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Processo nº 457/2018 Data: 07.06.2018
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.


SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 457/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 61 a 70 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 72 a 73).

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer pugnando também no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 80 a 81-v).

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Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do T.J.B. de 27.06.2017, foi, A, ora recorrente, condenado como autor da prática de 1 crime de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, fixando-se-lhe a pena de 2 anos e 9 meses de prisão;
– o mesmo recorrente deu entrada no E.P.C. em 07.06.2016, e em 07.04.2018, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 07.03.2019;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com a sua família, em ANHUI, R.P.C., de onde é natural, tencionando procurar emprego como padeiro.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).

Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 07.06.2016, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 22.03.2018, Proc. n.° 205/2018, de 19.04.2018, Proc. n.° 272/2018 e de 10.05.2018, Proc. n.° 338/2018, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Tendo presente o que se deixou consignado, e ponderando nos contornos da situação em questão, cremos que de sentido positivo deve ser a resposta.

Com efeito, o ora recorrente era primário antes da condenação na pena que cumpre, tem demonstrado arrependimento pela sua conduta, reconhecendo o seu desvalor, – v.d., v.g., as várias cartas juntas aos autos e o parecer da técnica de serviço social – em reclusão tem tido um “bom comportamento prisional”, participando em actividades ocupacionais – vd., Parecer do Director do E.P.C. – possuindo também vontade e apoio da família para levar uma “vida nova”.

Assim, cremos pois que se mostra verificado o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. a) do C.P.M., ou seja, viável se nos apresenta o necessário “juízo de prognose favorável” quanto à sua futura vida em liberdade.

Por sua vez, atento o tipo de crime, de “auxílio (simples)”, visto que já cumpriu 2 anos da referida pena, faltando-lhe cumprir 9 meses de prisão, e considerando ser esta a última oportunidade para poder beneficiar da pretendida liberdade condicional, afigura-se de considerar igualmente verificado o pressuposto da al. b) do mencionado art. 56° do C.P.M. desde que se condicione a sua concessão à observância de “regras de conduta” nos termos do art. 50° e 51° do mesmo código, ficando o arguido proibido de regressar a Macau no período da liberdade condicional.

Assim, em face das expostas considerações, há que revogar a decisão recorrida.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam julgar procedente o recurso, concedendo-se a pretendida liberdade condicional.

Sem custas.

Passem-se os competentes mandados de soltura.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Oficie à P.S.P. remetendo cópia do acórdão.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 07 de Junho de 2018
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa (Vencida por entender que não estarem preenchidos os pressupostos consagrados no n.º 1 do art.º 56.º do Código Penal, face à exigência da prevenção geral para reparar o mal do crime praticado pelo recorrente, que é o crime de auxílio.)
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