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Processo nº 507/2018 Data: 21.06.2018
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Acidente de viação (e de trabalho).
Intervenção provocada.
Legitimidade.
Incapacidade parcial permanente.
Caso julgado.

SUMÁRIO

1. Se o Tribunal proferiu decisão expressa, admitindo a intervenção provocada da entidade patronal do ofendido e da sua seguradora, que até acabaram por vir aos autos, a questão da sua “legitimidade processual” constitui “caso julgado formal”, (no processo), não mais podendo voltar a ser objecto de discussão.

2. A excepção de caso julgado (material) ocorre quando se repete uma causa, estando a primeira decidida por sentença que já não admita recurso ordinário.

3. Repete-se uma causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos “sujeitos”, ao “pedido” e à “causa de pedir”.

O relator,
_________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 507/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A – COMPANHIA DE SEGUROS S.A.”, (A保險股份有限公司), demandada no pedido de indemnização civil enxertado nos Autos de Processo Comum Colectivo no T.J.B. registado com a referência CR4-15-0462-PCC, vem recorrer do Acórdão proferido (na parte) que a condenou a pagar:
- a quantia de MOP$475.041,33 à demandante B;
- a quantia de MOP$386.688,67 à interveniente, “COMPANHIA DE SEGUROS DA C (MACAU), S.A.”, (C保險(澳門)股份有限公司); e
- a quantia de MOP$24.365,00 à interveniente, “D CASINO, S.A.”, (D娛樂場股份有限公司).

Em sede da motivação do seu recurso produziu as conclusões seguintes:

“A. Correu termos no Juízo Laboral, sob o n.° LB1-15-0051-LAE, uma Acção Especial de Trabalho em que foram partes a Demandante, a entidade patronal, D e a seguradora responsável pelos acidentes de trabalho, C.
B. Nessa acção (laboral) apurou-se e decidiu-se sobre qual o valor das despesas médicas, qual a percentagem de ITA (por acordo das partes) e a de IPP (por sentença transitada em julgado.
C. Dado entender tratar-se de uma causa prejudicial, o ora Recorrente sugeriu o adiamento da audiência de discussão e julgamento agendada (fls. 855 e 856). Requerimento esse que foi deferido, através do seguinte despacho de fls. 858:
“Face ao pedido da demandada a fls. 855 e ss., ainda ponderada a pendência da decisão do proc. LB1-15-0051-LAE, por ora, dou sem efeito a data do julgamento marcada.
Nova data: Sine-die.
À secção oportunamente diligenciar o resultado do processo laboral”.
D. Pouco depois, por despacho a fls. 897 foi, ainda, despachado o seguinte:
“第892至895頁(圖文傳真︰第889至891頁)︰閱。
儘管原告反對誘發參加利害關係人於第876頁請求獲取第LB1-15-0051-LAE號卷宗的相關臨床法醫學意見書的證明書,但考慮到, digo, 誘發參加利害關條人提出有關請求的理據尚屬合理及有助於本案的審理,故本法推持於第888頁背頁批准有關措施的決定,但這並不會妨礙本案已決定等待上述勞動案件的最終裁定結果(尤其當中的長期部份無能力的訂定)。
作出必要措施。”
E. Entretanto, por ofício do Juízo Laboral, a fls. 915, foi junto aos presentes autos uma fotocópia da sentença, transitada em julgado, lavrada naquele processo laboral (LB1-15-0051-LAE), onde se fixava uma IPP de 10% (4% + 6%) com efeitos a partir de 25 de Setembro de 2014.
F. Pelo que, ainda antes do julgamento, passou a constar dos presentes autos duas percentagens de IPP diferentes para exactamente a mesma situação clinica:
- uma fixada por perícia médica realizada em 16/09/2015 no âmbito do presente processo e onde foi fixado uma IPP de 21 % (cfr. fls 704); e
- outra fixada por sentença, transitada em julgado, no âmbito do referido processo laboral onde foi determinado uma IPP de 10% (com efeitos a partir de 25 de Setembro de 2014), sentença essa fundamentada em perícia médica realizada em 04/11/2016 (cfr. fls. 877 e fls 915).
G. Na verdade, o despacho de fls. 858 operou uma suspensão do processo, nos termos do n.1 do art.° 223. do CPC.
H. Contudo, apesar de se tratar de uma causa prejudicial o Meritíssimo Juiz a quo sumarizou a importância dessa sentença (laboral) através dos seguintes parágrafos a páginas 36 do Acórdão recorrido:
“以及卷宗第916至919頁之工業意外判決書中,評定民事請求人的傷殘率為10%。
誠然,在工業意外卷宗內,該持案法官裁定民事請求人患有10%傷殘率,繼而定出賠償金澳門幣169,920.00元,有關金額已由C保險公司向民事請求人支付。(見第919頁、第1103-1105頁)
但考慮到上述二個不同卷宗內的傷殘率系數不相同,乃建基於二個不同案件之不完全相同事實,而且,他們的鑑定醫生也不相同,所出現的民事請求人的傷殘率不相同也是可能的,二者之間並無矛盾。
更重要的是,本案中已充份讓各當事人作出辯論權利,故應採納本交通意外卷宗內,由本庭委任的鑑定醫生之專業意見,即民事請求人應患有21%長期無能力狀態或傷殘率。”
I. Ou seja, para efeitos de pagamento à seguradora C o Meritíssimo Juiz a quo aceita os 10% de IPP fixados na sentença do juízo laboral, mas para efeitos de pagamento à vitima fixa uma IPP de 21 %
J. O acórdão recorrido desvaloriza a sentença lavrada no processo laboral (fls. 917 a 919), já transitada em julgado desde o dia 04/05/2017 (cfr. informação a fls. 915), onde se decidiu sobre a mesma relação material controvertida em discussão nos presentes autos.
K. Ora, nos termos do n. 1 do art.° 574 do CPC “Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pêlos artigos 416.° e seguintes (…)”.
L. Sendo que nos termos do art.° 416.° do CPC e com as necessárias adaptações:
- existe uma repetição da causa (neste caso: as mesmas partes – à excepção da ora recorrente –, o mesmo acidente, a mesma vitima e exactamente as mesmas lesões);
- para além da sentença do juízo laboral ter sido tomada e transitado em julgado ainda antes do julgamento destes autos.
M. Pelo que deveria ter sido dado como provado que a IPP da vitima era de 10%, dando-se sem efeito a perícia médica que fixava esse mesmo IPP em 21 %.
N. Desse modo, o Acórdão recorrido violou o n.° 1 do art.° 223.°, o n.1 do art.° 574.° e o art.° 416.° todos do CPC.
O. Doutro passo, e ainda respeitante a esta questão, o Acórdão recorrido não analisou criticamente a prova, nomeadamente aquela sentença do juízo laboral, nem especificou os fundamentos considerados decisivos para formar a sua convicção sobre essa matéria.
P. Pelo que violou o disposto no n.° 4 do art.° 87.° e o disposto n.° 2 do art.° 355.° do CPP).
Q. Foi dado como provado que “as lesões sofridas lhe provocaram uma incapacidade absoluta para o trabalho de 342 dias.” ou seja que o período de ITA decorreu de 19/10/2013 até 25/09/2014 (o que também está dado por provado).
R. Foi, também, dado como provado que “devido ao acidente a Demandante realizou, ainda, várias despesas médicas com tratamentos, consultas e medicamentos, no montante global de MOP 60.082,00 (sessenta mil e oitenta patacas) – cfr. doc. 58 a 187 (foram pagos pela C).”.
S. Ou seja, de acordo com o acórdão recorrido:
O período de ITA “… de 19/10/2013 até 25/09/2014… correspondeu ao pagamento de “… despesas médicas de MOP 60.082,00 (sessenta mil e oitenta patacas (cfr. factos provados). O período de IPP “… a partir de 25/09/2014… (cfr. sentença a fls. 917) correspondeu ao pagamento do IPP.
T. Logo, as restantes despesas, que a ora Recorrente foi condenada a pagar à Demandante, MOP 21.066,00 e à C, MOP 21.640,00, não encontram fundamento de facto ou de direito no Acórdão recorrido.
U. Na verdade, só são devidas despesas médicas efectuadas durante o período de ITA seja, quando ainda seja possível uma recuperação das lesões sofridas, pois, a partir do fim do ITA já a situação clinica se torna definitiva, sendo, consequentemente o lesado compensado através do pagamento da IPP.
V. Quanto a esta matéria, o Acórdão recorrido, também, não analisou criticamente a prova, nem especificou os fundamentos considerados decisivos para formar a sua convicção.
W. Pelo que, para além de erro notório na apreciação da prova e da analise dos factos provados, o Acórdão recorrido violou o disposto no n.° 4 do art.° 87.° e o disposto n.° 2 do art.° 355.° do CPP).
x. Por outro lado, desde, pelo menos, o dia 08/05/2017 que a Demandante aceitou uma taxa de desvalorização de 10% e recebeu o respectivo pagamento no âmbito do processo laboral (fls. 968 a 972);
Y. Apesar disso, no dia 22/11/2017 ainda ampliou o seu pedido contando com a taxa de desvalorização de 21 % fixada em 16/09/2015.
Z. Tal facto, consubstancia abuso de direito na dimensão de venire contra factum próprio, pelo que nos termos do art.° 326.° do Código Civil, não poderia a Demandante um valor superior ao anteriormente aceite e ressarcido.
AA. Por fim, por articulados próprios a intervenientes D e Companhia de Seguros da C sub-rogararn-se nos direitos da Demandante e ao abrigo do Decreto-Lei n.° 40/95/M, de 14 de Agosto reclamaram o pagamento de despesas, despesas médicas, de ITA e de IPP efectuadas no âmbito do processo laboral.
AB. Como resposta ao pedido de ampliação da Companhia de Seguros da C a ora Recorrente fez o seguinte requerimento:
“(…) Contudo, como acima se demonstrou, no presente caso e à luz do disposto no citado ponto (5) da alínea a) do art.° 3.°, não estamos perante uma situação de acidente de trabalho, pelo que falta um dos pressupostos previstos e definidos nesse n.° 1 do art.° 58.°, que é o de o acidente ser de viação e, também, acidente de trabalho.
Ora, faltando os pressupostos previstos e definidos pelo art.° 3.° e pelos n.°s. 1 e 3 do art.° 58.°, ambos do referido Decreto-Lei n.° 40/95/M, a C não se pode sub-rogar nos direitos do sinistrado.
Nos termos da alínea e) do art° 413° do Código de Processo Civil a ilegitimidade é uma excepção dilatória e, como tal:
- é de conhecimento oficioso pelo tribunal, nos termos do art.° 414.° do CPC; e
- de acordo com o n° 2 do art° 412° do mesmo Diploma, obsta a que o tribunal conheça o mérito da causa, dando lugar, neste caso, à absolvição da instância.
O que ora se requer. (…)”.
AC. Foi esse requerimento decidido no acórdão recorrido (cfr. pags. 41 a 45 e segs.) do seguinte modo: 故裁定A保險股份有限公司提出之抗辯理由不成立。
AD. Tendo, de seguida, a ora Recorrente sido condenada a pagar à D e á Companhia de Seguros da C a totalidade dos valores por elas peticionado (cfr. pags. 47).
AE. Ora, compulsados os autos e a matéria de facto provada, verifica-se que o acidente ocorreu quando a Demandante se deslocava como passageira do veículo ML-55-XX, conduzido (cfr. fls. 28 e matéria de facto provada).
AF. Esse veículo é propriedade de E, como resulta da informação constante a fls. 28 dos autos.
AG. Assim sendo a Demandante não estava a utilizar um meio de transporte fornecido pelo empregador.
AH. Pelo que o acidente em questão não poderá considerar-se como acidente de trabalho, por falta do requisito de utilização de um “(…) meio de transporte fornecido pelo empregador;”, conforme estipulado no referido n.° (5) do art.° 3.° do Decreto-Lei.
AI. Ora, se o direito de indemnização do segurado não resulta das normas do Decreto-lei n.° 40/95/M, o mesmo se aplicará à seguradora e á entidade patronal que se sub-rogam nesse mesmo direito.
AJ. Neste caso, no que diz respeito à questão de o acidente in itenere também ser, ou não, considerado acidente de trabalho, o que acontece à que o direito de indemnização do sinistrado resulta da cláusula especial do contrato de seguro de acidente de trabalho.
AK. Contudo, a apólice de seguro com base na qual se dá a intervenção (cfr. doc. n.1 do requerimento datado de 31/07/2015) vincula apenas quem a assinou, ou seja, a Companhia de Seguros da C e a entidade patronal da vítima, D.
AL. Essa apólice de seguro não vincula a ora Recorrente, muito menos o tribunal.
AM. Se o referido Decreto-lei apenas considera acidentes de trabalho, no trajecto de ida e volta para o local de trabalho, apenas nos casos de ser utilizado meio de transporte fornecido pelo empregador, não pode esse Decreto-lei ser alterado através de uma apólice de seguro.
AN. Ora, faltando os pressupostos previstos e definidos pelo art.° 3.° e pelos n.°s. 1 e 3 do art.° 58.°, ambos do referido Decreto-Lei, as intervenientes não poderiam socorrer-se deste Decreto-lei para intervir nos presentes autos. São, portanto, partes ilegítimas.
AO. Ilegitimidade essa que nos termos da alínea e) do art° 413° do Código de Processo Civil é uma excepção dilatória e, como tal, de acordo com o n°2 do art° 412° do mesmo Diploma, obstaria e obsta a que o tribunal conheça o mérito da causa e dá lugar, neste caso, à absolvição da instância.
AP. À absolvição da instância da Recorrente, que é contra quem é dirigido o pedido, feito em articulado próprio, pelas referidas Intervenientes.
AQ. Pelo que ao decidir que故裁定A保險股份有限公司提出之抗辯理由不成立。 e ao condenar a ora Recorrente a pagar à Companhia de Seguros da C a quantia de MOP 386.688,67 e à D a quantia de MOP 24.365,00 o acórdão Recorrido violou as seguintes disposições legais:
- parágrafo, n.° (5) do art.° 3.° do Decreto-Lei n.° 40/95/M, de 14 de Agosto;
- n.° 1 e n.° 3 do art.° 58.° do referido Decreto-Lei 40/95/M de 14 de Agosto;
- alínea e) do art° 413°, n°2 do art° 412° e art.° 414.° todos do Código de Processo Civil (CPC);
Para além de ter violado as seguintes disposições legais:
- n.°1 do art.° 223.° do CPC;
- n.° 1 do art.° 574.° do CPC;
- art.° 416.° do CPC;
- n.° 4 do art.° 87.° do Código de Processo Penal;
- n. 2 do art.° 355.° do CPP;
- art.° 326.° do Código Civil (CC)”.

A final, pede “que o presente recurso ser julgado procedente, sendo, consequentemente, revogado o Acórdão, na parte em que ora se recorreu e substituído por outro que absolva a Recorrente da instância ou do pedido; ou alternativamente,
se requer a redução de cada um dos valores parciais da indemnização para montantes condizentes com a verdade material obtida através da prova produzida nos autos”; (cfr., fls. 1203 a 1231 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Responderam a demandante B e a interveniente “COMPANHIA DE SEGUROS DA C (MACAU), S.A.”, pugnando (ambas) pela improcedência do recurso.

A demandante, para concluir afirmando o que segue:

“I. A Demandada Civil A MACAU – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. veio interpor recurso do acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância em 02 de Março de 2018.
II. A Recorrente insurge-se quanto à decisão recorrida por entender que a mesma andou mal ao decidir: (a) atribuir maior relevância à perícia médica efectuada no âmbito dos presentes autos que fixou a IPP de 21% à Demandante Civil, face à perícia feita no âmbito do processo laboral que fixou uma IPP de 10%; (b) Condenar a Recorrente a pagar à Demandante Civil as despesas médicas no valor de MOP$21.066,00 e à COMPANHIA DE SEGUROS DE C (MACAU), S.A. as despesas médicas no valor de MOP$21,640.00; (c) Não condenar a Demandante Civil em abuso de direito; e (d) Considerar partes legítimas nos presentes autos a Interveniente COMPANHIA DE SEGUROS DE C (MACAU), S.A. e a Interveniente D CASINO, S.A.
III. No recurso por si apresentado, vem a Recorrente alegar que o tribunal a quo atribuiu maior relevância à perícia efectuada no âmbito do presente processo-crime, que fixou a IPP de 21 % à Demandante Civil, face à perícia feita no âmbito do processo laboral que fixou a IPP da Demandante Civil em 10 %.
IV. Acrescentou também que, ao dar como provado que a IPP da Demandante Civil é de 21 %, em vez 10 %, como consta na perícia feita no âmbito do processo laboral, o acórdão recorrido contradiz a disposto na sentença do processo laboral, já transitada em julgado, pelo que viola o caso julgado material.
V. Não se vislumbra qualquer fundamento legal que possa assistir razão à tese apresentada pela Recorrente e que, consequentemente, fundamente a revogação do acórdão sub judice.
VI. A decisão recorrida defende que não existe qualquer contradição entre as duas perícias constantes dos autos, na medida em que as questões factuais postas à consideração dos senhores Peritos não são exactamente iguais, sendo que não tendo sido os mesmos peritos a realizar ambos os relatórios periciais, a apreciação médica da incapacidade da Demandante pode variar em função da opinião de cada Perito.
VII. Somos da opinião que não merece qualquer reparo o entendimento propugnado no acórdão, no que tange à harmonização entre as duas perícias.
VIII. Não corresponde à verdade que o tribunal a quo tenha atendido apenas ao relatório pericial constante dos presentes autos, que fixou uma IPP de 21%, uma vez que, o Tribunal a quo considerou também, quer a fixação da IPP ocorrida em sede de acção laboral, quer as quantias já pagas a esse título pela interveniente COMPANHIA DE SEGUROS DE C (MACAU), SA., com base na IPP fixada nessa sede.
IX. O que a Recorrente pretende é imiscuir-se na livre apreciação da prova que cabe ao Tribunal.
X. Cabe ao Juiz de Direito, nos termos do artigo 114.° do CPP, perante toda a prova feita em juízo, e de acordo com a sua livre convicção, atribuir maior relevância a determinadas provas carreadas aos autos, face a outras que, do seu ponto de vista, não merecem tanta credibilidade ou não satisfazem, da forma mais adequada, as exigências probatórias dos autos.
XI. Constando dos autos um relatório pericial feito já em sede de julgamento, precisamente, na sequência do pedido efectuado pela Recorrente na sua contestação, não vislumbramos porque motivo não deveria o douto Tribunal atribuir-lhe a relevância devida e, por outro lado, atribuir maior destaque à perícia elaborada no âmbito de um processo laboral em que o Mm.° Juiz não teve qualquer oportunidade de construir a sua livre convicção.
XII. O que a Recorrente verdadeiramente pretende é deitar mão da perícia efectuada no âmbito do processo laboral, apenas porque aquela lhe é mais favorável, na medida em que acarretaria o pagamento de uma indemnização de valor inferior.
XIII. Se a Recorrente não concorda com a IPP fixada no âmbito da perícia feita em 16 de Setembro de 2015, nos presentes autos, deveria, no momento oportuno, ter reclamado da mesma, suscitado as questões que pretendia ver esclarecidas, ou requerido as diligências que entendesse convenientes face à não conformação com a IPP alcançada.
XIV. Porém, notificada da perícia em apreço, a Recorrente nada reclamou, fez ou requereu, pelo que processualmente se conformou com o resultado a que ali se chegou.
XV. A perícia havida em 16 de Setembro de 2015 não padece de qualquer vício de natureza formal ou material, pelo que andou bem o Mm.° Juiz em firmar a sua convicção naquele elemento probatório.
XVI. A decisão sub judice não padece de qualquer dos vícios apontados, nomeadamente, violação do n.° 1 do artigo 223.°, do n.° 1 do artigo 574.° e do artigo 416.°, todos do CPC, nem tão pouco padece do vicio de falta de fundamentação, inserto no n.° 4 do artigo 87.° do CPP, pelo que, deve a mesma manter-se nos seus exactos termos.
XVII. O Acórdão sub judice determinou que a Recorrente deverá pagar à Demandante a quantia de MOP$21.066,00 e à Interveniente COMPANHIA DE SEGUROS DE C (MACAU), S.A. a quantia de MOP$82,642.00 (MOP$21,640.00 + MOP$61,002.00), a título de despesas médicas.
XVIII. De acordo com a Recorrente, andou bem o douto Tribunal ao condenar o pagamento de MOP$61,002.00 à Interveniente COMPANHIA DE SEGUROS DE C (MACAU), S.A. a título de despesas médicas efectuadas durante o período de ITA, porém, as restantes despesas médicas em que a Recorrente foi condenada, nomeadamente, a quantia de MOP$21.066,00 a pagar à Demandante e a quantia de MOP$21,640.00 a pagar à Interveniente COMPANHIA DE SEGUROS DE C (MACAU), S.A. não encontram fundamento de facto ou de direito no Acórdão recorrido.
XIX. A Demandante Civil, bem como a Interveniente COMPANHIA DE SEGUROS DE C (MACAU), S.A., quer através de prova documental junta aos autos nos seus articulados, quer no âmbito da audiência de discussão e julgamento, fizeram prova cabal das despesas médicas com tratamentos, consultas e medicamentos havidas.
XX. Como tal, não sofre o acórdão recorrido de falta de fundamentação, nem tão pouco incorre o mesmo em erro notório na apreciação da prova.
XXI. A Recorrente veio ainda alegar que a Demandante Civil, no dia 08 de Maio de 2017, data em que recebeu o cheque para pagamento dos 10 % de IPP fixados no âmbito da acção laboral, aceitou que a sua taxa de desvalorização seria de 10 %, em sede de IPP, como tal, quando em 22 de Novembro de 2017, a Demandante ampliou o pedido contando com a taxa de desvalorização de 21 %, agiu em abuso de direito, na dimensão de venire contra factum própria.
XXII. Em sede de ampliação de pedido, a Demandante Civil apenas infirma que ficou a padecer de uma IPP de 21 % porque foi essa a taxa de desvalorização alcançada no âmbito da perícia requerida pela Recorrida e efectuada por um médico imparcial dos Serviços de Saúde.
XXIII. Uma leitura atenta da ampliação do pedido efectuado pela Demandante Civil, permite perceber com clarividência que o objecto da ampliação diz respeito ao valor de MOP$43,626.00, respeitante a despesas médicas relativas a consultas, provadas documentalmente e não versa expressamente sobre a taxa de desvalorização em sede de IPP.
XXIV. De modo algum pode assumir-se que, pelo facto de ter recebido o cheque para pagamento dos 10% de IPP no âmbito do processo laboral, a Demandante Civil aceitou a taxa de desvalorização de 10 %.
XXV. Pelo exposto, também neste ponto não pode proceder o recurso apresentado pela Recorrente, devendo o acórdão proferido ser mantido, com o consequente indeferimento do recurso apresentado”; (cfr., fls. 1240 a 1254).

Por sua vez, na sua resposta, produziu a interveniente as conclusões seguintes:

“I. A Demandada Civil A MACAU – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. veio interpor recurso do acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância em 02 de Março de 2018.
II. A Recorrente insurge-se quanto à decisão recorrida por entender que a mesma andou mal ao decidir: (a) atribuir maior relevância à perícia médica efectuada no âmbito dos presentes autos que fixou a IPP de 21% à Demandante Civil, face à perícia feita no âmbito do processo laboral que fixou uma IPP de 10%; (b) Condenar a Recorrente a pagar à Demandante Civil as despesas médicas no valor de MOP$21.066,00 e à COMPANHIA DE SEGUROS DE C (MACAU), S.A. as despesas médicas no valor de MOP$21,640.00; (c) Não condenar a Demandante Civil em abuso de direito; e (d) Considerar partes legítimas nos presentes autos a Interveniente COMPANHIA DE SEGUROS DE C (MACAU), S.A. e a Interveniente D CASINO, S.A.
III. Ponderando os argumentos subjacentes às sobreditas questões colocadas pela Recorrente, com a decisão recorrida e demais elementos juntos aos autos, não assiste, salvo devido respeito, qualquer razão à Recorrente, motivo pelo qual não poderá o recurso senão improceder, mantendo-se, a final, a decisão recorrida.
IV. Relativamente ao ponto da ilegitimidade da intervenção da Companhia de Seguros C, vem a Recorrente alegar que o tribunal a quo decidiu de forma errada, pois no seu ver, não poderia considerar como acidente de trabalho o acidente discutido no âmbito do processo laboral n.° LB1-15-0051-LAE, do Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base, não devendo ter sido condenada a pagar à ora Recorrida o montante\de MOP$386,688.67.
V. Se entendesse a Recorrente que a Recorrida não era parte legítima na presente causa não deveria ter promovido o seu chamamento, como o fez. Mas tendo requerido essa intervenção não pode agora alegar que aquela é parte ilegítima.
VI. Será, então, de afirmar sem margem para dúvidas, que a Recorrida é parte legítima na presente demanda porque foi requerido o seu chamamento pela Recorrente e deferida a sua intervenção pelo Tribunal através do despacho de fls. 416 já transitado em julgado.
VII. Além disso, Conforme alegado pela Recorrente, o acidente em discussão nos autos ocorreu quando a sinistrada ia para o seu local de trabalho.
VIII. Nos termos do preceituado no artigo 3° alínea a), (5) do Decreto-lei n.° 40/95/M na versão anterior à entrada em vigor da Lei n.° 6/2015, estamos perante um acidente de trabalho quando ocorre “na ida para o local de trabalho ou no regresso deste, quando for utilizado meio de transporte próprio fornecido pelo empregador”.
IX. Socorrendo-se deste normativo alega a Recorrente que o acidente em discussão nos autos não é acidente de trabalho por se encontrar fora das situações mencionadas no aludido normativo porquanto o veículo utilizado pelo sinistrado não ser um veículo fornecido pelo empregador.
X. Olvida a Recorrente que, mesmo antes da entrada em vigor da Lei n.° 6/2015, o conceito de acidente de trabalho no que respeita aos acidentes ocorridos no trajecto de ida e regresso para o local de trabalho poderia ir para além das circunstâncias descritas no supra transcrito artigo 3°, alínea a), 5) do Decreto-lei n.° 40/95/M, desde que tal fosse convencionado entre entidade patronal e seguradora.
XI. Nos termos do artigo 13° da Portaria n.° 236/95/M – que aprovou as tarifas de prémios de seguro e condições para o ramo de acidentes de trabalho – sob epigrafe: “Cobertura de risco de trajecto” podia ler-se (na redacção anterior à ordem executiva n° 38/2015) que: “Quando o segurado pretenda incluir no seguro a cobertura dos acidentes que possam ocorrer durante o trajecto para o local de trabalho ou no regresso deste, há lugar a aplicação da sobretaxa mínima de 0.4%.”, ou seja, O segurado pode, mediante o pagamento de uma sobretaxa sobre o prémio, incluir no seguro de acidente de trabalho a cobertura dos acidentes que possam ocorrer durante o trajecto para o local de trabalho ou no regresso deste, independentemente do meio de transporte utilizado pelo sinistrado.
XII. De acordo com a apólice que titula o contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado entre a Recorrida e entidade patronal do sinistrado, prevê a clausula 1) que: “Este seguro é estendido para cobrir acidentes sofridos pelos empregados durante o curso normal de ida e vinda do lugar de emprego, mesmo quando o meio de transporte utilizado não seja fornecido pelo segurado. O tempo operatório de cada jornada (de ida e vinda da sua residência) é limitado a 2 horas. (sublinhado e destacado nosso)
XIII. Resulta assim claro que a apólice em causa que titula o contrato de seguro de acidente de trabalho celebrado entre a Recorrida e a entidade patronal do sinistrado garantiu de forma expressa a cobertura do risco no caso de acidentes sofridos pelos seus trabalhadores no percurso de e para o local de trabalho independentemente de se deslocarem em veículo próprio ou fornecido pela entidade patronal, nesta conformidade o sinistro dos presentes autos tem natureza de acidente de trabalho.
XIV. Mas mesmo que se entenda que não tem a natureza de acidente de trabalho por não ser passível de se incluir na definição expressa do artigo 3°, ainda assim a Recorrida tem direito a ser ressarcida nos precisos termos da apólice junta aos autos e do artigo 13° da Portaria n° 236/95/M conforme foi já decidido em aresto do Venerando Tribunal de Segunda Instância no processo n.° 217/2011, razão pela qual será de improceder a invocação da Recorrente.
XV. Pelo exposto, neste ponto não pode proceder o recurso apresentado pela Recorrente, devendo o acórdão proferido ser mantido, com o consequente indeferimento do recurso apresentado”; (cfr., fls. 1266 a 1275).

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Adequadamente processados os autos, cumpre apreciar.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido, a fls. 1170-v a 1175, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Como resulta do que se deixou relatado, vem a demandada seguradora, (“A – COMPANHIA DE SEGUROS S.A.”), recorrer do Acórdão prolatado pelo Colectivo do T.J.B..

Sendo as conclusões da motivação de recurso que delimitam as questões a apreciar – com excepção das de conhecimento oficioso que, no caso, não parece haver, – afigura-se-nos que no âmbito do presente recurso importa apreciar as questões seguintes:
- “percentagem da incapacidade parcial permanente”,(cfr., concl. A a P);
- “despesas médicas”, (cfr., concl. Q a W);
- “abuso do direito”, (cfr., concl. X a Z); e,
- “ilegitimidade”, (cfr., concl. AA a final).

Assim postas as coisas, e não estando esta Instância vinculada a apreciar as questões suscitadas na mesma ordem em que pela recorrente vêm apresentadas, mostra-se-nos de se começar pela da “ilegitimidade”.

–– Da alegada “ilegitimidade”.

Pois bem, diz a demandada, ora recorrente, que as intervenientes “COMPANHIA DE SEGUROS DA C (MACAU), S.A.” e “D CASINO, S.A.” são partes “ilegítimas”, alegando o que consta da sua motivação de recurso e conclusões que atrás se deixaram transcritas.

Porém, é evidente que esta questão terá de ser julgada improcedente.

Com efeito, independentemente do demais, e para além de não se poder olvidar que a intervenção provocada das referidas “C” e “D” foi pela ora recorrente requerida na sua contestação ao pedido civil enxertado nos autos – cfr., fls. 384 a 405 – tal “questão” foi já objecto de expressa pronúncia por parte do T.J.B., que acolheu o peticionado – cfr., fls. 416 a 417 – certo sendo que o assim decidido foi devidamente notificado à ora recorrente – cfr., fls. 419 – não tendo sido (oportunamente) impugnado, pelo que, como é bom de ver, transitou em julgado, (constituindo agora “caso julgado formal”), à vista estando assim o motivo da solução que se deixou adiantada.

–– Resolvida a questão da “ilegitimidade das intervenientes”, passemos para a das “despesas médicas”.

Diz a recorrente que no Acórdão recorrido não consta fundamento de facto e de direito para a sua condenação do pagamento de MOP$21.066,00 à demandante, e de MOP$21.640,00 à interveniente “C”.

E, atento o que “provado” está, (e apenas isto relevando), cremos que, nesta parte, tem a recorrente parcial razão.

Com efeito, provado estando que a demandante suportou despesas médicas e que a interveniente C já lhe pagou o total de MOP$61.002,00 e MOP$21.640,00 a título de “despesas médicas”, (e outras não estando provadas), evidente se apresenta que motivos não existem para o segmento decisório ora recorrido no sentido de se condenar a ora recorrente a pagar à demandante MOP$21.066,00.

Porém, provado estando que a C pagou à demandante os referidos dois montantes, óbvio nos apresenta também que dos mesmos deve ser ressarcida, o que leva à condenação da ora recorrente, como decidido foi.

E, assim, motivos não vemos para, nesta parte, se censurar a decisão recorrida.

Continuemos.

*

–– No que toca à “percentagem da incapacidade parcial permanente”, discorda a recorrente que, nos presentes autos, se tenha fixado em 21%, quando por decisão transitada em julgado na acção laboral n.° LB1-15-0051-LAE foi aquela fixada em 10%, alegando haver “violação de caso julgado” e “erro notório na apreciação da prova”, afirmando também que a demandante B incorre em “abuso do direito” por, após aceitar que a sua incapacidade parcial permanente fosse fixada em 10% no âmbito da dita acção laboral, nos presentes autos, amplia o seu pedido, invocando uma taxa de 21%.

E, começando-se pelo alegado “abuso do direito”, (cfr., art. 336° do C.C.M.), somos de opinião que não houve “exercício abusivo de um direito” por parte da aludida demandante.

Com efeito, no referido requerimento de “ampliação do pedido” diz apenas a demandante que, como indemnização, pretende que à quantia inicial peticionada, (de MOP$1.548.882,00), se adicione a de MOP$43.626,00, a título de despesas médicas que teve e que suportou, passando a totalizar a indemnização MOP$1.592.508,00; (cfr., fls. 982 a 1072).

E embora seja verdade que em tal requerimento alegue a demandante que “sofria de uma incapacidade parcial permanente de 21%”, ponderando no “pedido deduzido”, limitado a “despesas médicas”, visto se nos apresenta que não incorreu em “abuso do direito”.

Contudo, cabe aqui notar o seguinte:

É que a ora recorrente tomou (oportunamente) conhecimento tanto da “decisão da acção laboral” referida como do “requerimento de ampliação do pedido” da demandante e, oportunamente, nada disse, e apenas agora, em sede do seu recurso, suscita tal questão, pelo que, para além de se nos afigurar constituir uma situação que, (como a anterior, em relação à “ilegitimidade”), raia a má-fé processual, mais não se mostra de consignar.

Continuando, cabe dizer que quanto à fixação da aludida “incapacidade” em 21%, não ocorre “violação de caso julgado” por inverificação dos seus pressupostos, (cfr., art. 417° do C.P.C.M.), em especial, quanto à “identidade de sujeitos”, já que a ora recorrente, como ela própria o reconhece, não teve intervenção na dita acção laboral.

Com efeito, a excepção de caso julgado (material) ocorre quando se repete uma causa, estando a primeira decidida por sentença que já não admita recurso ordinário, e, apenas se repete uma causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

Por sua vez, não se vislumbra igualmente qualquer “erro notório na apreciação da prova”, pois que o Tribunal a quo formou a sua convicção com base em “perícia médica”, (nova), certo sendo também que a (mera) cópia da decisão proferida na aludida acção laboral não constitui uma prova (tarifada), em relação à qual estivesse o T.J.B. vinculado a decidir em conformidade.

E, considerando o exposto em sede de fundamentação – cfr., fls. 1175 a 1178 – evidente se apresenta igualmente que não deixou de explicitar claramente os motivos da sua convicção, nenhum motivo havendo para se censurar o decidido no ponto questão.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder parcial provimento ao recurso.

Custas pela recorrente e recorrida (demandante), na proporção dos seus decaimentos.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 21 de Junho de 2018
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 507/2018 Pág. 30

Proc. 507/2018 Pág. 29