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Processo nº 83/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 17 de Maio de 2018

ASSUNTO:
- Arrendamento urbano
- Incumprimento do contrato
- Corte de fornecimento de água e de electricidade

SUMÁRIO:
- A corte dos fornecimentos de electricidade e de água da fracção autónoma arrendada não determina necessariamente a tomada de um novo arrendamento por parte do arrendatário, pois pode pedir ao senhorio para instalar de novo os fornecimentos de água e de electricidade, e no caso de o senhorio recusar de ajudar na instalação, pode ainda, na qualidade de arrendatário e munido do respectivo contrato de arrendamento, per si requerer à C e à D a instalação dos fornecimentos de electricidade e de água.
- Não tendo provado que:
- foi o Autor que cortou os fornecimento de água e de electricidade;
- foi ele quem retirou os respectivos contadores;
- ele recusou de instalar de novo os fornecimentos de água e de electricidade,
não se pode dizer que existe incumprimento culpável do contrato de arrendamento por parte do Autor.
O Relator,























Processo nº 83/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 17 de Maio de 2018
Recorrente: A (Ré)
Recorrido: B (Autor)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 27/07/2017, julgou-se improcedente a acção interposta pelo Autor B e parcialmente procedente a reconvenção formulada pela Ré A.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Na presente acção a Ré, ora Recorrente, pediu em reconvenção que o Autor fosse condenado a (1) restituir a caução do contrato de arrendamento celebrado por ambos, no montante de HKD$8,400.00 e a (2) indemnizar a Ré pelos prejuízos causados pelo incumprimento contratual em que incorreu no montante de MOP$25,956.00.
2. O objecto deste recurso cinge-se a este segundo pedido (de indemnização pelos prejuízos causados), uma vez que apenas este foi declarado improcedente por parte do douto Tribunal a quo.
3. Ficou provado que Autor e Ré celebraram um contrato de arrendamento válido até 16 de Abril de 2016.
4. Ficou provado que o fornecimento da água e electricidade foi cortado em finais de Maio e em 22 de Junho de 2015 e que fruto desse corte, ela viu-se efectivamente obrigada a abandonar o locado, e a arrendar um novo apartamento, aonde passou a viver e a pagar HKD$7,000.00.
5. Devido a esse corte de energia e água o Autor incorreu em incumprimento contratual, sendo que os prejuízos em que a Ré incorreu advêm da diferença dos valores do arrendamento: HKD$2,800 por cada um dos nove meses que validamente restavam cumprir no contrato celebrado entre Autor e Ré.
6. A Ré não concorda com a resposta dada no julgamento da matéria de facto ao quesito 8.º da Base Instrutória, onde se pergunta: "em face do descrito em 5. e segts. e E. e sgts a R. celebrou o contrato id. em D? "
7. Este quesito foi dado como não provado, mas afigura-se que na própria parte dispositiva da sentença se reconhece que foi o que efectivamente aconteceu.
8. Tendo-se dado por provado que o fornecimento de água e electricidade foram cortados em finais de Maio de 2015 (resposta ao quesito 6.°), e que os contadores de água e electricidade foram furtados (resposta ao quesito 7.°), outra solução não restaria à Ré que não fosse a de abandonar o locado e arrendar uma nova fracção.
9. Na própria douta sentença se deixou mui doutamente consignado que "sob o ponto de vista da vida moderna e urbanizada, uma fracção autónoma sem fornecimento de água e electricidade é intolerável, não possuindo condições indispensáveis para lá viver".
10. Tendo em contra a prova dos autos, afigura-se, e ressalvado o respeito por opinião diversa, que se devia ter dado por provado o quesito 8.º.
11. Ao decidir como decidiu, o douto Tribunal a quo incorreu em contradição entre factos dado provados e não provados, podendo o Tribunal ad quem modificar a decisão de facto, porquanto constam dos autos todos os elementos necessários para que se tome posição diversa quanto ao quesito em causa.
12. Nos termos do art.º 978.º do Código Civil, a lei considera como não cumprido o contrato de arrendamento quando exista qualquer vício na coisa locada que não permita ao locatário realizar cabalmente o fim a que ela é destinada por culpa do locador.
13. É precisamente o que se passou neste caso: devido ao corte de electricidade e de água, o locado tornou-se insusceptível de realizar o seu fim (habitação).
14. Provou-se o facto (o corte da energia e água), a ilicitude dos mesmos, bem como o nexo entre o corte de energia e água e os danos provocados.
15. Faltou, na perspectiva do douto Tribunal a quo, comprovar que o incumprimento contratual se deveu a culpa do Autor (cfr. pág. 13 da sentença), para que se dessem por verificados todos os elementos da responsabilidade civil.
16. No entanto, na responsabilidade contratual, cuja regra geral aparece prevista no art.° 787.° e ss. do CC, a culpa do devedor presume-se, conforme o disposto no art.º 788.° do CC, competindo portanto ao Autor demonstrar que o incumprimento contratual não procedeu de culpa sua, e tal demonstração não foi cabalmente feita.
17. Para a demonstração de que o incumprimento contratual não lhe é imputável era seria necessário que o Autor demonstrasse quem e porquê efectivamente cortou a electricidade, e que medidas tomou o Autor para evitar ou, pelo menos, para restabelecer a normalidade das coisas.
18. Ademais, tendo-se o Autor tornado proprietário da fracção, impunha-se que alterasse o nome de usuário nos respectivos contratos de serviços de utilidade, só assim podendo garantir que os ditos fornecimentos se mantivessem activos, cumprindo com as regras do arrendamento.
19. Ainda que se considere que quanto à electricidade se logrou demonstrar que a culpa não foi do Autor, o mesmo não se pode dizer quanto ao corte do fornecimento de água, sendo que este fornecimento é também essencial para que o locado cumpra as finalidades mínimas de habitação a que foi adstrito.
20. Não tendo tal demonstração sido feita, quanto ao corte da energia e da água, ou, pelo menos, quanto ao corte desta, deveria o douto Tribunal a quo, ter declarado que o incumprimento contratual foi imputável ao Autor. e consequentemente tê-lo condenado a indemnizar a Ré pelos prejuízos causados por esse incumprimento, no montante peticionado na reconvenção.
21. Ao o não ter feito, a sentença recorrida incorreu em violação dos preceitos previstos nos artigos 978.º, 982.º e 788.º, todos do Código Civil de Macau.
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O Autor respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 280 a 282 dos autos, cujo teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- O Autor é dono e legítimo proprietário da fracção autónoma “XX”, sita em Macau, na Estrada XX nºs XX, inscrito na matriz predial sob o nº 7XXX0, da Freguesia de XX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 2XXX5, a fls. XX, do Livro B1XX, inscrita em nome do A. pela inscrição 2XXXX0 do Livro XX – cfr. Doc. nº1 que se junta e para todos os efeitos aqui se dá por integralmente reproduzido. (alínea A) dos factos assentes)
- Por contrato escrito celebrado em 23 de Março de 2012, o antigo proprietário E arrendou à Ré a mencionada fracção autónoma, pelo prazo de dois anos, ou seja, de 16 de Abril de 2012 a 15 de Abril de 2014 – cfr. Doc. nº 2 que se junta e para todos os efeitos aqui se dá por integralmente reproduzido. (alínea B) dos factos assentes)
- Por contrato escrito celebrado em 25 de Abril de 2014, o Autor arrendou a Ré a supra referida fracção, pelo prazo de um ano, com a renda de MOP$4.333,00 (HKD$4.200,00), tudo conforme doc. 2 junto com a p.i. cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos, pagando de caução a quantia de HKD$8.400,00. (alínea C) dos factos assentes)
- A Ré arrendou uma outra fracção, pagando a renda de HKD$7.000,00, conforme doc. junto com a contestação e cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (alínea D) dos factos assentes)
- A casa de banho do locado tinha várias infiltrações e parte do tecto estava a cair. (alínea E) dos factos assentes)
- A Ré solicitou ao Autor, por inúmeras ocasiões, que fossem realizadas obras de recuperação na referida casa de banho. (alínea F) dos factos assentes)
- Contudo, o Autor sempre se recusou a realizar as referidas obras. (alínea G) dos factos assentes)
- A Ré pagou as rendas até Julho de 2015. (resposta ao quesito 4 da base instrutória)
- Foi cortado o fornecimento da água e electricidade no final de Maio e em 22 de Junho de 2015. (resposta ao quesito 6 da base instrutória)
- O contador de água relativo à fracção foi furtado. (resposta ao quesito 7 da base instrutória)
- Após diversas tentativas de entrar em contacto com o Autor, a Ré deslocou-se à agência imobiliária que representava os interesses do Autor, em data que não consegue precisar, mas que remonta aos últimos dias de Junho de 2015, tendo informado os respectivos agentes imobiliários que tinha desocupado a Fracção. (resposta ao quesito 9 da base instrutória)
- E que pretendia devolver as chaves da mesma. (resposta ao quesito 10 da base instrutória)
- Em troca da restituição da supra referida caução. (resposta ao quesito 11 da base instrutória)
- A caução não foi restituída à Ré. (resposta ao quesito 13 da base instrutória)
- Atenta a conduta do Autor, a Ré tentou restituir as chaves da Fracção ao agente imobiliário, o qual também se recusou a receber as chaves. (resposta ao quesito 15 da base instrutória)
- Por mensagem enviada e recebida pela Ré no seu telemóvel foi a mesma informada no dia 23 de Abril de 2015 para ir à agência entregar as chaves e receber a totalidade da caução que havia sido depositada na mesma. (resposta ao quesito 16 da base instrutória)
- Tendo em 05 de Maio de 2015, dada não se ter deslocado para ir entregar as chaves e levantar a caução, recebido nova mensagem. (resposta ao quesito 17 da base instrutória)
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III – Fundamentação
1. Da impugnação da decisão da matéria de facto:
Vem a Ré, ora Recorrente impugnar a decisão da matéria de facto relativa ao quesito 8º da Base Instrutória, cujo teor é o seguinte:
   “Em face do descrito em 5 e segts. e E e segts., a R. celebrou o contrato id. em D?”
O Tribunal a quo respondeu negativamente por falta de prova.
Para a Ré, o facto vertido no quesito em causa deveria ser dado como provado, já que tal facto não era necessário qualquer prova cabal, porquanto decorre da própria natureza das coisas.
Pois, perante uma fracção autónoma com fornecimentos de água e de electricidade cortados, abandonar o locado e arrendar uma nova fracção para viver são soluções únicas possíveis.
Quid iuris?
Adiantamos desde já que não lhe assiste razão.
Em primeiro lugar, a Ré pode pedir ao senhorio para instalar de novo os fornecimentos de água e de electricidade.
Em segundo lugar, ainda que o senhorio recusasse de ajudar na instalação, a Ré poderia, na qualidade de arrendatária e munida do respectivo contrato de arrendamento, per si requerer à C e à D a instalação dos fornecimentos de electricidade e de água.
Como se vê, a corte dos fornecimentos de electricidade e de água não determina necessariamente a tomada de um novo arrendamento por parte da Ré.
Face ao exposto, é de negar provimento ao recurso nesta parte.
2. Da aplicação do Direito:
Com a improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto supra e não tendo provado que:
- foi o Autor que cortou os fornecimento de água e de electricidade;
- foi ele quem retirou os respectivos contadores;
- ele recusou de instalar de novo os fornecimentos de água e de electricidade,
não se pode dizer que existe incumprimento culpável do contrato de arrendamento por parte do Autor, pelo que o pedido reconvencional de indemnização formulado pela Ré não resta outra alternativa senão de se julgar improcedente.
É certo que existe a presunção da culpa do devedor na responsabilidade contratual, só que foi perguntado sob o quesito 5º da Base Instrutória o seguinte:
   “O Autor transmitiu à Ré que, caso ela não desocupasse a fracção, iria tomar diligências para que a Ré se visse privada de electricidade, gás e água da fracção?”
Além disso, também se perguntou sob o quesito 6º o seguinte:
“O que, efectivamente, acabou por acontecer, tendo o fornecimento dos mesmos sido cortado por volta do final do mês de Maio de 2015?”
A resposta do quesito 5º é “não provado” e quanto ao quesito 6º, provado apenas que “foi cortado o fornecimento da água e electricidade no final de Maio e em 22 de Junho de 2015”.
Ambas respostas não foram objecto de qualquer impugnação.
Assim, cremos que as respostas dadas aos quesitos em causa afastam a presunção da culpa do Autor na corte de fornecimentos de água e de electricidade.
Quanto ao furto de contador de água, este é propriedade da D e está instalado na parte comum do edifício, pelo que o Autor, na qualidade de senhorio, não tem obrigação de garantir e assegurar a existência do mesmo.
Ou seja, não se pode presumir a culpa do Autor no desaparecimento do aludido contador.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
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Custas do presente recurso pela Ré, ora Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à mesma.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 17 de Maio de 2018.
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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong




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