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Proc. nº 216/2017
(Reclamação para a Conferência)

   I – Introdução
    Em 1 de Fevereiro de 2018 foi proferido por este TSI o acórdão constante de fls. 382 a 399, que foi notificado ao Réu/Recorrido em 06/02/2018 (fls. 402), veio o Recorrido arguir a nulidade do acórdão com os fundamentos constantes de fls. 404 a 413, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais.
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    Os Recorrentes responderam nos termos constantes de fls. 417 a 418 dos autos.
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    Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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   II – Apreciando
    Vamos ver esta reclamação parte por parte.

   1 – O arguente invoca a nulidade do acórdão nos termos do disposto no artigo 571º/1-d) do CPC, porque os Recorrentes pediram o reenvio dos autos para novo julgamento com ampliação de matéria de facto, mas o TSI acabou por decidir directamente a causa. No entendimento do arguente reclamante, o TSI não pode fazê-lo, por ter conhecido de questões que não podia tomar conhecimento (vidé o artigo 1º a 6º da reclamação).
    Digamos desde já que ao arguente não lhe assiste razão!
    Ora, o artigo 630º (Regra da substituição ao tribunal recorrido) do CPC estipula:
     1. O Tribunal de Segunda Instância conhece do objecto do recurso, mesmo que a sentença proferida na primeira instância seja declarada nula ou contrária a jurisprudência obrigatória.
     2. Se o tribunal recorrido não tiver conhecido de certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o Tribunal de Segunda Instância, se entender que o recurso procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
     3. O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias.
    É de ver que ao TSI compete conhecer de matéria de facto e de direito, A ratio legis desta norma visa essencialmente evitar reenvio sistemático de autos para tribunais de primeira instância, ainda que os autos já fornecem todos os elementos necessários à boa decisão da causa, que é o caso em apreciação.
    Aliás, é este normativo que imponha a solução adoptada pelo TSI.
    Em termos do Direito comparado, já se pronunciou:
    “(…) Só assim não sucedendo porquanto o artigo 715º do CPC, por uma razão da economia, dispensa que os autos voltem à primeira instância para aí se suprir o vício, cabendo à Relação compendiar, no respectivo acórdão, o que a esse respeito manda o artigo 450º/3 e conhecendo depois das questões de Direito (ac. do STJ, de 30/7/1986, BMJ, 359º-581).”
    
    Nesta óptica improcede o argumento deduzido pelo arguente, pois não se verifica a nulidade arguida.
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   2 – O arguente invoca também a nulidade do acórdão por violação do disposto no artigo 571º/1-b) do CPC, por entender que o Tribunal não especifica os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão (vidé o artigo 7º a 21º da reclamação), alegando para tal o seguinte:
    - O TSI qualificou juridicamente (como mandato) os acordos celebrados entre os Autores e o falecido;
    - Depois, o arguente, pondo na dúvida a seguinte passagem do acórdão: “com a morte de uma das partes, extingue-se a relação jurídica, e o dinheiro que o falecido “guardava” (uma vez que tal nunca seria para o A (falecido), deveria ser restituído a quem de direito. (pág. 30)”, veio a perguntar, nesta reclamação: a que título é que o Recorrido tem de devolver o dinheiro?
    
    Ora, antes de irmos directamente à questão suscitada, vamos imaginar a seguinte hipótese:
    A, contratou o Advogado B para patrocinar uma causa, tendo entregue a este último aquando da assinatura da procuração, duzentos mil patacas para custear os honorários e as custas do processo. Findo este, A, antes de fazer contas finais com o seu advogado B, veio a falecer, sendo certo que sobram ainda cinquenta mil patacas, depois de pagar todos serviços e custas. Pergunta-se, o Sr. Advogado pode ficar com esta quantia remanescente sem ter de a devolver aos herdeiros do A? Se tem de a devolver, a que título?
    Ora, a resposta é simplicíssima e está dada no artigo 1087º/-e) do CCM, que tem o seguinte teor:
      O mandatário é obrigado:
      (…)
      e) A entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se o não despendeu normalmente no cumprimento do contrato.
    A propósito deste artigo (correspondente ao artigo 1161º do CC de 1966), o Prof. Antunes Varela anotava:
     “6. O mandatário é obrigado, por último, a entregar ao mandante tudo o eu recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se o não despendeu no cumprimento do contrato (alínea e)). A obrigação respeita não só ao que o mandatário recebeu do mandante para a execução do mandato, e que não foi por ele utilizado, como àquilo que, na execução do mandato, recebeu de terceiros, como dinheiro, documentos, outros objectos, etc.”(in CC anotado, 3ª edição, pág. 716).
    Quem aplica uma norma, aplica todo o regime, que é o do mandato aplicável!
    O artigo 571º/1-b) do CPC constitui o reflexo do dever de fundamentação das decisões imposto 108º do CPC.
    Vem sendo dominantemente entendido pela jurisprudência que esse vício só ocorre quando houver falta absoluta ou total de fundamentos ou de motivação (de facto ou de direito em que assenta a decisão), e já não quando essa fundamentação ou motivação for deficiente, insuficiente, medíocre ou até errada. Essa fundamentação porventura deficiente, incompleta ou até errada poderá afectar o valor doutrinal da sentença/decisão, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas nunca poderá, assim, determinar a sua nulidade1
    Pelo que, é de julgar igualmente infundada esta imputação do alegado vício ao acórdão em causa.
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   3 – O arguente alega também o vício do acórdão nos termos do artigo 571º/1-c) do CPC, por entender que existe contradição entre os fundamentos e a decisão (vidé o artigo 30º a 35º da reclamação), citamos de propósito o que o arguente afirma na reclamação:
     “33. Como é que pode ser procedente o pedido principal dos Autores/Recorrentes de considerar resolvidos os acordos por incumprimento definitivo dos mesmos por culpa do Réu e, ao mesmo tempo, concluir-se que é irrelevante saber se o Réu cumpriu ou não cumpriu as obrigações do seu irmão e que, em bom rigor, nem sequer é parte legítima para intervir neste assunto?
    34. Mais, ao longo da fundamentação o próprio Tribunal considerou resolvido o contrato de mediação por impossibilidade superveniente não culposa e caduco o contrato de mandato pro força da morte do mandatário, pelo que não poderia decidir pela resolução desses acordos por incumprimento culposo do Réu (que, como o Tribunal reconhece, nem sequer é parte nesse acordos.)” (sic)
    
    Ora, importa deixar EXPRESSAMENTE aqui as seguintes notas:
    1) – Em nenhuma passagem do acórdão aparece a expressão “incumprimento culposo”, nem a palavra “culpa”! Ou estamos falar da mesma língua e da mesma linguagem jurídica ou não estamos!!!
    2) – O raciocínio do Tribunal é muito claro: os acordos não foram cumpridos pelo falecido, ou seja, até ao falecimento, não foi dado cumprimento a tais acordos. Com a morte, surge uma impossibilidade superveniente objectiva! Depois, o herdeiro do falecido, irmão do mesmo, também não mostrou disposto para cumprir, e bem, ele não é parte dos acordos, tem todo o direito de escolher e decidir. Mas ele sabe que a herança recebida continha e contém parte de “dívidas” que é objecto de litígio pendente no tribunal. Com a morte do mandante, extingue-se a relação jurídica! É irrelevante saber quem tem culpa ou não! Também não foi alegada matéria sobre este ponto! Pelo expendido, sem mais delongas considerações, é manifestamente infundada a arguição da nulidade nesta parte.
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   4 – Depois, o arguente vem invocar também a nulidade de sentença por vício referido no artigo 571º/1-e) do CPC, por o Tribunal condenar em objecto diverso do pedido (vidé o artigo 22º a 29º da reclamação), porque a causa de pedir dos Recorrentes/Autores é a celebração dos contratos-promessa e incumprimentos dos mesmos, e como última instância, pediram a devolução das quantias entregues a título de enriquecimento sem causa!
    Por entender ainda o arguente que os Autores não chegaram a invocar expressamente caducidade do mandato, nem qualificar os acordos como contratos de mandato!!!
    Ora, caducidade e mandato são conceitos jurídicos, eles nunca podem constituir causa de pedir.
    Pois, a causa de pedir é integrada pelo facto ou factos produtores do efeito jurídico pretendido e não deve confundir-se com a valoração jurídica atribuída pelas partes, a qual, de todo o modo, não é vinculativa para o tribunal, devido ao princípio, consignado no artigo 567°, segundo o qual o tribunal conhece oficiosamente do direito aplicável.
    Quanto a estas acções, e partindo da noção legal que nos é dada pelo artigo 417º, n.º 4 do CPC (causa de pedir), podemos dizer, como, aliás, se menciona no Ac. Do STJ, de 25-2-93, in CJSTJ, tomo I, pág. 152, que no núcleo essencial da causa de pedir é constituído pela celebração de certo contrato e a sua violação.
    É o caso dos autos.
    Repare-se, a caducidade é do conhecimento oficioso, por força do disposto no artigo 325º do CCM !!!
    
    Mais uma vez, são infundados todos estes argumentos invocados para tentar assacar ao acórdão os alegados vícios.
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    Em suma, não ocorrem “in casu” as apontadas nulidades a que se refere o artigo 571º/1 do CPC.
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   III – Decidindo
    Face ao exposto, e decidindo, acordam em julgar improcedente a aludida arguição das nulidades.
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    Custas pelo arguente/reclamante, com taxa de justiça em 8 UCs.

T.S.I., 17 de Maio de 2018

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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho


1 Neste sentido, vide, entre outros, Ac. do STJ de 02/06/2016, proc. 781/11, acessível in www.dgsi.pt; Ac. do STJ de 07/04/2016, proc. 1129/09, in “Sumários, Abril/2016, pág. 17”; Ac. do STJ de 05/04/2016, proc. 128/134, in “Sumários, Abril/2016, pág. 8”; Ac. do STJ de 19/03/02, in “Rev. Nº 537/02-2ª sec., Sumários, 03/02” e Ac. da RC de 16/5/2000 in “www.dgsi.pt, e Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil, Vol. 2º, 3ª. Ed., Almedina, 2017, págs. 735/736”.
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2017/216 - Reclamação 8