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Processo n.º 692/2015 Data do acórdão: 2018-6-7 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– atropelamento
– morte não instantânea
– danos não patrimoniais da ofendida antes da morte
– presunção judicial
– art.o 342.o do Código Civil
– art.o 489.o, n.os 1 e 3, do Código Civil



S U M Á R I O


1. No acórdão recorrido, já vêm descritas como provadas as diversas lesões graves sofridas pela ofendida, tais como graves lesões traumáticas crânio-encefálicas, uma grande ferida na parte superior esquerda do tecto da cabeça, deformidade do peito esquerdo e diversas fracturas ósseas, etc.. Por outro lado, também ficou provado que o acidente de viação ocorreu cerca das 09:50 horas da manhã, com a morte da ofendida certificada às 10:20 horas da manhã do mesmo dia.
2. Por aí se vê que a morte da ofendida não foi instantânea. Assim, a partir desses factos já provados, e em sintonia com as regras da experiência da vida humana, é de presumir judicialmente, sob aval do art.o 342.o do Código Civil, que a ofendida sofreu naturalmente, logo com o atropelamento e até antes da morte, dores extremamente grandes no corpo devido a tais lesões, pelo que há que passar a fixar, de modo equitativo, a quantia indemnizatória destinada a reparar esses relevantes danos não patrimoniais da ofendida, nos termos do art.o 489.o, n.os 1 e 3, primeira parte, do mesmo Código.
3. Na matéria de fixação de quantia indemnizatória de danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, não há nenhuma fórmula sacramental a observar, por cada caso ser um caso, a ser decidido de modo equitativo, necessariamente em função de quais os ingredientes fácticos concretos em causa.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 692/2015
(Autos de recurso penal)
Recorrentes: A, B e C
 Recorrida: Companhia de Seguros da X (Macau), S.A.
(X保險(澳門)股份有限公司)







ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 282 a 290 do Processo Comum Colectivo n.° CR1-14-0127-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido D ficou condenado pela prática de um crime consumado de homicídio negligente, p. e p. pelo art.o 134.o, n.o 1, do Código Penal, em conjugação com o art.o 93.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR), na pena de um ano e três meses de prisão (suspensa na sua execução por dois anos), com inibição de condução por nove meses (suspensa na sua execução por dois anos), e ficou a 1.a demandada civil Companhia de Seguros da X (Macau), S.A. (X保險(澳門)股份有限公司) (doravante como seguradora), condenada a pagar aos três demandantes A, B e C a quantia indemnizatória total de MOP394.942,90, com juros legais contados desde a data desse acórdão até integral e efectivo pagamento.
Inconformados, vieram os três demandantes recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), através da motivação una de fls. 333 a 347 dos presentes autos correspondentes, alegando, no seu essencial, e rogando o seguinte:
– na petição cível apresentada pelos próprios demandantes, foram articulados os seguintes factos: o 2.o demandado e arguido conduziu na altura a uma velocidade certamente não inferior a 55 km/hora; o arguido não abrandou a velocidade, e, ao invés, entrou na curva a grande velocidade; o arguido, sendo condutor de profissão, conduz frequentemente veículo em via pública; o arguido, quando conduziu na via pública, não regulou adequadamente a velocidade em função da situação rodoviária, do peso total do próprio veículo e da inércia relativamente grande do mesmo, para garantir que pudesse parar com segurança e evitar obstáculo; pelo contrário, conduziu o camião a alta velocidade no local do acidente;
– factos esses que, porém, não foram dados por provados no texto do acórdão recorrido, por erro na apreciação da prova;
– no respeitante à aferição da culpa pela produção do acidente, a determinação da culpa da ofendida não se faz em função da violação, por ela, ou não, de alguma regra rodoviária, mas sim em função da adequação, ou não, da sua conduta para a produção do acidente de viação;
– no caso dos autos, o acto da ofendida de atravessar a via foi só a condição sine qua non da ocorrência do acidente, mas o acto do arguido de conduzir de modo não prudente e de modo não regular adequadamente a velocidade é que causou directa e adequadamente o acidente;
– daí que teve o arguido culpa exclusiva pela produção do acidente;
– e mesmo que assim não se entendesse, sempre se deveria atribuir ao arguido pelo menos 70% (ou mais) da culpa pela produção do acidente;
– outrossim, a quantia de MOP800.000,00 fixada no acórdão recorrido para reparação do dano-morte deve ser aumentada para MOP1.300.000,00;
– as dores extremamente grandes sofridas pela ofendida com o atropelamento e antes da morte como tal alegadas na petição cível devem ser consideradas provadas, e deve ser fixada a respectiva reparação pecuniária em valor não inferior a MOP200.000,00;
– por fim, a quantia de MOP500.000,00 fixada no acórdão recorrido para reparação de danos não patrimoniais do marido A da ofendida deve ser aumentada para MOP800.000,00.
À pretensão recursória dos demandantes, respondeu a recorrida demandada seguradora a fls. 386 a 399, no sentido de improcedência da mesma.
Subidos os autos, afirmou a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista de fl. 408, que não tinha legitimidade para emitir parecer, por estar em causa matéria meramente civil.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o seguinte:
1. Na petição cível apresentada em conjunto (e ora constante de fls. 133 a 141) pelo marido da ofendida chamado A, pela filha e pelo filho da ofendida chamados B e C, respectivamente, contra a seguradora como 1.a demandada e o arguido como 2.o demandado, foi alegado inclusiva e materialmente o seguinte:
– o 2.o demandado (arguido) conduziu na altura a uma velocidade não inferior a 55 km/hora (cfr. o art.o 20.o da petição);
– o arguido não abrandou a velocidade, e, ao invés, entrou na curva a grande velocidade (cfr. o art.o 32.o da petição);
– o arguido, sendo condutor de profissão, conduz frequentemente veículo em via pública (cfr. o art.o 26.o da petição);
– o arguido, quando conduziu na via pública, não regulou adequadamente a velocidade em função da situação rodoviária, do peso total do próprio veículo e da inércia relativamente grande do mesmo, para garantir que pudesse parar com segurança e evitar obstáculo; pelo contrário, conduziu o camião a alta velocidade no local do acidente (cfr. o art.o 27.o da petição);
– no período compreendido entre a ocorrência do acidente (09:50 horas da manhã) e a morte da ofendida (10:20 horas da manhã do mesmo dia), a ofendida sofreu necessariamente dores extremamente grandes no corpo devido às lesões graves resultantes do atropelamento com força pesada (cfr. o art.o 45.o da petição).
2. O acórdão ora recorrido ficou proferido a fls. 282 a 290 dos autos, cujo teor integral se dá por aqui inteiramente reproduzido.
3. Foi dado materialmente por provado o seguinte no acórdão recorrido, inclusivamente:
– na hora de ocorrência do acidente (cerca das 09:50 horas da manhã do dia do acidente), o céu estava claro, o pavimento da via pública em causa estava seco, a luminosidade estava suficiente e o tráfego estava normal;
– por não ter reparado em que a ofendida estava a atravessar de modo rápido a via pública em causa, e sendo pesado o peso do próprio veículo, com inércia relativamente maior, quando o arguido se apercebeu de que atropelou a ofendida, não conseguiu fazer parar de imediato o veículo, o que implicou enorme força de impacto que fez com que a ofendida tenha ficado no chão cerca de mais de dez metros distantes do ponto do embate;
– o atropelamento referido causou directa e necessariamente a morte da ofendida, por graves lesões traumáticas crânio-encefálicas;
– a conduta do arguido causou directamente o acidente e levou a que outrem tenha sofrido lesões e morte;
– o arguido é condutor de profissão;
– o veículo em causa é um veículo pesado (um camião);
– o troço da via pública onde ocorreu o acidente é recto, com cem metros, pelo menos, de cumprimento, na Estrada Governador Nobre de Carvalho da Taipa, com dois sentidos, opostos entre si, para circulação rodoviária, sem qualquer obra jardineira no meio das faixas de rodagem, com vasto horizonte de visão;
– portanto, o sítio onde se encontrou a ofendida na altura ficou completamente, e com suficientes condições, dentro do âmbito da visão do arguido;
– no tempo do acidente, o arguido entrou na curva da referida Estrada.
– dentro de 50 metros do local onde a ofendida atravessou a via pública, não existia passadeira para peões;
– para travar o camião, o arguido deixou cerca de 6,5 a 10,7 metros de rastos de travagem no local do acidente;
– foi muito grande o som do embate do camião na ofendida, que provocou a atenção do marido da ofendida e de uma testemunha;
– o atropelamento acima referido causou à ofendida graves lesões traumáticas crânio-encefálicas, uma grande ferida na parte superior esquerda do tecto da cabeça, deformidade do peito esquerdo e diversas fracturas ósseas, etc.;
– após o acidente, a ofendida foi levada ao Centro Hospitalar Conde de São Januário, com morte certificada às 10:20 horas da manhã do mesmo dia do acidente;
– à data do acidente, a ofendida tinha 72 anos;
– antes do acidente, o estado de saúde da ofendida era muito boa, ela era uma pessoa optimista e activa, e gosta de rir;
– a ofendida e o marido dela estavam casados há quase 52 anos, com relação afectiva muito profunda entre os dois;
– com a morte da ofendida, o seu marido perde uma companheira de há mais de 50 anos, da qual tinha vindo a depender na sua vivência quotidiana, pelo que tem sofrimento muito grande a nível psicológico.
4. Na fundamentação fáctica do acórdão recorrido, o Tribunal recorrido afirmou que não ficaram provados, nomeadamente, os outros factos constantes da petição cível, nem provado que o arguido, embora tenha visto que a ofendida estava a atravessar de modo rápido a estrada, não conseguiu fazer parar de imediato o veículo.
5. Na fundamentação probatória do acórdão recorrido, o Tribunal recorrido afirmou (no 7.o parágrafo da página 8 desse aresto, a fl. 285v) que: as provas testemunhal e documental oferecidas pela parte demandante não deram para demonstrar qual a velocidade do veículo conduzido pelo arguido aquando da ocorrência do acidente, nem para demonstrar o sofrimento da ofendida antes da morte; e crê o próprio Tribunal que o arguido, antes do embate não chegou a reparar que a ofendida estava a atravessar a via pública.
6. Na fundamentação jurídica do acórdão recorrido, o Tribunal recorrido afirmou que a ofendida, sem que tenha prestado atenção, atravessou de modo rápido a faixa de rodagem em que andava o veículo do arguido, e atribuiu assim 80% de culpa à ofendida pela produção do acidente de viação (cfr. o escrito nas linhas 11 a 15 da página 15 do texto do acórdão recorrido, a fl. 289).
7. No acórdão recorrido, fixou o Tribunal recorrido as seguintes quantias indemnizatórias (que totalizam MOP1.974.714,50):
– MOP185,00 (por despesas de tratamento médico);
– MOP55.981,50 (por despesas fúnebres);
– MOP173,00 (por despesas com serviço de táxi);
– MOP18.375,00 (por despesas de transporte aéreo e alojamento dos familiares da ofendida que se deslocaram a Macau para tratamento de assuntos fúnebres e assistência a cerimónias fúnebres);
– MOP800.000,00 (para reparação do dano-morte da ofendida);
– MOP500.000,00 (para reparação de danos não patrimoniais do marido da ofendida);
– MOP300.000,00 (para reparação de danos não patrimoniais da filha da ofendida);
– e MOP300.000,00 (para reparação de danos não patrimoniais do filho da ofendida).
8. Segundo o dispositivo do acórdão recorrido, ficou a seguradora condenada a pagar aos três demandantes a quantia total indeminizatória de MOP394.942,90, com juros legais contados desde a data desse acórdão até integral e efectivo pagamento.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Os três demandantes recorrentes começaram por alegar que os seguintes “factos” então articulados na sua petição cível una deveriam ter sido dados por provados em primeira instância:
– o arguido conduziu na altura a uma velocidade não inferior a 55 km/hora (cfr. o art.o 20.o da petição);
– o arguido não abrandou a velocidade, e, ao invés, entrou na curva a grande velocidade (cfr. o art.o 32.o da petição);
– o arguido, sendo condutor de profissão, conduz frequentemente veículo em via pública (cfr. o art.o 26.o da petição);
– o arguido, quando conduziu na via pública, não regulou adequadamente a velocidade em função da situação rodoviária, do peso total do próprio veículo e da inércia relativamente grande do mesmo, para garantir que pudesse parar com segurança e evitar obstáculo; pelo contrário, conduziu o camião a alta velocidade no local do acidente (cfr. o art.o 27.o da petição);
– no período compreendido entre a ocorrência do acidente (09:50 horas da manhã) e a morte da ofendida (10:20 horas da manhã do mesmo dia), a ofendida sofreu necessariamente dores extremamente grandes no corpo devido às lesões graves resultantes do atropelamento com força pesada (cfr. o art.o 45.o da petição).
Da leitura da fundamentação fáctica e probatória do acórdão recorrido, vê-se que o Tribunal recorrido entendeu por não provado que o arguido conduziu na altura a uma velocidade não inferior a 55 km/hora.
Para o presente Tribunal ad quem:
1) Não se mostra patente que este juízo de valor do Tribunal recorrido (no sentido de não comprovação de qual a velocidade concreta exacta do veículo do arguido) tenha ofendido quaisquer regras da experiência da vida humana, ou alguma norma sobre o valor legal das provas ou ainda quaisquer leges artis a observar no julgamento de factos.
2) O alegado nos art.os 32.o e 27.o da petição cível tem tom algo conclusivo e abstracto, e visa frisar que o arguido estava a conduzir a “grande” velocidade, para a partir daí tirar a conclusão de que ele violou o dever de condução prudente, por não ter conseguido fazer parar o camião com segurança e evitar obstáculo. Assim sendo, a alegação deste tipo não pode ser considerada como alegação de factos em sentido próprio. Outrossim, o alegado na segunda parte do art.o 26.o da petição também tem tom algo conclusivo. Portanto, fica prejudicada a tese dos recorrentes de que o Tribunal recorrido tenha errado no julgamento desses “factos” alegados.
3) O facto alegado de que o arguido é condutor de profissão já se encontra provado em primeira instância.
É de ver agora se o Tribunal recorrido incorreu em erro no julgamento de factos quando não deu provado o sofrimento da ofendida antes da morte.
No art.o 45.o da petição cível, foi alegado que no período compreendido entre a ocorrência do acidente (09:50 horas da manhã) e a morte da ofendida (10:20 horas da manhã do mesmo dia), esta sofreu necessariamente dores extremamente grandes devido às lesões graves resultantes do atropelamento com força pesada (cfr. o art.o 45.o da petição).
No 7.o parágrafo da página 5 do texto do acórdão recorrido, já vêm descritas como provadas as diversas lesões graves sofridas pela ofendida, tais como graves lesões traumáticas crânio-encefálicas, uma grande ferida na parte superior esquerda do tecto da cabeça, deformidade do peito esquerdo e diversas fracturas ósseas, etc.. Por outro lado, também ficou provado que o acidente de viação ocorreu cerca das 09:50 horas da manhã, com a morte da ofendida certificada às 10:20 horas da manhã do mesmo dia. Por aí se vê que a morte da ofendida não foi instantânea. Assim, a partir desses factos já provados, e em sintonia com as regras da experiência da vida humana, é de presumir judicialmente, sob aval do art.o 342.o do Código Civil (CC), que a ofendida sofreu naturalmente, logo com o atropelamento e até antes da morte, dores extremamente grandes no corpo devido a tais lesões, pelo que há que passar a fixar, de modo equitativo, a quantia indemnizatória destinada a reparar esses relevantes danos não patrimoniais da ofendida, nos termos do art.o 489.o, n.os 1 e 3, primeira parte, do CC, no valor de MOP100.000,00.
Quanto às quantias indemnizatórias fixadas no acórdão recorrido em MOP800.000,00 e MOP500.000,00, para reparação do dano-morte da ofendida e dos danos não patrimoniais do marido da ofendida, respectivamente, afigura-se mais equitativo, sob a égide do art.o 489.o, n.os 1 e 3, do CC, passar a aumentar a quantia indemnizatória do dano-morte para MOP1.000.000,00 (tendo em conta que ficou provado que o estado de saúde da ofendida antes do acidente era muito bom e que tinha 72 anos de idade à data do acidente, idade essa que ainda não é muito idosa, à luz da esperança média da vida das pessoas em Macau) e a quantia indemnizatória dos danos não patrimoniais do marido da ofendida para MOP600.000,00 (ponderando sobretudo que o marido da ofendida estava casado com a ofendida há quase 52 anos com relação afectiva profunda entre os dois), sendo de salientar que na esteira de diversos acórdãos proferidos neste TSI, de entre os quais se conta o de 30 de Maio de 2013 do Processo n.o 874/2012, na matéria de fixação de quantia indemnizatória de danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, não há nenhuma fórmula sacramental a observar, por cada caso ser um caso, a ser decidido de modo equitativo, necessariamente em função de quais os ingredientes fácticos concretos em causa.
Por fim, da culpa pela produção do acidente de viação dos autos:
Do circunstancialismo provado em primeira instância (e embora não se soubesse qual a velocidade concreta, fisicamente precisa, é que andava o camião do arguido na altura do acidente), é de concluir que essa velocidade não pôde ter sido lenta, pois caso contrário a ofendida, depois de atropelada, não teria ficado no chão cerca de mais de dez metros distantes do ponto do embate, nem poderia ter havido som muito grande desse embate.
Do mesmo circunstancialismo provado, pode concluir-se também que o arguido não reparou num facto no qual poderia ter reparado, qual seja, o de a ofendida estar a atravessar o troço da estrada em causa, com vasto horizonte de visão para o condutor arguido. Sendo um condutor de um camião (um veículo pesado) conduzido na altura nesse troço da estrada, depois de entrar na curva da mesma estrada, o arguido deveria ter procedido de modo (imposto pelo n.o 1 do art.o 30.o da LTR) a “regular a velocidade de modo a que, atendendo às características e estado da via e do veículo, …, e a quaisquer outras circunstâncias especiais, possa, em condições de segurança, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente e evitar qualquer obstáculo que lhe surja em condições normalmente previsíveis”, ao que acresce a consideração de, por comando do art.o 32.o, n.o 1, alínea 5), da LTR, o arguido, antes de ter o seu camião andado no troço estradal de ocorrência do acidente, ter já o dever de moderar especialmente a velocidade do camião na aproximação da curva anterior a esse troço estradal recto.
É de verificar que na fundamentação jurídica do acórdão recorrido, o Tribunal recorrido afirmou que a ofendida, sem que tenha prestado atenção, atravessou de modo rápido a faixa de rodagem em que andava o veículo do arguido. Contudo, essa circunstância de “a ofendida não ter prestado atenção” não está no elenco de factos provados descritos no acórdão.
Entretanto, como já se concluiu acima que a velocidade do camião do arguido não pôde ter sido lenta, não devia ter a ofendida efectuado o atravessamento da estrada mesmo que de modo rápido, já que prescreve o n.o 1 do art.o 70.o da LTR, como regra geral a observar no atravessamento da faixa de rodagem, que “Ao pretenderem atravessar a faixa de rodagem, os peões devem asseguarar-se de que o podem fazer sem perigo, tendo em conta a distância e a velocidade dos veículos que se aproximam, e efectuar o atravessamento rapidamente” (com sublinhado aqui posto). Daí que violou a ofendida esta regra geral de atravessamento da faixa de rodagem, apesar de dentro de 50 metros do local onde a ofendida atravessou a via pública não existir passadeira para peões.
Tendo em conta todo o exposto, é de passar a atribuir 30% de culpa ao arguido pela produção do acidente.
No acórdão recorrido, vinham fixadas, inclusivamente, as seguintes quantias indemnizatórias:
– a) por despesas de tratamento médico: MOP185,00;
– b) por despesas fúnebres: MOP55.981,50;
– c) por despesas com serviço de táxi: MOP173,00;
– d) por despesas de transporte aéreo e alojamento dos familiares da ofendida que se deslocaram a Macau para tratamento de assuntos fúnebres e assistência a cerimónias fúnebres: MOP18.375,00;
– e) para reparação de danos não patrimoniais da filha da ofendida: MOP300.000,00;
– f) para reparação de danos não patrimoniais do filho da ofendida: MOP300.000,00.
Sendo certo que: o quantum, em si, destas seis quantias indemnizatórias não foi impugnado pela parte demandante nem pela parte demandada; e depois de deduzidas todas elas de 70% (por ser de 30% a percentagem da culpa do arguido nos termos acima vistos), deve a seguradora pagar aos três demandantes MOP202.414,40 (= MOP674.714,50 - 70%).
Por outro lado, vinham inicialmente também fixadas as duas seguintes quantias indemnizatórias no acórdão recorrido:
– g) para reparação do dano-morte da ofendida: MOP800.000,00;
– h) para repração de danos não patrimoniais do marido da ofendida: MOP500.000,00.
Estas duas quantias passam a ser agora de MOP1.000.000,00 e de MOP600.000,00, respectivamente.
Outrossim, passa a ser fixada, na presente lide recursória, a seguinte quantia indemnizatória, então não fixada no acórdão recorrido:
– i) para reparação de danos não patrimoniais da ofendida antes da morte: MOP100.000,00.
Sendo certo que estas últimas três quantias indemnizatórias, depois de deduzidas todas elas de 70% (por ser de 30% a culpa do arguido pela produção do acidente), totalizam MOP510.000,00 (= MOP1.700.000,00 – 70%), pelo que deve a seguradora pagar também esse montante de MOP510.000,00 aos três demandantes.
Em suma, deve a seguradora pagar aos três demandantes o total indemnizatório de MOP712.414,40 (MOP202.414,40 + MOP510.000,00), com juros legais contados a partir de hoje até integral e efectivo pagamento (conforme a jurisprudência obrigatória fixada no douto Acórdão de 2 de Março de 2011, no Processo n.o 69/2010, do Venerando Tribunal de Última Instância).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em conceder parcial provimento à pretensão formulada pelos três demandantes na sua motivação una de recurso, com o que deve a recorrida seguradora pagar a esses três recorrentes a quantia indemnizatória total de MOP712.414,40 (setecentas e doze mil, quatrocentas e catorze patacas e quarenta avos), acrescida de juros legais contados a partir de hoje até integral e efectivo pagamento.
Custas do pedido cível em ambas as Instâncias pela parte demandante e pela seguradora na proporção dos respectivos decaimentos.
Macau, 7 de Junho de 2018.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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