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Processo n.º 35/2018
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Companhia de Géneros Alimentícios Congelados Macau, Limitada
Recorrido: Secretário para os Transportes e Obras Públicas
Data da conferência: 15 de Junho de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Despejo do terreno
- Fundamentação do acto administrativo
- Audiência prévia do interessado

SUMÁRIO
1. Nos termos dos art.ºs 114.º e 115.º do Código de Procedimento Administrativo, a Administração deve fundamentar os seus actos administrativos, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
2. A fundamentação do acto administrativo deve permitir a um destinatário normal reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo do autor do mesmo acto.
3. Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 93.º do Código de Procedimento Administrativo, a audiência prévia do interessado tem lugar após a conclusão da instrução do procedimento administrativo.
4. Com a declaração de caducidade da concessão, há de proceder ao despejo do terreno que tem sido ocupado pelo concessionário, desocupação esta que é uma decorrência normal e necessária daquela decisão.
5. Depois da declaração de caducidade da concessão, normalmente não há necessidade de proceder novamente à instrução nem à audiência do interessado antes da decisão de despejo.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A Companhia de Géneros Alimentícios Congelados Macau, Limitada, melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 14 de Julho de 2016, que ordenou a desocupação do terreno situado na Estrada Marginal da Ilha Verde, com a área de 4 400m², na península de Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 21954, a fls. 22 do Livro B111, cujo contrato de concessão por arrendamento tinha sido declarado caducado por despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 21 de Março de 2016.
Por Acórdão proferido em 30 de Novembro de 2017, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso.
Inconformada com a decisão, vem agora a Companhia de Géneros Alimentícios Congelados Macau, Limitada recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A. O acto recorrido deve fundamentar-se nos termos do art.º 114.º do Código de Procedimento Administrativo.
B. As autoridades administrativas devem proceder ao despejo nos termos da Lei de Terras e Decreto-Lei n.º 79/85/M, mas quanto à norma de fixação do prazo, a recorrente entende que o prazo de 45 dias, previsto no art.º 55.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 79/85/M, não é aplicável à parte de despejo na Lei de Terras.
C. De facto, ao fixar o prazo, as autoridades administrativas estão a exercer o poder discricionário, devem justificar porque se têm 60 dias como o prazo de despejo, mas no caso, as autoridades administrativas não justificam o critério.
D. Deste modo, a recorrente entende que o acto padece do vício da falta de fundamentação e deve ser anulado nos termos do art.º 124.º do Código de Procedimento Administrativo.
E. Outrossim, antes da prolação do acto recorrido, as autoridades administrativas devem investigar a situação efectiva actual do terreno, por exemplo, se haja qualquer objecto e equipamento no terreno, de forma a decidir se solicita ou não à concessionária desalojar-se e fixa o prazo de desalojamento. O acto recorrido não é meramente um acto executivo, mas um acto administrativo.
F. Nos termos do art.º 93.º do Código de Procedimento Administrativo, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final.
G. Porém, não foi realizada audiência à recorrente antes da prolação do acto recorrido – decisão de despejo.
H. No caso, não há situação prevista nos art.º 96.º e 97.º do Código de Procedimento Administrativo para não realizar ou dispensar os interessados da audiência.
I. Em face da não realização da audiência, o acto recorrido deve ser anulado nos termos do art.º 124.º do Código de Procedimento Administrativo.

Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que não enferma o acto administrativo impugnado dos vícios que lhe são assacados, pelo que deve ser negado provimento ao recurso.
E o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, pugnando pela improcedência do recurso jurisdicional.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos
Nos autos dão-se como provados os seguintes factos:
1 - No dia 21/03/2016 o Chefe do Executivo da RAEM declarou a caducidade do terreno concedido à ora recorrente com a área de 4 440 m2, sito na península de Macau, na Estrada Marginal da Ilha Verde, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 21954 a fls. 22, do livro B111, no âmbito do Processo n.º 12/2016 da Comissão de Terras com fundamento no decurso do prazo geral da concessão, que terminava em 17/05/2015.
2 - No dia 11/07/2016, foi emitida a Proposta n.º 283/DSODEP/2016, com o seguinte teor:
«Assunto: Respeitante ao despejo do terreno dado que foi declarada a caducidade da respectiva concessão, por despacho do Chefe do Executivo de 21 de Março de 2016. (Proc. n.º 904.03)
Proposta n.º: 283/DSODEP/2016
Data: 11/07/2016
1. De acordo com o Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 20 de Maio de 2016, exarado na Proposta n.º 187/DSODEP/2016, “aguarda pela notificação à concessionária da declaração da caducidade”, assim, só se pode proceder ao seguimento de despejo do terreno quando a concessionária ter recebido a respectiva notificação. (anexo 1)
2. Em 12 de Maio de 2016, a concessionária «Companhia de Géneros Alimentícios Congelados Macau, Limitada» e o credor hipotecário «Banco Tai Fung, S.A.», receberam as notificações da declaração da caducidade da concessão do terreno com a área de 4440 m2, situado na península de Macau, na Estrada Marginal da Ilha Verde. Entretanto, foi publicada no Boletim Oficial a declaração da caducidade. Assim sendo, actualmente, estão reunidas as condições para acompanhar o despejo do terreno por parte da concessionária. (anexo 2)
3. Pelo Despacho do Chefe do Executivo, de 21 de Março de 2016, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 4440 m2, situado na península de Macau, na Estrada Marginal da Ilha Verde, descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o n.º 21 954 a fls. 22 do livro B111, a que se refere o Processo n.º 12/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 3 de Março de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho.
4. A declaração de caducidade da concessão acima referida foi publicada, por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 24/2016, no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 18, II Série, de 4 de Maio de 2016, e que foram notificadas à concessionária «Companhia de Géneros Alimentícios Congelados Macau, Limitada» e ao credor hipotecário «Banco Tai Fung, S.A.», respectivamente, através dos ofícios n.ºs 200/DAT/2016 e 201/DAT/2016 de 6 de Maio de 2016.
5. Enfrentando o seguimento da caducidade de concessão, deve se considerar o seguinte:
5.1. Nos termos do artigo 117.º e do n.º 1 do artigo 136.º do «Código do Procedimento Administrativo» (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M de 11 de Outubro, o acto administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado e é executório logo que eficaz, não obstando à perfeição do mesmo por qualquer motivo determinante de anulabilidade, salvo os actos previstos no artigo 137.º do mesmo Código;
5.2. Por outro lado, ao abrigo das disposições do artigo 22.º do CPAC, o recurso contencioso não tem efeito suspensivo da eficácia do acto recorrido;
5.3. Assim sendo, quer os interessados em apreço interponham o recurso contencioso quer não, o acto administrativo feito pelo Chefe do Executivo pode ser executado;
5.4. Então, de acordo com a alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei n.º 10/2013 «Lei de terras» e com o artigo 55.º do Decreto-Lei 79/85/M «Regulamento Geral da Construção Urbana»1 (RGCU), o Chefe do Executivo pode ordenar no prazo determinado, o despejo da concessionária do terreno cuja concessão foi declarada caduca;
5.5. Além disso, quando a concessionária não abandone o terreno no prazo determinado, o referido despejo pode ser realizado pela DSSOPT segundo o artigo 56.º do RGCU.
5.6. Os objectos, materiais e equipamentos abandonados no terreno serão tratados de acordo com as disposições do artigo 210.º da «Lei de terras».
6. Em face do exposto, em conformidade com a alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da «Lei de terras» e com os artigos 55.º e 56.º do RGCU, submete-se a presente proposta à consideração da V. Ex.ª, a fim de:
6.1. Ordenar, no prazo de 60 dias a contar da data da notificação, o despejo da concessionária «Companhia de Géneros Alimentícios Congelados Macau, Limitada» do terreno com a área de 4 440 m2, situado na península de Macau, na Estrada Marginal da Ilha Verde, descrito na CRP sob o n.º 21 954 a fls. 22 do livro B111, uma vez que foi declarada a caducidade da respectiva concessão por despacho do Chefe do Executivo de 21 de Março de 2016;
Caso não se execute no prazo de 60 dias,
6.2. Executar coercivamente o despejo de acordo com o artigo 56.º do RGCU.
À consideração superior.
O Técnico Superior,
Ip Kong Fok»
3 - O Subdirector propôs que fosse dado seguimento à referida proposta, no que foi acompanhado pelo Director (fls. 8).
4 - O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, em 14/07/2016, proferiu o seguinte despacho:
“Concordo” (loc. cit.).

3. Direito
Invoca a recorrente os vício de falta de fundamentação do acto administrativo e de omissão de audiência prévia.
Não se nos afigura assistir razão à recorrente.

3.1. Falta de fundamentação
Na óptica da recorrente, o prazo de 45 dias, fixado no art.º 55.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 79/85/M, não é aplicável ao despejo previsto na Lei de Terras, devendo justificar o porquê de fixar 60 dias como o prazo de despejo, no cumprimento do dever de fundamentação imposto pelo art.º 114.º do CPA.
Ora, nos art.ºs 114.º e 115.º do CPA, a Administração deve fundamentar os seus actos administrativos, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
A fundamentação do acto administrativo deve permitir a um destinatário normal reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo do autor do mesmo acto.
No caso ora em apreciação, cremos que o acto impugnado está devidamente fundamentado, permitindo aos destinatários perceber a sua racionalidade.
Na realidade, não obstante se constar do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 14/07/2016, apenas “Concordo”, certo é que tal expressão remete a fundamentação do acto para os fundamentos expostos na Proposta n.º 283/DSODEP/2016, de 11 de Julho de 2016, fazendo esta proposta como parte integrante do respectivo acto, o que é legalmente permitido nos termos do n.º 1 do art.º 115.º do CPA.
No que concerne ao despejo do terreno, determinado em consequência da declaração de caducidade do contrato de concessão do mesmo, estabelece o n.º 2 do art.º 179.º da Lei de Terras que “O despejo processa-se nos termos e com as necessárias adaptações do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto”.
Por seu turno, dispõe o n.º 2 do art.º 55.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M que o despejo será efectuado administrativamente, no prazo de 45 dias a contar da respectiva notificação.
Alega a recorrente que tal prazo não é aplicável ao despejo previsto na Lei de Terras, sem que no entanto explicado concretamente o seu entendimento.
Afigura-se-nos que, face à remissão feita pelo n.º 2 do art.º 179.º da Lei de Terras, o prazo de 45 dias aplica-se ao despejo a processar na sequência da declaração de caducidade da concessão do terreno.
Relativamente à invocada falta de fundamentação quanto à fixação de 60 dias para desocupação do terreno, tivemos já oportunidade para se pronunciar sobre a questão, fazendo consignar o seguinte:2
“A questão do prazo para a desocupação não tem substância. A lei (n.º 2 do artigo 55.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, aplicável por força do n.º 2 do artigo 179.º da Lei de Terras) prevê que seja concedido um prazo de 45 dias para se efectivar o despejo. Foi concedido à recorrente um prazo de 60 dias. À primeira vista, este prazo só poderia ser impugnado por quem entendesse que o prazo a fixar deveria ter sido de 45 dias, o que não seria nunca o caso da recorrente, que foi beneficiada com o alargamento do prazo.
Por outro lado, também não se vislumbra muito bem que tipo de fundamentação é que seria adequada para dizer que o prazo para a desocupação é de 60 dias e não de 45 ou 65 dias.
……
Não há qualquer poder discricionário na determinação da desocupação do terreno, após declaração de caducidade, e na fixação do prazo que, legalmente, é de 45 dias.
Mas ainda que assim não fosse, dizendo a lei que o prazo de desocupação do terreno é de 45 dias como é que se pode defender que é completamente desrazoável a fixação de um prazo de 60 dias para tal, sem se ter despendido uma palavra a explicar porque é que a desocupação não pode ter lugar neste prazo?”
Na manutenção de tal entendimento, é de concluir pela sem razão da recorrente, não se vislumbrando a verificação do vício de falta de fundamentação.

3.2. Audiência prévia do interessado
Imputa ainda a recorrente a violação do art.º 93.º do CPA, alegando que não foi ouvida antes de a Administração tomar a decisão de despejo, sendo que os interessados têm o direito de audiência prévia no procedimento administrativo antes de ser tomada a decisão final.
Ora, é verdade que não se procedeu à audiência da recorrente.
No entanto, a audiência prévia da recorrente antes da decisão de despejo não configura uma formalidade essencial e necessária.
Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 93.º do CPA, “concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”.
A Administração deve, em princípio, ouvir os interessados depois da conclusão da instrução mas antes de tomada da decisão final, de modo a permitir-lhes apresentar a sua posição sobre a questão tratada no respectivo procedimento, participando assim na decisão da Administração que lhes diz respeito.
A audiência prévia do interessado tem lugar após a conclusão da instrução, o que permite dizer que só nos casos em que haja lugar a instrução é que a lei manda ouvir os interessados antes da decisão final.
Rigorosamente, há sempre instrução, que faz parte de toda a marcha do procedimento administrativo, antes da declaração de caducidade da concessão do terreno, não já não depois dessa declaração e antes da decisão de despejo.
Na realidade, com a declaração de caducidade da concessão, há de proceder ao despejo do terreno que tem sido ocupado pelo concessionário, desocupação esta que é uma decorrência normal e necessária daquela decisão.
Assim sendo, não há necessidade de proceder novamente à instrução, o que torna desobrigatória a audiência dos interessados antes de ser tomada a decisão de despejo.
Sobre a mesma questão ora colocada, recentemente este Tribunal de Última Instância também já se pronunciou no seguinte sentido:3
“… o acto administrativo que afectou os direitos da recorrente foi o acto anterior, do Chefe do Executivo que declarou a caducidade do contrato de concessão do terreno em causa e este acto foi precedido de audiência da interessada, a ora recorrente.
O despejo do terreno é uma mera consequência inelutável do acto que declarou a caducidade do contrato de concessão do terreno, pelo que não tinha de haver nova audiência da interessada.
Nos termos do n.º 1 do artigo 93.º do CPA, concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
Ora, a interessada foi ouvida no procedimento antes da decisão final que declarou a caducidade da concessão.
Improcede a questão suscitada.”
Não é de alterar tal posição, pelo que se deve concluir pela improcedência do vício imputado pela recorrente.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com a taxa de justiça fixada em 7 UC.

Macau, 15 de Junho de 2018
                
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
                
1 Vide o n.º 2 do artigo 179.º da «Lei de terras».
2 Cfr. Acórdão do TUI, de 30 de Maio de 2018, no Processo n.º 42/2018.
3 Cfr. Acórdãos de 22 de Novembro de 2017 e de 30 de Maio de 2018, nos Processos n.º 39/2017 e n.º 42/2018.
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