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Processo nº 883/2016
Data do Acórdão: 17MAIO2018


Assuntos:

Sentença penal condenatória
Caso julgado material


SUMÁRIO

A condenação definitiva proferida na acção penal ou contravencional constitui caso julgado material, em relação ao arguido, quanto à existência dos factos que integram os pressupostos de punição penal ou contravencional, nas acções não penais em que o arguido é demandado e se discutam direitos que dependam da existência do ilícito penal ou contravencional.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 883/2016


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos da acção de processo comum do trabalho, , registada sob o nº LB1-16-0054-LAC, do Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:

  I. Relatório:
  A, de nacionalidade chinesa, titular do BIR da RAEM n.º 1XXXXX8(4), residente em Macau, na 澳門XX花園第XX座XX樓XX室, instaurou contra B, S.A.R.L., com sede sita em Macau, Avenida XX, XX/XX XX, com Registo Comercial n.º XX SO, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a uma indemnização de MOP$155.947,38, acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento.
  A Ré contestou, no essencial, impugnando os factos afirmados pelo Autor.
  Foi elaborado despacho saneador em que se afirmou a validade e regularidade da instância, se relegou para final o conhecimento da referida excepção peremptória arguida pela Ré, e onde se seleccionou a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
*
  A audiência de julgamento decorreu com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal respondido à matéria controvertida por despacho que não foi objecto de qualquer reclamação pelas partes.
*
  Questões a decidir:
  - Se o Autor gozou ou não dias de descanso semanal e dias de descanso compensatórios durante o período de trabalho por si desempenhado.
*
  II. Fundamentação de facto:
1). O Autor iniciou a sua prestação de trabalho à Ré a partir de 14/07/2004, cuja categoria era de servente no canídromo. (A)
2). O Autor estava sujeito às orientações, indicações e direcções dadas pela Ré. (B)
3). Em 05/10/2014, o Autor terminou a relação do trabalho com a Ré. (C)
4). No dia 29/04/2015, o Juízo Laboral do T.J.B., foi proferida decisão nos autos de Proc. N.º LB1-15-0013-LCT, tendo a Ré sido condenada pela prática da contravenção relativa à falta do pagamento da compensação dos descansos semanais ao Autor. (doc. 1, fls. 182 a 185) (D)
5). A Ré não dava aos seus trabalhadores descanso compensatório quando estes prestavam trabalho em dia de descanso semanal. (4.º)
6). A Ré organizou corridas nas 2.ª, 3.ª, 5.ª feiras, Sábado e Domingo de cada semana. (5.º)
7). A Ré não organizou ao Autor o gozo de descanso compensatório, dentro de 30 dias depois do trabalho prestado pelo mesmo. (10.º)
*
  Fundamentação de Direito:
  Em face da matéria de facto que se mostra provada e do direito que lhe é aplicável, cumpre dar resposta à questão a decidir que supra se deixou enunciada.
O Autor pretende ser indemnizado pelos dias de descanso semanal que não gozou - facto demonstrado em 7).
Está igualmente provado que pela prestação de trabalho nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo (cf. factos 4) a 6)).
O artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril dispõe, no seu n.º 1, que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º.
   O n.º 6 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, dispõe, pois, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago: a) aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal.
   Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos, segundo a fórmula (Salário diário) x (n.º de dias devidos e não gozados) x 2.
   

Salario base anual
/ Salário base diário
(a)
Subsídio para cada dia de corrida
(b)
Salário diário
(a) + (b)
n.º de dias devidos
e não gozados
Quantia indemnizatória
07/2004 – 01/2004
2.700 / 90
68
158
133
42.028.00
02/2007 – 03/2008
2.780 / 92.67
88
180.67
61
22.041,74
04/2008 – 12/2008
3.000 / 100
98
198
22
8.712,00
01/2009 – 03/2010
3.000 / 100
98
198
65
25.740,00
04/2010 – 06/2010
3.090 / 103
98
201
13
5.226,00
07/2010 – 06/2011
3.090 / 103
98
201
52
20.904,00
07/2011 – 06/2012
3.390 / 113
98
211
52
21.944,00
07/2012 – 06/2013
3.490 / 116.33
113
229.33
53
24.308,98
TOTAL



451
170.904,72
Significa então que a Ré devia ter pago os 451 dias de descanso semanal não gozados atendendo ao salário diário auferido, a multiplicar por 2, o que dá o montante total de MOP 170.904,72, tendo, no entanto, pago o valor em singelo (cf. facto 6, in fine). Significa isto que aos valores supra apurados se tem de deduzir o montante pago em singelo pela Ré1, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário devido, o que a lei manifestamente não prevê2, o que perfaz a quantia de MOP 85.452,36.
   Na presente acção o Autor reclama ainda a compensação económica pelo não gozo do dia de descanso compensatório o que, em face das disposições legais supra citadas, entendemos ser de atribuir de modo a ser-lhe concedido um montante equivalente a um dia de salário, o que dá o montante de MOP 85.452,36.
   Constata-se, porém, que o valor peticionado pelo Autor é inferior ao que se apurou supra, sendo esse, atento o princípio do pedido vigente no direito laboral em matérias relativas a direitos disponíveis, como é o caso, que será concedido.
*
   Às quantias supra mencionadas acrescerão juros a contar da data do trânsito em julgado desta sentença (3), atento o que dispõe o artigo 794.º, n.º 4 do CC, dado que por estarmos na presença de um crédito ilíquido, os juros moratórios, só se vencem a contar da data em que seja proferida a decisão que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
***
IV. Decisão:
   Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção totalmente procedente e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia peticionada de MOP 155.947,38 (a título de trabalho em dias de descanso semanal e a título do não gozo dos dias de descanso compensatório), acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
As custas serão a cargo da Ré.
Registe e notifique.


Não se conformando com o decidido, vem a Ré B S.A.R.L. recorrer da mesma concluindo e pedindo:
I. A ora Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base em que julgou a acção procedente e, por entender que o Trabalhador, pela prestação dos dias de descanso semanal e pela compensação económica pelo não gozo do dia de descanso compensatório, condenou a ora Ré ao pagamento total de MOP$155,947.38.
II. Pretende a Recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, porquanto da prova produzida em sede de julgamento assim como da prova documental junta aos autos, não poderia ter o Tribunal a quo decidido conforme decidiu, pois entende que tal matéria fáctica foi, salvo devido respeito, incorrectamente julgada pelo Douto Tribunal a qua.
III. A decisão recorrida, interpretada de per si, com a experiência comum e com os elementos dos autos nela acolhidos, se encontra inquinada com erro de julgamento.
IV. Da prova produzida em sede de julgamento e tendo em conta as respostas dadas aos quesitos 3º, 4º, 8º e 11º, no nosso entender, não podia o Exmo. Senhor Juiz a quo ter decidido conforme fez, pelo que estamos perante um claro erro de julgamento.
V. Foi dado como não provado que desde o início do dia da contratação até 30/06/2013, o Autor nunca manifestou por sua vontade e concordância em trabalhar nos dias de descansos semanais, tendo no entanto feito.
VI. Portanto, não se provou que o Autor nunca manifestou por sua vontade e concordância em trabalhar nos dias de descanso semanais, tendo-o feito, pois não há como saber se os dias em que o Autor trabalhou, o fez a pedido de entidade patronal ou se por sua própria vontade ou a seu expresso pedido.
VII. O douto Tribunal a quo não podia decidir conforme decidiu, uma vez que não resulta qualquer facto provado que lhe permitissem chegar a tal conclusão.
VIII. Dos factos 5), 6) e 7) constantes da fundamentação de facto na douta sentença recorrida, não se pode retirar a conclusão de que o Trabalhador não recebeu 451 dias de descanso semanal.
IX. Destes factos que foram considerados como fundamentais para a decisão em apreço, não resulta o Trabalhador trabalhou efectivamente nos dias de descanso semanal, não resulta que mesmo que o tivesse feito, o fez por sua iniciativa ou por instrução da entidade empregadora e mais, não resulta que mesmo que tivesse trabalhado nos dias de descanso semanal, a entidade empregadora não o remunerou de acordo com os termos legais.
X. Resultando apenas que, a ora Recorrente não dava aos seus trabalhadores descanso compensatório quando estes prestavam trabalho em dia de descanso semanal, o que é manifestamente insuficiente para que se possa concluir da forma que o douto Tribunal a quo decidiu, incorrendo em claro erro de julgamento.
XI. Acresce ainda que, o douto Tribunal a quo considerou como não provado o quesito 8° da Base Instrutória, pelo que, não entende a ora Recorrente, como pode o douto Tribunal a quo, dar como não provado que o trabalhador não recebeu o pagamento pelo trabalho prestado nos dias de descanso entre 14/07/2004 a 31/12/2008, e depois incluir tal período no cálculo que efectua para aferir os dias de descanso semanal em que o trabalhador prestou trabalhou e não foram pagos.
XII. Na realidade, conclui-se na sentença ora Recorrida que a entidade empregadora deveria ter pago 451 dias de descanso semanal não gozado pelo trabalhador.
XIII. No entanto, e tendo sido o artigo 8° da Base Instrutória dado como não provado, entende a ora Recorrente que o período referido no mesmo não deveria ser tido em conta para o cálculo dos alegados dias de descanso não gozados pelo trabalhador.
XIV. Pelo que, mais uma vez, entendemos ter havido um erro de julgamento na sentença recorrida.
XV. Existe ainda uma contradição na sentença ora recorrida.
XVI. Refere a senteça que, “O Autor pretende ser indemnizado pelos dias de descanso semanal que não gozou - facto demonstrado em 7).”
XVII. Ora, o facto demonstrado em 7) diz respeito ao descanso compensatório e não ao descanso semanal, conforme se pode confirmar:
XVIII. Não resulta da prova produzida em sede de audiência de julgamento de facto nenhum dado como provado resulta que o trabalhador em questão trabalhou em dias de descanso semanal, mesmo que o tenha feito, não resulta de nenhum facto em que dias é que tal sucedeu, pois da prova produzida em sede de julgamento, nomeadamente os depoimentos testemunhais e a prova documental, não foram bastantes para se poder concluir com clareza e exactidão conforme se concluiu.
XIX. Após a apreciação da matéria de facto e das alegações apresentadas com o presente recurso por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância deverá ser proferido douto Acórdão que julgue procedente o invocado vício de erro de julgamento, devendo antes ser a presente acção considerada como totalmente improcedente, absolvendo assim a ora Recorrida da Instância.
XX. Caso assim, o Venerando Tribunal da Segunda Instância não o entenda, o que não se concede e por mera cautela de patrocínio se admite, deverá ser proferido douto Acórdão que julgue parcialmente procedente o presente recurso, a reduzido o número de dias de descanso semanal em que alegadamente o trabalhador prestou trabalho, não se considerando os 216 dias relativos ao período de 14/07/2004 a 31/12/2008, para o cálculo final, uma vez que o quesito 8° da Base Instrutória que continha tal facto foi dado como totalmente não provado.
Pelas razões expostas
V. Exas., alterando a sentença recorrida em conformidade com o alegado, farão inteira e sã
JUSTIÇA.

Notificado, o Autor, patrocinado pelo Ministério Público, respondeu ao recurso pugnando pela improcedência do recurso.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

A recorrente disse que pretendia impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.

No entanto, em face das conclusões tecidas na petição do recurso, o que a recorrente realmente fez por via de recurso é impugnar a decisão de direito com fundamento na falta ou insuficiência de matéria fáctica para sustentar a condenação e na não comprovação da determinada matéria necessária para sustentar a decisão de direito contida na sentença recorrida.

Portanto a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação é a de saber se o Tribunal a quo tem matéria suficiente para condenar como condenou.

Para o efeito, é de relembrar aqui o que ficou provado na primeira instância, que é o seguinte:

1. O Autor iniciou a sua prestação de trabalho à Ré a partir de 14/07/2004, cuja categoria era de servente no canídromo. (A)
2. O Autor estava sujeito às orientações, indicações e direcções dadas pela Ré. (B)
3. Em 05/10/2014, o Autor terminou a relação do trabalho com a Ré. (C)
4. No dia 29/04/2015, o Juízo Laboral do T.J.B., foi proferida decisão nos autos de Proc. N.º LB1-15-0013-LCT, tendo a Ré sido condenada pela prática da contravenção relativa à falta do pagamento da compensação dos descansos semanais ao Autor. (doc. 1, fls. 182 a 185) (D)
5. A Ré não dava aos seus trabalhadores descanso compensatório quando estes prestavam trabalho em dia de descanso semanal. (4.º)
6. A Ré organizou corridas nas 2.ª, 3.ª, 5.ª feiras, Sábado e Domingo de cada semana. (5.º)
7. A Ré não organizou ao Autor o gozo de descanso compensatório, dentro de 30 dias depois do trabalho prestado pelo mesmo. (10.º)

Bom, aparentemente falando, parece, tal como disse a recorrente, que há insuficiência da matéria fáctica necessária à condenação.

Na verdade, para condenar na primeira instância como condenou a Ré, ora recorrente, é preciso que tenham sido demonstrado que o Autor trabalhou em todos os descansos semanais no período compreendido entre 14JUL2004 e 30JUN2013 e a Ré não lhe pagou o salário pelo trabalho prestado nos descansos semanais nem cumpriu o seu dever correspondente ao direito a um outro dia de descanso compensatório.

Só que esta visão é demasiada precipitada, pois ignoramos de todo em todo a matéria vertida no ponto 4 do elenco dos factos assentes, ou seja, no dia 29/04/2015, o Juízo Laboral do T.J.B., foi proferida decisão nos autos de Proc. N.º LB1-15-0013-LCT, tendo a Ré sido condenada pela prática da contravenção relativa à falta do pagamento da compensação dos descansos semanais ao Autor.

Conforme se vê na sentença proferida neste processo contravencional, ora constante das fls. 182 a 185, a Ré foi condenada naquele processo contravencional laboral pela prática dos factos essencialmente idênticos aos integrantes da causa de pedir configurada pelo Autor na presente acção civil laboral.

Ai ficou provado que:
- 受害員工A,持編號為1XXXXX8(4)之澳門永久性居民身份證,居住於澳門XX花園第XX座XX樓XX,電話:6XXXXX47,於2004年7月14日至2014年10月5日期間受僱於嫌疑人,職位為XX;
- 上述員工在聽從嫌疑人的工作指令、指揮及領導下工作;
- 上述員工由入職至2007年1月每月工資澳門幣2700元,另有賽事津貼每晚澳門幣68元;2007年2月至2008年3月每月工資澳門幣2780元,另有賽事津貼每晚澳門幣88元;2008年4月至2010年6月,每月工資澳門幣3000元,另有賽事津貼每晚澳門幣98元;2010年7月至2011年6月每月工資澳門幣3090元,另有賽事津貼每晚澳門幣98元;2011年7月至2012年6月每月工資澳門幣3390元,另有賽事津貼每晚澳門幣98元;2012年7月至2013年6月每月工資澳門幣3490元,另有賽事津貼每晚澳門幣113元;2013年7月至2014年6月,每月工資奧門幣3590元,另有賽事津貼每晚澳門幣128元; 2014年7月至離職,每月工資澳門幣3690元,另有賽事津貼每晚澳門幣138元;
- 上述員工於2014年10月16日向勞工局作出投訴;
- 於在職期間,嫌疑人安排上述員工於每週的其中一個賽事日享受週假;
- 但嫌疑人同時安排上述員工於上述週假日晚上七時至十二時工作;
- 每周賽事日為星期一、二、四、六及日,而於每年之七月及八月,嫌疑人會增加星期三或星期五為賽事日;
- 除了每月工資及週假日當日的賽事津貼外,嫌疑人未向上述員工作出任何額外週假補償;
- 由2013年7月1日起,嫌疑人已安排上述員工享受全天周假;
- 嫌疑人在自由自願及有意識情況下,明知法律不容許而作出上述違例行為。
- 於在職期間,倘受害員工於賽事日晚上七時至十二時工作,則可額外獲得當日的賽事津貼;
- 在2013年7月1日之前,受害員工在賽事日的工作時間為上午七時至十時三十分、下午三時至五時及晚上七時至十二時;而在非賽事日的工作時間為上午七時三十分至十時三十分及下午三時至四時三十分;
- 在2013年7月1日之前,上述員工每週週假日的前一天也是賽事日,其也被安排於晚上七時至十二時工作。

Como a Ré já foi condenada por sentença fundada nesses factos e já transitada em julgado, importa saber agora que eficácia tem essa sentença, proferida num processo contravencional laboral, quanto à existência dos factos que integram os pressupostos da punição, na presente acção civil laboral em que são discutidos factos essencialmente idênticos.

Trata-se de uma questão de caso julgado, de conhecimento oficioso – artº 413º/-j) e 414º do CPC, ex vi do artº 65º do CPT.

Ora, ao processo contravencional aplicam-se as disposições relativas ao processo por crime em tudo o que o regime dessa forma processual especial não dispuser diferentemente – artº 380º do CPP.

Ao contrário do que sucede com o código de 1929, o vigente CPP é omisso nesta matéria.

A propósito dos efeitos de uma sentença penal condenatória, já transitada em julgado, em processos não penais, o CPC dispõe no seu artº 578º que “a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção.”.

Trata-se de um redacção mitigada que teve origem no preceito do artº 153º do CPP de 1929, que reza:

“A condenação definitiva proferida na acção penal constituirá caso julgado, quanto à existência e qualificação do facto punível e quanto à determinação dos seus agentes, mesmo nas acções não penais em que se discutam direitos que dependam da existência da infracção.”

Ora, do artº 153º do CPP de 1929 resulta que a condenação definitiva no processo penal deveria impor-se eficácia erga-omnes quanto à comprovação dos factos, à determinação dos seus agentes e à sua qualificação desses factos como ilícito criminal.

Ao passo que a redacção do texto do artº 578º do CPC, inspirada naquele preceito do antigo CPP, mais suave, não faz mais do que reconhecer a uma sentença penal condenatória transitada em julgado a força probatória da presunção juris tantum dos factos já comprovados no processo da condenação penal, quando invocados em processos civis contra terceiros, entendidos como tais aqueles que não tiveram oportunidades de intervir no processo penal a exercer o contraditório.

Portanto, o artº 578º do CPC não resolve, pelo menos directamente, a questão que estamos a enfrentar, que é a de saber se uma sentença penal condenatória transitada em julgada constitui caso julgado material em relação aos indivíduos que tenham sido sujeitos processuais no processo de condenação, ou seja, mais concretamente falando, a questão de saber se a decisão da matéria de facto proferida na sentença condenatória penal vincula o Tribunal numa acção civil posterior instaurada contra o individuo já condenado por aquela sentença penal?

Cremos que se trata de uma questão que se prende com a eficácia e o alcance do caso julgado material.

Como requisitos do caso julgado material, a lei exige a verificação das ditas triplas identidades, ou seja, a identidade quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir – artº 417º/1 do CPC.

Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica – artº 417º/2 do CPC.

Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico – artº 417º/3 do CPC.

Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, considerando-se como causa de pedir nas acções reais o facto jurídico de que deriva o direito real e, nas acções constitutivas e de anulação, o facto concreto ou a nulidade específica que a parte invoca para obter o efeito pretendido – artº 417º/4 do CPC.

In casu, ao intentar a presente acção civil laboral, o Autor invocou como causa de pedir a não remuneração do trabalho por ele prestado nos descansos semanais num determinado intervalo de tempo e a condenação da Ré, ora recorrente, num processo contravencional laboral pelos factos essencialmente idênticos – cf. o artº 20º da p.i..

Visa-se portanto no processo contravencional laboral e na presente acção civil laboral a mesma situação de facto.

Assim, é de se dar por verificada a identidade quanto à causa de pedir.

Então quid juris em relação às restantes duas identidades?

Estando em jogo uma acção contravencional e outra civil, temos de aferir a verificação dessas duas identidades em termos hábeis, tendo em conta a diversidade intrínseca entre o direito e processo civil e o direito e processo penal, nomeadamente no que diz respeito à diversidade das consequências jurídicas dos mesmos factos, sob ponto de vista do direito penal e do direito civil.

Quanto à identidade subjectiva, logo verificamos que os protagonistas em ambos os processos, A e a B S.A.R.L., são os mesmos sob o aspecto físico e material.

Urge indagar se são os mesmos sob o aspecto jurídico.

Ora, o simples facto de o ora Autor ser no processo contravencional um mero interveniente processual (enquanto ofendido) e não um verdadeiro sujeito processual não prejudica a sua identidade.

Na verdade, apesar de o processo contravencional laboral a que se refere a matéria de facto assente tiver sido promovido por força do princípio da oficialidade pelo Ministério Público, e não pelo ora Autor, e nem este tiver sido admitido nele como assistente, simplesmente porque a lei não permite (artº 388º do CPP), o certo é que nem por isso o ora Autor deixa de ser o titular do bem jurídico que a lei laboral contravencional quis proteger com a punição (do não pagamento do preço do trabalho prestado), e o potencial beneficiário do arbitramento oficioso de indemnizações ao abrigo do disposto no artº 74º, ex vi do artº 380º, ambos do CPP, se for caso disso.

Já aqui na presente acção civil, o ora Autor é titular do invocado direito à compensação pelo trabalho de acordo com a relação controvertida por ele configurada.

E quer o bem jurídico de que é titular o ora Autor naquela acção contravencional, quer o seu direito à compensação aqui invocado, fundam-se nos mesmos factos materiais, que integram ao mesmo tempo o ilícito contravencional e o ilícito civil.

Portanto, cremos que há identidade subjectiva da parte activa em ambos os processos.

Em relação à Ré, ora recorrente, civilmente demandada na presente acção e arguida naquela acção contravencional, é indubitavelmente, sujeito processual passivo em ambos os litígios em que são discutidos os mesmos factos materiais, dado que em ambos os litígios, ela é o sujeito processual a quem se imputou a autoria desses factos.

Portanto, é de afirmar tranquilamente que se verifica in casu a identidade quanto aos sujeitos.

Passemos então à identidade quanto ao pedido.

Tal como sucede com a identidade quanto aos sujeitos, temos de aferir a identidade quanto ao pedido com a certa habilidade, dadas as diferenças existentes entre um processo contravencional e um processo civil.

Um processo contravencional, quando procedente, culmina na condenação do arguido na pena, pecuniária ou privativa de liberdade até 6 meses – artºs 123º e s.s. do CP.

Ao passo que numa acção civil declaratória de condenação, quando procedente, o réu é condenado a realizar uma prestação a favor do autor.

Se ambos os tipos de litígios, contravencional e civil, têm por objecto/causa de pedir factos idênticos ou pelo menos essencialmente idênticos, quer a condenação contravencional quer a condenação civil, embora determinantes das consequências jurídicas diferentes, uma de acordo com o direito contravencional e outra com o direito civil, está a igualmente emitir um mesmo juízo de censura da conduta do arguido/réu, que integra ao mesmo tempo tanto um ilícito contravencional como um ilícito civil.

Dai que, in casu, a diversidade de providências requeridas pelo Ministério Público no processo contravencional e pelo Autor na acção civil não prejudica a identidade quanto ao pedido entre aquele processo contravencional e a presente acção civil.

Pois em ambos os processos é peticionado um mesmo juízo de censura, do qual derivam consequências diversas consoante a natureza do ramo de direito que visa concretizar cada um desses processos.

Verificadas que sejam as triplas identidades, a sentença naquele processo contravencional laboral constitui caso julgado material em relação à Ré.

Passemos então a debruçarmo-nos sobre a questão consistente em saber se a decisão da matéria de facto contida na sentença condenatória proferida no processo contravencional n.º LB1-15-0013-LCT (ora constante das fls. 182 a 185 dos p. autos), em que é arguida a ora Ré, vincula o Tribunal civil a quo na presente acção civil quanto à existência dos factos em relação à Ré?

A propósito da eficácia do caso julgado material, o artº 574º/1 do CPC dispõe que transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 416.º e seguintes, …….

Segundo o Douto ensinamento do Saudoso Prof. Antunes Varela, a eficácia do caso julgado material apenas cobre a decisão contida na parte final da sentença, ou seja, a resposta injuntiva do tribunal à pretensão do autor ou do réu, concretizada no pedido ou reconvenção e limitada através da respectiva causa de pedir – in Manual de Processo Civil, 2ª ed. pág. 714.

Para a interpretação da decisão final, diz o mesmo Mestre que embora se aceite que a eficácia do caso julgado não se estende aos motivos da decisão, é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado – ipidem, pág. 715.

Portanto, para o mesmo Mestre, os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final – ipidem, pág. 716.

Aplicando-se esses Doutos ensinamentos ao caso sub judice, entendemos que os factos provados nos fundamentos da sentença proferida naquele processo contravencional laboral ficam cobertos pela eficácia do caso julgado, uma vez que, ao se vincular aos factos provados na sentença contravencional laboral e se servir dos mesmos para condenar civilmente a ora Ré através da emissão do juízo de censura em relação à Ré por ter agido como agiu (não pagamento do trabalho prestado pelo Autor), a censura extraída dos mesmos factos não difere, sob ponto de vista jurídico, daquele juízo de censura contido naquela sentença contravencional.

Portanto, temos que os factos provados naquele processo contravencional são oponíveis à Ré na presente acção civil.

Se não se entendesse assim, não se compreenderia como é que uma decisão judicial fundada nos factos já validamente comprovados num processo anterior pudesse vir a ser posteriormente contraditada por um tribunal da mesma ou diversa jurisdição, de modo a comprometer, de forma inaceitável, os princípios fundamentais da segurança e certeza jurídicas e de ne bis in idem.

Voltando à questão de mérito no caso em apreço, a matéria de facto contida na sentença condenatória proferida no processo contravencional n.º LB1-15-0013-LCT que nos vincula por razões e nos termos supra, contém de per si já factos suficientes para sustentar a condenação nos termos em que condenou o Tribunal a quo.

Pois ai é tido por assente que:

- 受害員工A,持編號為1XXXXX8(4)之澳門永久性居民身份證,居住於澳門XX花園第XX座XX樓XX,電話:6XXXXX47,於2004年7月14日至2014年10月5日期間受僱於嫌疑人,職位為XX;
- 上述員工在聽從嫌疑人的工作指令、指揮及領導下工作;
- 上述員工由入職至2007年1月每月工資澳門幣2700元,另有賽事津貼每晚澳門幣68元;2007年2月至2008年3月每月工資澳門幣2780元,另有賽事津貼每晚澳門幣88元;2008年4月至2010年6月,每月工資澳門幣3000元,另有賽事津貼每晚澳門幣98元;2010年7月至2011年6月每月工資澳門幣3090元,另有賽事津貼每晚澳門幣98元;2011年7月至2012年6月每月工資澳門幣3390元,另有賽事津貼每晚澳門幣98元;2012年7月至2013年6月每月工資澳門幣3490元,另有賽事津貼每晚澳門幣113元;2013年7月至2014年6月,每月工資奧門幣3590元,另有賽事津貼每晚澳門幣128元; 2014年7月至離職,每月工資澳門幣3690元,另有賽事津貼每晚澳門幣138元;
- 上述員工於2014年10月16日向勞工局作出投訴;
- 於在職期間,嫌疑人安排上述員工於每週的其中一個賽事日享受週假;
- 但嫌疑人同時安排上述員工於上述週假日晚上七時至十二時工作;
- 每周賽事日為星期一、二、四、六及日,而於每年之七月及八月,嫌疑人會增加星期三或星期五為賽事日;
- 除了每月工資及週假日當日的賽事津貼外,嫌疑人未向上述員工作出任何額外週假補償;
- 由2013年7月1日起,嫌疑人已安排上述員工享受全天周假;
- 嫌疑人在自由自願及有意識情況下,明知法律不容許而作出上述違例行為。
- 於在職期間,倘受害員工於賽事日晚上七時至十二時工作,則可額外獲得當日的賽事津貼;
- 在2013年7月1日之前,受害員工在賽事日的工作時間為上午七時至十時三十分、下午三時至五時及晚上七時至十二時;而在非賽事日的工作時間為上午七時三十分至十時三十分及下午三時至四時三十分;
- 在2013年7月1日之前,上述員工每週週假日的前一天也是賽事日,其也被安排於晚上七時至十二時工作。

O que bem demonstra não só a não remuneração pela Ré do trabalho prestado pelo Autor nos dias de descanso semanal, desde o início da relação de trabalho até ao fim do mês de Julho de 2013, como também a não compensação pecuniária pela Ré dos dias compensatórios que o Autor não gozou.

Não há portanto erro de julgamento.

Assim, sem necessidade de nos deixar orientados pelos argumentos deduzidos pela ora recorrente, que invocou em síntese o erro de julgamento por falta de matéria fáctica e na simples circunstância de não ficar provada matéria vertida em determinados pontos da base instrutória, cremos que a eficácia do caso julgado material formado no processo contravencional nº LB1-15-0013-LCT já nos habilita a confirmar na íntegra a sentença ora recorrida.


Em conclusão:

A condenação definitiva proferida na acção penal ou contravencional constitui caso julgado material, em relação ao arguido, quanto à existência dos factos que integram os pressupostos de punição penal ou contravencional, nas acções não penais em que o arguido é demandado e se discutam direitos que dependam da existência do ilícito penal ou contravencional.


Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam negar provimento ao recurso, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pela Ré recorrente.

Registe e notifique.

RAEM, 17MAIO2018
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng

1 Cf., neste preciso sentido, Acórdão do TUI de 27 de Fevereiro de 2008, onde, avaliando uma situação semelhante envolvendo a aqui Ré nos presentes autos, afirma: «…tem razão a Ré ao dizer que o autor já recebeu o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, pelo que, agora, só tem direito a outro tanto, e não ao dobro, como se decidiu no Acórdão recorrido, que não explica, aliás, porque não levou em conta o salário já pago. É que está em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, mas o autor foi pago já em singelo.» Temos conhecimento do sentido adoptado a este respeito pelo Tribunal de Segunda Instância, nomeadamente, no Acórdão tirado nos autos de Processo 138/2011, com o qual, no entanto, sempre salvaguardando o seu douto entendimento, não concordamos.
2 Cremos, sempre salvaguardando opinião contrária, que a previsão constante do art. 43.º, n.º 2, 1) da Lei 7/2008, de 18/8/2008, traduz uma clarificação muito relevante a este respeito, tornando mais clara ainda a orientação legislativa, no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base; não seria muito compreensível, num território que se aproxima paulatinamente de novos padrões normativos, que, nesta matéria, sinalizasse um retrocesso tão drástico relativamente ao diploma anterior.
3 Com pertinência também para este caso, a jurisprudência do Acórdão do Tribunal de Última Instância no processo n.º 69/2010 de 02.03.2011.
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Ac. 883/2016-22