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Proc. nº 265/2017 (A)
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 19 de Abril de 2018
Descritores:
- Princípios de direito administrativo
- Desrazoabilidade
- Desproporcionalidade
- Injustiça

SUMÁRIO:

A violação dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e justiça ocorre quando a actuação administrativa se mostra excessiva, desmedida, injusta, em função das condições do caso concreto e das consequências dela resultantes, quer para os interessados particulares envolvidos, quer para o interesse público subjacente.


Proc. nº 265/2017 (A)

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, casado, titular do salvo-conduto da República Popular da China para deslocação a Macau n.º XXXX e do Bilhete de Identidade da República Popular da China n.º XXXX, ---
Recorre contenciosamente ----
Do despacho do Ex.mo Secretário para a Segurança do Governo da Região Administrativa Especial de Macau (“RAEM”),----
Que indeferiu o Recurso Hierárquico por si apresentado contra a decisão que ordenou a sua expulsão da RAEM, e manteve a medida de interdição de entrada na RAEM, por um prazo de 3 anos, ao abrigo do disposto artigo 12.º da Lei n.º 6/2004, conjugado com o artigo 4.º, n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003.
*
Na petição inicial, formulou as seguintes conclusões:
«a) Vem o Recorrente pelo presente recurso contencioso requerer a revogação do acto administrativo do Exmo. Sr. Secretário para a Segurança do Governo da RAEM, que indeferiu o Recurso Hierárquico que havia sido interposto pelo Recorrente e manteve a decisão de aplicação da medida de interdição de entrada do Recorrente na RAEM, por um prazo de 3 anos, ao abrigo do disposto artigo 12.º da Lei n.º 6/2004, conjugado com o artigo 4.º, n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003;
b) Conforme consta do acto recorrido, entende o Exmo. Sr. Secretário para a Segurança, que a manutenção da medida de interdição de entrada na RAEM anteriormente aplicada ao Recorrente pelo Exmo. Sr. Subint. do Corpo de Polícia de Segurança Pública da RAEM, Wong Hong Kei, é legítima e apropriada e que se justifica pela manutenção da salvaguarda da segurança pública da RAEM;
c) Ora, salvo o devido respeito que o acto recorrido lhe merece, o Recorrente entende que o aludido entendimento resulta numa notória desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários uma vez que a decisão tomada é, no entender do Recorrente manifestamente exagerada tendo em conta o alegado ilícito que foi por si praticado;
d) Mais, conforme abaixo se demonstrará o despacho recorrido baseia-se, entre outros, em factos e conclusões constantes da Informação emitida pelo Sr. Superintendente Geral B, datada de 15 de Novembro de 2016, que por conter imprecisões ao nível da factualidade ali exposta, poderá ter levado o Exmo. Sr. Secretário para a Segurança a decidir nos termos em que o fez;
e) Por isso da factualidade supra descrita, concluiu-se, salvo o devido respeito, que é injusta e desadequada não só a ordem de expulsão da RAEM que foi aplicada ao Recorrente em 27 de Abril de 2016 como igualmente a decisão ora recorrida, proferida em despacho do Sr. Secretário para a Segurança do Governo da RAEM, que indeferiu o pedido de revogação do acto administrativo que impede o Recorrente de entrar em Macau durante um período de 3 anos;
f) Conforme se lê no despacho recorrido ambas as decisões se fundamentaram nas falsidades reportadas pelo croupier C, aquando dos depoimentos por si prestados, pois só desta forma se entende a afirmação de a existência de indícios de que o Recorrente terá cometido em Macau “o crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo n.º1 do art. 137 do Código Penal de Macau”, quando, conforme se disse supra, é mais do que evidente que tudo não passa de uma invenção, caluniosa, do croupier C que não sofreu qualquer ofensa à sua integridade física;
g) Mas mesmo que indícios houvesse da possibilidade de ter havido tal ofensa simples à integridade física - que apenas se aventa aqui por dever de patrocínio e sem conceder - jamais esses indícios de ofensa simples à integridade física, através do arremesso de um folheto contra a mão, deveriam fundar a aplicação de uma medida como a de interdição de entrada na RAEM do Recorrente por um prazo de três anos conforme se propõe decretar em sede administrativa;
h) É que esses indícios teriam de ser fortes. Não obstante, tudo o que há de indícios in casu resume-se à participação de factos a um órgão de polícia da RAEM por parte do croupier, que alega ter sido molestado e ter sofrido lesões pelo embate de um papel na sua mão, afirmação desde logo questionável pela sua inverosimilhança e bizarria;
i) Depois, não se junta qualquer suporte documental desde logo relatórios médicos;
j) Ora no caso concreto, tal possibilidade nunca poderia existir no momento em que a notificação a que ora se responde, foi dada a conhecer ao Recorrente, uma vez que a mesma aconteceu antes de ter sido realizada uma investigação exaustiva e rigorosa dos factos alegadamente ocorridos e o croupier C não junta sequer um relatório médico;
k) Aliás, nos autos criminais que correm os seus termos no Tribunal Judicial de Base, o croupier C admite nunca ter recebido qualquer tratamento hospitalar digno desse nome e ter ficado de baixa durante apenas um dia. Pelo que se conclui facilmente, que pelo menos o requisito da existência de uma ofensa ao corpo ou à saúde de outrem nunca se verificaram;
I) Mais, nos autos criminais que correm termos contra o Recorrente, o croupier C aproveita o ensejo para efectuar um pedido de indemnização cível contra o ora Recorrente, pedido esse que na ausência de factos e de danos passíveis de serem demonstrados, se queda por uma quantia assaz diminuta;
m) Ora, caso tivessem existido ofensas à integridade física, passíveis de molestar verdadeiramente a saúde do croupier C - e já agora de porem em causa a segurança pública da RAEM - não teria aquele gasto “apenas” MOP$118,00 (cento e dezoito patacas) a tratar-se desses danos;
n) Atento o acima dito, e salvo uma vez mais o devido respeito pelo despacho do Sr. Secretário para a Segurança do Governo da RAEM entende uma vez mais o Recorrente que a medida de interdição de entrada na RAEM, por um prazo de 3 anos que foi aplicada ao Recorrente, nos termos mencionados na notificação, revela uma total desrazoabilidade no exercício do poder discricionário da Administração, que não obstante ter o poder e a legitimidade para aplicar uma medida deste teor, não tem, no caso sub judice, motivos suficientes para aplicar ao ora Recorrente uma medida de interdição de entrada na RAEM por um período de tempo tão prolongado como este;
o) O despacho recorrido culmina portanto no entender do Recorrente, numa decisão desrazoável porquanto os seus efeitos se não acomodam ao dever de proteger o interesse público em causa, indo para além do que é sensato e lógico tendo em atenção o fim a prosseguir;
p) Por outro lado, um acto desproporcional é aquele em que há um excesso nos meios que o acto adopta em relação ao fim que a lei persegue ao dar ao Administrador os poderes que este exerce. O acto desproporcional é inadequado à situação, desnecessário, porque o seu fim pode ser realizável por uma via menos onerosa e mais idónea, sem atentar contra valores específicos de dignidade da pessoa humana, sem lesar alicerces de personalidade do indivíduo. Um acto desproporcional é desregrado, desmedido, é desequilibrado entre o interesse público subjacente e o interesse privado nele envolvido; é um acto que apresenta uma dispositividade com uma dimensão maior do que era expectável ou aconselhável que tivesse.
q) E um acto injusto é aquele que o administrado não merece, ou porque vai além do que o aconselha a natureza do caso e impõe sacrifícios infundados atendendo à matéria envolvida, ou porque não considera aspectos pessoais do destinatário que deveriam ter levado a outras ponderação e prudência administrativas. É injusto porque, podendo o seu objecto realizar-se com uma carga menor para o administrado, a este se lhe impõe, apesar disso, um gravame penoso demais;
r) Conforme diz aquele normativo “As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”; Todavia, conforme acima se demonstrou a medida de interdição restringe de forma desproporcionada os direitos liberdades e garantias do Recorrente, previstos na Lei Básica de Macau;
s) Com efeito, a considerar-se a prática do crime pelo qual o ora Recorrente vem sendo acusado, o crime em questão caracterizar-se-ia como um “delito de bagatela” merecedor intervenção penal mínima e nunca compatível com um tipo de sanção acessória que lhe foi aplicada e da qual se recorre.
t) Finalmente estabelece o art. 12.º, n.º 3 e 4 da Lei n.º 6/2004 que instituiu o Regime legal de detenção e expulsão de não-residentes para prevenir e combater a imigração ilegal e aprova o respectivo regime penal e processual penal que “A interdição de entrada pelos motivos constantes das alíneas 2) e 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003 deve fundar-se na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM”.
u) Ora, do exposto é forçoso concluir que não só o Arguido não praticou nenhum crime - não há qualquer sentença de Tribunal da RAEM transitada em julgado pela qual tenha sido condenado- como também não há qualquer perigo de que a presença daquele na RAEM possa por em causa a segurança e ordem públicas da Região;
v) Nessa conformidade, para além da supra referida desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários” que servem de fundamento ao presente recurso contencioso (art. 21º, al. d), do CPAC) a aplicação da sanção de interdição de entrada violaria igualmente o princípio da legalidade previsto no art. 3.º daquele mesmo normativo que estatui que “Os Órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhe estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhe forem conferidos.”;
w) É que, conforme acima se demonstrou, ao não estarem preenchidos os requisitos obrigatórios estipulados pela legislação em vigor para a aplicação deste tipo de sanção, não está a Administração capacitada para a aplicar ao Recorrente a sanção de interdição de entrada da RAEM nos termos mencionados na notificação sobre a qual ora nos pronunciamos.
TERMOS EM QUE, vem a Recorrente requerer a V. Exa. se digne atender ao presente Recurso e revogue o despacho do Exmo. Sr. Secretário para a Segurança da RAEM que indeferiu o recurso hierárquico apresentado pelo Recorrente mantendo a decisão que ordenou a expulsão do Recorrente da Região Administrativa Especial de Macau (“RAEM”), e que lhe aplicou a medida de interdição de entrada na RAEM, por um prazo de 3 anos, ao abrigo do disposto artigo 12.º da Lei n.º 6/2004, conjugado com o artigo 4.º, n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003.»
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A entidade recorrida, sem apresentar conclusões, contestou o recurso, pugnando pela sua improcedência.
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Nenhuma das partes apresentou alegações facultativas.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:

«Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 16 de Dezembro de 2016, da autoria do Exm.º Secretário para a Segurança, que, em sede de recurso hierárquico, confirmou a interdição de entrada do recorrente A na Região Administrativa Especial de Macau pelo período de três anos.
A interdição estava sustentada na existência de fortes indícios de que o recorrente incorrera no crime de ofensa à integridade física, praticado na pessoa de um croupier, e no perigo que um tal comportamento representava para a segurança e ordem públicas da Região Administrativa Especial de Macau, com invocação das disposições normativas conjugadas dos artigos 4.º, n.º 2, alínea 3), da Lei 4/2003 e 12.º, n.ºs 2, alínea 1), 3 e 4, da Lei n.º 6/2004.
O recorrente põe em causa que tenha praticado realmente um crime de ofensa corporal na pessoa do croupier, questiona que a sua entrada e presença na Região Administrativa Especial de Macau possa colocar em xeque a segurança e a ordem pública, e insurge-se contra a proporcionalidade do período de interdição, sustentando que o acto padece de manifesta irrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários.
Diferente visão tem a autoridade recorrida, para quem o acto impugnado não padece de qualquer ilegalidade, batendo-se pela improcedência do recurso.
Vejamos.
O recorrente admite ter arremessado contra a mão direita do croupier aquilo que designa de panfleto publicitário. Em rigor, trata-se de uma placa de publicidade. E atingiu essa parte do corpo do croupier, mediante o impacto do embate da placa de publicidade.
A questão da maior ou menor dor e da intensidade da ofensa, podendo relevar para a graduação da pena criminal, não tem o efeito de retirar ao comportamento, voluntário, a carga criminal e os fortes indícios do preenchimento do tipo.
Portanto, não há erro na valoração dos indícios, muito menos erro grosseiro ou palmar que justifique a interferência do tribunal.
Improcede este fundamento do recurso.
Subjacente à estatuição do acto está o perigo, para a segurança e ordem pública da Região Administrativa Especial de Macau, representado pela possibilidade de cometimento de novos factos ilícitos.
Como a entidade recorrida refere na sua contestação, o preenchimento do conceito indeterminado subjacente possibilita o recurso a uma avaliação ou valoração baseada num juízo de prognose ou estimativa sobre a futura actuação da pessoa visada. Esse juízo, que, no caso, concluiu pela existência do aludido perigo, encontra respaldo no facto em si - dada a forma algo inopinada como ocorreu e a ausência de uma razão minimamente justificativa para tal - e na sensibilidade do círculo de actividade em que ocorre.
Não se divisa, também neste ponto, a existência de erro que deva ser objecto de intervenção do tribunal.
Também este fundamento improcede.
Finalmente, quanto ao período de interdição e eventual violação do princípio da proporcionalidade, chamamos aqui à colação o acórdão de 19 de Novembro de 2014, do Tribunal de Última Instância, exarado no Processo 112/2014, segundo o qual não compete ao tribunal dizer se o período de interdição fixado foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade do facto que a determinou, sendo essa uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. Só em caso de erro manifesto ou de total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro, é que o tribunal deve intervir. E é manifesto que essa hipótese de erro ou desrazoabilidade não ocorre no caso em análise.
Soçobra, de igual forma, este argumento do recurso.
Nesta conformidade, e salvo melhor juízo, deve ser negado provimento ao recurso.».
*
Cumpre decidir.
***
II – Pressupostos Processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e cumpra desde já conhecer.
***
III – Os Factos
1 - O Recorrente é um jogador habitual dos casinos da RAEM, em particular do casino XXXs.
2 - No dia 24 Abril 2016, pelas 03:21, encontrava-se o Recorrente a jogar Bacará numa mesa de jogo do dito casino XXXs.
3 - Estando o “croupier” C ao serviço na mesa onde o Recorrente jogava.
4 - A dado passo, o Recorrente apostou $10,000 no Banker, e quando o croupier C abriu a carta do jogador o resultado foi Player 9(9&K), Banker 7(10& 7), ganhando o Player.
5 - O Recorrente ficou irritado por ter perdido a aposta supra e manifestou a sua irritação e frustração atirando as cartas que segurava na direcção do croupier C,
6 – Posteriormente, e por estar a perder, o recorrente arremessou um panfleto na direcção do croupier.
7 – O croupier apresentou uma queixa crime contra o recorrente.
8 – No respectivo procedimento administrativo foi prestada a seguinte Informação 293/2016:
“Assunto: audiência e alegação da medida Informação n.º 293/2016-Pº.229.04
de interdição da entrada em Macau a A
Referência: Data: 06/07/2016
1) entrada do CPSP: 25879/SCTPSP/P2016 (27 de Maio de 2016)
2) entrada do CPSP: 25918/SCTPSP/P2016 (30 de Maio de 2016)

1. O CPSP instaurou o processo de interdição da entrada em Macau a A por este ter praticado crime de ofensa simples à integridade física previsto no art.º 137.º n.º 1 do Código Penal (vide a proposta n.º 1244/2016-pº.222.18).
2. Nos dias 27 e 30 de Maio de 2016, o CPSP recebeu as alegações por escrito do interessado A, através do seu representante, advogado D, pediu ao CPSP que não aplique a medida de interdição da entrada em Macau pelo período de 3 anos ao representado (vide as entradas do CPSP n.º 25879/SCTPSP/P2016 e 25918/SCTPSP/P2016).
3. Quanto ao teor das alegações por escrito, o advogado D pretendeu fornecer quatro testemunhas, mas acabou por fornecer duas (E e F após a notificação ao CPSP, no intuito de provar que o seu representado não praticou nem pretendeu praticar o crime que lhe foi acusado:
3.l. No dia 1 de Julho de 2016, pelas 10h00, o gerente de funcionamento do Casino XXX, CHEONG SENO IOK (do sexo masculino, nascido a 3 de Abril de 1984, titular do BIRPM n.º XXXX dirigiu-se a prestar depoimento:
E, gerente de funcionamento do Casino XXX e chefe de G, no dia 24 de Abril de 2016, por volta das 15h15 até às 15h30, G e o cliente A tiveram litígio no mercado de massas no Casino XXX, pelo que E dirigiu-se para conhecer da situação, na altura, A disse-lhe que a atitude de G não é boa e disse ainda “tu perdeste dinheiro não é a minha coisa”, do vídeo constata-se que no momento da ocorrência do caso, G lançou os cartões com força grande para a mesa, em seguida, A pegou num folheto e lançou-o para a mesa, já que naquele momento, as mãos de G estão na mesa, assim, o folheto acertou-lhe a costa da mão direita. Após o caso, E perguntou a G a situação de ferimento e se precise de informar o ferimento de trabalho, mas G disse que não. Até às 21h00 do mesmo dia, G e o seu filho chegaram ao casino e disseram-lhe que há necessidade de informar o ferimento de trabalho e chamar a Polícia.
3.2. No dia 1 de Julho de 2016, pelas 15h00, o gerente de funcionamento do Casino XXX F (do sexo feminino, nascida a 5 de Outubro de 1978, titular do BIRPM n.º XXXX) dirigiu-se a prestar depoimento:
F, gerente de funcionamento do Casino XXX e chefe de G, no dia 24 de Abril de 2016, por volta das 15h15 até às 15h30, G e o cliente A tiveram litígio no mercado de massas no Casino XXX, do vídeo constata-se que no momento da ocorrência do caso, A, depois de ter olhado os cartões, sabia que perdeu, lançou os cartões para G, na altura G pegou nos cartões e lançou-os para a mesa com grande força, dizendo algo. Em seguida, A pegou num folheto e lançou-o para a mesa, no momento em que G estava a arrumar os cartões, por isso, o folheto acertou-lhe a costa da mão direita. No mesmo dia, por volta das 5h00, perguntou a G a situação de ferimento e se precisa de informar o ferimento de trabalho, G respondeu que não. Como no momento da ocorrência do caso, não estava lá, por isso não sabia o teor do diálogo entre G e A.
4. Após a análise dos autos e das alegações por escrito do interessado, entende a presente Secção que os fundamentos não são suficientes, por isso sugere que o superior considere a aplicação da medida de interdição da entrada a A.
5. Submete-se à apreciação do superior.
Chefe da Secção de Informática e Análise Estatística
XXX
Ass.: vide o original
Guarda n.º XXX”
9 – O Comandante do CPSP de 20/07/2016 proferiu o seguinte despacho:
“Assunto: medida de interdição de entrada na RAEM
Segundo o resultado de investigação do CPSP, A (do sexo masculino, nascido a 25 de Junho de 1970, titular do salvo-conduto para deslocação a Hong Kong e Macau n.º XXX) praticou crime em Macau, a saber:
No dia 24 de Abril de 2016, A estava a jogar numa mesa de mercado de massas no Casino XXX, insatisfeito com a perda contínua, atribuiu a responsabilidade a croupier em serviço, durante o processo, A e o croupier em serviço discutiram, A pegou num folheto e bateu na costa da mão direita do ofendido. O assunto foi conciliado por gerente em serviço do casino, tendo saído A do casino. Após a saída dos serviços, o ofendido ainda sentiu dores na costa da mão direita, por isso dirigiu-se ao hospital e chamou a Polícia. A foi interceptado quando entrou novamente no Casino XXX. O mesmo confessou o crime que lhe foi acusado e o vídeo envolvido no caso mostra claramente que A praticou o respectivo acto\Após a investigação da PJ, há fortes indícios de que A praticou os actos criminosos do crime de ofensa simples à integridade física previsto no art.º 137.º n.º 1 do Código Penal de Macau, tendo sido encaminhado o caso ao MP.
Dados os factos objectivos e as circunstâncias criminosas, a sua entrada na RAEM irá constituir perigo à ordem e segurança pública da RAEM. Para defender os interesses públicos da RAEM e cumprir as competências específicas do CPSP, no uso das competências ora subdelegadas, decide-se interditar a entrada na RAEM ao indivíduo supracitado pelo período de 3 anos (a partir de 27 de Abril de 2016) nos termos do art.º 4.º n.º 2 da Lei n.º 4/2003, conjugado com o art.º 12.º n.º 2 al. 1) e n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 6/2004.
Da presente decisão cabe recurso hierárquico necessário ao Secretário para a Segurança. Notifica-se o interessado de que se submeterá à pena de prisão prevista no art.º 21.º da Lei n.º 6/2004 em caso de incumprimento da medida ora aplicada.
Aos 20 de Julho de 2016, no CPSP
O Comandante do CPSP
B
Superintendente Geral
Ass.: vide o original”
10 – Contra este despacho, o interessado apresentou recurso hierárquico para o Secretário para a Segurança.
11 – Foi então prestada a seguinte Informação:
«Assunto: Recurso hierárquico. Medida de interdição de entrada. Recorrente: A
1. O recorrente, visitante da RPC, titular do SC nº C XXX, vem impugnar o despacho através do qual lhe foi aplicada a medida de interdição de entrada pelo período de 3 anos, invocando, em síntese, o seguinte:
2. Que, acabara de perder a aposta de 10 mil Hong Kong dólares e, chateado, atirou as cartas em direcção ao croupier, e que este respondeu “tu perdes dinheiro e a culpa é minha?”, e que este também afastou as cartas atiradas pelo recorrente;
3. E essa reacção do croupier, no entender do recorrente uma atitude não profissional e provocatória, e como já estava perturbado pela perda da tal jogada, fez com se sentisse claramente provocado pela atitude do croupier que assim como entendeu violava as regras da sua conduta profissional, e vai daí agarrou num planfleto publicitário que ali estava e com ele veio a tocar na mão do croupier, podendo aliás esses factos serem constatados pelas imagens das câmaras de vigilância e pelos testemunhos que arrolou, pelo que assim fica demonstrado que a acção do recorrente não foi susceptível de causar qualquer tipo de lesão ao croupier;
4. Depois, junta aos seus argumentos uma narrativa entre o croupier e a sua entidade patronal de que aquele teria ameaçado os seus patrões impondo como condição estes não lhe moverem procedimento disciplinar, ou senão ele apresentaria queixa às autoridades dos acontecimentos com o recorrente;
5. E pede ao orgão recorrido que oficie a entidade patronal do croupier pedindo informação sobre estes factos, uma vez que o recorrente é, sim, uma vítima dos factos falsos participados pelo croupier,
6. pedindo, pelos fundamentos acima descritos, que o acto recorrido seja revogado.
---xxx---
7. Para a aplicação da presente medida de interdição de entrada, o orgão recorrido levou em conta os factos participados no ofício remetido pela Polícia Judiciária, com o nº 2632/NDI/2015, de 17 de Outubro desse ano, os quais versam sobre o seguinte:
8. Cerca das três e quinze da madrugada do passado dia 24 de Abril de 2016, no Casino XXX, o recorrente que vinha perdendo dinheiro numa mesa de bacarat, começou a invectivar o croupier da mesa culpando-o pelos desaires que estava a sofrer, e nisto pegou num cartão publicitário e com ele bateu na mão do profissional, ferindo-o.
9. Por causa do agente da PSP destacado no Hospital Conde de São Januário, ficou-se a saber a razão do ferimento e disso se deu conhecimento à Polícia Judiciária, que veio a desencadear e a concluir a investigação aos acontecimentos.
10. Não corresponde à verdade portanto, o que o recorrente invocou na sua petição de recurso, de que a investigação aos factos só se iniciou porque o croupier vendo que a entidade patronal não ligou às suas ameaças : se não fosse processado disciplinarmente não apresentaria queixa do recorrente; se fosse, iria de imediato às autoridades apresentar queixa sobre o acontecimento.
11. Depois, no dia a seguir, a 25 de Abril, o recorrente quando pretendia de novo entrar no casino foi barrado pela segurança do local e entregue às autoridades, perante quem prontamente admitiu os factos.
12. Como refere o ofício a Polícia Judiciária, esta corporação detém as imagens captadas pelas câmaras de vigilância no local, onde se verifica e prova claramente a conduta do recorrente.
13. Por outro lado, cabe ao recorrente provar os factos invocados que, de resto, se consideram irrelevantes, sobre a relação entre o croupier e a sua entidade patronal, pois o presente processo não trata da avaliação profissional do referido funcionário, pelo que não será enviado qualquer ofício aos responsáveis desse estabelecimento.
14. Também, das declarações recolhidas junto das testemunhas arroladas pelo recorrente, estas nada juntaram que possa contrariar o desenrolar dos factos investigados e participados pela Polícia Judiciária.
15. Assim, perante a conduta do recorrente, ciente de que a sua acção era contrária à lei, indiciando a prática do crime de ofensas simples à integridade física, p. e p. no artº 137º do CP, considerou-se necessário aplicar ao recorrente uma medida de interdição de entrada nos termos do nºs 2, alínea 1), e 3 e 4, do artº 12º da Lei nº 6/2004, por um período de afastamento julgado adequado e proporcional à defesa dos interesses públicos que a mesma visa prosseguir.
16. Pelo exposto, considera-se igualmente que o despacho através do qual foi aplicada a medida de interdição ao recorrente, não se encontra ferido de qualquer vício que possa levar à sua anulabilidade, não devendo por isso ser concedido provimento ao recurso.
17. Por fim, pelo que acima se referiu e pelas circunstâncias que rodearam a prática dos factos, considera-se também nos termos da segunda parte do artº 157º do CPA, que não deve ser concedida a suspensão da eficácia do acto recorrido porque tal causaria grave prejuízo ao interesse público.
18. À superior consideração de V.Exa .
CPSP, aos 15 de Novembro de 2016».
12 – O Secretário para a Segurança, em 16/12/2016 proferiu o seguinte decisão (a.a.: fls. 11 dos autos e 4 do apenso “traduções”):
«Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Gabinete do Secretário para a Segurança
Despacho
Assunto: recurso hierárquico necessário
Recorrente: A
Ponderando a análise na informação de 15 de Novembro de 2016 do Comandante do CPSP e o despacho de 20 de Julho de 2016, cujo teor se dá por integralmente reproduzido,
A decisão recorrida tem como objectivo defender a segurança pública, é legal e adequada, pelo que, nos termos do art.º 161.º n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo, é indeferido o recurso hierárquico e mantida a decisão original.
Secretário para a Segurança
Ass. vide o original
XXX
16 de Dezembro de 2016».
***
IV – O Direito
1 – Introdução
O acto administrativo impugnado foi a decisão proferida pelo Secretário para a Segurança que, em 16/12/2016, manteve o despacho do Comandante da PSP, que ao recorrente tinha aplicado a medida de interdição na RAEM por um período de 3 anos, com assento no disposto nos arts. 4º, nº2, al. 3) da Lei nº 4/2003 e 12º, nºs 2, al. 1), 3 e 4, da Lei nº 6/2004.
O recorrente considera que este acto padece dos seguintes vícios:
- Violação do princípio da razoabilidade;
- Violação do princípio da proporcionalidade;
- Violação do princípio da justiça;
- Violação do princípio da legalidade.
Vejamos.
*
2 – (Cont.)
Não há dúvida que o recorrente, jogador de casino, perdeu pelo menos uma jogada em que tinha apostado. E que, desagradado e irritado, se manifestou contra o “croupier” por duas vezes, uma, arremessando as cartas para o funcionário do casino, outra arremessando contra ele um panfleto publicitário.
Estes factos não estão impugnados e devem dar-se por provados.
A entidade administrativa considerou que estes factos (por estar em presença de um ilícito criminal: ofensa corporal simples, p. e p. pelo art. 137º do Código Penal), se enquadravam na previsão legal do art. 4º, nº2, al. 3), da Lei nº 4/2003. Ou seja, entendeu que havia fortes indícios da prática de um crime. E, por assim ser, decretou a interdição de entrada por um período de 3 anos ao abrigo do art. 12º, nºs 2, al. 1), 3 e 4, da Lei nº 6/2004.
Os referidos preceitos rezam assim:
Art. 4º
Recusa de entrada
1. É recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de:
1) Terem sido expulsos, nos termos legais;
2) A sua entrada, permanência ou trânsito estar proibida por virtude de instrumento de direito internacional aplicável na RAEM;
3) Estarem interditos de entrar na RAEM, nos termos legais.
2. Pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de:
1) Tentarem iludir as disposições sobre a permanência e a residência, mediante entradas e saídas da RAEM próximas entre si e não adequadamente justificadas;
2) Terem sido condenados em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior;
3) Existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes; (destaque nosso)
4) Não se encontrar garantido o seu regresso à proveniência, existirem fundadas dúvidas sobre a autenticidade do seu documento de viagem ou não possuírem os meios de subsistência adequados ao período de permanência pretendido ou o título de transporte necessário ao seu regresso.
3. A competência para a recusa de entrada é do Chefe do Executivo, sendo delegável.
Art. 12º
Interdição de entrada
1. As pessoas a quem seja decretada a expulsão ficam, depois de esta ser concretizada, interditas de entrar na RAEM por um período a fixar na ordem de expulsão.
2. Pode igualmente ser decretada a interdição de entrada:
1) Preventiva ou sucessivamente, quando os motivos que levam à recusa de entrada, nos termos das alíneas 1) a 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003, justifiquem que essa medida seja prolongada no tempo; (destaque nosso)
2) Às pessoas a quem seja revogada a autorização de permanência nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
3. A interdição de entrada pelos motivos constantes das alíneas 2) e 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003 deve fundar-se na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM. (destaque nosso)
4. O período de interdição de entrada deve ser proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam. (destaque nosso)
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3 – Dos Vícios
Com a sua invocação, tem o recorrente por objectivo demonstrar que a medida - em si mesma, e na sua duração – é inválida e não pode subsistir na ordem jurídica, merecendo ser anulada.
Vejamos cada um dos vícios invocados.
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3.1 – Da desrazoabilidade
Não existe desrazoabilidade na actividade administrativa quando nesta se descortinar, em concreto, a prossecução do interesse público e se for de considerar adequado o comportamento da Administração tendo em vista a realização daquele interesse. Neste plano, é de entender que os interesses privados podem ser sacrificados em função da importância do interesse público que pelo acto se procurar salvaguardar1.
Neste sentido, “o papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro”2.
Quer dizer, se é certo que a fiscalização judicial à actividade administrativa só pode ser feita quando ela é manifestamente ofensiva dos limites internos da discricionariedade, então a intervenção do juiz na apreciação do respeito dos princípios gerais do direito administrativo, só deve ter lugar quando as decisões administrativas, de modo intolerável, os violem3.
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3.2 – Da desproporcionalidade
Acto desproporcional é aquele em que há um excesso nos meios que o acto adopta em relação ao fim que a lei persegue ao dar ao Administrador os poderes que este exerce4.
Disse já o TUI, a propósito, que “Ao Tribunal não compete dizer se o período de interdição de entrada fixado ao recorrente foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam, se tal período foi o que o Tribunal teria aplicado se a lei lhe cometesse tal atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro.” (Ac. do TUI, de 19/11/2014, Proc. nº 112/2014).
Na verdade, este princípio da proporcionalidade, tal como o da razoabilidade e adequação funcionam como limites internos à actividade discricionária, e que apenas permitem uma sindicância ao acto administrativo sindicado, salvo em casos de erro grosseiro, manifesto e intolerável (vg. Ac. do TSI, de 30/06/2016, Proc. nº 886/2015), erro aqui não configurável.
E este TSI teve, aliás, noutras ocasiões, o ensejo de concluir que “O princípio da proporcionalidade manifestado no nº4, do art. 12º citado não se pode dizer ferido se a actuação administrativa na fixação do período de interdição não se mostra eivada de erro manifesto e intolerável” (Ac. TSI, de 18/10/2012, Proc. nº 127/2012; 16/01/2014, Proc. nº 833/2012; de 5/06/2014, Proc. nº 656/2012).
Havendo tal exagero, tal desmesura, então justificar-se-á a invalidação (Ac. do TSI, de 22/09/2016, Proc. nº 1043/2015).
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3.3 – Da injustiça
Acto injusto é aquele que o administrado não merece, ou porque vai além do que o aconselha a natureza do caso e impõe sacrifícios infundados atendendo à matéria envolvida, ou porque não considera aspectos pessoais do destinatário que deveriam ter levado a outras ponderação e prudência administrativas (Ac. do TSI, de 29/10/2015, Proc. nº 94/20015).
Também o princípio da justiça constitui um limite interno da discricionariedade, só escrutinável perante uma violação grosseira e ostensiva do exercício do poder discricionário da Administração.
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3.4 – (Cont.)
Ultrapassada esta breve introdução, somos a considerar que, apesar de o recorrente admitir a sua acção - que não deixamos de considerar censurável, porque dirigida contra um funcionário (“Croupier”) merecedor de respeito e dignidade, até porque alheio ao resultado das apostas - cremos que a reacção administrativa se nos afigura desproporcionada, excessiva, desrazoável, injusta.
Vejamos. É do senso comum e, por conseguinte, do conhecimento geral e notório, que o ambiente de jogo é sempre de grande tensão e “stress”. Não há como evitá-lo.
Por mais endinheirado que seja, nenhum jogador gosta de perder. Aliás, o jogo é sempre uma actividade que desperta a ânsia do ganho e da fortuna fácil. É esse caldo de esperança, de funda expectativa e de forte e inabalável convicção, que desencadeia o ânimo quase irreflectido, imponderado e insensato, de grandes apostas, na mira irresistível e psicologicamente incontrolável de obter um retorno intensamente lucrativo.
Se a sorte o acompanha num momento, a reacção será de alegria, não raras vezes incontida, mas sempre de felicidade.
Mas se a sorte o abandonar para ceder o seu lugar ao azar e às perdas, então a reacção é sempre de desagrado e amargura, variando de grau entre o desânimo, a tristeza e a perturbação que descem sobre si. Não é incomum verem-se respostas de atitude que reflectem ausência de controlo, a roçar a irascibilidade.
Este é o ambiente do jogo e Macau sabe muito bem disso, por razões que se prendem com a génese do sua próprio desenvolvimento económico.
Ora, se tivermos em conta esta ambiência de jogo, teremos que ter presente todas as suas vicissitudes. E uma reacção como aquela que os autos descrevem, no nosso simples modo de ver, tem que ser bem compreendida.
Ou seja, ainda que não se possa tolerar uma atitude de fúria lançada sobre o “croupier”, o mais inocente dos actores na “plateau” do jogo, temos que convir que ela é, apesar de tudo algo compreensível. A censura variará em função dos meios utilizados e das consequências da acção,
E, se descermos ao caso concreto, facilmente seremos levados a pensar que o arremesso de cartas de jogo e de um folheto sobre o “croupier” será, apesar de censurável, uma acção que não merece a reacção que se lhe seguiu.
Se este tribunal tem visto outras atitudes de cidadãos, bem mais graves, sancionadas por medidas de igual dosimetria (3 anos de interdição de entrada), parece-nos que este caso, pela quase negligenciável consequência dos actos do recorrente, quer para o interesse do “croupier”, quer para o interesse público da segurança, não justificaria igual duração de interdição.
Não está em causa, evidentemente, a aplicação da medida, que é merecida e adequada, mas sim a sua duração, a qual, por tudo o que se disse, e sempre com o respeito por opinião contrária, desconsidera aqueles princípios gerais de direito administrativo.
Uma análise fria, objectiva, isenta, desinteressada e supra-partes, leva-nos a pensar ser excessiva e desmedida, portanto, desrazoável, desproporcional e injusta a medida desta interdição, porque desconsidera totalmente a atmosfera em que os factos aconteceram e as consequências destes. Neste sentido, somos de opinião que a medida de interdição mostra uma manifesta, ostensiva e errada utilização dos poderes discricionários.
Procede, pois, a arguição dos apontados vícios.
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3.5 - Da princípio da legalidade
O princípio da legalidade (art. 3º, do CPA) é, rigorosamente, um princípio programático e de prevenção, que molda toda a actuação administrativa, seja ela de que natureza for (vinculada ou discricionária), no sentido do respeito pela lei (em sentido amplo) e pela sua reserva, bem assim como pelos princípios gerais de direito aplicáveis em cada caso.
A ilegalidade do caso advém, não do princípio em si mesmo, mas sim da violação daqueles outros que acima analisámos.
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IV – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em julgar procedente o recurso contencioso, anulando o acto impugnado.
Sem custas.
T.S.I., 19 de Abril de 2018
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa


1 Ac. TSI, de 5/06/2014, Proc. nº 158/2013
2 Ac. TUI, de 9/05/2012, Proc. nº 13/2012.
3 Ac. TUI, de 9/05/2012, Proc. nº 13/2012; Ac. TSI, de 5/06/2014, Proc. nº 625/2013.
4 A metáfora: Não se deve caçar pombos com tiros de canhão.
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Rec. Contencioso nº 265/2017 (A) 12