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Processo n.º 75/2018
(Recurso em matéria cível)

Data: 19 de Abril de 2018

ASSUNTOS:

- Casamento segundo os usos e costumes chineses
- Certidão negativa de casamento
- Casamento não registado


SUMÁRIO:

I – Todos os elementos fácticos e probatórios dos autos apontam para a existência de “casamento”, ou seja, o Autor chegou a casar-se com a Ré segundo os usos e costumes chineses, só que tal casamento não se encontra registado na competente Conservatória, nos termos do artigo 5º do DL nº 59/99/M, de 18 de Outubro, que aprovou o Código do Registo Civil (CRC) de então.

II - Como regra a invocabilidade do casamento depende de registo (artigos 1523º, 1526º e 1530º do CCM, correspondentes aos artigos 1651º, 1654º e 1669º do CC de 1966) (artigo 2º do CRC), se se quisesse obter os efeitos próprios e directos decorrentes do regime de casamento, então teria de registar o casamento. Mas os interessados podem optar por não pedir o respectivo registo.

III – Perante uma certidão negativa de casamento, veio ainda o Autor a pedir, para fins diversos, que o tribunal declarasse que ele não se tivesse casado com a Ré, só que nos autos se encontram juntos vários elementos que apontam para o sentido contrário, tais como:
- Anúncio de matrimónio publicado no Jornal Va Kio, de 21/03/1984 (fls. 55), em que são mencionados os nomes do Autor e da Ré como nubentes;
- Convites dirigidos aos amigos e familiares para o jantar do casamento do Autor e da Ré, que teve lugar em 07/06/1983 (fls. 41);
- Nasceram 4 filhos no período de 1984 a 1992, que estão registados como filhos do Autor e da Ré conforme os assentos de nascimentos de fls. 34 a 37;
- Fotografia tirada na cerimónia de casamento à luz dos usos e costumes chineses (fls. 39);
Elementos estes a que o Tribunal não pode fechar os olhos à luz do comando legislativo do artigo 436º do CPC.

III – A realidade fáctica nem sempre coincide com a jurídica. O princípio da boa fé (artigo 9º do CPC) manda que as partes não devem formular pedidos ilegais, nem articular factos contrários à verdade. Perante o quadro fáctico acima desenhado, em conjugação com os padrões legais aplicáveis, o pedido do Autor está condenado à improcedência.

     
O Relator,

________________
Fong Man Chong













Processo n.º 75/2018
(Recurso em matéria cível)
Data : 19/Abril/2018

Recorrente : A (Autor)

Recorrida : B (Ré)
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    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    I - RELATÓRIO
A, Recorrente nos presentes autos (Autor na primeira instância), propôs em 27/04/2016 e junto do TJB acção declarativa sob forma ordinária (FM1-16-0016-CAO), formulando os seguintes pedidos:
a) Se declare que o Autor e a Ré não realizaram nem participaram na cerimónia de casamento efectuada no dia 7 de Junho de 1983, pelas 19:00 da tarde, na fracção 240 do 3º andar do Edifício XXXX, declara a falsificação do documento “龍鳳” relatado no artigo 6º, o documento não produz os efeitos jurídicos desde o início até agora;
b) Declarar que não existe a relação matrimonial de qualquer forma ou de qualquer sentido entre o Autor e a Ré;
c) Para efeitos de actos de registo civil ou para fins de identificação, quaisquer autoridades administrativas devem reconhecer a inexistência da relação matrimonial entre o Autor e a Ré.
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Por sentença de 13/09/2017 a acção foi julgada improcedente. Com o decidido não se conformando, veio o Autor em 28/09/2017 interpor para este TSI o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. 被告在獲傳喚後沒有提出答辯,因此,按照《民事訴訟法典》第405條第l款、409條第1款、第410條第1款及第2款之規定,應視為其承認上訴人在起訴狀中分條縷述的全部事實。
2. 除應有尊重外,上訴人認為原審法院基於認為欠缺證據證明上訴人與被告之間的婚姻狀況因而裁定上訴人提出的訴訟理由不成立之決定違反了上條所述的法律規定,應予撤銷,並改判批准上訴人提出的全部請求。
3. 倘不認同上述,上訴人仍認為本案中至少關於“上訴人與被告沒有在澳門或其他地方登記結婚”之消極性事實應視為獲得證實。
4. 根據《民法典》第336條第1款之規定,證明“上訴人與被告沒有在澳門或其他地方登記結婚”此一消極事實的舉證責任應在於被告一方。
5. 原審法院在對事實事宜之裁判中指出載於卷宗第7頁的無婚姻登記證明僅為影印本文件,因此無法證明任何事實。然而,由於被告對於起訴狀所主張的消極事實負有舉證責任,而被告在獲傳喚後沒有依法提出答辯和爭執,因此,關於“上訴人與被告沒有在澳門或其他地方登記結婚”之事實在本案中應視為獲得證實。
6. 另一方面,被告在獲通知該影印本文件後,從來沒有依據《民事訴訟法典》第469條之規定對該文件的真實性提出爭執。再者,原審法院亦沒有依據《民事訴訟法典》第454條配合第6條第3款之規定,命令上訴人在指定期間內向卷宗提交該證明文件的正本。
7. 這樣,除應有尊重外,上訴人認為原審法院不應以其僅提交了一份“無婚姻登記證明”之影印本文件而裁定起訴狀第12條所主張的事實不獲證實。
8. 在認定上訴人在起訴狀尤其第12條及第13條所述的事實(對應原審法院對事實事宜所作之裁判的第11及第12條未證事實)獲得證實的前提下,上訴人認為原審判決至少應裁定其於卷宗第62至63頁所提出追加的請求予以成立。
9. 根據卷宗資料見,身份證明局現時在認定上訴人與被告之間存在婚姻關條的前提下,結合上訴人曾與另一女子結婚的事實,從而將上訴人的婚姻狀況定性為“重婚”和“未經證實”。
10. 然而,根據《民事登記法典》第4條第1款之規定及第2款之反義解釋,上訴人認為不論其存於身份證明局個人檔案內的“龍鳳紙”是否真實,又或不論其與上訴人是否曾在1984年2月1日前進行以中國傳統習俗舉行的結婚儀式,身份證明局方面均不應認定上訴人與被告之間存在婚姻關係。
11. 為著解決上述疑問及不確定狀況,上訴人有權根據《民事訴訟法典》第1條及第11條第2款的項之規定,請求法院作出一宣告性裁判,以確認其與被告之間的婚姻狀況。
12. 綜合上述,上訴人認為原審法院裁定基於欠缺證據證明上訴人與被告之間的婚姻狀況因而裁定上訴人提出的訴訟理由不成立之決定違反了《民法典》第336條第1款、《民事訴訟法典》第469條、第454條配合第6條第3款以及《民事登記法典》第4條第1款及第2款之規定,應予撤銷,並改判批准上訴人提出的全部請求,或僅批准上訴人於卷宗第62至63頁所提出追加的請求。
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B, Recorrida nos presentes autos (Ré na primeira instância) não apresentou contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes, conforme o que está consignado na douta sentença recorrida:
     1. O Autor nasceu em Tong Kun e a Ré em Ng Chao, ambos na China Continental;
     2. O Autor é titular do Bilhete de Identidade de Macau desde o dia 28 de Fevereiro de 1981;
     3. Em 05.03.1984 nasceu C filho do Autor e da Ré;
     4. Autor e Ré viveram juntos como marido e mulher;
     5. Em data não apurada Autor e Ré deixaram de viver juntos como marido e mulher.
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Além disso, são atendidos igualmente, ao abrigo do disposto no artigo 629º/1-a) e 2-última parte do CPC, os seguintes elementos que são relevantes para a boa decisão da causa:
- Anúncio de matrimónio publicado no Jornal Va Kio, de 21/03/1984 (fls. 55), em que são mencionados os nomes do Autor e da Ré como nubentes;
- Convites dirigidos aos amigos e familiares para o jantar do casamento do Autor e da Ré, que teve lugar em 07/06/1983 (fls. 41);
- Nasceram 4 filhos no período de 1984 a 1992, que estão registados como filhos do Autor e da Ré conforme os assentos de nascimentos de fls. 34 a 37;
- Fotografia tirada na cerimónia de casamento à luz dos usos e costumes chineses (fls. 39).
* * *
    IV - FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância, importa ver o que o tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
“Vem o Autor pedir que se declare que entre si e a Ré nunca foi celebrado casamento algum.
Da prova produzida resulta demonstrado que Autor e Ré viveram juntos como marido e mulher até se separarem.
Não foi feita prova alguma de que Autor e Ré nunca contraíram casamento entre si seja em Macau, seja nos locais de onde são naturais.
Não se sabe nem resulta dos autos – pois não foi junta certidão alguma nesse sentido – que não haja registo de casamento entre o Autor e Ré na Conservatória do Registo Civil de Macau, e/ou que não haja registo de casamento no local de onde são naturais na China Continental.
Destarte, à mingua de prova sobre o estado civil do Autor e Ré, apenas se pode concluir pela improcedência da acção.
Nestes termos e pelos fundamentos julga-se a acção improcedente porque não provada e em consequência absolve-se a Ré do pedido.”
Quid Juris? As mesmas questões são colocadas agora a este TSI.
Compulsados os elementos juntos aos autos, verifica-se que efectivamente com a P.I. foi junta uma fotocópia da certidão negativa de registo de casamento do Autor, relativamente à qual o Colectivo, em sede de julgamento de factos, emitiu o seguinte juízo:
“O documento de fls. 7 suposta certidão negativa de casamento na Conservatória do Registo Civil é mera fotocópia pelo que nada prova.”
Esta conclusão não merece censura, atendendo a todas as circunstâncias concretas na altura em que foi formada a convicção, pois, pergunta-se, porque é que o Sr. patrono do Autor não juntou OPORTUNAMENTE o original da certidão aos autos? Só veio a fazê-lo em sede de recurso com a apresentação das alegações!! (fls. 142). E, esta certidão nova foi emitida em 22/09/2017!
Conforme o teor desta certidão, efectivamente inexiste nenhum registo de casamento em nome do Autor! Mas isso não permite concluir que o Autor não chegou a casar-se com a Ré.
O pedido do Autor, nos termos em que o mesmo está formulado, ele está condenado ao fracasso, em face dos elementos juntos autos, nomeadamente os seguintes:
- Anúncio de matrimónio publicado no Jornal Va Kio, de 21/03/1984 (fls. 55), em que são mencionados os nomes do Autor e da Ré como nubentes;
- Convites dirigidos aos amigos e familiares para o jantar do casamento do Autor e da Ré, que teve lugar em 07/06/1983 (fls. 41);
- Nasceram 4 filhos no período de 1984 a 1992, que estão registados como filhos do Autor e da Ré conforme os assentos de nascimentos de fls. 34 a 37;
- Fotografia tirada na cerimónia de casamento à luz dos usos e costumes chineses (fls. 39).
Todos estes elementos têm de ser ponderados e valorados nos termos do disposto no artigo 436º (princípio da aquisição processual) do CPC, que manda:
“O Tribunal deve tomar em consideração todas as provas realizadas no processo, mesmo que não tenham sido apresentadas, requeridas ou produzidas pela parte onerada com a prova, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por um certo interessado.”
Sendo certo que a Ré não interveio, desde início, no processo, nem contestou a acção, nem apresentou contra-alegações do recurso, mas nem por isso que os factos alegados pelo Autor são considerados provados por confissão, visto que os factos alegados pelo Autor são factos fundantes do estado civil de uma pessoa, portanto, são matérias indisponíveis, motivo que determina o não funcionamento da regra da confissão dos factos (artigos 405º e 406º do CPC).
Por outro lado, conforme o teor de fls. 121, acta de audiência de julgamento, momento em que o Tribunal leu a decisão sobre a matéria de facto, o patrono do Autor não deduziu nenhuma reclamação contra as respostas do Tribunal Colectivo, o que dá origem ao caso julgado formal.
Nesta sede de recurso, o Tribunal ad quem também não vai alterar a matéria de facto, por desnecessária e inútil, por o Autor não vir impugná-la expressamente, o que ele vem a fazer é tentar “impor” uma versão fáctica que lhe interessa, obviamente não vence esta posição.
Todos os elementos fácticos e probatórios apontam para a existência de “casamento”, ou seja, o Autor chegou a casar-se com a Ré segundo os usos e costumes chineses, mas não chegou a registar o seu casamento junto da competente Conservatória, nos termos do artigo 5º do DL nº 59/99/M, de 18 de Outubro, que aprovou o Código do Registo Civil (CRC).
Isto é um dado assente, à luz das provas juntas aos autos.
Dito doutra forma, existe um casamento de facto, susceptíveis de produzir alguns efeitos.
Será legal que o Tribunal, com base na informação acima mencionada, declare que o Autor não chegou a celebrar nenhum casamento com a Ré na data indicada na PI?
A verdade não é aquela que é querida pelo Autor.
Por outro lado, de sublinhar o seguinte:
1) – Para os casamentos realizados segundo os usos e costumes chineses, até 1 de Maio de 1987, data em que entrou em vigor o Código do Registo Civil (CRC), aprovado pelo DL nº 14/87/M, de 16 de Março, o legislador não consagra nenhuma sanção para os nubentes, se estes não registassem o respectivo casamento, o que significa que o registo depende da iniciativa dos interessados e da autorização do conservador.
2) – Nestes termos, este tipo de casamento não se enquadra no artigo 1523º do CC de Macau (nem no artigo 1651º do CC de 1966), pois tal não foi realizado perante funcionário competente.
3) – Como regra a invocabilidade do casamento depende de registo (artigos 1523º, 1526º e 1530º do CCM, correspondentes aos artigos 1651º, 1654º e 1669º do CC de 1966) (artigo 2º do CRC), se se quisesse obter os efeitos próprios e directos decorrentes do regime de casamento, então teria de registar o casamento. Mas os interessados podem optar por não pedir o respectivo registo.
4) – Por outro lado, não se deve confundir duas coisas: uma é a realidade fáctica, referindo-se aquilo que efectivamente ocorreu no mundo físico, que é o casamento realizado no caso dos autos; outra será a realidade jurídica, referente aquilo que o Direito olha e perspectiva determinado dado verificado no mundo físico; no caso, será o que consta da certidão de casamento. Nem sempre coincidem estas duas realidades. Se for caso disso, quem invoca os factos, há-de tomar cautelas, porque o artigo 9º (princípio da boa fé) do CPC manda:
     1. As partes devem agir de acordo com os ditames da boa fé.
     2. As partes não devem, designadamente, formular pedidos ilegais, articular factos contrários à verdade, requerer diligências meramente dilatórias e omitir a cooperação preceituada no artigo anterior.
Vistas as coisas noutra perspectiva ainda, fazendo apelo ao artigo 1653º do CC de 1966, situando-se no período em que nasceram os 4 filhos, relativamente ao Autor e à Ré existia um estado de casado presuntivo tal como previa o artigo citado (prova do casamento para efeitos de registo) que tinha o seguinte teor:
     1. Na acção judicial proposta para suprir a omissão ou perda do registo do casamento presume-se a existência deste, sempre que as pessoas vivam ou tenham vivido na posse do estado de casado.
     2. Existe posse de estado quando se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições:
     a) Viverem as pessoas como casadas;
     b) Serem reputadas como tais nas relações sociais, especialmente nas respectivas famílias.
Apesar de este artigo não regular a situação dos autos, mas não deixa de espelhar os sinais que o legislador manda atender para avaliar o estado de casado das pessoas.
Resumindo e concluindo, é supérfluo realçar que as provas têm de valoradas globalmente, e não isoladamente, sob pena de causar injustiça do caso.
Pelo que, tendo conta as provas produzidas perante o Tribunal a quo e os elementos juntos aos autos, única coisa que este Tribunal de recurso pode fazer é declarar que não existe nenhum registo do casamento do Autor, tal como resulta do teor da certidão negativa emitida pela competente conservatória.
Quanto aos demais pedidos, não podem proceder visto que contrariam as provas produzidas e juntas nos autos.
Tudo visto, resta decidir
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    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão da primeira instância.
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Custas pelo Recorrente (Autor).
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Registe e Notifique.
                 RAEM, 19 de Abril de 2018.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
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