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Proc. nº 176/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 17 de Maio de 2018
Descritores:
- Acidente de Trabalho
- Acidente em trajecto para assistência

SUMÁRIO:

I – É considerado acidente em trajecto para assistência, nos termos do art. 3º, alínea a), (4), do DL nº 40/95/M, e portanto, acidente de trabalho, o ocorrido “no trajecto para o local onde deva ser prestada ao trabalhador qualquer forma de assistência ou tratamento por causa de anterior acidente, no regresso desse local e enquanto neste permanecer para esses fins”.

II – Mesmo que alguém saia de casa com a intenção de se deslocar ao Hospital para consulta e assistência em virtude de acidente de trabalho anterior, se resolver fazer antes um desvio para passear e para fazer compras noutro local afastado, então pode dizer-se que trocou um percurso directo e de menor extensão por outro de grande extensão por razões pessoais que não eram, nem de força maior, nem de imperiosa necessidade, aumentando a duração da deslocação e agravando o risco normal desta.

III – Nas circunstâncias referidas em II, o acidente ocorrido não pode ser tido como acidente de trabalho, segundo o disposto no art. 3º, alínea a), (4), do DL nº 40/95/M.

Proc. nº 176/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
A, do sexo feminino, titular do BIRM n.º 1XXXXX8(6), residente em Macau, Beco XX, Edf. XX, XXº andar, XX, tel.: 6XXXXX15, representado oficiosamente pelo MP, intentou no TJB (Proc. nº LB1-15-0323-LAE) -----
Acção para efectivação de direitos resultante de acidente de trabalho----
Contra----
“B, S.A.”, com sede sita em Macau, Avenida XX, n.º XX, Edf. XX XXº andar, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º 1XX1(SO), e -----
“C, S.A.”, com sede sita em Macau, Avenida XX, XX, XXº andar, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º 1XXX6(SO), ----
Pedindo a condenação destas no pagamento de indemnização por danos sofridos em consequência de acidente de trabalho.
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A sentença proferida no âmbito dos referidos autos julgou improcedente a acção contra a 1ª ré Seguradora e procedente em relação à 2ª ré, que condenou no pagamento da quantia de MOP$ 132.393.89, acrescida de juros legais.
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Contra esta sentença vem agora interposto o presente recurso jurisdicional apresentado pela ré “C”, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«1. A sentença sub judice, salvo o muito e devido respeito, não analisou correctamente a situação fáctica do caso, sendo a decisão contraditória com a factualidade provada, nem retirou as devidas consequências da decisão proferida no processo LB1-14-0136-LAE, transitada em julgado a 8 de Novembro de 2016.
2. O quesito V deveria ter sido dado como provado uma vez que, ao prestar depoimento de parte, a Autora assumiu que, não obstante ter consulta marcada no Hospital XX, resolveu ir fazer compras antes, tendo caído na zona do XX, onde se encontrava, não para ir fazer tratamento, mas para fazer as referidas compras.
3. O acidente não ocorreu no percurso entre o domicílio da Autora e o local de tratamento, o que, por si só, seria suficiente para absolver as Rés do pedido da Autora uma vez que, não tendo o acidente ocorrido no trajecto para o local onde deva ser prestada ao trabalhador qualquer forma de assistência ou tratamento por causa de anterior acidente, o disposto na subalínea (4) da alínea a) do artigo 3.º do Decreto-Lei 40/95/M não se verifica.
4. Por sentença transitada em julgado a 8 de Novembro de 2016, foi fixado à Autora, no âmbito do LBl-14-0136-LAE, instaurado em virtude do acidente de trabalho ocorrido a 27 de Maio de 2013, um período de 100 (cem) dias de Incapacidade Temporária Absoluta, uma vez que este foi o período que a junta médica considerou necessário para a cura clínica.

5. O próprio legislador, no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, determina que há cura clínica quando as lesões ou a doença desapareceram totalmente ou se apresentam como insusceptíveis de modificação com adequada terapêutica.
6. In casu, a Autora estava clinicamente curada a partir do dia 4 de Setembro de 2013, pelo que, quaisquer tratamentos realizados após essa data, não podem ser considerados como relacionados com o acidente de trabalho ocorrido a 27 de Maio de 2013.
7. Desta forma, a deslocação ao Hospital XX a 12 de Março de 2015 não pode estar relacionada com tratamentos a lesões resultantes do acidente de trabalho ocorrido em Maio de 2013, pelo que o acidente de 12 de Março não é susceptível de ser subsumido na subalínea (4) da alínea a) do artigo 3.º do Decreto-Lei 40/95/M.
8. Aquando do primeiro acidente, a ora Recorrente tinha transferido para a l.ª Ré, B, S.A., a responsabilidade pelas indemnizações devidas por acidentes de trabalho.
9. Ao qualificar-se o acidente ocorrido a 12 de Março de 2015 como um acidente de trabalho nos termos da subalínea (4) da alínea a) do artigo 3.º do Decreto-Lei 40/95/M, o que não se concede e apenas por cautela de patrocínio se admite, a responsabilidade por qualquer pagamento indemnizatório deverá recair sobre a Primeira Ré, absolvendo-se a Segunda Ré do pedido.
10. Na data em que ocorreu o dito acidente, a Autora já não era trabalhadora da Recorrente, tendo-o sido apenas até 14 de Agosto de 2014, razão pela qual, também não poderia a seguradora com apólice em vigor a essa data ser responsabilizada.
Termos em que e nos mais de DIREITO deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser a Recorrente absolvida;
Ou, caso assim não se entenda, ser a Primeira Ré condenada no pagamento das indemnizações devidas à Autora, em virtude a Segunda Ré ter, para ela, transferido, por contrato de seguro, a sua responsabilidade em casos de acidente de trabalho, absolvendo-se, em qualquer dos casos, a Recorrente do pedido com as respectivas consequências legais.»
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A autora respondeu ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
«A. A recorrente alegou que no dia em que ficou ferida, a autora não estava no caminho para o Hospital onde recebe tratamento, assim, entende que o facto de não ser dado por provado o quesito 5º da base instrutória enfermou de erro na apreciação da prova, aliás, a recorrida declarou expressamente na audiência que no dia em que ocorreu o acidente, ela partiu da casa para o Hospital XX, no intuito de submeter-se ao tratamento das lesões da contusão dos tecidos moles do ombro e do pescoço do lado esquerdo por causa do anterior acidente de trabalho.
B. Afiguramo-nos que objectivo final da caminhada da recorrida na rua é ir ao hospital para consulta, não se verifica algo contraditório. O respectivo reconhecimento do Tribunal a quo não violou as regras de prova legal nem as regras de experiência comum.
C. De facto, o Tribunal a quo, na decisão sobre a matéria de facto, esclareceu os fundamentos da convicção no sentido de não dar por provado o quesito 5º, daí, não se constamos que o Tribunal a quo padeceu de erro na apreciação da prova no reconhecimento da matéria de facto, nomeadamente, no sentido de não dar por provado o quesito 5º.
D. Além disso, é de notar que a lei não restringe o trabalhador de ter que sair de casa, nem indica quaisquer rotas ou meios de caminhada, apenas exige no trajecto para o local onde deve ser prestada ao trabalhador qualquer forma de assistência ou tratamento por causa de anterior acidente para constituir acidente de trabalho. Portanto, mesmo que a recorrida não partisse da casa, o seu objectivo final é ir ao Hospital para tratamento das lesões, assim, o acidente ocorrido no trajecto é igualmente considerado como acidente de trabalho for força do art.º 3.º al. a) 4º do D.L. n.º 40/95/M.
E. Por outro lado, a recorrida advogou igualmente que a sentença recorrida padeceu de erro na aplicação da lei, afiguramo-nos que a recorrente confundiu a cura clínica com a incapacidade absoluta temporária. Sem dúvida, a incapacidade total de trabalho não representa necessariamente a recuperação total das lesões, não sendo totalmente equivalentes os dois conceitos. Há vários casos em que a duração de incapacidade temporária absoluta já ficou vencida, as lesões dos trabalhadores ainda não ficaram recuperadas, por exemplo, os trabalhadores ainda tiveram incapacidade temporária parcial (trabalhos simples) ou as lesões ainda não ficaram recuperadas completamente ou careceram de tratamento subsequente.
F. Igualmente, no processo do anterior acidente, a duração da incapacidade temporária absoluta da recorrida era somente de 100 dias, o que não representa que as lesões da recorrido ficaram completamente recuperadas ou não precisam de tratamento no 101 º dia, apenas justifica que a recorrida ficou a ter capacidade parcial de trabalho ou ter condições para trabalhar a partir desse dia, todavia, nos autos não há nenhuma prova em contrário de que o mesmo não precisa de mais tratamento a partir desse dia.
G. É de indicar que em conformidade como os elementos, a fls. 123 dos autos, no processo do anterior acidente de trabalho, segundo a avaliação de saúde, as respectivas lesões da recorrida foram classificadas como incapacidade permanente parcial e o coeficiente da desvalorização foi fixado em 6% em 7 de Maio de 2015.
H. Portanto, a cura médica não pode confundir com a incapacidade temporária absoluta, o Tribunal a quo, conforme as provas objectivas, chegou a concluir que não obstante a duração da incapacidade temporária absoluta da autora do caso de anterior acidente de trabalho era somente de 100 dias, nada impede que a autora se dirigiu ao hospital para tratamento do anterior acidente de trabalho no dia de ocorrência do acidente do presente caso, daí, o Tribunal não enfermou de erro na aplicação da lei quando julgou que o acidente do presente ocorreu no trajecto para tratamento das lesões do anterior acidente de trabalho.
I. Relativamente à entidade responsável do presente caso, nos termos do art.º 3.º al. a) 4º do D.L. n.º 40/95/M, é igualmente considerado como acidente de trabalho o ocorrido no trajecto para o local onde deve ser prestado tratamento por causa de anterior acidente, uma vez que este acidente é extensão de anterior acidente.
J. Evidentemente, o legislador consagrou expressamente garantia mais favorável aos interesses e direito de trabalhadores. O que não é difícil entender que se não for acidente anterior, o trabalhador não irá à instituição médica para tratar as lesões, por isso, o acidente posterior é igualmente considerado como acidente de trabalho.
K. O acidente de trabalho ou a doença profissional traduzem-se numa modalidade de responsabilidade pelo risco, o beneficiário da execução de trabalhador ou de serviços prestados por trabalhador é a entidade patronal responsável, ou seja, a respectiva responsabilidade pelo risco deve incidir sobre a entidade patronal, só que a lei exige que esta responsabilidade é obrigatoriamente transferida para a entidade seguradora.
L. Assim, quando aconteceu novamente acidente no trajecto para o local onde deve ser prestado tratamento, o risco de acidente posterior decorre do primeiro acidente, ou seja, quer no anterior acidente quer no posterior, o beneficiário pela execução ou prestação de serviços de trabalhador é a entidade patronal do anterior acidente de trabalho ou a entidade seguradora após a transferência de responsabilidade.
M. O MP entende que a entidade responsável do acidente de trabalho do presente caso deve igualmente ser a entidade seguradora do anterior acidente de trabalho após a transferência de responsabilidade, por razões de segurança, o MP, na petição inicial, intentou subsidiariamente a acção contra a 2ª ré (ora recorrente).
Face ao exposto, solicita-se aos MM.ºs Juízes do TSI que condene que a recorrida tem direito a receber indemnização pelas lesões resultantes do acidente de trabalho do presente caso e rejeite o recurso, ou pelo menos, julgue a transferência da responsabilidade para a 1ª ré e condene a 1ª ré no pagamento da indemnização respectiva à recorrida.»
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por prova a seguinte factualidade:
«- Em 27 de Maio de 2013, por volta das 12h00, a autora ficou ferida com distensão no braço esquerdo durante o trabalho no C explorado pela 2ª ré. (A)
- A autora era empregada da 2ª ré quando aconteceu o acidente de trabalho como croupier e auferindo mensalmente o salário básico no montante de MOP$16.000,00. (B)
- Foi lavrado o processo especial do trabalho (acidente de trabalho) sobre o referido acidente de trabalho, sob o n.º LB1-14-0136-LAE, no processo, a autora foi diagnostificada com contusão dos tecidos moles do ombro e do pescoço do lado esquerdo, cuja duração de incapacidade temporária absoluta era de 636 dias, de 28 de Maio de 2013 a 7 de Junho de 2013 e de 21 de Agosto de 2013 a 7 de Maio de 2015, tendo as parte chegado ao acordo de transacção na fase de tentativa de conciliação. (C)
- Por sentença, datada de 24 de Outubro de 2016, proferida no âmbito do processo n.º LB1-14-0136-LAE, transitada em julgado em 8 de Novembro de 2016, que correu termos nesse juízo laboral, referente ao acidente de trabalho ocorrido a 27 de Maio de 2013, foi decidido fixar como período de incapacidade temporária absoluta 100 dias. (D)
- No dia 27 de Maio de 2013, data em que o acidente de trabalho aconteceu, a 2a ré, na qualidade de entidade patronal da autora, comprou à 1ª ré seguro de trabalho a favor de todos os seus empregados, incluindo a autora, com apólice n.º 001100000573 com prazo de validade de 1 de Julho de 2012 até 30 de Junho de 2013 (fls. 18, 19 e 163 dos autos, o teor e as cláusulas da apólice de seguro aqui se dão reproduzidos integralmente). (E)
- O ferimento sofrida pela autora no presente caso é a fractura do processo estilóide no cúbito do lado direito. (F)
- Segundo as lesões da autora descritas no facto assente al. F), o coeficiente da desvalorização da “incapacidade permanente parcial” das lesões era fixado em 5% e a duração da “incapacidade temporária absoluta” era de 106 dias, de 13 de Março a 26 de Junho de 2015. (G)
- A autora nunca recebeu a indemnização pela incapacidade temporária absoluta. (H)
- A autora nunca recebeu a indemnização pela incapacidade permanente parcial. (1)
- A autora nasceu a 12 de Junho de 1970. (J)
- No dia 27 de Maio de 2013 em que ficou ferida, a autora ainda se encontrava no período de incapacidade temporária absoluta, a autora, para tratar as lesões, dirigiu-se a pé ao Hospital XX para consulta periódica seguinte no dia 12 de Março de 2015, por volta das 15h50. Quando passou pelo edifício Fabrica D de XX, a autora caiu no chão por o pavimento estar escorregadio, apoiando com o pulso direito e consequentemente, causando-lhe a fractura no cúbito da mão direita. (1º)
- Após o acidente, a autora dirigiu-se imediatamente à clínica particular “Consultório XX” e em seguida ao Hospital XX para receber tratamento. (2º)
- A lesão descrita no facto assente al. F) foi provocada pelo acidente ocorrido no dia 12 de Março de 2015. (3º)
- A autora nunca recebeu despesas médicas por causa do acidente do presente caso, no montante total de MOP$8.305,00. (4º)».
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III – O Direito
1 – O caso
A autora tinha sofrido um acidente laboral em 27/05/2013 quando trabalhava ao serviço de “C”.
Por sentença de 24/10/2016, lavrada no Processo nº LB1-14-0136-LAE, foi fixada à autora uma incapacidade temporária absoluta de 100 dias.
No dia 12/03/2015 a autora saiu de casa com a intenção de se deslocar ao Hospital XX para consulta periódica.
No entanto, de acordo com os factos provados, ao passar a pé junto do edifício da fábrica D no XX escorregou e caiu ao chão, fracturando o cúbito da mão direita, sofrendo uma incapacidade permanente parcial de 5% e uma incapacidade temporária absoluta de 106 dias, de 13/03 a 26/06/2015.
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2 – A sentença, reconhecendo estar perante um acidente de trabalho, ao abrigo do art. 3º, a), (4), do DL nº 40/95/M, concedeu razão à autora e arbitrou-lhe indemnização pelas referidas incapacidades, bem como pelas despesas médicas efectuadas.
A ré C, porém, acha que houve erro na apreciação da prova e na aplicação do direito.
No primeiro caso, por o acidente não ter ocorrido quando a autora se deslocava ao hospital para consulta médica em resultado do acidente de 2013, mas sim quando ela pretendia fazer compras no bairro XX.
No segundo caso, por o acidente de 2015 não poder ser considerado de trabalho, ao abrigo do art. 3º, alínea a), subalínea 4), do DL nº 40/95/M, visto que, por sentença de 24/10/2016, havia sido fixada a respectiva incapacidade temporária absoluta em 100 dias, prazo que terminou em 4/09/2013. O que significa que a partir desta data (4/09/2013) a autora estava clinicamente curada.
A recorrente acrescenta, subsidiariamente, que, a ter-se como acidente de trabalho o evento ocorrido em 12/03/2015, então deve ser a responsabilidade por ele ser transferida para a Seguradora, 1ª ré.
E, por fim, aduz que na data em que o acidente ocorreu a autora já não era trabalhadora ao seu serviço, já que a respectiva relação laboral tinha cessado em 14/08/2014.
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3 – Da impugnação da matéria de facto
Entende a recorrente que o quesito 5º, que foi dado como não provado, deveria ter sido provado, uma vez que, segundo a própria afirmação da autora, esta, apesar de ter consulta marcada no Hospital XX para consulta, resolveu ir fazer compras antes na zona do bairro XX.
O quesito 5º tinha o seguinte conteúdo: ”O acidente ocorrido em 12 de Março de 2015 não aconteceu no trajecto entre a casa da autora e o Hospital XX”. A resposta foi “Não provado”.
Ora bem. Como é evidente, entre dois pontos de uma determinada área geográfica podem ser utilizados vários caminhos, ora em trajectos curtos de linha recta, ora em percursos curvos ou com variantes, desvios e afastamentos. Pode ir-se directamente de um ao outro em 30 minutos, por exemplo, ou em duas horas, tudo dependendo do que o interessado for fazendo e dos locais que ele for visitando durante o trajecto. Se A, que mora na Av. XX tiver uma consulta no Hospital XX pelas 15 horas e sai de casa às 12 horas com essa intenção, mas aproveita para ir a Coloane almoçar a um restaurante, não pode considerar-se que a sua queda no restaurante se deveu à consulta que ia ter no Hospital. Não há aí uma relação de causa e efeito em termos espácio-temporais.
Ora, a autora reside no Beco XX, edif. XX, XXº andar, XX, em Macau e o Bairro XX não se localiza no percurso de casa para o Hospital XX, sendo necessário um desvio muito acentuado para o alcançar. O local da fábrica D é, aliás, ainda mais afastado do Hospital. Isto significa que a autora não foi directamente de casa para o Hospital, tendo efectuado um percurso muito maior para atingir a zona do XX, para fazer compras, onde acabou por cair. Ou seja, utilizando a figura geométrica de um triângulo, a casa da autora fica num vértice, o Hospital fica noutro em linha recta e a queda registou-se no terceiro vértice. É o que notoriamente (art. 434º, do CPC) todos conseguimos apurar a partir da consulta do mapa de Macau.
E ela mesma o reconhece no depoimento de parte confessório prestado em audiência, ao admitir que saiu de casa mais cedo e que àquela zona da cidade se deslocou em passeio e também para fazer compras.
Podemos, portanto, dar razão à recorrente. O acidente não aconteceu no trajecto normal e mais curto entre a casa da autora e o Hospital. Só o poderíamos afirmar com essa segurança se a autora saísse de casa e se encaminhasse com esse propósito único ao Hospital. Nessa hipótese, sim, o acidente seria tido como acidente em trajecto.
Mas, se a autora, embora tivesse essa intenção de se deslocar ao Hospital quando saiu de casa, resolveu fazer um desvio para passear e para fazer compras noutro local afastado, então pode dizer-se que trocou um percurso directo e de curta extensão por outro de grande extensão por razões pessoais que não eram, nem de força maior, nem de imperiosa necessidade (pelo menos tal não foi alegado e demonstrado), aumentando a duração da deslocação e agravando o risco normal desta.
Assim, somos a dar razão à recorrente nesta parte. O quesito deve, pois, ser dado como provado.
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4 – Da caracterização do acidente
Como resulta do art. 3º, alínea a), (4), do DL nº 40/95/M, considera-se acidente de trabalho o ocorrido “no trajecto para o local onde deva ser prestada ao trabalhador qualquer forma de assistência ou tratamento por causa de anterior acidente, no regresso desse local e enquanto neste permanecer para esses fins”.
Trata-se ali da previsão legal de um acidente “em trajecto”, colocado a par do acidente “in itinere” previsto no cit. art. 3º, al. a), (5), tal como está a ser considerado nalguma doutrina (sobre o assunto, ver “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em Portugal – Regime Jurídico da Reparação dos Danos”, Relatório elaborado no âmbito do Estudo “Programa de apoio à manutenção e retorno ao trabalho das vítimas de doenças profissionais e acidentes de trabalho”, promovido pelo CRPG – Centro de Reabilitação Profissional de Gaia.”, pág. 13, no sítio da Web http://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=14&ved=0ahUKEwjQ27eO767aAhVJPrwKHWlaBzI4ChAWCDkwAw&url=http%3A%2F%2Fwww.crpg.pt%2FestudosProjectos%2FProjectos%2FDocuments%2Fretorno%2Fregime_juridico.pdf&usg=AOvVaw21GPz8wqKjbqkwkDxRUOQ6).
Claro que se colocam quanto a esta materialidade, que a lei tipifica como acidente laboral, algumas dificuldades. Mas elas não serão muito diferentes das que caracterizam o acidente in itinere ocorrido no percurso de casa para o local de trabalho ou no regresso deste. Quer dizer, não estando a fattispecie melhor definida ou melhor densificada na lei, senão através da simples caracterização de um evento ocorrido em trajecto ou em percurso, então haverá que ver caso a caso, segundo as regras da sensatez e prudência, se todo e qualquer acidente pode ser tido como de trabalho, à luz da muito genérica e abstracta previsão da norma. E é aí que se justifica o apoio da jurisprudência que se tenha manifestado a propósito da mais próxima figura, que é o acidente in itinere.
Ora, como se sabe, se tal como nem todo o acidente in itinere é tido como laboral, considerando as circunstâncias específicas em que ele tiver acontecido, assim também nem todo o acidente em “trajecto para assistência” pode ser rotulado como laboral.
E este caso é, quanto a nós, um daqueles que deve escapar à subsunção da situação de facto à previsão da norma transcrita. O que equivale a dizer que este não pode ser considerado como acidente de trabalho.
Nesta conformidade, e com prejuízo dos demais fundamentos do recurso, devemos dá-lo por procedente.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em dar por procedente o recurso jurisdicional, em consequência do que:
1 – Se julga como provado o teor do art. 5º da Base Instrutória;
2 – Se revoga a sentença recorrida na parte impugnada e se absolve do pedido a ora recorrente “C S.A.”.
Custas pela recorrida em ambas as instâncias.
T.S.I., 17 de Maio de 2018
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong



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