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Processo n.º 555/2017 Data do acórdão: 2018-6-14 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– decisão sumária do recurso
– reclamação para conferência
– art.o 407.o, n.o 8, do Código de Processo Penal


S U M Á R I O
O art.o 407.o, n.o 8, do Código de Processo Penal permite a reclamação para conferência da decisão sumária do recurso tomada pelo relator.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 555/2017
(Autos de recurso em processo penal)
(Reclamação para conferência da decisão sumária do recurso)

Recorrentes:
A como arguida e ora reclamante
B como 1.o assistente
C como 2.a assistente
Não recorrente (3.a assistente):
D Limitada (D有限公司)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 445 a 456v do Processo Comum Colectivo n.o CR2-16-0154-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou a arguida A condenada como autora material de um crime consumado de violação de domicílio, p. e p. pelo art.o 184.o, n.o 2, do Código Penal (CP), em 120 dias de multa, de um crime consumado de difamação, p. e p. pelos art.os 174.o, n.o 1, e 176.o do CP, em 120 dias de multa, e de um crime consumado de injúria, p. e p. pelos art.os 175.o, n.o 1, e 176.o do CP, em 60 dias de multa, e, em cúmulo jurídico dessas três penas parcelares, finalmente na pena única de 180 dias de multa, à quantia diária de cem patacas, num total, pois, de dezoito mil patacas de multa, convertível, se não paga nem convertida em trabalho, em 120 dias de prisão, para além de ficar condenada a pagar ao 1.o assistente B dez mil patacas para reparação de danos morais sofridos por este, e a pagar à 2.a assistente C cinco mil patacas para reparação de danos morais sofridos por esta, quantias essas acrescidas de juros legais desde a data do próprio acórdão até integral e efectivo pagamento.
Inconformada, veio a arguida recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), tendo assacado à decisão condenatória recorrida as seguintes questões na sua motivação apresentada a fls. 470 a 474 dos presentes autos correspondentes:
– no decurso da audiência de julgamento não ficou provado perante os depoimentos das testemunhas que a arguida na utilização das suas mensagens por via de telemóvel tenha perturbado a vida privada dos 1.o e 2.a assistentes;
– e mesmo que assim não se entendesse, a pena de multa de 120 dias referente ao crime de violação de domicílio mostra-se desajustada em função da moldura do crime e da situação de desempregada da arguida;
– a matéria de facto respeitante ao crime de difamação não foi provada após a audiência de julgamento, existindo contradições insanáveis na decisão condenatória deste crime na medida em que por um lado a arguida é absolvida deste crime e por outro lado foi aplicada a sua condenação;
– da matéria de facto assente não resulta o cometimento por parte da arguida do crime de injúria;
– na medida em que nada se provou na audiência de julgamento acerca dos prejuízos inerentes aos assistentes, as quantias fixadas por danos não patrimoniais são desajustadas.
Ao recurso respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 479 a 485 dos autos, no sentido de improcedência do recurso.
O 1.o assistente B, a 2.a assistente C e a 3.a assistente D Limitada responderam ao recurso da arguida unamente a fls. 486 a 493, no sentido de improcedência total do mesmo recurso.
Entrementes, os dois primeiros assistentes interpuseram recurso subordinado do acórdão da Primeira Instância, alegando, no seu essencial, que as quantias aí fixadas estavam muito aquém do valor capaz de justamente ressarcir os graves prejuízos sofridos na sua honra e consideração pessoal, para pedir o aumento dessas quantias indemnizatórias, nos termos detalhadamente expostos na respectiva motivação una de fls. 564 a 574.
Ao recurso subordinado dos dois primeiros assistentes, respondeu a arguida a fls. 586 a 594, pugnando pela rejeição desse recurso ou pela improcedência total do mesmo.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 604 a 605, pronunciando-se no sentido de improcedência da parte penal do recurso da arguida.
Por decisão sumária do ora relator, exarada em 11 de Maio de 2018 a fls. 612 a 615 à luz dos art.os 407.º, n.º 6, alínea b), e 410.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), foi decidido rejeitar a parte penal do recurso da arguida, por manifestamente improcedente, não fazer conhecer do mesmo recurso em matéria da indemnização pecuniária, e considerar sem efeito o recurso dos 1.o e 2.a assistentes, circunscrito à mesma matéria indemnizatória.
Veio agora a arguida reclamar dessa decisão sumária na parte penal para conferência, através do correspondente pedido apresentado a fls. 623 a 639, nele defendendo que quando ela ligou para os telefones dos dois assistentes não o fez com a intenção de perturbar a vida privada ou a tranquilidade destes dois, e que como ela o fez para os telemóveis deles com números já publicitados ao público, não se podia dar por certo que na altura em que o fez os dois assistentes já se encontraram em repouso na residência deles, daí que o recurso dela não deveria ter sido rejeitado, já que no caso não estavam apurados os dois pontos atrás referidos para verificação cabal do tipo legal de violação de domicílio, sendo certo que, por outro lado, houve contradição insanável da fundamentação na decisão condenatória recorrida no tocante ao crime de difamação, nem podendo a conduta dela ser punível por causa do art.o 174.o, n.o 2, do CP, para além de haver insuficiência para a decisão (condenatória deste crime) da matéria de facto provada, sem deixar de haver também insuficiência para a decisão da matéria de facto provada no tangente ao crime de injúria.
A Digna Procuradora-Adjunta opinou a fl. 646 materialmente pela improcedência da reclamação.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
A decisão sumária (de fls. 612 a 615) ora sob reclamação tem o seguinte teor essencial:
– <<[…]
2. Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido se encontrou proferido a fls. 445 a 456v, cujo teor (que inclui a respectiva fundamentação fáctica, probatória e jurídica) se dá por aqui inteiramente reproduzido.
3. De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
Na motivação do recurso da arguida, esta, para além de recorrer da parte penal da decisão recorrida, pretende recorrer também da decisão do Tribunal recorrido no tocante à fixação das quantias indemnizatórias a favor dos 1.o e 2.a assistentes. Sucede que o quantum pecuniário indemnizatório por que vinha a arguida condenada em primeira instância não excede a metade da alçada do Tribunal Judicial de Base em matéria civil (alçada esta que é fixada pelo art.o 18.o, n.o 1, da Lei de Bases da Organização Judiciária vigente em cinquenta mil patacas), pelo que nos termos do art.o 390.o, n.o 2, do CPP o recurso da arguida em matéria de indemnização civil não é admissível, e não pode, pois, ser conhecido nesta parte neste TSI, o que por comando do art.o 394.o, n.o 3, do CPP faz com que o recurso subordinado do 1.o e da 2.a assistentes, como circunscrito somente à mesma matéria de indemnização pecuniária, fique sem efeito.
E agora no tangente à parte penal do recurso da arguida:
Do teor da sua argumentação, retira-se que ela, a título principal, quer sindicar, primeiro, do resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal recorrido a respeito dos crimes de violação de domicílio, de difamação e de injúria por que aí vinha condenada.
Entretanto, depois de vistos os elementos de prova referidos na fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido tenha, aquando da formação da sua convicção sobre os factos, violado quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou quaisquer leges artis a observar na tarefa jurisdicional de julgamento da matéria de facto, pelo que não pode vir a arguida aproveitar a sede de recurso para tentar fazer impor, ao arrepio do art.o 114.o do CPP, o seu ponto de vista pessoal sobre o resultado do julgamento de factos feito pelo Tribunal recorrido.
Como já se concluiu acima que materialmente falando não houve erro notório na apreciação da prova (como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do CPP) por parte do Tribunal sentenciador, então há que decidir da parte penal do recurso da arguida com base no acervo de factos já dados por provados no acórdão recorrido.
E perante toda a factualidade descrita como provada nesse aresto recorrido, estão já cabalmente verificados os três crimes por que vinha condenada a arguida em primeira instância, não se divisando, aliás, qualquer contradição insanável da fundamentação na decisão penal recorrida na parte respeitante ao crime de difamação (para constatar isto, é de ler a fundamentação jurídica do acórdão recorrido tecida sobretudo nas últimas quatro linhas do 2.o parágrafo da página 18 do seu texto a fl. 454v, nos 6.o a 7.o parágrafos da página 19 do mesmo texto a fl. 454, e no 3.o parágrafo da página 20 do mesmo texto a fl. 454v, por todo o teor dessas passagens da fundamentação do aresto recorrido evidenciar já o raciocínio, não contraditório em si mesmo, do Tribunal a quo na decisão da imputação feita na acusação particular contra a arguida a respeito de diversos delitos de difamação alegadamente praticados por esta, sendo de frisar que esse Tribunal condenou a arguida por um crime de difamação).
Insurge-se a arguida ainda contra a medida da pena do seu crime de violação de domicílio. Contudo, atentas todas as circunstâncias já apuradas em primeira instância, não se vislumbra, aos padrões da medida da pena plasmados nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, que o Tribunal sentenciador tenha praticado injustiça notória na aplicação de 120 dias de multa ao crime dela de violação de domicílio, pelo que não pode procede a pretensão da redução desta pena.
É, assim, de rejeitar a parte penal do recurso da arguida, nos termos dos art.os 407.º, n.º 6, alínea b), e 410.º, n.º 1, do CPP, sem mais indagação por desnecessária, devido ao espírito do n.º 2 desse art.º 410.º.
4. Dest’arte, decide-se em rejeitar a parte penal do recurso da arguida, por manifestamente improcedente, em não fazer conhecer do mesmo recurso em matéria da indemnização pecuniária, e em considerar sem efeito o recurso dos 1.o e 2.a assistentes, circunscrito à mesma matéria indemnizatória.
Custas do recurso da arguida na parte penal a cargo dela, com três UC de taxa de justiça e quatro UC de sanção pecuniária (pela rejeição desta parte do recurso). Pagará a arguida uma UC de taxa de justiça por causa da não admissão do seu recurso em matéria da indemnização. E pagarão os 1.o e 2.a assistentes uma UC de taxa de justiça individual, devido ao não conhecimento do recurso subordinado deles.
Macau, 11 de Maio de 2018.
[…]>>.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
O art.º 407.º, n.º 8, do CPP permite a reclamação para conferência da decisão sumária do recurso tomada pelo relator.
Pois bem, vistos todos os elementos processuais pertinentes já referidos no ponto 2 do texto da decisão sumária na parte ora sob reclamação pelo recorrente, é de improceder a reclamação sub judice, porquanto há que manter, nos seus precisos termos, a decisão sumária da parte penal do recurso (sendo certo que a parte cível dessa decisão sumária não é objecto da reclamação por quem quer seja), por essa decisão do relator estar conforme com tais elementos processuais e o direito aplicável aí aplicado (sendo de notar que este TSI não pode conhecer das questões alegadas no petitório da reclamação da arguida que não tenham sido previamente alegadas na motivação do recurso dela, por as questões não alegadas e inseridas nas conclusões dessa motivação não poderem fazer parte do objecto do mesmo recurso).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente a reclamação da arguida.
Para além das custas e montantes referidos no ponto 4 do texto da decisão sumária, pagará ainda a arguida as custas do presente processado da reclamação (com duas UC de taxa de justiça).
Macau, 14 de Junho de 2018.
_________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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