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Proc. nº 1048/2017
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 21 de Junho de 2018
Descritores:
- Concessão de terrenos
- Caducidade da concessão
- Execução do acto

SUMÁRIO:

I. O acto de execução do acto administrativo que declara a caducidade da concessão, sem que se interponham novos elementos relevantes em relação ao acto declarativo, não carece de ser precedido da audiência de interessados.

II. Não há lugar a audiência de interessados se não houver instrução e se, sem novos elementos, o acto que manda despejar o concessionário do terreno ocupado se limita a dar execução ao acto que declara a caducidade da concessão.

III. Não viola o princípio da proporcionalidade a fixação de um prazo de 60 dias para a desocupação do terreno por parte do concessionário, na sequência da declaração de caducidade da concessão, se a interessada não comprova que é curto para a tarefa que tem pela frente para cumpri-lo e se os elementos dos autos não mostram que a Administração, ao fixá-lo, incorreu em erro manifesto e grosseiro.
Proc. nº 1048/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
“A (MACAU) S.A.R.L.”, e em chinês, A有限公司, sociedade anónima, com sede em Macau, na XXX, registada na Conservatória dos Registos comercial e de Bens Móveis de Macau sob o n.º XXX, com o capital de trezentas mil patacas, -------
Interpõe neste TSI recurso contencioso -------
Do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 22 de Setembro de 2017, exarado sobre a Proposta n.º 366/DSO/2017, de 14 de Setembro, que, na sequência do despacho do Chefe do Executivo de 8/11/2016, que declarou a “caducidade da concessão do terreno”, com a área de 1800 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22135, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, designado por lote “SG1”, ordena a desocupação deste, no prazo de 60 dias, com a remoção de todos os bens móveis que se encontram naquele terreno, tais como equipamentos e materiais de construção.
Ao acto sindicado imputa a recorrente os vícios de forma, por falta de audiência de interessados e de falta de fundamentação, e de violação de lei por violação do princípio da proporcionalidade, que assim sintetizou nas conclusões da petição inicial:
“1. A ora Recorrente vem interpor recurso contencioso do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 22 de Setembro de 2017, exarado sobre a Proposta n.º 366/DSO/2017, de 14 de Setembro, que ordena a desocupação do terreno, com a área de 1800 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22135, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, designado por lote “SG1”, no prazo de 60 dias, com a remoção de todos os bens móveis que se encontram naquele terreno, tais como equipamentos e materiais de construção;
2. Não tendo sido realizada a audiência prévia, o despacho recorrido padece de vício de forma, por violação do princípio da participação e preterição absoluta do dever de audiência dos interessados, devendo ser anulado, nos termos dos artigos 21.º, n.º 1, al. c) do CPAC e 124.º do CPA;
3. Por outro lado, o despacho recorrido, que se limitou a concordar com a Proposta n.º 366/DSO/2017, não fundamentou as razões para determinar um prazo de 60 dias para a desocupação do terreno;

4. Uma vez que a Entidade Recorrida está a impor deveres e encargos à Recorrente, no sentido de desocupar o terreno num prazo muito curto, a mesma tem o dever de fundamentação por força do artigo 114.º, n.º 1, al. a) do CPA;
5. Com a leitura do acto recorrido, não é possível perceber o raciocínio da Administração chegar à conclusão proferida no ponto 5.1 da proposta n.º 366/DSO/2017;
6. Assim, o despacho ora recorrido enferma do vício de falta de fundamentação, o que leva a anulabilidade do mesmo ao abrigo do artigo 124.º do CPA;
7. Não se percebe a razão da urgência em ter o terreno em causa desocupado, quando a Administração nunca agiu com prontidão nem mostrou interesse em tomar decisões, nomeadamente no que diz respeito à alteração da finalidade, à revisão do contrato da concessão;
8. Uma vez que a Administração tem o dever de apurar se se encontram verificados os pressupostos de facto e de direito, o Chefe do Executivo deve ordenar a audiência prévia dos interessados;
9. Não tendo sido realizada a audiência prévia, o despacho recorrido padece de vício de forma, por violação do princípio da participação e preterição absoluta do dever de audiência dos interessados, devendo ser anulado, nos termos dos artigos 21.º, n.º 1, al. c) do CPAC e 124.º do CPA;
10. Acresce que o prazo de 60 dias para desocupação é desproporcional em comparação com a demora da Entidade Recorrida no que respeita ao procedimento administrativo para a alteração de finalidade da concessão por arrendamento;
11. Os equipamentos e materiais que se encontram no terreno em causa destinam-se a preparar o desenvolvimento do terreno;
12. Assim, é difícil retirar todos esses materiais num curto prazo de 60 dias e o custo de uma desocupação urgente é elevado e desproporcional em relação ao benefício que a Administração pretende obter;
13. Como o acto recorrido viola o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 5.º do CPA, o mesmo é anulável por força do artigo 124.º do CPA;
14. Uma vez que estão em causa os vícios próprios do acto de execução, ora em impugnação, o despacho recorrido é recorrível nos termos do artigo 138.º, n.º 4 do CPA.
Termos em que, e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por o acto recorrido estar ferido de ilegalidade, devendo por isso ser anulado, com as consequências legais
Requer-se a citação da entidade recorrida para, querendo, contestar, e enviar o competente processo administrativo.”
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Contestou a entidade recorrida, pugnando pela improcedência do recurso, em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
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As partes apresentaram alegações, reiterando no essencial as posições anteriormente assumidas.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer na sua vista final:
“Constitui objecto do presente recurso contencioso o despacho de 22 de Setembro de 2017, da autoria do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que ordenou o despejo do terreno ocupado pela recorrente, com a área de 1800 m2, situado na Ilha de Coloane, na Zona Industrial de Seac Pai Van, designado por lote “SG1”, no prazo de 60 dias, com demolição das construções existentes no local e remoção de automóveis, máquinas, materiais, resíduos e lixo depositados no terreno.
A recorrente, “A (Macau) S.A.R.L.”, imputa ao acto os vícios de omissão de audiência dos interessados, falta de fundamentação e violação do princípio da proporcionalidade.
Por seu turno, a autoridade recorrida bate-se pela legalidade do acto.
Vejamos.
Na sua petição de recurso, a recorrente começa por imputar ao acto a preterição da formalidade de audiência prévia. E, embora não aborde especificamente este vício nas suas alegações facultativas, também é certo que, nesta peça, igualmente refere manter a posição manifestada na petição de recurso, pelo que nos debruçaremos, no imediato, sobre tal vício.
Crê-se que, no caso, a formalidade não era exigível, pelo que não lhe assistirá razão.
Estamos perante um acto de execução do despacho que declarou a caducidade da concessão. Posto que este acto de execução seja recorrível ― não foi, aliás, suscitada qualquer questão quanto a isso ―, trata-se de um acto situado a jusante da decisão principal, mas que faz parte do mesmo procedimento e constitui uma decorrência normal daquela decisão. É relativamente a essa decisão principal, que se seguiu à fase procedimental da instrução, que pode fazer sentido invocar a necessidade e acuidade da exercitação da audiência prévia. Não quanto ao despejo que, como se referiu, é uma decorrência normal daquela decisão sobre a caducidade.
Aliás, e como já dissemos noutros casos semelhantes, mesmo que, em tese, se equacionasse um exercício de autonomização do procedimento de execução, nem assim se imporia a audição, já que não houve uma fase de instrução neste “novo” procedimento ― cf. artigo 93.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.
Improcede, pois, o vício de preterição da audiência.
Seguidamente, a recorrente sustenta que o acto padece do vício de falta de fundamentação, na medida em que, tendo-lhe concedido um prazo de 60 dias para o despejo, não explica a razão de lhe ter concedido esse prazo e não outro.
Não tem razão.
O artigo 179.º, n.º 3, da Lei de Terras dispõe que o despejo se processa nos termos e com as necessárias adaptações do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto. Este diploma prevê, no seu artigo 55.º, um prazo certo para se efectivar o despejo, que é de 45 dias. Estando previsto em lei o prazo concreto a observar, como sucede, o que tem a Administração que fundamentar? Nada. No caso, até aconteceu que a Administração concedeu um prazo superior ao previsto legalmente. Não saiu afectado qualquer direito ou interesse da recorrente. Nada havia a fundamentar neste particular aspecto.
Improcede também este vício.
Por fim, a recorrente afirma que o acto incorreu em violação do princípio da proporcionalidade. Isto porque o prazo de 60 dias que lhe foi dado para a desocupação do terreno se mostra desproporcionado no confronto com a conduta morosa da Administração em todo o processo, e porque a desocupação nesse prazo importará um custo demasiado elevado, que não é proporcional ao benefício que a Administração pretende obter.
Crê-se que também nesta parte não lhe assiste razão.
O princípio da proporcionalidade é um corolário do princípio da justiça e obriga a que as decisões administrativas que colidam com direitos e interesses dos particulares apenas possam afectar as posições destes na justa medida da necessidade reclamada pelos objectivos a prosseguir.
Dito isto, importa notar, antes de mais, que a eventual mora anterior da Administração em nada contende com a proporcionalidade ou desproporcionalidade do prazo fixado para o despejo. Pois nada permite sustentar a ideia de que os prazos a cumprir pelos particulares têm que ser proporcionais às demoras ocorridas no seio da Administração, nem extrair a conclusão de que estas demoras significam menosprezo, desinteresse ou desvalorização das matérias em que ocorrem.
Por outro lado, e como já se salientou a propósito da questão da fundamentação, o prazo para o despejo está fixado por lei em 45 dias. A Administração concedeu um prazo superior ao fixado em lei, o que pode ser indiciário de que considerou o prazo legal exíguo, tomando por mais justo, ou mais proporcional, o prazo de 60 dias. Mas daqui não decorre que o prazo de 60 dias seja insuficiente para o despejo, nem resulta que os valores/benefícios para o interesse público em que o despejo se efective naquele prazo sejam desproporcionadamente inferiores ao esforço financeiro exigido à recorrente para cumprir aquele prazo. Aliás, a recorrente não esboçou qualquer demonstração dessa alegada desproporcionalidade.
Improcede igualmente o invocado vício de violação do princípio da proporcionalidade.
Ante o exposto, e na improcedência dos vícios alegados, o nosso parecer vai no sentido do não provimento do recurso.”
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II – Pressupostos Processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 - Por despacho do Chefe do Executivo, de 8 de Novembro de 2016, tornado público pelo despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas nº 49/2016, publicado no Boletim Oficial nº 47, II Série, de 23 de Novembro de 2016, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 1800 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 22135, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van.

2 - A ora Recorrente interpôs recurso contencioso contra esse despacho do Chefe do Executivo em 22 de Dezembro de 2016, que corre termos neste Tribunal de Segunda Instância sob o Proc. n.º 17/2017.
3 – No dia 14/09/2017 foi lavrada a seguinte Proposta nº 366/DSO/2017:

Proposta N.º: 366/DSO/2017
Data: 14/09/2017
Assunto: Despejo do terreno, com a área de 1 800 m2, designado por lote “SG1”, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, descrito na CRP sob o n.º 22135 a fls. 88v no verso do livro B111A, cuja concessão foi declarada caduca, por despacho do Chefe do Executivo de 08 de Novembro de 2016. (Proc n.º 8121.02)

l. Por despacho do Chefe do Executivo, de 08 de Novembro de 2016, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 1 800 m2, designado por lote “SG1”, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, descrito na CRP sob o n.º 22135 a fls. 88v do livro B111A, a que se refere o Processo n.º 7/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP), de 29 de Fevereiro de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho (Anexo 1).
2. A declaração de caducidade da concessão acima referida foi publicada, pelo Despacho do STOP n.º 49/2016, no Boletim Oficial da RAEM n.º 47, II Série, de 23 de Novembro de 2016, e o respectivo ofício de notificação n.º 371/DAT/2016 de 25 de Novembro de 2016 já foi recebido pela “A (Macau) S.A.R.L.” em 30 de Novembro de 2016 (Anexo 2).
3. Devido à indefinição do limite do terreno e no local estão armazenados vários materiais, e após várias inspecções realizadas pelos funcionários destes Serviços, em 07 de Setembro de 2017, foi confirmado que no interior do terreno existem alguns automóveis estacionados, máquinas de construção, materiais de construção, barracas de ferro, resíduos sólidos e lixo. Não sabemos quem são os proprietários dos referidos automóveis (Anexo 3).
4. Enfrentando o seguimento de caducidade da concessão, deve considerar-se o seguinte:
4.1. Nos termos do artigo 117.º e do n.º 1 do artigo 136.º do «Código do Procedimento Administrativo» (CPA) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M de 11 de Outubro, o acto administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado e é executório logo que eficaz, não obstando à perfeição do mesmo por qualquer motivo determinante de anulabilidade, salvo os actos previstos no artigo 137.º do mesmo código;
4.2. Por outro lado, ao abrigo das disposições do artigo 22.º do «Código do Processo Administrativo Contencioso» aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M de 13 de Dezembro, o recurso contencioso não tem efeito suspensivo da eficácia do acto recorrido;
4.3. Assim sendo, quer interponha o recurso contencioso quer não, a ordem emitida pela Administração tem de ser executada;
4.4. Com base no n.º 2 do artigo 179.º da Lei n.º 10/2013 «Lei de terras», o despejo processa-se nos termos e com as necessárias adaptações do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto «Regulamento Geral da Construção Urbana» (RGCU);
4.5. Os objectos, materiais e equipamentos abandonados no terreno serão tratados de acordo com as disposições do artigo 210.º da «Lei de terras».
5. Em face do exposto, em conformidade com a alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da «Lei de terras» e com o artigo 55.º do RGCU, submete-se a presente proposta à consideração superior, a fim de:
5.1. Ordenar, no prazo de 60 dias a contar da data da notificação, o despejo da “A (Macau) S.A.R.L.”, do terreno com a área de 1 800 m2, designado por lote “SG1”, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, descrito na CRP sob o n.º 22135 a fls. 88v do livro B111A, cuja concessão foi declarada caduca por despacho do Chefe do Executivo de 08 de Novembro de 2016, devendo demolir todas as construções existentes no local, tais como construções em estrutura metálica e chapas de ferro, removendo também todos os automóveis, máquinas de construção, materiais de construção, resíduos sólidos e lixo que se encontram no interior do terreno.
Caso não se execute no referido prazo de 60 dias,
5.2. A DSSOPT irá executar coercivamente o referido despejo de acordo com o artigo 56.º do RGCU.
À consideração superior
O Técnico Superior
XXX
***
IV – O Direito
1 – Nota prévia
O objecto do presente recurso é um acto de execução da autoria do Secretário para as Obras Públicas e Transportes do acto prévio do Chefe do Executivo.
1 - Foram 3 os vícios imputados ao acto:
- Vício de forma por falta de audiência prévia de interessados;
- Vício de forma por falta de fundamentação;
- Vício de violação de lei por violação do princípio da proporcionalidade.
Conheçamo-los.
*
2 – Da omissão da audiência de interessados.
Com fundamento nos arts. 10º e 93º do CPA, pretensamente desrespeitados, pede a recorrente a anulação do acto.
Realmente, não houve audiência de interessados! Mas, como é bom de ver, o acto sindicado limita-se a dar execução ao acto anterior do Chefe do Executivo, que tinha declarado a caducidade da concessão do terreno em causa, em virtude do decurso do respectivo prazo de duração.
Ora, se este acto de execução nada traz de novo em termos substantivos ou materiais em relação ao acto executado1, a não ser a consequência normal e própria da concretização material do acto declarativo já citado, não se crê que fosse necessário ouvir o interessado para se pronunciar de novo sobre uma solução que automaticamente emerge da determinação administrativa primária e prévia e sobre a qual já a recorrente tinha vertido impugnação contenciosa no âmbito do Processo nº 17/2017 (Neste sentido, entre outros, Ac. do TSI, de 30/11/2017, Proc. nº 626/2016).
De resto, também se nos afigura desnecessária a audiência de interessados, em virtude de no caso em apreço não ter havido instrução, face ao que dispõe o art. 93º, nº1, do CPA (cit. aresto).
Improcede, pois, o vício em apreço.
*
3 – Do vício de forma por falta de fundamentação
A recorrente advoga que não está fundamentada a concessão de um prazo de 60 dias para a realização do despejo e desocupação do terreno objecto da concessão.
Não podemos dar-lhe razão.
Como se diz no aludido acórdão de 30/11/2017, “… o despejo do concessionário, segundo o que o prevê o art. 179º, nº2, da Lei de Terras processa-se nos termos do art. 79/85/M, de 21 de Agosto. E este diploma estabelece que o despejo será efectuado administrativamente, no prazo de 45 dias a contar da respectiva notificação.
Ora, o prazo concedido de 60 dias ultrapassou o prazo legalmente previsto (não parece que a lei proíba a fixação de prazo maior: neste sentido, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código de Procedimento Administrativo, 2ª ed., pág. 366). Sendo “favorável”, portanto, aos interesses da recorrente, nem mereceria fundamentação justificativa do prazo, nem faria esperar a presente impugnação.
De qualquer maneira, mesmo que se entenda que o prazo de 45 dias não se aplica ao caso vertente, uma vez que o art. 179º, nº2 citado apenas manda que o despejo seja “processado” de acordo com o disposto nos arts. 55º e 56º do DL nº 79/85/M (“processamento” que excluiria a matéria da fixação dos prazos), nem por isso se acha que o vício merece proceder.
É que se tem que considerar que a fixação do prazo tem implícita uma ideia de suficiência. Quando um órgão determina um prazo fá-lo por lhe parecer ser suficiente para que o administrado o possa cumprir. Impondo um prazo certo, quando se supõe que é curto para cumprir o dever que impende sobre o particular, então o acto poderá padecer de desrazoabilidade ou desproporcionalidade. E esse será outro fundamento invocável pelo recorrente, que aqui, porém, não suscitou.
Improcede, pois, o recurso quanto a esta alegada causa invalidante.”.
Porque fazemos nossa a argumentação acabada de transcrever, somos também aqui a dar por improcedente o vício suscitado.
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4 – Da violação do princípio da proporcionalidade
Por fim, a recorrente não entende a pressa em a Administração ver o terreno desocupado, tendo em conta a falta de prontidão com que ela mesma agiu no procedimento, nomeadamente quanto à alteração da finalidade e à revisão do contrato de concessão.
Considera, depois, que o prazo de 60 dias concedido para a desocupação do terreno é curto, atendendo à necessidade de retirar todos os materiais ali existentes em grande quantidade.
Quanto ao primeiro aspecto da sua invocação, trata-se de um argumento não jurídico, que, por isso, no plano do direito não tem força, nem aptidão para densificar o preenchimento da imputada violação do princípio da proporcionalidade.
Quanto ao segundo, convocamos o que foi dito no Ac. do TSI de 30/11/2017, no Proc. nº 334/2017: “Vamos admitir que a fixação do prazo é livre e não está sujeito ao limite previsto no art. 55º, nº2, do DL nº 79/85/M. Bem, nesse caso, teremos que supor que a situação será de actuação discricionária, caso em que violação do princípio da proporcionalidade (art. 5º do CPA) só poderia proceder se a actuação administrativa revelasse um erro grosseiro e manifesto, como tem sido jurisprudência uniforme do TUI e do TSI. E tal não está configurado no caso dos autos.
Na verdade, a interessada recorrente não comprova que esse prazo é curto para toda a tarefa que tem pela frente para cumprir o despacho. (…) Aliás, se o problema era só esse (o de falta de tempo), não se percebe por que a recorrente não solicitou mais tempo para cumprir a exigência constante da notificação”.
Fazemos nossa esta fundamentação.
Efectivamente, não está minimamente demonstrado que o sacrifício eventual da recorrente seja desmesuradamente superior ao benefício que decorre do cumprimento do acto administrativo. Não se crê, pois, que este prazo seja curto demais e que imponha um gravame não aceitável em termos de proporcionalidade.
Para dizer, enfim, que o princípio, consignado no artigo 5º, nº2, do CPA, não se mostra violado.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 8 UCs.
T.S.I., 21 de Junho de 2018
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui Presente
Joaquim Teixeira de Sousa


1 Aliás, apenas admitimos o recurso na medida em que os vícios invocados ssão próprios e exclusivos do acto de execução e não do acto executado, pois de outro modo não o poderíamos admitir, face ao art. 30º, nº1, do CPAC.
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