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Processo n.º 39/2018
Recurso Civil
Recorrente: A
Recorrida: B
Data da conferência: 11 de Julho de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Acidente de viação
- Danos não patrimoniais
- Perda da capacidade de ganho por incapacidade permanente total
- Indemnizações

SUMÁRIO
1. A lei limita os danos não patrimoniais àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. E a reparação obedecerá ao critério de equidade, tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, aos patrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, etc..
3. Na fixação da quantia indemnizatória por perda da capacidade de ganho por incapacidade permanente, o tribunal deve atender ao disposto no n.º 5 do art.º 560.º do Código Civil, bem como recorrer à equidade, nos termos do n.º 6 do art.º 560.º do mesmo Código.
4. Deve-se ainda atender a outros factos provados pertinentes, como a idade da vítima, o seu estado físico antes da lesão, o seu salário actual e o seu emprego, as suas habilitações académicas, as suas perspectivas profissionais, etc..

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, representado pela sua curadora C e melhor identificado nos autos, intentou no Tribunal Judicial de Base acção ordinária contra a B (1.ª ré) e D (2.º réu), pedindo que a acção seja julgada procedente, com condenação dos réus no pagamento de indemnização no valor total de MOP$3.545.576,00, acrescido de juros legais desde a citação até ao integral pagamento da quantia, pedido este que foi depois ampliado para MOP$6.545.576,00.
Por sentença proferida em 27 de Fevereiro de 2017, o Tribunal julgou parcialmente procedente a acção, condenando a B (1.ª ré) a pagar ao autor a quantia de MOP$3.864.743,02, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da data de sentença.
Inconformada com a decisão, a B recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu conceder parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida relativa às condenações das indemnizações dos danos não patrimoniais e da incapacidade permanente para o trabalho, passando a condenar a B a pagar ao autor o valor de MOP$1.275.000,00, a título de indemnização de danos não patrimoniais, e o montante de MOP$1.020.000,00, a título de indemnização da incapacidade permanente para o trabalho, acrescidas de juros de mora a partir da data do prolação do acórdão e mantendo o demais decidido na sentença de 1.ª instância.
Vem agora o autor A recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:
1. Salvo o devido respeito, o recorrente não concordou com o acórdão do TSI, uma vez que entende que o acórdão recorrido violou o disposto nos art.ºs 487.º e 489.º do Código Civil, pelo que, pediu a manutenção do valor indemnizatório determinado pelo TJB.
2. Após o acidente de viação, o recorrente não só perdeu a capacidade para o trabalho, mas também perdeu todas as capacidades pessoais.
3. O recorrente caiu no estado semiconsciente, às vezes ficou consciente e outras vezes inconsciente, além disso, o recorrente ficou paralisado, com afasia, não conseguia comunicar com os seus familiares nem expressar as suas ideias.
4. O recorrente está numa situação desesperada, onde ele não pode escolher morte e permanecerá nessa situação pelo resta da sua vida.
5. Este desamparo e sofrimento nunca pode ser eliminado.
6. Por causa de longa permanência na cama, o recorrente precisa de amadurecer uma variedade de sequelas e ir ao hospital continuamente.
7. As circunstâncias concretas, as causas de pedir e os pedidos de cada caso de acidente de viação não são exactamente iguais, além disso, o juízo de recurso, ao apreciar o caso, deve cumprir o princípio dispositivo das partes ou o princípio de “no accusation, no trial” na indemnização cível, portanto, o valor indemnizatório condenado nos casos anteriores não pode ser considerado como precedente necessário do presente caso.
8. Quanto aos danos não patrimoniais, o Tribunal, ao apurar a respectiva indemnização, deve seguir o disposto nos art.ºs 487.º e 489.º do Código Civil.
9. A indemnização por danos não patrimoniais serve-se como conforto para o autor, ao determinar o valor indemnizatório, o tribunal deve considerar plenamente o grau de culpabilidade do agente, a situação financeira do agente e do ofendido, bem como as demais circunstâncias do caso.
10. Segundo a situação do autor e a situação financeira da ré (nomeadamente o valor indemnizatório máximo desta apólice) e nos termos dos art.ºs 487.º e 489.º n.ºs 1 e 3, 1ª parte do Código Civil, o recorrente entende que a indemnização por danos não patrimoniais, no valor de MOP$2.125.000,00, e a indemnização por incapacidade de ganho, no valor de MOP$1.275.000,00, fixados pelo Tribunal a quo não são demasiado pesados e são mais racionais.
11. Portanto, o acórdão recorrido violou o disposto nos art.ºs 487.º e 489.º do Código Civil, pelo que pede a anulação do acórdão recorrido e a manutenção da indemnização por danos não patrimoniais, no valor de MOP$2.125.000,00, e da indemnização por incapacidade de ganho, no valor de MOP$1.275.000,00, fixados pelo TJB.

Contra-alegou a B, formulando as seguintes conclusões:
1 - Vem o Recorrente colocar em crise o Douto Acórdão recorrido na parte respeitante à indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais e à indemnização de perda da capacidade de rendimento atribuída pelo Tribunal de Segunda Instância.
2 - Na verdade, e usando de toda a equidade nesta parte, o Venerando Tribunal de Segunda Instância alterou a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância reduzindo e fixando a indemnização dos danos não patrimoniais para MOP$1.275.000,00 e a indemnização por incapacidade permanente para o trabalho para MOP$1.020.000,00 e a Recorrida apesar de lamentar profundamente a triste situação em que o Recorrente se encontra face ao acidente dos autos, considera que o valor atribuído pelo Tribunal Judicial de Base e que o Recorrente pretende ver que volte a ser fixado pelo Tribunal de Última Instancia é, no entanto, desajustado e exagerado e nada conforme com os princípios equitativos que devem orientar a fixação destas compensações.
3 - Já que tendo a referência de outros processos que foram julgados pelos Tribunais Superiores de Macau designadamente a decisão do processo n.º 31/2012 proferida pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância, no qual o Autor tinha uma IPP de 72% , tendo ficado provado que as dores, emoções e transtornos da vítima foram fortes e de grande dimensão, este Venerando Tribunal atribuiu uma compensação por danos não patrimoniais de MOP$800.000,00 a Recorrida reconhece que desde 2012 passaram já alguns anos e tendo em conta os índices inflacionários, entende a Recorrida que será adequado e razoável atribuir ao Recorrente a título de indemnização por danos não patrimoniais a quantia de MOP$1.275.000,00, tal como o fez o Tribunal de Segunda Instância.
4 - O Recorrente também não se conforma com o montante atribuído a título de indemnização por Incapacidade Permanente Parcial mas não tem razão pois os Tribunais Superiores em situações semelhantes à dos autos nas quais as vítimas de acidente ficam com uma incapacidade absoluta para o trabalho ou com IPP de 70% têm atribuído compensações em valor substancialmente inferiores e a título de exemplo o Acórdão do Tribunal de Ultima Instância no processo n.º 20/2007, na qual o Autor ficou a padecer de uma IPP de 70% sendo que à data do acidente tinha 30 anos de idade, era funcionário público e pessoa saudável, confirmou uma compensação por perda da capacidade de ganho no valor de MOP$850.000,00.
5 - No caso em apreço, é certo, que se está perante uma IPP de 100% mas os efeitos de são na prática os mesmos já que em ambos os casos estão os mesmos incapazes para trabalhar. E mais ainda, no caso dos presentes autos, apesar de o Recorrente não o ter alegado, pode ver-se a fls. 258 dos autos que existe uma informação da DSF que informa que o Autor/Recorrente trabalha para a Polícia Judiciária, e de onde se retira que aufere um salário médio mensal de MOP$10.548,00, sendo ainda certo que não veio o Recorrente aos autos pedir indemnização por perdas salariais aferindo-se que o Recorrente se encontra a receber o salário por inteiro e assim continuará. Pelo que não assiste razão ao Recorrente.
6 - Na verdade, entende a Recorrida que para se achar a indemnização mais equitativa poderá ser usada analogicamente a formula que é usada em acções de acidentes laborais e constante no artigo 47.º do Decreto-Lei 40/95/M de 14 de Agosto, sendo tal formula (adaptada ao caso concreto) a seguinte: (MOP$10.458,00 x 96 meses de salário (valor estipulado por lei e que tem em consideração a idade da vítima à data do acidente) x 100% IPP = MOP$1,003,968.00), parece-nos, por isso, adequado no caso concreto, a quantia arbitrada pelo Tribunal de Segunda Instância a título de indemnização pela perda de capacidade de ganho pelo valor de MOP$1.020.000,00.
7 - Não se apresentando reparo, nesta parte, ao Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância o qual aplicou o princípio do bonus pater familia e usou de equidade na fixação das acima referidas indemnizações, devendo as mesmas ser mantidas.

2. Factos
2.1. Nos autos ficaram provados os seguintes factos:
- Na data dos factos, o autocarro para transporte de trabalhadores, conduzido pelo 2º réu, encontrava-se segurado pela 1ª ré do presente processo através de um seguro de responsabilidade civil, cuja apólice tem o nº XXXXXXXXXX, com o limite máximo de indemnização no valor de MOP$20.000.000,00. (alínea A) dos factos assentes)
- Em 11 de Julho de 2012, cerca das 18H00, o 2º réu conduzia o autocarro para transporte de trabalhadores do Estabelecimento Prisional de Macau de matrícula MC-0X-XX, e circulava na Taipa, na faixa de rodagem direita da Avenida Marginal Flor de Lótus, proveniente da Rotunda do Dique Oeste em direcção à Rotunda da Piscina Olímpica. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- Nesse momento, o autor conduzia o motociclo de matrícula MI-XX-XX e circulava na Taipa, na Avenida Marginal Flor de Lótus, proveniente da Rotunda do Dique Oeste em direcção à Rotunda da Piscina Olímpica. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- Ao aproximar da entrada e saída do acesso de veículos da Pousada “Marina-Infante”, o autocarro para transporte de trabalhadores do Estabelecimento Prisional de Macau, conduzido pelo 2º réu, e o motociclo, conduzido pelo autor, colidiram. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- A acima referida colisão provocou ao autor ferimentos corporais e estado de coma, tendo sido transportado, de imediato, após o acidente de viação, ao Centro Hospitalar Conde S. Januário. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- Após diagnóstico preliminar do acima referido hospital, o autor apresentava: situação abaixo do normal, confusão mental, hematoma no couro cabeludo no temporal direito, lacerações graves de 80% da orelha direita até ao lóbulo, escoriações e lacerações com o tamanho de 1 cm na orelha esquerda, escoriações numa área de 5x5 cm2 no ombro direito, numa área de 1x1 cm2 na zona da clavícula direita, numa área de 3x3 cm2 no joelho direito, numa área de 1x2 cm2 no tornozelo direito e numa área de 3x5 cm2 no cotovelo direito, bem como, fractura, mobilidade e hemorragia no maxilar inferior. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- Após submetido a urgente exame de tomografia computarizada, o autor apresentava hematoma subdural, escoriações e lacerações na parte esquerda dos frontal, temporal e parietal do crânio, pequeno hematoma epidural do temporal direito, hemorragia subaracnoideo, pneumoencéfalo, fracturas na parte superior do temporal direito, no esfenóide, no etmóide esquerdo, no pterigóide direito, no arco zigomático, no maxilar inferior, no mastóide esquerdo e na clavícula direita, bem como, contusões no lóbulo pulmonar do pulmão direito. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- Além dos acima referidos ferimentos, o autor apresentava ainda diferentes níveis de contusões dos tecidos moles no tronco, nos quatro membros, na face e na orelha esquerda. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- Depois, o autor foi submetido urgentemente a craniotomia para extracção de sangue coagulado no subdural da parte esquerda da frontal, temporal e parietal do crânio e das escoriações e lacerações cerebrais, bem assim, à descompressão craniana. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- Além disso, foi ainda feita a suturação da orelha lacerada por cirurgia plástica e reconstrutiva. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- Após operação cirúrgica, o autor manteve sempre em estado de coma, de nível dez. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- Posteriormente, o autor teve complicações de abscesso extradural na parte esquerda dos frontal, temporal e parietal, e, em 12 de Outubro de 2012, foi submetido a operação cirúrgica para eliminação de abscesso extradural. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- Em 13 de Novembro de 2012, o autor foi transferido pelos Serviços de Saúde de Macau ao Hospital Kiang Wu para receber tratamento através de câmara de alta pressão de oxigénio, de acupunctura de medicina chinesa e fisioterapia para acamados. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
- Por o autor não conseguir comer, teve-se que manter a sonda nasogástrica fechada para fornecimento de nutrientes, a fim de reduzir as substituições de sonda, e a colocação de sonda nasogástrica fechada por período longo provocou ferimentos, hemorragia e desconforto na cavidade nasal. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- Em 24 de Novembro de 2012, o Hospital Kiang Wu teve que realizar a gastrostomia endoscópica percutânea para o alimentar e melhorar a sua nutrição. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
- O autor recebeu tratamento no Hospital Kiang Wu até 28 de Fevereiro de 2013, data em que voltou a ser transferido ao Centro Hospitalar Conde S. Januário para receber tratamento medicamentoso. (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
- No período compreendido entre 15 de Março e 20 de Maio de 2013, o autor foi transferido para o [Centro de Recuperação] para receber tratamento, tendo, posteriormente, regressado a casa para se convalescer. (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
- O autor continuou a ser transportado pelos seus familiares ao Centro Hospitalar Conde S. Januário e ao Hospital Kiang Wu para continuar a receber tratamento. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- O acima referido acidente de viação causou ao autor ferimentos na orelha esquerda, tendo a sobreposição das cicatrizes junto do lóbulo da orelha esquerda formado um nó inchado (5x3 cm), razão por que, esteve internado no Hospital Kiang Wu de 20 a 29 de Agosto de 2014, para se submeter a cirurgia para extracção. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- O autor foi submetido em Novembro de 2013 a uma cirurgia simples no Hospital Kiang Wu para substituir a sonda colocada por gastrostomia endoscópica percutânea. (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
- Uma vez que o autor se encontra acamado a longo tempo, é vulnerável a infecções, que podem causar pneumonias. (resposta ao quesito 20º da base instrutória)
- Nos períodos compreendidos entre 21 a 26 de Janeiro de 2014, bem como, 16 e 25 de Março de 2015, o autor esteve internado no hospital para receber tratamento. (resposta ao quesito 21º da base instrutória)
- O acima referido acidente de viação provocou ao autor afasia mista, paralisias totais do lado direito do corpo e do membro inferior esquerdo, tendo este perdido a capacidade de trabalho. (resposta ao quesito 22º da base instrutória)
- O motociclo de matrícula MI-XX-XX conduzido pelo autor sofreu os seguintes danos:
1) Dano do invólucro plástico do lado direito do guiador, da lanterna de sinalização frontal direita, do protector de plástico frontal do guiador e do protector do tubo de escape;
2) Riscas na jante dianteiro, na alavanca do travão de mão direita, no retrovisor direito, no guarda-lama dianteiro direito, no protector do amortecedor dianteiro direito, no guarda-lama lateral direito, no lado direito da parte traseira da carroçaria e no pedal traseiro direito;
3) Deslocação do painel dianteiro. (resposta ao quesito 23º da base instrutória)
- No período compreendido entre 11 de Julho e 13 de Novembro de 2012, o autor esteve internado no Centro Hospitalar Conde S. Januário, onde foi submetido a operação cirúrgica, sendo o valor da despesa médica de MOP$119.911,00. (resposta ao quesito 24º da base instrutória)
- No período compreendido entre 13 de Novembro de 2012 e 28 de Fevereiro de 2013, o autor esteve internado no Hospital Kiang Wu, onde recebeu tratamento médico, sendo o valor da despesa médica de MOP$379.446,00. (resposta ao quesito 25º da base instrutória)
- No período compreendido entre 28 de Fevereiro e 15 de Março de 2013, o autor voltou a ser transferido ao Centro Hospitalar Conde S. Januário, onde ficou internado para receber tratamento médico, sendo o valor da despesa médica de MOP$5.196,00. (resposta ao quesito 26º da base instrutória)
- Nos períodos compreendidos entre 21 e 26 de Janeiro de 2014, bem como, 16 e 25 de Março de 2015, o autor esteve internado no hospital para receber tratamento, sendo o valor da despesa médica de MOP$10.944,00 e MOP$4.712,00, respectivamente. (resposta ao quesito 27º da base instrutória)
- Em 18 de Dezembro de 2014, o Autor foi submetido a uma cirurgia simples no Hospital Kiang Wu, sendo o valor da despesa médica de MOP$3.225,00. (resposta ao quesito 28º da base instrutória)
- Após alta, segundo conselho médico, o autor recebeu, contínua e periodicamente, tratamentos e exames, sendo o valor da despesa médica de MOP$60,00. (resposta ao quesito 29º da base instrutória)
- Nos primeiros tempos, o autor necessitou de ser transportado pela ambulância da Cruz Vermelha às consultas do Hospital Kiang Wu, sendo o valor total de transporte de MOP$890,00. (resposta ao quesito 30º da base instrutória)
- O autor não consegue tratar das suas necessidades, nomeadamente urinar e defecar, razão por que, necessita, a longo prazo, de utilizar fraudas, sendo, até Abril de 2015, a respectiva despesa no valor de MOP$16.279,50. (resposta ao quesito 31º da base instrutória)
- Dado não conseguir o autor alimentar-se e tendo sido, a longo prazo, alimentado através de sonda introduzida no estômago, carece de nutrientes, razão porque necessita de suplementos de proteínas para satisfazer as necessidades vitais, sendo, até Abril de 2015, a respectiva despesa no valor de MOP$5.803,00. (resposta ao quesito 32º da base instrutória)
- Após acidente de viação, o autor ficou com paralisia no lado direito do seu corpo, padece de afasia e entrou em estado de semi-consciência, encontrando-se permanentemente acamado por não conseguir movimentar seu corpo, pelo que, na vida quotidiana, este não consegue tomar conta de si próprio, tendo perdido completamente as capacidades de auto-cuidados, incluindo alimentação e satisfação das suas necessidades, nomeadamente urinar e defecar; dependendo da assistência e cuidados dos familiares durante o dia inteiro. (resposta ao quesito 33º da base instrutória)
- O autor também não consegue reconhecer os seus familiares, os quais não têm forma de comunicar com o mesmo, que, por seu lado, também não consegue se expressar. (resposta ao quesito 34º da base instrutória)
- O autor perdeu permanentemente toda a capacidade de trabalho. (resposta ao quesito 35º da base instrutória)
- Após o acidente de viação, o autor sente-se desamparado e angustiado. (resposta ao quesito 36º da base instrutória)
2.2. Os documentos juntos aos autos demonstram provados ainda os seguintes factos (que foram também considerados pelo tribunal para efeitos de determinação da quantia indemnizatória e que não foram impugnados pelas partes):
- Aquando da ocorrência do acidente, o autor tinha 54 anos de idade.
- O autor é trabalhador da Polícia Judiciária, auferindo no ano de 2012 o salário anual de MOP$141.971,20. (fls. 258 dos autos)

3. Direito
As questões suscitadas pelo recorrente prendem-se com a determinação das indemnizações por danos não patrimoniais sofridos pela vítima e por perda de capacidade de ganho, respectivamente.
Discordando com as quantias indemnizatórias arbitradas pelo TSI a título de danos não patrimoniais e por perda permanente de capacidade de trabalho, que são MOP$1.500.000,00 e MOP$1.200.000,00, respectivamente.
O tribunal de 1.ª instância considerou que ambos os veículos intervenientes no acidente de viação tinham contribuído para a ocorrência do acidente, julgando adequada uma repartição do risco de 15% para o motociclo conduzido pela vítima e de 85% para o veículo conduzido pelo 2.º réu, decisão esta que foi mantida pelo Tribunal de Segunda Instância.
Com a repartição do risco, O TSI condenou a companhia de seguros a pagar ao autor, ora recorrente, o valor de MOP$1.275.000,00 ($1.500.000,00*85%), a título de indemnização por danos não patrimoniais, e o montante de MOP$1.020.000,00 ($1.200.000,00*85%), a título de indemnização da incapacidade permanente para o trabalho, em vez de MOP$2.125.000,00 ($2.500.000,00*85%) e de MOP$1.275.000,00 ($1.500.000,00*85%), arbitrados pelo tribunal de 1.ª instância.
Pretende o recorrente a confirmação das indemnizações fixadas pelo tribunal de 1.ª instância.

3.1. Danos não patrimoniais
No caso ora em apreciação, a condenação no pagamento de indemnização foi feita com base na responsabilidade pelo risco, prevista no art.º 496.º do Código Civil.
Nos termos do art.º 492.º do Código Civil, “são extensivas aos casos de responsabilidade pelo risco, na parte aplicável e na falta de preceitos legais em contrário, as disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos”.
Daí que, para determinar a quantia indemnizatória a título de danos não patrimoniais, á aplicável o disposto no art.º 489.º do Código Civil, que tem o seguinte teor:
“Artigo 489.º
(Danos não patrimoniais)
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de facto e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, ao unido de facto e aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3. O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.”
Por sua vez, manda o art.º 487.º atender ao grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

Ora, os danos não patrimoniais são os prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, mas que podem ser compensados com uma obrigação pecuniária imposta ao lesante, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.
A lei limita os danos não patrimoniais àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
E a reparação obedecerá ao critério de equidade, tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, aos patrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, etc..1
No presente caso, a fixação da indemnização foi com base na responsabilidade objectiva ou pelo risco.
Tal facto não pode deixar de ser ponderado na fixação do montante dos danos não patrimoniais, tendo este Tribunal de Última Instância decidido que “a circunstância de o lesante responder a título de responsabilidade objectiva ou pelo risco, e não a título de responsabilidade por culpa, deve ser ponderada na fixação do montante dos danos não patrimoniais”.
Ao mesmo tempo, “de acordo com o disposto no artigo 487.º, quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que, além do mais previsto na norma, a situação económica do agente e do lesado o justifiquem”.
E na ponderação da situação económica do agente e do lesado, “a indemnização será tanto maior quanto melhor for a situação económica do agente e tanto menor quanto melhor for a situação económica do lesado”.2

Ora, para além dous outros factos, decorre ainda da factualidade assente que:
- A colisão dos veículos provocou ao autor ferimentos corporais, que ficou no estado de coma. (resposta aos quesitos 4º e 6º da base instrutória)
- Após diagnóstico preliminar do hospital, verificou-se que o autor se encontrava na situação abaixo do normal, com confusão mental e as várias lesões corporais descritas nos autos. (resposta aos quesitos 5º a 7º da base instrutória)
- Por causa do acidente de viação, o autor foi submetido às várias operações cirúrgicas e recebeu, contínua e periodicamente, tratamentos. (resposta aos quesitos 8º a 12º, 15º a 19º, 21º, 28º e 29º da base instrutória)
- Por o autor não conseguir comer, teve-se que manter a sonda nasogástrica fechada para fornecimento de nutrientes, a fim de reduzir as substituições de sonda, e a colocação de sonda nasogástrica fechada por período longo provocou ferimentos, hemorragia e desconforto na cavidade nasal. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- Uma vez que o autor se encontra acamado a longo tempo, é vulnerável a infecções, que podem causar pneumonias. (resposta ao quesito 20º da base instrutória)
- O acidente de viação provocou ao autor afasia mista, paralisias totais do lado direito do corpo e do membro inferior esquerdo, tendo este perdido a capacidade de trabalho. (resposta ao quesito 22º da base instrutória)
- O autor não consegue tratar das suas necessidades, nomeadamente urinar e defecar. (resposta ao quesito 31º da base instrutória)
- Após acidente de viação, o autor ficou com paralisia no lado direito do seu corpo, padece de afasia e entrou em estado de semi-consciência, encontrando-se permanentemente acamado por não conseguir movimentar seu corpo, pelo que, na vida quotidiana, este não consegue tomar conta de si próprio, tendo perdido completamente as capacidades de auto-cuidados, incluindo alimentação e satisfação das suas necessidades, nomeadamente urinar e defecar; dependendo da assistência e cuidados dos familiares durante o dia inteiro. (resposta ao quesito 33º da base instrutória)
- O autor também não consegue reconhecer os seus familiares, os quais não têm forma de comunicar com o mesmo, que, por seu lado, também não consegue se expressar. (resposta ao quesito 34º da base instrutória)
- O autor perdeu permanentemente toda a capacidade de trabalho. (resposta ao quesito 35º da base instrutória)
- Após o acidente de viação, o autor sente-se desamparado e angustiado. (resposta ao quesito 36º da base instrutória)
Com os factos acima descritos, é evidente que o autor sofre muito, com dores enormes, tanto corporais como psíquicas, e sequelas graves e permanentes, todas causadas pelo acidente de viação, que lhe provocaram danos não patrimoniais que, por sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Atenta a factualidade assente, afigura-se-nos razoável e ajustada fixar em MOP1.500.000,00 a quantia indemnizatória, tendo em consideração as lesões e as dores sofridas pela própria vítima, o seu estado físico e psíquico após o acidente de viação e os tratamentos médicos.
Repetindo, é de salientar que o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal.
Daí que é de manter a quantia arbitrada pelo Tribunal recorrido a título de indemnização por danos não patrimoniais.

3.2. Perda da capacidade de ganho
Decorre da factualidade assente que o autor perdeu permanentemente toda a capacidade de trabalho.
Nos termos do art.º 556.º do Código Civil, “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
E “o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” (art.º 558.º n.º 1 do Código Civil). Daí que se fala na distinção entre o dano emergente e o lucro cessante.
No caso, pediu o autor a indemnização por perda da capacidade de trabalho. Está em causa danos presentes.
Nos casos em que se discute também a questão de indemnização por perda da capacidade de ganho3, o Tribunal de Última Instância disse o seguinte:
《O lesado já sofreu um prejuízo. Não se trata de danos futuros, mas de danos presentes. O lesado ficou com a sua capacidade de ganho diminuída a partir do momento em que teve alta médica. Está definitiva e irremediavelmente incapacitado para o trabalho, no futuro, em 70% (incapacidade geral). Trata-se de um dano actual e não futuro. O que pode constituir um dano futuro é a diferença de rendimentos do trabalho que pode vir a sofrer se passar a auferir um salário inferior ao actual ou mesmo se deixar de auferir qualquer rendimento do trabalho por força da sua incapacidade. Como bem referiu a recorrente, apenas a perda de ganho é um dano futuro. A perda da capacidade de ganho é um prejuízo sofrido (já existente) e verificável.
Trata-se, portanto, de um dano emergente e não de um lucro cessante.
Mas o lesado não veio pedir ao processo os salários que deixaria de ganhar no futuro. O que o lesado pediu foi a indemnização pela afectação da sua capacidade de trabalho (embora no seu cálculo tenha utilizado o salário mensal que auferia).
Indiscutivelmente que o dano sofrido pelo lesado é ressarcível. Embora o seu salário se mantenha, a sua capacidade para o trabalho ficou afectada. Ora, nada obsta a que qualquer pessoa – salvo incompatibilidades legais – possa efectuar outro trabalho, para além da sua ocupação habitual, e usufruir os respectivos rendimentos. Esta possibilidade ficou afectada substancialmente no que toca ao lesado.
Da mesma maneira, mesmo que alguém não exerça um trabalho – por conta própria ou alheia – seja porque tem rendimentos de outra natureza, como de propriedade fundiária ou intelectual ou de capitais – seja porque não tem quaisquer rendimentos e vive a cargo de outrem, sempre terá direito a ser indemnizado pela incapacidade permanente parcial para o trabalho em geral, porque a sua capacidade para trabalhar, para realizar uma actividade física ou espiritual, foi afectada de forma definitiva e permanente. Foi um activo de que ficou privado para sempre e de que deve ser indemnizado nos termos gerais.
É neste sentido para que tem propendido a doutrina.4》
Ora, já não é possível a reconstituição natural da situação que existiria se não ocorresse o acidente de viação, pelo que a indemnização deve ser fixada em dinheiro (art.º 560.º n.º 1 do Código Civil).
De acordo com o n.º 5 do art.º 560.º do Código Civil, “Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”.
E ao abrigo do disposto do n.º 6 do art.º 560.º, “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julga equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
Mais uma vez chama-se colação ao critério da equidade na determinação da quantia indemnizatória, “sem prejuízo de se atenderem aos outros factos provados pertinentes, como a idade da vítima, o seu estado físico antes da lesão, o seu salário actual e o seu emprego, as suas habilitações académicas, as suas perspectivas profissionais antes e depois da lesão”.5
No presente caso, o autor tinha 54 anos de idade na altura do acidente de viação e no ano de 2012 auferiu salário anual de MOP$141.971,20.
Após o acidente de viação, o autor fica permanentemente acamado, não conseguindo movimentar o seu corpo nem tratar das suas necessidades. Na vida quotidiana, não consegue tomar conta de si próprio, dependendo da assistência e cuidados dos familiares durante o dia inteiro.
E perdeu permanentemente toda a capacidade de trabalho.
O Acórdão ora recorrido fixou a indemnização no montante de MOP$1.200.000,00, em vez de MOP$1.500.000,00 arbitrado pela 1.ª instância.
Tudo ponderado, afigura-se-nos razoável e equilibrado aquele valor fixado pelo TSI, tendo em consideração ainda a diferença entre a idade que o autor tinha na altura do acidente e a idade máxima de trabalho legalmente prevista para a Função Pública (65 anos).
É de concluir pela manutenção da decisão recorrida.

Finalmente e atenta à repartição do risco entre os veículos – 15% para o motociclo conduzido pelo autor e 85% para o veículo conduzido pelo 2.º réu, deve a companhia de seguros pagar ao autor a quantia de MOP$1.275.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, e o montante de MOP$1.020.000,00, a título de indemnização por perda da capacidade permanente de ganho, mantendo assim a decisão do acórdão recorrido.

4. Decisão
Face ao expendido, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.

Macau, 11 de Julho de 2018

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

1 Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almeida, 10.ª edição, revista e actualizada, vol. I, p. 600 e seguintes.
2 Cfr. Acórdão deste Tribunal de Última Instância, de 17 de Dezembro de 2009, Proc. n.º 32/2009.
3 Cfr. Ac.s do TUI, de 25 de Abril de 2007 e de 7 de Novembro de 2012, Proc.s n.ºs 20/2007 e 62/2012.
4 AMÉRICO MARCELINO, Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, Lisboa, Livraria Petrony, 6.ª edição, p. 453 e seg. E não falte mesmo quem defenda, como é caso da mais alta instância judicial italiana, o Tribunal de Cassação, em decisão de 6 de Junho de 1981, que “O dano dito biológico, enquanto lesivo do direito à saúde, que por explícito ditame constitucional é direito fundamental do indivíduo, deve ser ressarcível mesmo que não incidindo sobre a capacidade de produzir ganhos e mesmo independentemente desta última”. Citado por J.A. ÁLVARO DIAS, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Coimbra, Almedina, 2001, p. 131, nota 278.
5 Cfr. Ac.s do TUI já citados, Proc.s n.ºs 20/2007 e 62/2012.
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Processo n.º 39/2018