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Processo nº 397/2018 Data: 14.06.2018
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “auxílio”.
Atenuação especial.
Pena.


SUMÁRIO

1. A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, – e não para situações “normais”, “vulgares” ou “comuns”, para as quais lá estarão as molduras normais – ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.
A figura da “atenuação especial da pena” surgiu em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, como necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais, quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa.

2. Não constituindo a situação dos autos uma situação “excepcional” ou “extraordinária”, visto está que não pode haver lugar a uma atenuação especial da pena.

3. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 397/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo, a final, a ser condenado pela prática como autor material de 1 crime de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 100 a 104-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu, afirmando que “excessiva” é a pena e que se lhe devia decretar a “suspensão da sua execução”; (cfr., fls. 113 a 115).

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Respondendo, pugna o Ministério Público pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 117 a 118-v).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Recorre A do acórdão de 22 de Março de 2018, proferido no âmbito do processo comum colectivo CR5-17-0217-PCC, que o condenou na pena de prisão de 4 anos e 6 meses pela prática de um crime de auxílio à imigração ilegal da previsão do artigo 14.°, n.° 1, da Lei n.° 6/2004.
Na motivação e respectivas conclusões, traz o recorrente à consideração do tribunal de recurso a questão da medida da pena, que considera excessiva, impetrando do tribunal de recurso a alteração da pena para 2 anos de prisão, com suspensão da sua execução por 5 anos, desiderato que conta com a oposição da resposta do Ministério Público em primeira instância, que defende a manutenção da pena aplicada.
Vejamos.
O argumento essencial do recorrente reside em não ter o tribunal a quo considerado verificada a circunstância prevista no artigo 66.°, n.° 2, alínea d), do Código Penal – Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta – que constitui um dos exemplos-padrão seleccionados pelo legislador na exemplificação de circunstâncias que podem conduzir à atenuação especial prevista no n.° 1 do mesmo artigo.
Mas nenhuma razão lhe assiste, como a Exm.a colega já explicou na sua minuta de resposta. O recorrente foi detido em flagrante delito e ficou a aguardar os ulteriores termos do processo em prisão preventiva, tendo decorrido menos de um ano entre os factos e o julgamento em primeira instância. É por demais óbvio que não é esta a situação prevista naquela alínea d), que está talhada para contemplar casos em que, por vicissitudes várias, que não cabe aqui analisar, o agente de um crime acaba por ser julgado passados muitos anos sobre o cometimento dos factos delituosos. Numa tal situação, e caso haja entretanto mantido boa conduta – boa conduta social, inserido no meio em que vive, e não boa conduta prisional – pode ver especialmente atenuada a pena, na hipótese de estar preenchida a diminuição acentuada da ilicitude, da culpa ou da necessidade de pena a que alude o n.° 1 do referido artigo 66.°.
Decididamente, não é essa a hipótese que se nos depara, pelo que este argumento se revela improcedente.
No mais, o recorrente insurge-se contra a excessividade da pena, dizendo que não foram ponderados na devida conta os factores que lhe eram favoráveis.
Neste aspecto, estamos em crer que alguma razão assistirá ao recorrente. Trata-se de uma pessoa primária, ainda jovem, com idade inferior a 30 anos, cuja acção não chegou a produzir o resultado mais pernicioso que a imigração ilegal traz para a segurança da Região Administrativa Especial de Macau, pois foi detectada e neutralizada antes da chegada a terra firme.
Atendendo a estes factores e jogando com a bitola das penas geralmente aplicadas em casos semelhantes, propenderíamos para uma pena que se situasse entre os dois anos e meio e os três anos de prisão, sem suspensão da sua execução, porquanto a tanto se opõem razões de prevenção geral de integração.
Nesta medida, o recurso merece, a nosso ver, provimento”; (cfr., fls. 169 a 170).

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Nada parecendo obstar, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 101 a 102, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou pela prática como autor material de 1 crime de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.

Entende que “excessiva” é a pena e que se lhe devia decretar a “suspensão da sua execução”, (não questionando a “decisão da matéria de facto” que também não merece nenhum reparo da nossa parte e que por isso se mantém na sua íntegra).

Dito isto, vejamos.

Ao crime de “auxílio” pelo recorrente cometido cabe a pena de 2 a 8 anos de prisão; (cfr., art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004).

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, imprescindível é atentar no art. 65° do mesmo C.P.M., (onde se fixam os “critérios para a determinação da pena”), e em relação ao qual temos repetidamente considerado que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 08.02.2018, Proc. n.° 30/2018, de 12.04.2018, Proc. n.° 166/2018 e de 24.05.2018, Proc. n.° 301/2018).

Com efeito, e como é sabido, com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

Como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 26.10.2017, Proc. n.° 829/2017, de 30.01.2018, Proc. n.° 35/2018 e de 10.05.2018, Proc. n.° 265/2018).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como recentemente se tem igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

No caso, colhe-se da matéria de facto que o arguido é “primário”, invocando também a alínea d) do n.° 2 do art. 66° do C.P.M., onde se prevê como circunstância para uma (possível) atenuação especial da pena o facto de “Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta”.

Ora, quanto à sua primo-delinquência, confirma-se que o arguido, que não é residente de Macau, tem o seu C.R.C. sem registo de qualquer condenação.

Porém, há que dizer que só por lapso se poderá ter invocado a alínea d) do n.° 2 do art. 66° do C.P.M. já que os factos da sua conduta datam de “Maio de 2017”, tendo, entretendo, decorrido pouco mais de 1 ano.

Por sua vez, temos entendido que “A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, – e não para situações “normais”, “vulgares” ou “comuns”, para as quais lá estarão as molduras normais – ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 16.11.2017, Proc. n.° 751/2017, de 30.01.2018, Proc. n.° 344/2017-I e de 10.05.2018, Proc. n.° 265/2018).

Tratando desta “matéria” tem-se entendido que a figura da “atenuação especial da pena” surgiu em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, como necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais, quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa.

Aqui chegados, e ainda que se julgue que motivos não há para se “atenuar especialmente a pena” fixada, pois que a situação dos autos não se nos apresenta (em nada) “excepcional” ou “extraordinária”, cremos que atentos os critérios do art. 40° e 65° do C.P.M., e ponderando na “postura processual” do arguido, viável é a redução da pena, apresentando-se mais justa e equilibrada uma pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

Dest’arte, e em causa não estando uma pena de prisão em “medida não superior a 3 anos”, inviável é também a pretendida suspensão da execução da pena; (cfr., art. 48° do C.P.M.).

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder parcial provimento ao recurso, ficando o arguido condenando na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

Pelo decaimento pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 2 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 14 de Junho de 2018

José Maria Dias Azedo [Mantendo o entendimento que tenho vindo a assumir quanto ao “número de crimes de auxílio”; (cfr., v.g., as declarações de voto anexas aos Acs. deste T.S.I. de 07.12.2016, 25.05.2017, 06.07.2017 e 20.07.2017, Procs. n.°s 871/2016, 234/2017, 262/2017 e 570/2017)].

Chan Kuong Seng (subscrevo apenas a decisão de redução da pena, porque nem a pessoa arguida nem o M. P. recorreram da questão do número de crimes).

Tam Hio Wa (com declaração de voto por entender que a conduta do arguido integraria dois crimes de auxílio por se envolver duas pessoas ilegais, e sendo assim, deveria também manter a pena aplicada pelo Tribunal a quo.)

Proc. 397/2018 Pág. 16

Proc. 397/2018 Pág. 15