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Processo n.º 44/2018. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorrida: B.
Assunto: Factos assentes. Base instrutória. Relevância de factos. Questão de direito. N.º 1 do artigo 430.º do Código de Processo Civil.
Data do Acórdão: 15 de Junho de 2018.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
É questão de direito, cujo poder de cognição cabe ao TUI, a relevância de factos alegados pelas partes para constarem dos factos assentes ou da base instrutória, nos termos do n.º 1 do artigo 430.º do Código de Processo Civil.

O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
B, intentou acção declarativa com processo ordinário contra A, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de HK$7.173.816,00 e juros de mora legais desde 27 de Junho de 2011.
A ré deduziu reconvenção.
A acção e a reconvenção foram julgadas improcedentes, com a absolvição das partes dos pedidos.
Recorreu a autora a título principal e a ré a título subordinado.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 18 de Janeiro de 2018, decidiu o seguinte:
- Determinou o aditamento aos factos assentes da matéria dos artigos 44.º a 49.º da réplica e à base instrutória da matéria do artigo 32.º da contestação, anulando a sentença, dando procedência ao recurso da autora e ao recurso da ré;
- Alterou o julgamento da matéria de facto quanto ao artigo 132.º da base instrutória, considerando “provado que as receitas da RAEM provenientes do jogo aumentaram 9,6% no ano de 2009 relativamente ao ano de 2008”, dando procedência ao recurso da ré;
- Julgou improcedente o recurso da ré na parte restante quanto ao julgamento da matéria de facto;
- Julgou prejudicado o conhecimento dos recursos da autora e ré quanto à sentença, na parte restante.
Recorre, agora, a ré para este Tribunal de Última Instância (TUI), pedindo a revogação do acórdão recorrido, na parte em que este determinou o aditamento aos factos assentes da matéria dos artigos 44.º a 49.º da réplica, suscitando as seguintes questões e/ou utilizando os seguintes argumentos:
- A matéria dos artigos 44.º a 49.º da réplica não estava provada documentalmente;
- A matéria dos artigos 45.º e 47.º da réplica é conclusiva, irrelevante para a decisão;
- A matéria dos artigos 44.º a 49.º da réplica não foi incluída na base instrutória pelo tribunal de 1.ª instância porque na réplica a autora não alterou ou ampliou a causa de pedir, além de que era irrelevante para a decisão.

II - Os Factos
Sendo irrelevante para a decisão do recurso os factos provados, limitamo-nos a remeter para o acórdão recorrido nesta parte.

III – O Direito
1. As questões a resolver
As questões a resolver são as suscitadas pela recorrente.
É pacífico ser questão de direito, cujo poder de cognição cabe ao TUI, a relevância de factos alegados pelas partes para constarem dos factos assentes ou da base instrutória, como este TUI tem entendido, entre outros, nos acórdãos de 23 de Maio de 2001, no Processo n.º 5/2001, de 19 de Outubro de 2005, no Processo n.º 18/2005 e de 17 de Outubro de 2012, no Processo n.º 52/2012.

2. Relevância de factos para a decisão da causa
A matéria dos artigos 44.º a 49.º da réplica não foi levada nem aos factos assentes nem à base instrutória pela Ex.ma Juíza de 1.ª Instância. No seu recurso para o TSI, a autora considerou que tal matéria devia constar da base instrutória. O acórdão recorrido considerou estes factos já provados. Ao que parece, porque tal matéria já resulta da lei e/ou já estava provada documentalmente.
Comecemos pela relevância desta matéria para a decisão da causa, requisito fundamental para a selecção dos factos, nos termos do n.º 1 do artigo 430.º do Código de Processo Civil.
Na petição, a autora, concessionária da exploração de jogos de fortuna e azar, alegou ter celebrado com a ré, sociedade que se dedica à promoção de jogos de fortuna e azar, um contrato de promoção de jogos de fortuna e azar na sala de jogo Club do Casino.
Mais alegou a autora, que, findo o contrato, a ré tinha para com ela uma dívida, a título de comissões negativas, resultantes de perdas no casino, no montante de HKD$7,026,443.00, bem como outras despesas menores relativas a bilhetes de viagem e quartos de hotel e telefone.
A ré contestou a interpretação de várias cláusulas do contrato, que não tinha qualquer obrigação de pagar seja o que fosse a título de prejuízos na sala de jogo, ou seja, a título de comissões negativas, acrescentando que mesmo que as partes tivessem acordado nesse sentido, esse acordo seria nulo.
A autora, aproveitando a circunstância de a ré ter alegado a nulidade de cláusula de contrato, a título subsidiário, que constitui excepção peremptória, veio replicar sobretudo sobre a interpretação que a ré fazia das cláusulas do contrato, muito para além da função permitida à réplica, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 420.º do Código de Processo Civil, produzindo verdadeiras alegações de direito. Não está qui em causa a resposta à reconvenção, para a qual a autora utilizou a réplica, de acordo com a lei.
Na sua contestação jurídica à contestação, após ter discursado longamente sobre a interpretação do contrato, totalmente contrária à interpretação da ré, acrescentou a autora que o contrato foi analisado pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos de Macau, com vista, certamente, a convencer o Tribunal da legalidade do contrato de promoção de jogo em causa.
Os artigos da réplica são os seguintes:
“44.º
Estes contratos são analisados e aprovados pelas próprias autoridades que supervisionam e regulam a indústria do jogo de Macau, a saber, a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos de Macau (“DICJ”).
Da mesma forma,
45.º
E como é sabido, a Autora, como concessionária de jogo, está sujeita a ter toda a sua actividade devidamente auditada pela DICJ,
46.º
Tendo as suas contas sido escrutinadas e auditadas pela referida entidade reguladora.
Na verdade,
47.º
Essa supervisão visa mesmo garantir e regular o normal funcionamento do sector no sentido de salvaguardar que cada um dos operadores age no limite da sua capacidade.
48.º
In casu, o presente contrato foi devidamente comunicado e escrutinado pela DICJ, como resulta do documento que ora se junta sob a designação de doc. 2, e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos. – DOC 2.
49.º
A DICJ até ao momento nunca levantou qualquer obstáculo ao teor do referido contrato, aceitando assim os seus termos para todos os efeitos legais”.

Esta matéria, em bom rigor, não tem interesse para a decisão da causa.
Saber se a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos de Macau examinou ou não o contrato não nos interessa muito porque a acção não é contra a RAEM, por deficiências ou omissões na actuação da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos. Se fosse o caso, justificava-se saber se a entidade em questão examinou o contrato e se o aceitou. Como o que está em causa é saber se o contrato cumpre ou não a lei, não releva o que pensa a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos de Macau sobre o assunto. O que interessa é a interpretação do Tribunal. Aliás, sobre a relevância dos artigos 44.º a 49.º da réplica para a decisão da causa, nada disse o acórdão recorrido, remetendo tal apreciação para a 1.ª instância.
Os artigos 44.º a 49.º da réplica mais não são do que factos instrumentais visando ajudar a demonstrar, não factos, mas uma questão jurídica. O problema é que os únicos factos instrumentais relevantes, para efeitos do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, são os que têm como escopo demonstrar factos essenciais para a decisão da causa e não direito.
Aliás, como se retira da sentença de 1.ª instância, a questão fundamental dos autos respeita ao Direito e não a factos. Trata-se de interpretar o contrato e decidir se o mesmo é válido ou não.
Procede, assim, o recurso, pelo que se revoga o acórdão recorrido na parte em que que determinou o aditamento aos factos assentes da matéria dos artigos 44.º a 49.º da réplica.
Visto não ter havido recurso na outra parte da decisão do TSI, o processo voltará a julgamento na 1.ª instância apenas para apurar o facto do artigo 32.º da contestação e proferir sentença, novamente.

III – Decisão
Face ao expendido, concede-se provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido na parte em que que determinou o aditamento aos factos assentes da matéria dos artigos 44.º a 49.º da réplica.
Custas pela recorrida.
Macau, 15 de Junho de 2018.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

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