa a pessoa, em função das habilitações concretas de cada uma. Pode acontecer que a mesma licenciatura obtida na Coreia do Sul, não conduza exactamente ao mesmo grau de conhecimentos de outra obtida na Malásia, por exemplo, assim como é possível suceder que uma habilitação de nível superior obtida na RPC forneça melhores padrões de capacidades e competências do que uma licenciatura obtida, por exemplo, no Vietname. Ou seja, só o apuramento muito exigente e concreto, por isso casuístico, por parte da entidade pública serve os propósitos normativos”.
Sendo assim, a verificação consiste na confirmação de que as habilitações são as adequadas ao exercício de determinada actividade profissional e na aferição da idoneidade e autenticidade dos documentos comprovativos das habilitações académicas invocadas (art. 1º citado Regulamento Administrativo).
Ora, o que a Comissão Técnica de Licenciamento de Profissões Farmacêuticas fez, foi considerar que o Curso de Bacharel em Tecnologia de Diagnóstico e Terapêutica do recorrente, bem como o curso complementar de licenciatura em Tecnologia de Diagnóstico e Terapêutica não têm como finalidade formar farmacêuticos, razão pela qual entendeu não estar reunida a condição da habilitação académica exigida pelo art. 5º, al. a), do DL nº 58/89/M para o interessado recorrente se poder inscrever como farmacêutico.
Tirou a conclusão, a partir da enunciação de uma afirmação que é, sem dúvida, verdadeira em face da 1ª parte da alínea a), do art. 5º citado. Mas, isso, porém, não era o que se lhe pedia.
Na verdade, que os ditos cursos não eram considerados de licenciatura em farmácia, isso é indiscutível e objectivo, e ninguém o questiona, nem mesmo o recorrente.
O que se pedia à Comissão era que fizesse concretamente a análise curricular dos cursos obtidos, que fosse feita a avaliação da valia das disciplinas e matérias dos cursos, que tivesse sido efectuada a apreciação técnica do requerente e do respectivo processo a fim de se indagar se o nível de conhecimentos adquiridos pelo recorrente nestes dois cursos lhe permitiria o exercício da profissão de farmacêutico. Enfim, o que se lhe pedia era que fosse feito o reconhecimento nos termos da lei. A verificação consiste na confirmação de que as habilitações são as adequadas ao exercício de determinada actividade profissional e na aferição da idoneidade e autenticidade dos documentos comprovativos das habilitações académicas invocadas (art. 1º citado Regulamento Administrativo).
Só que esse reconhecimento técnico não foi feito, como se viu. Em vez de dizer se o requerente possui ou não capacidade para exercer a actividade de farmacêutico, a Comissão Técnica limitou-se a dizer que não possui o requisito da habilitação académica para a respectiva profissão de farmacêutica. Versou a sua atenção simplesmente para a prova, para os documentos, quando se esperava que fosse feita a avaliação da habilitação a partir deles.
Dito de outra maneira, não podemos dizer que, na situação vertente, a Comissão fez alguma apreciação em sede de discricionariedade técnica.
Ou seja, mais até do que simples falta de fundamentação (que não foi invocada enquanto vício autónomo com essa finalidade), o que falta no caso é precisamente a avaliação, a apreciação técnica, em suma, o reconhecimento, imprescindível face à lei.
E não tendo sido feito, não se cumpriu o disposto no art. 5º, al. a), 2ª parte, do DL nº 58/90/M, que assim, tal como o defende o recorrente, se deve ter por violado1, circunstância que inquina necessariamente a posterior decisão do Subdirector e a do Director dos Serviços de Saúde, em sede de recurso hierárquico.
É quanto basta para dar por provido o recurso jurisdicional. Em consequência, deverá ser, de novo, levado o procedimento à fase do reconhecimento, onde deve ser efectuada pela Comissão a análise sobre a valia das habilitações académicas que aqui, especificamente, faltou.
E com esta conclusão, não avançaremos para o conhecimento do segundo vício (violação do princípio da igualdade) que a sentença igualmente tinha dado por improcedente. É que só se poderia fazer a apreciação desse vício, quanto a nós, numa óptica comparativa. Quer dizer, seria preciso que fosse feito o reconhecimento e só depois, com base nos argumentos utilizados para lho não ser concedido, seria possível comparar a decisão com outras tomadas em sentido diferente embora com assento em situações de facto alegadamente iguais.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso.
Em consequência, revoga-se a decisão recorrida e anula-se o acto impugnado.
Sem custas em ambas as instâncias.
T.S.I., 03 de Maio de 2018
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong

Mai Man Ieng
1 De certo modo, idêntico erro fora cometido pela mesma Comissão Técnica no âmbito do acórdão deste TSI, de 22/09/2011, Proc. nº TSI nº 401/2009.
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688/2017 23