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Processo nº 253/2018 Data: 17.05.2018
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “violação de proibições impostas por sentença”.
Erro notório na apreciação da prova.
Regras de experiência.
Reenvio.



SUMÁRIO

1. “Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.

2. Constatado o erro, apresentando-se o mesmo insanável, e atento o estatuído no art. 418° do C.P.P.M., impõe-se o reenvio dos autos para novo julgamento.

O relator,

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Processo nº 253/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. O Exmo. Magistrado do Ministério Público vem recorrer da sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. que absolveu o arguido A da imputada prática de 1 crime de “violação de proibições impostas por sentença”, p. e p. pelo art. 317° do C.P.M..

No seu recurso, e em sede de conclusões que a final da motivação apresentada produz, considera que a decisão recorrida padece do vício de “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 126 a 130 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Respondendo, considera o arguido que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 134 a 141).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer considerando também que o T.J.B. incorreu no assacado “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 189 a 190).

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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 119-v a 120-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o Ministério Público recorrer da sentença que absolveu o arguido da imputada prática de 1 crime de “violação de proibições impostas por sentença”, p. e p. pelo art. 317° do C.P.M.; (cfr., fls. 119 a 122).

Entende que a mesma está inquinada com o vício de “erro notório na apreciação da prova”.

E, em nossa opinião, tem razão.

Vejamos.

No que toca ao “erro notório na apreciação da prova”, temos repetidamente entendido que o mesmo apenas existe quando “se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 08.06.2017, Proc. n.° 286/2017, de 14.09.2017, Proc. n.° 729/2017 e de 04.04.2018, Proc. n.° 912/2017).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.

No caso dos autos, cremos que ocorre o imputado vício por violação – em nossa opinião, ostensiva – das regras de experiência e da normalidade das coisas.

Com efeito, o Tribunal a quo absolveu o arguido porque deu como “não provado” que:

“O arguido livre, consciente, voluntariamente violou a pena acessória de proibição condenada no acórdão.
O arguido bem sabia que a sua conduta é proibida e punida por lei”.

E, justificando esta sua decisão, em sede de fundamentação, consignou o seguinte:

“Na audiência de julgamento, nos termos do artº 338º, nº 1 do CPP, procedeu a leitura das suas declarações prestadas no MP de fls. 47 a 48 dos autos e o auto prestado na PJ por si confirmado nas fls. 6v dos autos, o arguido afirmou que não compareceu na audiência para ouvir a leitura do acórdão do proc. CR1-14-0353-PCC, no ano de 2015 não assinou qualquer notificação de proibição de entrada nos casinos, mas no ano de 2015 recebeu a cópia do acórdão, soube que estava proibido de entrar nos casinos de Macau pelo período de 3 anos, porém, ele pensou que o período de inibição de entrada por 3 anos tinha sido contado a partir do ano 2010 e em 2013 já tinha terminado o prazo, pelo que em 25/04/2017 entrou no casino “Altira” para jogo. Ele disse que desconhece a lei de Macau e se soubesse que estava proibido de entrar nos casinos, nunca teria violado a ordem oficial”.

Porém, e sem embargo do muito respeito pelo assim consignado, cremos que se incorreu no alegado “erro notório”.

Como – esclarecidamente – se nota no douto Parecer do Ministério Público:

“A justificação avançada pelo arguido, segundo a qual estava convicto de que a sanção acessória que lhe foi imposta fora cumprida entre 2010 e 2013, não tem cabimento. Trata-se de uma convicção que não encontra respaldo nas regras da experiência comum e que um cidadão que se guie pelos padrões médios de razoabilidade por que se pauta a vida em sociedade não assume.
Decididamente, não é plausível que alguém dotado de mediano discernimento possa, séria e convictamente, assumir ter cumprido entre 2010 e 2013 uma pena não detentiva imposta numa sentença de 2015. E é aqui reside o fulcro da questão, na incongruência entre uma convicção de que o arguido se arroga e aquilo que as regras da experiência inculcam.
(…).
Do mesmo modo se mostra irrelevante o possível desconhecimento de que a conduta era proibida e punida por lei como crime. O desconhecimento das leis não exonera, pura e simplesmente, o cidadão de as cumprir. A falta de consciência da ilicitude de um comportamento só desonera a culpa do agente se não for censurável. O arguido, cidadão frequentador dos casinos de Macau, com antecedentes criminais e condenações em Macau, alguns deles ligados a actividades ilícitas no mundo do jogo, não podia ignorar que a sua conduta de violação de uma pena de interdição de frequência de casinos imposta por sentença constituía crime”.

Com efeito, não se pode olvidar que, no caso dos presentes autos, o arguido ora recorrente é um indivíduo com mais de 40 anos de idade, (nascido em 1976), cuja “proibição de entrada nas salas de jogos de Macau” lhe foi decretada em consequência da prática em comparticipação com outros 3 co-arguidos do crime de “usura para jogo com exigência ou aceitação de documento”, (cfr., fls. 32 a 40).

E, nesta conformidade, a convicção e conclusão a que chegou o Tribunal a quo apresenta-se-nos pois contrária às regras de experiência já que estas nos indicam que, na normalidade das situações, uma pessoa com aquelas “qualidades”, (idade e conhecimentos dos “expedientes” próprios dos casinos para efeitos de praticar como sucedeu, “em – préstimos para jogo”), não devia desconhecer que a dita “proibição” era uma das consequências naturais (e lógicas) da prática do dito crime, normal e razoável também não se afigurando que se possa configurar igualmente que uma decisão, proferida e notificada em 2015, decida em sentido retroactivo, aplicando, como “pena acessória” uma “proibição” que, entretanto, antes (mesmo) do próprio julgamento, já estava caduca e sem qualquer efeito.

Dest’arte, constatado o erro, apresentando-se o mesmo insanável, e atento o estatuído no art. 418° do C.P.P.M., impõe-se o reenvio dos autos para novo julgamento – da matéria de facto em questão – proferindo-se, seguintemente, nova decisão.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, decretando-se o reenvio dos autos para novo julgamento no T.J.B..

Custas pelo arguido, com a taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 17 de Maio de 2018

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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa

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