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Processo n.º 12/2018
Recurso Civil
Recorrente: A
Recorrida: B
Data da conferência: 11 de Julho de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Compropriedade
- Comunhão
- Direito de preferência

SUMÁRIO

1. O património comum do casal, considerado como uma comunhão, distingue-se da compropriedade, sendo figuras diversas.
2. Por força do art.º 1300.º do Código Civil, a disposição no n.º 1 do art.º 1308.º aplica-se à comunhão de quaisquer outros direitos, incluindo o património comum do ex-casal.
3. No caso de venda judicial de todo o imóvel pertencente ao bem comum do casal, realizada no inventário para partilha dos bens do casal, não goza o ex-cônjuge o direito de preferência na compra de tal imóvel.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I - Relatório
A, melhor identificada nos autos, requereu junto ao Tribunal Judicial de Base e contra o seu ex-cônjuge C inventário para partilha dos bens do casal, indicando para o efeito o único bem imóvel descrito a fls. 52 e seguintes dos autos.
Foi ordenada a venda judicial, por meio de propostas em carta fechada, do imóvel por falta do acordo sobre a forma da partilha na conferência de interessados (fls. 196 e verso dos autos).
Publicitada a venda, foram apresentadas 11 propostas, todas admitidas.
Abertas as propostas na presença de todos os interessados, verificou-se que o preço mais elevado foi oferecido pela proponente B, no valor de MOP$14,510,000.00.
Interpelados, ao abrigo do art.º 791.º do Código de Processo Civil, os titulares do direito de preferência presentes para que declarem se querem exercer o seu direito, a requerente A declarou pretender exercer o direito de preferência na aquisição do imóvel.
O Exmo. Juiz que presidiu ao acto de venda judicial reconheceu à requerente o direito de preferência e ordenou o depósito imediato do preço, por parte da requerente, pela aquisição do imóvel, nos termos do art.º 791.º n.º 3 do CPC.
Inconformado com o despacho, recorreu a proponente B, oferecedora do preço mais elevado, para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e determinando a adjudicação do bem à proponente B mediante o preço por ela oferecido.
Desse Acórdão vem agora a requerente A recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
a) Vem o presente recurso interposto do acórdão do Tribunal de Segunda Instância que, julgando procedente o recurso oportunamente interposto por B, revogou o despacho então recorrido, proferido pelo Mº Juiz do Tribunal Judicial de Base, em 09/11/2016 – aquele que reconheceu à recorrida, ora recorrente, o direito de preferência na aquisição, em venda judicial, de uma fracção autónoma (“D35”) que constituía o único bem do casal, dissolvido por divórcio, composta por ela, a recorrente, A e o ex-marido, C;
b) O acórdão ora recorrido formulou as seguintes conclusões:
“ (…)
Nos termos do disposto no art.º 1308.º/1 do CC, o comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes;
O património comum de um extinto casal é uma comunhão e constitui coisa diversa da compropriedade, com a qual não se pode confundir;
Se os comproprietários são titulares simultâneos de uma determinada coisa, concreta e individualizada, os ex-cônjuges de um extinto casal não têm mais do que o direito a uma quota ideal do património comum, que só com a partilha subsequente ao divórcio se vai concretizar em bens concretos e individualizados.
Mesmo no caso de existir apenas um único bem integrado no património, comum de um extinto casal, qualquer dos ex-cônjuges, enquanto titular da meação do património comum, não se identifica com o comproprietário desse bem, nem a ele se equipara;
Qualquer dos ex-cônjuges, enquanto titular da meação do património comum, não tem direito de preferência na aquisição do bem integrado na quota ideal pertencente ao seu ex-cônjuge.
(...)”.
c) Dão-se como assentes os seguintes factos no processo:
Após o divórcio da recorrente, A, e C, aquela requereu inventário para partilha dos bens do casal;
Como único bem do casal foi relacionada a fracção autónoma “D35”, do [Endereço], inscrito na matriz predial, sob o n.º XXXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXXX-D.
Esta fracção era a “casa de morada de família” que, naquele divórcio, foi atribuída à requerente mulher (e filhos do casal), a recorrente, A;
Estes autos de inventário foram posteriormente apensados ao processo de insolvência do supra citado C com o n.º CV1-15-0002-CFI.
Na 2ª conferência de interessados no processo, que teve lugar em 06/07/2016, a recorrente não manifestou o desejo em adquirir a quota-parte do seu ex-marido no imóvel, tendo sido decidida a “venda judicial” do mesmo, por meio de propostas em carta fechada, em segunda data, pelo valor base de MOP$12,000,000.00;
No auto de abertura de propostas, em 09/11/2016, a melhor proposta apresentada foi de MOP$14,510,000.00;
A recorrente foi notificada para estar presente no auto de abertura das propostas, como titular do direito de preferência (art.º 787.º do C.P.C.) e, a final, declarou pretender exercer o direito de preferência, como titular de uma quota ideal do património comum do ex-casal;
O Mº Juiz do Tribunal Judicial de Base, não obstante a inscrição da propriedade do imóvel em comunhão a favor dos ex-cônjuges, declarou basicamente que, para efeitos da partilha, se deveria equiparar a quota de cada cônjuge a metade indivisa da fracção autónoma em causa, pelo que considerou que a recorrente tinha legitimidade para o exercício do direito de preferência na alienação a terceiros do imóvel, nos termos dos art.ºs 971.º do C.P.C. e 1308.º do C.C.;
Foi, por isso, a recorrente, notificada para proceder ao pagamento de metade do valor da proposta mais alta – o que corresponde a MOP$7,255,000.00 – acrescida de MOP$3,000,000.00, que é metade da dívida do crédito hipotecário do imóvel junto do Banco da China;
A recorrente procedeu àquele pagamento por meio de depósito à ordem do processo;
d) Foi deste despacho do Mº Juiz do Tribunal Judicial de Base, de 09/11/2016, que, como se disse, foi interposto recurso para o Tribunal de Segunda Instância que, pelo acórdão supra citado, ora em apreço, foi revogado;
e) Não se conforma a ora recorrente com esta decisão porquanto, (i) não obstante o reconhecimento de que o património de um extinto casal constitui “uma comunhão diversa da compropriedade”, existe uma proximidade entre estas duas figuras, devendo aplicar-se as regras da compropriedade a esta outra forma de comunhão de direitos, como tal, assistindo à recorrente o direito a exercer a preferência, na alienação, em venda judicial, da quota parte do ex-marido a terceiros; e (ii) também porque não obstante não ter sido essa a posição assumida pelo acórdão recorrido – que, como se disse, apenas se pronunciou no sentido de que “a meação no património comum de um extinto casal não se identifica com o comproprietário desse bem” – a recorrente mantém aquele direito de preferência na alienação a terceiros, em venda judicial, de um bem pertencente à comunhão conjugal, na sua totalidade.
f) Está disposto no art.º 1308.º, n.º 1 do C.C.:
“O comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes.”;
g) Ora, o que a recorrente pretende – e o Mº Juiz do Tribunal Judicial de Base concedeu-lhe – é que o bem em causa pertencente a uma comunhão conjugal, onde ela detém uma quota ideal, lhe seja totalmente adjudicado;
h) Na ausência de uma norma que regule especificamente a comunhão conjugal ou, mais concretamente, a alienação de um bem pertencente a uma comunhão conjugal, então, dever-se-ão aplicar à situação as regras da compropriedade porque a quota ideal que cada um dos cônjuges tem num bem da comunhão conjugal é semelhante a uma quota indivisa nesse bem e são basicamente os mesmos princípios que estão subjacentes a uma e outra figura.
É o que dispõe o art.º 1300.º do CC.
i) Isto é, a situação em concreto deverá ser analisada da seguinte forma: a recorrente não pretende alienar a sua quota no imóvel que é a sua actual casa da morada de família; a venda judicial imposta pelos credores do ex-marido da recorrente só incide sobre a quota ideal que este detém naquela propriedade; logo, em igualdade de circunstâncias entre a recorrente e o terceiro potencial adquirente, a posição daquela tem forçosamente uma preferência sobre a pretensão deste;
j) E esta posição da recorrente não sofre qualquer alteração pelo facto de, em 06/07/2016, na 2ª conferência de interessados, a recorrente não ter manifestado o desejo em adquirir a quota-parte do ex-marido no imóvel;
k) Tenha-se presente nesta aplicação das regras da compropriedade que uma das finalidades da concessão da preferência aos consortes, no caso especial da alienação de uma quota da compropriedade, é precisamente “fomentar a propriedade plena” – no caso em apreço, a fracção autónoma “D35” na propriedade plena de um dos ex-cônjuges – uma vez que, no caso específico desta comunhão conjugal, só a meação do outro titular responde pelas dívidas deste;
l) Ao que acresce a finalidade social desta preferência legal que consiste em proteger a família – reitera-se, a propriedade em causa é a casa de morada de família da recorrente que lhe foi atribuída judicialmente por sentença já transitada – mantendo íntegro o respectivo património;
m) É que, importa realçar, na venda judicial imposta ao ex-cônjuge da recorrente, os credores deste não ficam minimamente prejudicados porque a recorrente (no caso, a “preferente”) satisfaz (ou melhor, satisfez ...) as mesmas condições oferecidas pelo terceiro potencial adquirente;
n) Por outro lado, não obstante não ter sido essa a posição assumida pelo acórdão recorrido – que, como se disse, apenas se pronunciou no sentido de que “a meação no património comum de um extinto casal não se identifica com o comproprietário desse bem” – entende a recorrente que aquele seu direito de preferência não fica minimamente prejudicado pelo facto de o bem da comunhão conjugal ter sido objecto de venda judicial, na sua totalidade, a terceiro;
o) Sempre partindo da interpretação de que as regras da compropriedade se aplicam à da comunhão conjugal (e é neste aspecto essencial que a recorrente não se conforma com o acórdão recorrido), mantém a recorrente aquele direito de preferência na alienação a terceiros, em venda judicial, de um bem pertencente à comunhão conjugal, na sua totalidade;
p) A recorrente é a titular da meação do bem único que constituía a comunhão conjugal e, como tal, até que o terceiro licitante pague integralmente o preço do bem, para o qual apresentou uma proposta no dia 19.09.2016 – o que ainda não aconteceu – a recorrente mantém aquela titularidade;
q) A consumação da compra e venda, judicialmente imposta, só se concretizaria na adjudicação do bem ao terceiro licitante, o que até hoje não aconteceu, pelo que a recorrente é “comproprietária” do bem comum do ex-casal até que a venda se concretize;
r) Logo, pode preferir na eventual alienação do bem a terceiro, tendo para o efeito depositado à ordem do tribunal o preço correspondente à meação do seu ex-marido;
s) Andou bem, por isso, com o devido respeito por opinião diversa, o Mº Juiz do TJB, ao proferir o despacho de 09.11.2016 que lhe concedeu aquela preferência.

Contra-alegou a proponente recorrida B, entendendo que não goza a recorrente A do direito de preferência, devendo o imóvel ser adjudicado a recorrida, uma vez que ofereceu o preço mais alto na venda judicial.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre decidir.

II – Factos
Na venda judicial do imóvel em causa, o Mmo. Juiz do TJB proferiu o seguinte despacho, objecto de impugnação nos presentes autos:
“Na presente acção de venda judicial, foram apresentadas onze propostas, e depois de abertas e avaliadas as propostas, apurou-se que a proponente B da proposta n.º 10 tinha oferecido o preço mais elevado no valor de MOP$14.510.000,00 (Catorze milhões e quinhentos e dez mil patacas). O Tribunal, nos termos do art.º 791.º, n.º 1 do Código Civil, notificou os interessados presentes e interpelou se alguém pretendia exercer o direito de preferência, altura em que A, requerente dos autos, manifestou ao Tribunal que, devido ao seu casamento celebrado no regime da comunhão de adquiridos à data de aquisição do bem imóvel 35D ora objecto da acção e, como casal e proprietária da metade do bem, podia exercer o direito de preferência.
……
Segundo os dados constantes do registo predial, pode-se verificar claramente que, na aquisição do bem objecto da acção, a adquirente A era casada com C sob o regime da comunhão de adquirido, nos termos do art.º 1603.º do Código Civil, o supracitado bem imóvel pertence ao bem comum, do qual cada cônjuge tem o direito à metade. Embora tal direito à metade não possa ser descrito sob quota de comproprietário, na realidade, cada cônjuge tem o direito à metade do bem integral. É natural não ter em consideração a quota concreta quando não haja necessidade da partilha do bem, uma vez que o bem é detido em comum pelos cônjuges. Mas quando seja necessária a partilha (tal como o presente caso), há que passar para o estado comum o bem integral detido em comum pelos cônjuges. Pelo que, no caso de inventário em apreço, ou seja na presente acção de venda judicial, efectivamente a cônjuge possui qualidade de comproprietária, e nos termos do art.º 1308.º do Código Civil e do art.º 791.º do Código de Processo Civil, A tem o direito de preferência.
Na audiência de julgamento, a cônjuge A manifestou claramente que pretendia exercer o direito de preferência, e o Tribunal nos termos do art.º 791.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, considerou que a mesma tinha legitimidade para exercer a preferência. Nos termos do art.º 791.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, deve A depositar de imediato a totalidade do valor (ou seja MOP14.510.000,00, valor mais elevado na venda judicial), mas tendo em consideração a existência de confusão do crédito e da dívida, em princípio pode ser autorizado o depósito da metade do valor (ou seja MOP7.255.000,00). Atento porém ao interesse do credor hipotecário, uma vez que os cônjuges ainda têm dívida com o Banco da China pelo empréstimo hipotecário, devendo cada cônjuge assumir a metade, ao depositar a metade do valor (MOP7.255.000,00), deve A pagar primeiramente a metade da totalidade da dívida que devem eles ainda ao Banco da China (montante concreto a fornecer posteriormente pelo banco, a fim de ser pago por A), quanto à metade da dívida resultante do empréstimo contraído ao banco com garantia de hipoteca, uma vez que a hipoteca tem o direito de ser compensada com preferência, é autorizada, em primeiro lugar, a compensação pelo produto da venda.
Em seguida, o meritíssimo juiz, nos termos do art.º 791.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, ordenou que A depositasse imediatamente o valor, ou seja, MOP7.255.000,00, a que acresce cerca de MOP3.000.000, cujo valor concreto será confirmado depois de fornecido pelo Banco da China.”

III – Direito
No acórdão ora recorrido, o Tribunal de Segunda Instância revogou o despacho que reconheceu ao ex-cônjuge o direito de preferência na venda do bem imóvel integrado no património comum do extinto casal, entendendo que o património comum de um extinto casal é uma comunhão e constitui coisa diversa da compropriedade e que qualquer dos ex-cônjuges, enquanto titular da meação do património comum, não se identifica com a compropriedade desse bem, nem a ela se equipara, não tendo direito de preferência na aquisição do bem integrado na quota ideal pertencente ao seu ex-cônjuge.
Sustenta a recorrente A o contrário, alegando que as regras da compropriedade se aplicam à da comunhão conjugal, mantendo ela o direito de preferência na alienação a terceiro, em venda judicial, de um bem pertencente à comunhão conjugal.
Trata-se de saber se o ex-cônjuge tem o direito de preferência na aquisição dum bem imóvel integrado no património conjugal.

Nos termos do art.º 1300.º do Código Civil, “as regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles”.
E ao abrigo do n.º 1 do art.º 1308.º do Código Civil, “o comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes”.
A decisão de 1.ª instância considera que o ex-cônjuge possui qualidade de comproprietária e tem o direito de preferência nos termos do art.º 1308.º do Código Civil.
O que não é bem exacto.
Ora, “agora o legislador qualifica o património comum, de forma clara, como património em comunhão, sendo cada cônjuge titular em comunhão com o outro cônjuge dos bens comuns, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do art.º 1603.º”. 1
Em bom rigor, o património conjugal, que é uma comunhão de tipo germânico, propriedade colectiva ou património colectivo, sem quotas2, cessa com a dissolução do casamento, seja por morte ou por divórcio (art.º 1643.º do Código Civil).
Após a cessação do casamento, o património conjugal não se transforma em compropriedade dos bens que o compõem. É como um tertium genus, que se assemelha mais à propriedade colectiva, até se proceder à partilha. Não se trata de compropriedade dos bens que o compõem, porque, se o fosse, não era necessária a partilha. Os bens estariam já em compropriedade, só sendo necessária a sua divisão, se os ex-cônjuges não quisessem permanecer na indivisão (art.º 1311.º do Código Civil), mas não se tratava de partilha, como é evidente3.
Para PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, a comunhão é uma figura mais ampla do que a compropriedade. Sempre que há compropriedade, existe comunhão ou condomínio; mas nem todas comunhões ou condomínios constituem formas de compropriedade.
E “um dos casos de comunhão que não cabe na figura da compropriedade é o da chamada comunhão de mão comum … ou propriedade colectiva. Trata-se de um património afectado a certo fim, que pode ser integrado por relações jurídicas de diversa natureza (designadamente relações reais e creditórias) e que pertence em contitularidade a dois ou mais indivíduos litigados por determinado vínculo (familiar, societário ou de outra ordem).
A doutrina … costuma recorrer a este conceito para enquadrar o regime a que a lei subordina o património comum dos cônjuges, o das sociedades não personalizadas e o da herança indivisa.
O que caracteriza a comunhão de mão comum e a distingue da compropriedade é, além do mais, o facto de《o direito dos contitulares não incidir directamente sobre cada um dos elementos (coisa ou crédito) que constituem o património, mas sobre todo ele, concebido como um todo unitário》”.4
O património comum distingue-se, assim, da compropriedade.

No entanto, afigura-se-nos que nem por isso que a disposição no n.º 1 do art.º 1308.º deixa de ter aplicação no caso de comunhão conjugal, por força do art.º 1300.º e com as necessárias adaptações, que manda aplicar à comunhão de quaisquer outros direitos as regras da compropriedade.
Como ensinam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “entre os casos de comunhão assumem especial relevo a contitularidade de direitos reais, a chamada comunhão de mão comum ou propriedade colectiva e ainda a comunhão que se estabelece entre os cônjuges, após dissolução da sociedade conjugal e enquanto se não faz a partilha, nos regimes de comunhão”.5
E a propósito do preceituado no art.º 1404.º do Código Civil de 1966, que corresponde ao art.º 1300.º do Código Civil de Macau, explicam os mesmos autores o seguinte:
“Entre os efeitos do regime subsidiário instituído pelo artigo 1404.º destacam-se a aplicação do direito de preferência (arts. 1409.º e 1410.º) e do direito de não permanecer na indivisão (art. 1412.º) a todos os casos de comunhão referidos no artigo 1404.º.
Assim se explica, aliás, que, embora desnecessariamente, o artigo 2130.º conceda aos co-herdeiros o direito de preferência na venda ou dação de cumprimento, a estranhos, do quinhão hereditário; e que o artigo 2101.º atribua aos co-herdeiros e ao cônjuge meeiro o direito de exigirem partilha, quando lhes aprouver”.6

Concluído pela aplicação do disposto no n.º 1 do art.º 1308.º do Código Civil ao caso de comunhão, resta ver se a norma é aplicável à venda judicial de todo o imóvel pertencente ao bem comum do casal extinto, o que interessa nos presentes autos.
Recordando, a norma em causa prevê que “o comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes”.
No acórdão proferido em 9 de Maio de 2012 no processo n.º 14/2012, e relativamente ao direito de preferência na venda judicial realizada no âmbito de uma acção de divisão de coisa comum, o Tribunal de Última Instância foi chamado a pronunciar-se sobre a interpretação da mesma norma, com o seguinte teor:
《4. Interpretação do artigo 1308.º, n.º 1, do Código Civil
Como se sabe, a interpretação tem de partir da letra da lei. E ela refere-se a venda de quota de prédio e não de prédio na sua totalidade. Como se diz no Acórdão do STJ de 10 de Julho de 20087:
“A verdade é que, na letra da lei, não cabe senão a alienação de quotas; para se defender, por via de interpretação extensiva, que o preceito se aplica também à alienação da totalidade do bem, seria necessário demonstrar, recorrendo aos demais elementos de interpretação enunciados no artigo 9.º 8, que ao utilizar o termo quota o legislador ficou aquém do que pretendia dizer”.
Pois bem, como explicam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA9:
“São três os fins principais que justificam a concessão da preferência no caso especial da compropriedade: a) fomentar a propriedade plena, que facilita a exploração mais equilibrada e mais pacífica dos bens: b) não sendo possível alcançar a propriedade exclusiva, diminuir o número dos consortes; c) impedir o ingresso, na contitularidade do direito de pessoas com quem os consortes, por qualquer razão, o não queiram exercer”.
Como se diz no mencionado Acórdão do STJ, de 17 de Dezembro de 1997, nenhuma destas justificações colhe no caso de venda judicial, em hasta pública, a que se proceda na acção de divisão de coisa comum da totalidade do prédio: neste caso obteve-se a propriedade plena, desaparece a contitularidade, deixa de haver possibilidade de conflitos entre uma pluralidade de comproprietários.
É que o artigo 1308.º, n.º 1, não tem por finalidade defender a permanência do imóvel na propriedade de um dos anteriores proprietários.
E, como se diz no Acórdão do STJ de 17 de Dezembro de 199710, “a atribuição do direito de preferência ao comproprietário na venda do prédio por inteiro, em hasta pública, a que se proceda em acção de divisão de coisa comum, mostra-se incorrecta e inconveniente pelos prejuízos que é susceptível de causar aos outros comproprietários (em especial aos de menor poder económico e que, por isso, não estejam em condições de oferecer preço elevado).
Na verdade, não se reconhecendo o direito de preferência nesta hipótese, o comproprietário interessado na aquisição da totalidade do prédio terá que lançar na hasta pública, o que fará subir o preço até ao melhor em benefício de todos os demais comproprietários, mesmo daqueles que por razões económicas (ou por estas aliadas à pequenez das suas quotas) se encontrem de facto impossibilitados de oferecer o preço justo ou o melhor”.
Com razão também se diz que, na hipótese do artigo 1308.º, n.º 1, o comproprietário é estranho à negociação que conduz à venda ou à dação em cumprimento e por isso se justifica o seu direito de preferência. Já na venda na acção de divisão de coisa comum todos os comproprietários podem concorrer à venda (artigo 951.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) pelo que não teria justificação ainda poderem vir a exercer a preferência.
……
E nesta venda judicial não há direito de preferência na compra por parte dos comproprietários porque nenhuma norma o concede, designadamente o artigo 1308.º, n.º 1, do Código Civil.》
Não se vê razão especial para alterar tal posição, pelo que por lógica se deve concluir que no caso de venda judicial de todo o imóvel pertencente ao bem comum do casal, realizada no inventário para partilha dos bens do casal, não goza o ex-cônjuge o direito de preferência na compra de tal imóvel, sendo inaplicável o disposto no art.º 1308.º n.º 1 do Código Civil.
É de julgar improcedente o recurso.

IV - Decisão
Face ao expendido, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.

Macau, 11 de Julho de 2018

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

1 MANUEL TRIGO, Lições de Direito da Família e das Sucessões, Vol. II, p. 239.
2 MANUEL TRIGO, Lições de Direito da Família e das Sucessões, Vol. II, p. 238.
3 Cfr. Acórdão do STJ de Portugal, de 18-11-2008, Proc. n.º 08A2620, em www.dgsi.pt.
4 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p. 347.
5 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p. 350.
6 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p. 350.
7 Processo n.º 08B1868, em www.dgsi.pt.
8 Do Código Civil de 1966, correspondendo ao artigo 8.º do Código Civil de Macau.
9 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 2.ª edição, Volume III, p. 367.
10 No Boletim do Ministério da Justiça, n.º 472, p. 437.
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