打印全文
Proc. nº 975/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 14 de Junho de 18
Descritores:
- Providência cautelar
- Arresto
- Embargo de terceiro

SUMÁRIO:

I - Nos termos do art. 327º do CPC, o procedimento cautelar de arresto tem natureza urgente.

II - A oposição ao procedimento cautelar não se configura como acção declarativa enxertada no processo cautelar, mas sim como defesa que poderia ter sido apresentada ab initio se o requerido tivesse sido previamente ouvido.

III - Sendo o arresto decretado “sem audiência da parte contrária” (art. 353º, nº1, do CPC), a natureza da defesa por intermédio dos embargos de terceiro não pode deixar de ser assimilada pela natureza da providência.

IV - O carácter urgente dos procedimentos cautelares acompanha todo o processo e todas as fases, incluindo a fase de recurso ou a fase de dedução de oposição pelo requerido.

Proc. nº 975/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
Proferido o acórdão de fls. 147-159, e dele interposto recurso jurisdicional por A, foi, na oportunidade, apresentada a respectiva alegação.
No entanto, por extemporânea, o relator do processo não admitiu a junção da resposta da exequente/embargada B.
Face a tal despacho, a mesma exequente/embargada recorreu jurisdicionalmente para o TUI (fls. 190 dos autos; 46 do apenso “traduções”).
Por não ser possível tal recurso, foi dada a possibilidade de a “recorrente” pedir a substituição da impugnação de recurso para reclamação para a conferência.
Veio, então, a mesma interessada apresentar reclamação para a conferência, que concluiu da seguinte forma:
“ 1. O vosso tribunal proferiu o despacho relativamente à “resposta ao recurso” apresentada pela reclamante, no qual não admitiu a resposta ao recurso por causa da extemporaneidade desta.
2. A rejeição da resposta ao recurso apresentada pela reclamante feita pelo vosso tribunal, parece ter a razão da urgência do recurso. Por isso, o prazo da apresentação da resposta ao recurso não se suspende durante as férias judiciais.
3. É de indicar que o processo do presente caso não é urgente.
4. Sendo certo que o presente processo constitui recurso civil proveniente do embargo de terceiro deduzido pelo recorrente contra o arresto n.º CV2-16-0232-CEO-A do TJB.
5. Por força dos art.ºs 292.º e 244.º do Código de Processo Civil, o embargo de terceiro constitui incidente da instância, nem há qualquer disposição de que a instância do embargo de terceiro é urgente quando este (ou incidente) é dependente do procedimento cautelar de arresto.
6. A urgência do procedimento cautelar de arresto baseia-se em que o requerente mostra fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito e, por consequência, é necessário requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.
7. Porém, é completamente diferentes a função e o objecto do embargo de terceiro com aqueles do arresto ou do procedimento cautelar.
8. Como ensina o Dr. Viriato Manuel Pinheiro de Lima em «Manuel de Direito Processual civil», p. 588, “Como explica C. LOPES DO REGO o que realmente caracteriza os embargos de terceiro não é tanto o carácter especial da tramitação do processo através do qual são actuados – que se molda essencialmente pela matriz do processo declaratório, com a particularidade de nele ocorrer uma fase introdutória de apreciação sumária da viabilidade da pretensão do embargante – mas a circunstância de a pretensão do embargante se enxertar num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de um acto de agressão patrimonial, judicialmente ordenado no interesse de alguma das partes da causa, e que terá atingido ilegitimamente o direito invocado pelo terceiro embargante” (sublinha por nós)
9. Dispõe o art.º 298.º, n.º 1 do Código de Processo Civil: “Recebidos os embargos, são notificadas para contestar as partes primitivas, seguindo-se os termos do processo ordinário ou sumário de declaração, conforme o valor dos embargos.”
10. Com base nisso, o incidente de embargo de terceiro constitui processo não urgente, apesar de ser dependente do procedimento cautelar de arresto. (vide a decisão do tribunal de relação de Guimarães de Portugal no anexo) Nos termos do art.º 94.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, suspende-se durante as férias judiciais o prazo do incidente de embargo de terceiro.
11. A reclamante foi notificada em 2018.2.5 pelo vosso tribunal da alegação apresentada pelo recorrente. Sendo férias judiciais os dias 15 a 21 de Fevereiro de 2018, expirou-se em 2018.3.14 o prazo da apresentação da resposta ao recurso apresentada pela reclamante / recorrida nos termos do art.º 613.º, n.º 2, ex vi art.º 645.º do Código de Processo Civil.
12. Por isso, é oportuna a resposta ao recurso apresentada em 2018.3.14 pela recorrente nos termos do art.º 613.º, n.º 2, ex vi art.º 645.º do Código de Processo Civil, a qual, por consequência, deve ser admitida.
13. Também é de notar que dos actos processuais anteriores no presente caso, resulta que o vosso tribunal e o TJB trataram do recurso em causa como processo não urgente, antes de o vosso tribunal rejeitar a resposta ao recurso da reclamante.
14. Em 2017.7.13, o recorrente apresentou a alegação relativamente ao despacho proferido pelo TJB no processo n.º CV2-16-0232-CEO-C, no qual rejeitou o embargo de terceiro deduzido pelo recorrente. Em 2017.7.28, a reclamante foi notificada pelo TJB da alegação apresentada pelo recorrente. (vide fls. 83 dos autos)
15. O presento processo não é urgente. Foram férias judiciais os dias 1 a 31 de Agosto de 2017. A reclamante apresentou em 2017.9.27 através de telecópia a resposta ao recurso junto do TJB. (vide fls. 85 dos autos)
16. O TJB proferiu em 2017.10.12 o despacho (vide fls. 99 dos autos), no qual indicou que “Tendo-se sido traduzido verbalmente as alegações e contra-alegações que antecedem, mantendo a decisão recorrida com os fundamentos dela constantes. Remeta os autos ao Venerando TSI. (…)”
17. Depois de o processo n.º CV2-16-0232-CEO-C subir ao vosso tribunal por causa do recurso do recorrente, o vosso tribunal abriu o recurso em processo civil e laboral n.º 975/2017 (vide fls. 110 dos autos) e proferiu em 2017.12.14 o acórdão, negando provimento ao recurso.
18. O vosso tribunal indicou no acórdão que proferiu o acórdão ponderando a alegação do recorrente e as conclusões na resposta apresentada em 2017.9.27 pela reclamante / recorrida. (vide fls. 1 a 4 do acórdão do vosso tribunal no recurso em processo civil e laboral n.º 975/2017)
19. As conclusões na resposta apresentada pela reclamante foram reproduzidas no acórdão de 2017.12.14 do vosso tribunal.
20. Nos factos acima referidos resulta que em termos da contagem do prazo, o vosso tribunal e o TJB têm considerado o presente processo como não urgente, apesar de ser na fase de recurso.
21. Nestes termos, deve ser considerada como oportuna a resposta ao recurso apresentada pela reclamante em 2018.3.14 nos termos do art.º 613.º, n.º 2, ex vi art.º 645.º do Código de Processo Civil, porque a reclamante foi notificada em 2018.2.5 pelo vosso tribunal da alegação apresentada pelo recorrente, mas os dias 15 a 21 de Fevereiro de 2018 foram férias judiciais, nas quais se suspendeu o prazo.
Pelo exposto, o presente constitui recurso de embargo de terceiro, sendo incidente e não urgente. Por isso, nos termos do art.º 620.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, pede a conferência do vosso tribunal julgar oportuna a resposta ao recurso apresentada pela reclamante em 2018.3.14 nos termos do art.º 613.º, n.º 2, ex vi art.º 645.º do Código de Processo Civil e ordenar a junção nos autos da resposta ao recurso.”
*
Não houve resposta à reclamação.
*
Cumpre decidir.
***
II - Apreciando.
O despacho em apreço apresenta o seguinte teor:
“Porque extemporânea a alegação de resposta ao recurso, face à informação supra, não se ordena a sua junção aos autos.
Entregue-a à apresentante, logo que solicitada, digo, logo que transitada!
Not.”
De acordo com o art. 613º, nº2, do CPC, o recorrente apresenta por escrito a sua alegação de recurso, no prazo de 30 dias a contar da notificação do despacho que admite o recurso e o recorrido pode responder no mesmo prazo de 30 dias a contar da notificação da apresentação da alegação do recorrente.
Ora, esse período de 30 dias de que a aqui reclamante beneficiava terminava no dia 7/03/2018, mas, se tivermos em conta a extensão de 3 dias a que alude o art. 95º, n. 4, do CPC, o seu termo ocorreria no 12/03/2018.
Acontece que a peça de resposta ao recurso apenas foi junta no dia 14/03/2018, o que significa que nem com multa podia ser recebida.
Isto só não seria assim se os embargos de terceiro deduzidos pelo aqui reclamante contra o arresto decretado não seguissem os termos de um processo urgente. Essa é, aliás, a grande questão.
É certo que o prazo judicial é contínuo, suspendendo-se durante as férias dos tribunais, salvo se a sua duração for igual ou superior a 6 meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes (art. 94º, nº1, do CPC).
Em nossa opinião, a reclamante não tem razão quando diz que os embargos não têm natureza urgente.
Em primeiro lugar, o procedimento cautelar de arresto tem natureza urgente. Di-lo o art. 327º, do CPC.
Em segundo lugar, a oposição ao procedimento cautelar não se configura como acção declarativa enxertada no processo cautelar, mas sim como defesa que poderia ter sido apresentada ab initio se o requerido tivesse sido previamente ouvido (Ac. da RL, de 16/12/2003, Proc. nº 9413/2003).
Ora, como se sabe, o arresto é decretado “sem audiência da parte contrária” (art. 353º, nº1, do CPC). Logo, a natureza desta defesa (embargos de terceiro) não pode deixar de ser assimilada pela natureza da providência.
Em terceiro lugar, o carácter urgente dos procedimentos cautelares acompanha todo o processo e todas as fases, incluindo a fase de recurso (Ac. do STJ, de 12/01/99, Proc. nº 937/98, in BMJ nº 483, pág. 157 e sgs e de 28/09/1999, Proc. nº 552/99, in BMJ nº 489, pág. 277 e sgs.) ou a fase de dedução de oposição pelo requerido (José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, 2ª vol, pág. 14; no mesmo sentido, Carlos F.O. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2004, 2ª ed., pág.348; Ac. da RC, de 23/01/2007, Proc. nº 2352/06).
Consequentemente, se aquele carácter urgente do arresto se comunica à oposição por embargos de terceiro, e se esse carácter percorre os embargos até ao seu termo, é bom e lógico de entender que, da mesma maneira que corre em férias judiciais o prazo para a apresentação das alegações de recurso interposto da decisão que decrete ou indefira a providência (Ac. da RP, de 28/11/2005, Proc. nº XXX e de 21/02/2005, Proc. nº XXXX), assim também, e por identidade de razões, em férias corre o prazo das contra-alegações da resposta ao recurso.
Por estas razões, a reclamação tem necessariamente que improceder.
***
III – Decidindo
Face ao exposto, acordam em indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante.
T.S.I., 14 de Junho de 2018
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong


975/2017 7