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Processo n.º 26/2018
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Chefe do Executivo da RAEM
Recorrida: China Road and Bridge Corporation
Data da conferência: 18 de Julho de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Determinação da prática de acto administrativo legalmente devido
- Acto vinculado


SUMÁRIO
1. Nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 24.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, qualquer que seja o tribunal competente, pode cumular-se no recurso contencioso o pedido de quando, em vez do acto anulado ou declarado nulo ou juridicamente inexistente, devesse ter sido praticado um outro acto administrativo de conteúdo vinculado.
2. O acto tem conteúdo vinculado quando o decisor não tem margem de livre decisão, tendo o acto um único sentido possível.
3. Se, num processo de consulta de empreitada e em consequência da procedência do recurso interposto por um concorrente para o Tribunal de Segunda Instância, a Administração deve praticar certos actos, tais como proceder a novo cálculo da pontuação final, apurar qual a proposta que obtém pontuação mais elevada, que se faz com meras operações aritméticas, e consequentemente adjudicar a empreitada em causa a concorrente que apresentou a proposta que seja classificada em primeiro lugar, tudo em conformidade com as regras e critérios de avaliação previamente definidos no Programa de Consulta, não tendo nenhuma margem de livre decisão nem espaço de discricionariedade, então está em causa um acto de conteúdo vinculado.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
   
1. Relatório
China Road and Bridge Corporation, melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Senhor Chefe do Executivo da RAEM, de 25 de Julho de 2016, que ordenou a adjudicação do Contrato de “Empreitada de Construção da Superestrutura do Parque de Materiais e Oficina do Sistema de Metro Ligeiro – C385R” à Companhia de Engenharia e de Construção da China (Macau), Limitada.
Por Acórdão proferido em 1 de Fevereiro de 2018, o Tribunal de Segunda Instância julgou procedente o recurso, anulando o acto administrativo impugnado, devendo a entidade recorrida proceder a novo cálculo da pontuação final obtida pelos concorrentes em conformidade com o decidido no Acórdão e apurar qual a proposta que obtém pontuação mais elevada e adjudicar a respectiva empreitada à consultada que fez a proposta vencedora.
Inconformado com a decisão, vem agora o Senhor Chefe do Executivo (doravante designado por “recorrente”) recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
i. Ressalvado o devido respeito e com a devida vénia, o recorrente considera que o Acórdão Recorrido enferma dos vícios de errada aplicação da lei e de usurpação de poderes.
Violação da Lei por inverificação do vício de “Erro na valoração da experiência em obra da Recorrida” e de “Erro na valoração da experiência da CECC”
ii. Decorre do n.º 21, do Programa de Consulta, nomeadamente, que o critério de avaliação da Experiência e Qualidade em Obras, corresponde ao factor de ponderação de 15%.
iii. Conforme o previsto no n.º 4 do ponto 22, do Programa de Consulta, o critério de avaliação do item Experiência e Qualidade em Obras subdivide-se em: 1) Experiência em Obras e em 2) Experiência do Quadro Técnico.
iv. No que concerne, especificamente ao item Experiência em Obras, este corresponde ao valor máximo de 10.0 pontos.
v. A pontuação do item Experiência em Obras era obtida da seguinte forma:
vi. Por cada obra concluída em Macau com valor de adjudicação superior a $100,000,000, corresponde à pontuação de 2 pontos.
vii. Por cada obra ferroviária com valor de adjudicação superior a 300,000,000, corresponde à pontuação de 2 pontos.
viii. Se a obra for executada por meio de consórcio, o valor da pontuação será obtido por multiplicação da percentagem que o concorrente ocupava no consórcio.
ix. Aferindo-se, em primeira linha, que só era avaliada a experiência dos Concorrentes em obras com um valor de adjudicação superior a $100,000,000 e/ou a $300,000,000, consoante se tratasse de obras de construção civil ou ferroviária, respectivamente.
x. Correspondendo a pontuação fixa de 2 pontos, por cada obra com um valor de adjudicação superior àqueles montantes.
xi. Ou seja, bastava que valor da adjudicação correspondesse ao mínimo exigido, para que fossem atribuídos ao Concorrente 2 pontos, sendo que, o não cumprimento do mesmo requisito relativo ao valor da adjudicação não conferia a atribuição de qualquer pontuação.
xii. No que respeita à situação em que a obra tivesse sido executada em regime de consórcio, não se encontrava afastada a aplicação desse mesmo requisito, relativamente aos limites mínimos do valor da adjudicação, constante nos parágrafos 1 e 2 da alínea 4.1. do n.º 4 do ponto 22., do Programa de Consulta.
xiii. Uma vez que, a regra prevista no parágrafo 3 não pode ser interpretada de forma autónoma, relativamente às regras constantes nos parágrafos 1. e 2., que o precedem, pertencendo todos à alínea 4.1. do n.º 4 do ponto 22., do Programa de Consulta, referente à avaliação do item Experiência em Obras.
xiv. Ora, sendo o regime regra para a valoração das obras o constante nos parágrafos 1. e 2., supra referidos, não faz qualquer sentido que tal regime se viesse a alterar quando na Proposta do Concorrente fossem indicadas empreitadas em que este tivesse participado em regime de consórcio.
xv. Caso contrário, correr-se-ia o risco de se permitir avaliar e pontuar as Propostas dos Concorrentes relativamente a empreitadas em que os mesmos, em termos efectivos e absolutos, tivessem tido uma participação que não correspondesse aos valores mínimos de adjudicação, considerados relevantes para efeitos da avaliação do item Experiência em Obras.
xvi. Termos em que, a regra do parágrafo 3 da alínea 4.1. do n.º 4 do ponto 22., do Programa de Consulta, não comporta uma excepção à regra constante dos parágrafos 1 e 2, que o precedem, devendo ser interpretada de forma sistemática com referência aos mesmos.
xvii. E, nessa medida, o valor da adjudicação a considerar nas obras em que o Concorrente tivesse participado em regime de consórcio, teria que ser obtido por multiplicação do valor total da adjudicação pela percentagem que o mesmo ocupava no consórcio, e
xviii. Com base no valor obtido, ser-lhe-ia atribuída a, respectiva, pontuação através da aplicação das regras constantes nos parágrafos 1 e 2 da alínea 4.1. do n.º 4 do ponto 22., do Programa de Consulta, consoante o tipo de empreitada.
xix. Caso assim não se entendesse, o que não se concede, estar-se-ia a violar as regras da Consulta, pois, por um lado, correr-se-ia o risco de se estar a valorar a participação dos Concorrentes em obras relativamente às quais estes tivessem tido uma participação pouco expressiva para efeitos dos objectivos da consulta e, em segundo lugar, estar-se-ia a violar a regra relativamente ao valor da pontuação a atribuir, sendo que esta era fixa, correspondendo a 2 pontos, até ao máximo de 10 pontos.
xx. E, nessa medida, a Comissão de Avaliação das Propostas, efectuou a avaliação correctamente não tendo cometido os erros apontados pela Recorrida.
xxi. Relativamente à valoração da proposta da CECC, quanto às obras em que participou em regime de consórcio, os montante percentuais da sua participação suplantam claramente os limites mínimos supra referidos e, nessa medida, procedeu bem a Comissão de Avaliação das Propostas, tendo-lhe atribuído a correcta pontuação, pelas mesmas razões acima já referidas.
xxii. Termos em que, não se verificou qualquer erro na avaliação das Propostas, e nessa medida a decisão do douto Tribunal ad quo ao decidir em sentido contrário enferma em vício de violação da lei, pelo que, deverá ser revogada.
Violação da Lei por inverificação do vício de “Erro na valoração da experiência do pessoal da Recorrida”
xxiii. Consagra a al. a) do n.º 13.1. do ponto 13. Documentos que instruem a proposta, do Programa de Consulta, que “a proposta será instruída com os seguintes documentos”, nomeadamente, com “Declaração, com assinatura reconhecida notarialmente, na qual se indique relativamente à sociedade a denominação social, o domicílio, as sucursais que interessem à execução do contrato (…)”, bem como, “(...) o registo comercial de constituição e das alterações do pacto social (...)”.
xxiv. Decorrendo, da al. 4.2. do n.º 4 Experiência e Qualidade em Obras, do ponto 22. Mapa dos critérios de avaliação e valores de classificação, do Programa de Consulta, que para efeitos de pontuação, que o Adjunto de Director de Obra e o Adjunto de Encarregado Geral, entre outros, devem ser trabalhadores do Concorrente, pelos períodos de tempo indicados.
Ademais,
xxv. Conforme o ponto 27. do “Esclarecimento Prestado aos Concorrentes”, prestado ao abrigo do n.º 2 do Programa de Consulta, foi, expressamente, referido que, apenas, seria tido em consideração o pessoal afecto, quer à empresa-mãe, quer à representação permanente em Macau.
xxvi. Porém, se atendermos à documentação apresentada pela Representação Permanente da Recorrida, em Macau, em cumprimento da al. a) no número 13.1. do ponto 13. Documentos que instruem a proposta, do Programa de Consulta, afere-se que: 1) quanto à denominação social, vem referida a esta representação permanente em Macau; 2) quanto ao domicílio é referida a morada de Macau da representação permanente; 3) quanto às sucursais que interessem à execução do contrato, nada é referido; e 4) quanto ao registo comercial, apenas, foi apresentado o relativo à mesma Representação Permanente em Macau.
xxvii. Termos em que, a China Road and Bridge Corporation, deveria ter apresentado, nomeadamente, para as posições de Adjunto de Director de Obra e de Adjunto de Encarregado Geral, o pessoal técnico que preenchesse os requisitos previstos no Processo de Consulta, e que pertencesse ao quadro da empresa-mãe, sediada em Pequim, ou ao quadro da Representação Permanente em Macau.
xxviii. Porém, não foi isso que aconteceu, pois, quer o Adjunto de Director de Obra, Sr. Peng Juncong, quer o Adjunto de Encarregado Geral, Sr. Zhang Jinhong, são trabalhadores do quadro da Representação da Recorrente em Guangdong, não se encontrando assim verificados aqueles requisitos da Consulta.
xxix. Termos em que, não se verificou qualquer erro na avaliação da Proposta apresentada pela Representação Permanente da Recorrente, em Macau, e nessa medida a decisão do douto Tribunal ad quo ao decidir em sentido contrário enferma em vício de violação da lei, pelo que, deverá ser revogada.
Usurpação de poderes por impossibilidade “da condenação da Entidade Recorrente à prática de acto administrativo legalmente devido”
xxx. O douto acórdão do Tribunal ad quo ao ter condenado a entidade recorrente a “proceder a novo cálculo da pontuação final obtida pelos concorrentes em conformidade com o decidido [no] Acórdão e apurar qual a proposta que obtém pontuação mais elevada e adjudicar a respectiva empreitada à consultada que fez a proposta vencedora.”, incorreu no vício de usurpação de poderes, uma vez que,
xxxi. O Tribunal não tem poderes para obrigar a Administração a adjudicar o contrato, pois, a situação em apreço não se enquadra no âmbito dum acto administrativo de conteúdo vinculado, sendo o presente recurso contencioso de mera legalidade, nos termos do artigo 20.º do CPAC e, nesse medida, o douto acórdão deverá ser revogado.
xxxii. Termos em que, não tem procedência qualquer dos pedidos formulados pela recorrida, devendo ser revogada a douta decisão do Tribunal ad quo.

Contra-alegou China Road and Bridge Corporation (doravante designada por “recorrida”), apresentado as seguintes conclusões:
1. Do parágrafo 22 do Programa de Consulta resulta que um dos factores de avaliação de propostas em sede do Concurso é a “Experiência e Qualidade e Obras” que, por sua vez, se divide nos subcritérios de “Experiência em Obras” e “Experiência do Quadro Técnico”.
2. Para efeitos da avaliação da experiência das consultadas em obras, o Ponto 4.1 acima referenciado atribui 2.0 (dois) pontos por cada obra que comprovadamente tenha sido executada, isoladamente ou em consórcio, pelas consultadas, até ao limite de 10.0 (dez) pontos, sendo que atribui 2.0 pontos por “Por cada obra concluída em Macau com valor de adjudicação> $100,000,000” e 2.0 pontos “Por cada obra ferroviária com valor de adjudicação> $300,000,000”.
3. Nos casos em que a obra a ser avaliada tenha sido executada em regime de consórcio, o parágrafo 3 do Ponto 4.1 determina que “o valor da pontuação será obtido por multiplicação da percentagem que o concorrente ocupava no consórcio”.
4. Estabelece-se, assim, um requisito mínimo para a obra ser considerada: o de o valor de adjudicação das obras em causa ser superior a MOP$100,000,000 ou MOP$300,000,000, consoante a obra tenha sido executada em Macau (independentemente da natureza da obra) ou fora de Macau (em que tem de estar em causa uma obra de natureza ferroviária),
5. Caso a obra tivesse sido executada em consórcio, a pontuação de 2.0 pontos atribuída nos termos dos parágrafos 1 e 2 do Ponto 4.1 devia ser fraccionada pela percentagem que a consultada detivesse nesse consórcio.
6. Nesses termos, e.g., uma consultada que tenha executado a obra em causa sozinha deveria receber a totalidade dos 2.0 pontos possíveis por cada obra, enquanto consultadas que tenham realizado a obra em causa em consórcio deveria receber uma percentagem desses 2.0 pontos correspondente à percentagem que detinham no consórcio que realizou a obra.
7. Por forma a satisfazer estes critérios, a ora Recorrida Jurisdicional apresentou, inter alia, informação relativa a duas empreitadas, a saber, a “Empreitada de Edifícios e Arranjos Exteriores das Instalações Provisórias do Novo Terminal Marítimo da Taipa”, com o valor de adjudicação de $135,111,450.00 e “Empreitada de Construção do Novo Terminal Marítimo da Taipa”, com o valor de adjudicação de $499,800,000,00, ambas executadas por consórcios de que a ora Recorrida Jurisdicional fez parte e que eram por si detidos em 70%.
8. Conforme resulta claro do relatório de avaliação das propostas, o valor de adjudicação de ambas as empreitadas excede largamente os $100,000,000 previstos no Programa de Consulta, pelo que a ora Recorrida Jurisdicional deveria ter recebido, por cada uma das obras, 70% de 2.0 pontos, no total de 1.4 pontos por cada obra.
9. No entanto, a Comissão de Avaliação de Propostas cometeu erro claro de aplicação destas regras no que concerne à avaliação da “Empreitada de Edifícios e Arranjos Exteriores das Instalações Provisórias do Novo Terminal Marítimo da Taipa”, porquanto utilizou a percentagem detida pela ora Recorrida Jurisdicional no consórcio que realizou a obra para calcular o valor de adjudicação da empreitada em causa e não a percentagem dos 2.0 pontos a atribuir, quando nada resulta do Programa de Consulta que permita tal interpretação.
10. O Ponto 4.1 previsto no parágrafo 22 do Programa de Consulta é claro em impor como condição para consideração de determinada empreitada para efeitos de contabilização da experiência em obra de uma concorrente que o valor absoluto da adjudicação deva ser superior a 100 milhões de Patacas, em lado algum se prevendo que esse valor diga respeito à percentagem do valor total de adjudicação que corresponda à percentagem do consórcio detida pelo concorrente para efeitos da empreitada em causa.
11. Ou seja, por cada obra concluída em Macau, bastava que o valor de adjudicação absoluto fosse superior a $100,000,000 para a obra em causa valer 2.0 pontos, dos quais o concorrente deveria receber uma percentagem correspondente à que detenha no consórcio (se o houver) que tenha realizado a obra.
12. Com o devido respeito por diversa opinião, afigura-se evidente que, à luz das referidas regras concursais, para que uma determinada empreitada fosse considerada para efeitos de verificação da experiência em obra do concorrente, bastava que o valor total de adjudicação dessa empreitada excedesse os 100 milhões de Patacas, não sendo de forma alguma exigível que a percentagem do consórcio detida pelo concorrente, quando aplicada ao valor de adjudicação, resultasse em valor superior a 100 milhões de Patacas.
13. Aliás, o raciocínio e interpretação aplicados pela Comissão de Avaliação de Propostas e defendido pela ora Recorrente Jurisdicional pura e simplesmente desaplica o parágrafo 3 do Ponto 4.1 do Documento n.º 5, uma vez que, caso se use a percentagem do consórcio para obter o valor da obra, ele já não servirá para determinar o valor da pontuação, dado que desde que a percentagem do valor correspondente à percentagem do consórcio seja superior a 100,000,000, a pontuação será sempre de 2.0 pontos – o que não faz qualquer sentido, nem é permitido por uma leitura das regras da Consulta.
14. A premissa maior da interpretação preconizada pela Recorrente Jurisdicional é a de que, sendo executadas em consórcio, o que se pretende obter pela multiplicação do valor das obras pela percentagem que o concorrente ocupava no consórcio é o valor da obras a considerar com vista à obtenção dos dois pontos previstos nos parágrafos 1 e / ou 2 do referido Ponto 4.1.
15. Sucede que não só tal interpretação do parágrafo 3 implica a sua própria desaplicação, como colide frontalmente o com o respectivo teor que determina, ipis verbis, que é o VALOR DA PONTUAÇÃO [que] SERÁ OBTIDO POR MULTIPLICAÇÃO DA PERCENTAGEM QUE O CONCORRENTE OCUPAVA NO CONSÓRCIO.
16. Como é sabido, pese embora a interpretação não deva cingir-se à letra da lei, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal – artigo 8.º, n.º 2, do Código Civil – que é o que ocorre exactamente com a interpretação preconizada pela Recorrente Jurisdicional!
17. Nada no Ponto 4.1 permite a interpretação defendida pela Recorrente Jurisdicional segundo a qual a pontuação a atribuir “era fixa” quando a obra tenha sido executada em consórcio.
18. Pelo contrário: nos termos do respectivo parágrafo 3, “[s]e a obra for executada por meio de consórcio, o valor da pontuação será obtido por multiplicação da percentagem que o concorrente ocupava no consórcio”!
19. As participações da ora Recorrida Jurisdicional nos contratos apresentados a concurso não foram pouco expressivas e os pontos atribuídos nesses casos são reduzidos proporcionalmente em função da percentagem que o concorrente ocupava no consórcio.
20. Por fim, a ora Recorrida Jurisdicional nota que os parágrafos 1 e 2 do Ponto 4.1 são claros na utilização do termo “valor de adjudicação” – este valor é apenas um: o valor total pago pelo dono de obra aos empreiteiros.
21. Com efeito, um valor parcial atribuído aritmeticamente a um empreiteiro em função da percentagem que detenha num consórcio não é o “valor de adjudicação” que é, repete-se, o valor total.
22. A leitura repetida da regra contida no parágrafo 3 do Ponto 4.1 não permite qualquer outra interpretação que não a de que os valores de empreitada para efeitos do referido Ponto 4.1 são absolutos, e não valores referentes às percentagens detidas pelos membros do Consórcio, e que a percentagem detida no consórcio apenas releva para aferir da percentagem dos 2.0 pontos em disputa – conforme, aliás. se afigura cristalino em face do teor do parágrafo 3 do referido Ponto 4.1.
23. Este erro claro na aplicação das regras da Consulta prejudicou a ora Recorrida Jurisdicional na valoração da sua participação na “Empreitada de Edifícios e Arranjos Exteriores das Instalações Provisórias do Novo Terminal Marítimo da Taipa”, com o valor de adjudicação de $135,111,450.00, dado que recebeu nessa sede 0.0 ponto, quando a correcta aplicação da fórmula de avaliação prevista no referido Ponto 4.1 implicaria a divisão dos 2 pontos possíveis pela percentagem detida pela ora Recorrida Jurisdicional no consórcio que realizou a obra em causa (70%), o que resultaria numa pontuação de 1.4 para esta obra.
24. Por outro lado, este mesmo erro acaba por sobreavaliar a participação da ora Recorrida Jurisdicional na “Empreitada de Construção do Novo Terminal Marítimo da Taipa”, com o valor de adjudicação de $499,800,000,00, realizada por consórcio detido também em 70% pela ora Recorrida Jurisdicional, dado que lhe atribuiu a pontuação total de 2.0 pontos, quando, de acordo com a interpretação correcta do critério de avaliação em causa, seria novamente necessário dividir os 2.0 pontos possíveis pela referida percentagem de 70% do consórcio, obtendo novamente uma pontuação de 1.4 para esta obra.
25. Assim, temos que a incorrecta aplicação das regras da Consulta redundou em a ora Recorrida Jurisdicional receber um total de 2.0 pontos pela sua participação nas duas empreitadas acima descritas (2.0 pontos pela “Empreitada de Edifícios e Arranjos Exteriores das Instalações Provisórias do Novo Terminal Marítimo da Taipa” e 0.0 pontos pela “Empreitada de Construção do Novo Terminal Marítimo da Taipa”), quando devia ter recebido 2.8 pontos pelas empreitadas acima indicadas (1.4 pontos por cada uma), num total de 8.80 pontos no âmbito do Ponto 4.1 do Mapa previsto no parágrafo 22 do Programa de Consulta, em vez dos 8.00 que lhe foram atribuídos.
26. O saldo total, atenta a subvalorização de uma das empreitadas e a sobrevalorização de outra, é que a ora Recorrida Jurisdicional recebeu menos 0.8 pontos do que devia ter recebido nesta sede, não se tratando de erro de avaliação resultante de qualquer margem de discricionariedade da Administração, mas sim do facto de a Comissão de Avaliação de Propostas ter aplicado de forma manifestamente errada um critério de avaliação que não comporta qualquer outra leitura que não a defendida pela ora Recorrida Jurisdicional e sufragada pelo douto Acórdão Recorrido.
27. Face ao exposto, afigura-se à Recorrida Jurisdicional que o douto Acórdão Recorrido não merece qualquer censura ao ter considerado que existiu erro na apreciação por parte da Comissão de Avaliação de Propostas, entendendo que basta que o valor de adjudicação seja superior a 100.000.000,00 para a obra em causa valer 2.0 pontos, e que sendo a obra executada em regime de consórcio a pontuação será calculada com base na percentagem que o concorrente ocupava no respectivo consórcio.
28. Afigura-se, por conseguinte, que o douto Acórdão Recorrido não merece qualquer censura, designadamente ao considerar que a Recorrida Jurisdicional deveria ter recebido neste item de avaliação, por cada uma das referidas obras, 70% de 2.0 pontos, ou seja 1.4 pontos por cada obra devendo o presente recurso jurisdicional improceder, desde logo nesta parte.
29. O mesmo raciocínio e leitura das regras da Consulta (aliás, a única plausível) ganham importância adicional na valoração da proposta da CECC.
30. A CECC apresentou, inter alia, para efeitos de valoração da sua experiência nos termos previstos no Programa de Consulta, as empreitadas relativas a “Empreitada de Construção da Fase I e de Ampliação do Wynn Resorts Macau” com o valor de adjudicação de $2,399,270,387.06 e a “Empreitada de Construção da Fase III do Wynn Macau – Hotel Diamante” com o valor de adjudicação de $2,794,608,715.35, ambas executadas pela CECC em regime de consórcio, que era detido em ambos os casos em apenas 20% pela CECC.
31. A Comissão de Avaliação de Propostas valorou estas obras em 2.0 pontos cada uma, presumivelmente seguindo o raciocínio equivocado exposto supra.
32. Ora, segundo a única interpretação possível das regras contidas no Programa de Consulta, afigura-se necessário concluir que os 20% de participação da CECC nos consórcios que realizaram as obras em causa não lhe permite obter a totalidade dos 2.0 pontos possíveis, devendo antes ser atribuída à CECC a pontuação correspondente a 20% desses 2.0 pontos, ou seja, 0.4 pontos por cada obra.
33. Assim, resulta evidente que a proposta da CECC foi sobreavaliada em nada menos do que 3.2 pontos, dado que recebeu 4.0 pontos pela sua participação nas referidas duas obras quando devia ter recebido apenas 0.8 pontos pelas mesmas, devendo a referida pontuação parcelar de 4.0 pontos ser reduzida em conformidade para 0.8 pontos, passando a proposta da CECC a ser avaliada num total de 6.80 pontos no âmbito do referido Ponto 4.1.
34. Termos em que, ressalvado o devido respeito por diversa opinião, afigura-se à Recorrida Jurisdicional que o douto Acórdão Recorrido não deve ser sujeito a qualquer reparo por entender que a CECC só deveria ter recebido por cada uma daquelas obras 20% de 2.0 pontos, ou seja, 0.4 pontos por cada obra.
35. Pelo exposto, afigura-se também à Recorrida Jurisdicional que o douto Acórdão Recorrido é absolutamente correcto ao determinar que, não tendo a Comissão de Avaliação de Propostas apreciado as propostas dos concorrentes em conformidade com os critérios de avaliação constantes do Programa de Consulta, designadamente quanto à valoração da experiência em obra da ora Recorrida Jurisdicional e da Contra-interessada CECC, verificou-se violação de lei, devendo o acto recorrido ser anulado, em conformidade, razão pela qual o presente recurso jurisdicional deve ser julgado improcedente.
36. Ficou ainda demonstrado que a experiência do pessoal da ora Recorrida Jurisdicional – outro factor de avaliação das propostas – foi incorrectamente valorada pela Comissão de Avaliação de Propostas, e em claro prejuízo da ora Recorrida Jurisdicional.
37. O Ponto 4.2 do parágrafo 22 do Programa de Consulta prevê a atribuição de um certo número de pontos, até ao limite de 5.0 (cinco), em função da experiência das pessoas indicadas pelos concorrentes para os cargos de Director de Obra, Adjunto de Director de Obra, Encarregado Geral e Adjunto de Encarregado Geral, com base no tempo de serviço que tivessem junto dos mesmos.
38. Por forma a satisfazer estes critérios, a ora Recorrida Jurisdicional indicou para os cargos de Adjunto de Director de Obra e Adjunto de Encarregado Geral, respectivamente, os Srs. Peng Juncong e Zhang Jinhong, que constam como funcionários da representação permanente da ora Recorrida Jurisdicional em Guangdong desde respectivamente 1994 e 2001, tudo conforme documentação de suporte apresentada pela ora Recorrida Jurisdicional no processo de Consulta, e constante do processo instrutor, i.e., um período de serviço que permitiria à ora Recorrida Jurisdicional obter respectivamente 1.5 e 1.0 pontos, de acordo com as regras do Programa de Consulta vertidas no Ponto 4.2 do Documento n.º 5.
39. No entanto, a Comissão de Avaliação de Propostas, na página 27 do Documento n.º 4 junto ao requerimento de suspensão de eficácia, atribuiu à ora Recorrida Jurisdicional 0.0 pontos por estes dois trabalhadores.
40. A explicação para esta decisão, equacionada na petição de recurso e confirmada nos artigos 40.º e seguintes da Contestação e 27.º e seguintes das alegações de recurso da ora Recorrente Jurisdicional, foi a de os trabalhadores em causa exercerem a sua profissão na representação permanente da ora Recorrida Jurisdicional em Guangdong e não na de Macau.
41. Sucede, porém, que tal posição é juridicamente incorrecta, não devendo ser entretida.
42. Com efeito, a lei da RAEM, nomeadamente o Artigo 178.º do Código Comercial, prevê que a representação permanente não tem personalidade jurídica separada da sua casa mãe, sendo antes uma manifestação societária dessa mesma casa mãe.
43. ln casu, a ora Recorrida Jurisdicional é uma representação permanente da China Road and Bridge Corporation, sociedade constituída de acordo com as leis da República Popular da China, com sede em N.º 88C da Avenida An Ding Men Wai, Beijing, China, tal como resulta da cópia da certidão emitida pela Conservatória dos Registos de Bens Móveis e Comercial da RAEM, junta aos autos oportunamente.
44. Por seu turno, a representação permanente de Guangdong – onde trabalham os trabalhadores em causa – é uma representação permanente “Subsidiária” da mesmíssima sociedade, conforme resulta claro da certidão de registo dessa representação permanente, igualmente junta aos autos.
45. Ou seja, para efeitos da lei da RAEM, todas estas representações permanentes são na realidade uma e a mesma sociedade – a ora Recorrida Jurisdicional – para quem prestam serviço os respectivos trabalhadores.
46. Salvo o devido respeito, a Recorrente Jurisdicional não pode vir afirmar que, no ponto 27 dos “Esclarecimentos Prestados aos Concorrentes”, “foi, expressamente, referido que, apenas, seria tido em consideração o pessoal afecto, quer à empresa-mãe, quer à representação permanente em Macau”, não só porque a referida resposta não refere que “apenas” seria tido em consideração o pessoal afecto fosse a que entidade fosse, como é falso que na referida resposta se faça qualquer menção a representações permanentes.
47. Diversamente do que alega a Recorrente Jurisdicional, no ponto 27 dos “Esclarecimentos Prestados aos Concorrentes” apenas é dito que também seria tido em consideração o pessoal afecto à sociedade-mãe da concorrente, sendo certo que no caso dos autos não está em causa a relação entre sociedade-mãe e subsidiária (i.e., entre duas sociedades juridicamente distintas e independentes), mas antes a relação entre uma sociedade e as representações permanentes dessa mesma sociedade, pelo que este pseudo-argumento é totalmente ineficaz para demonstração das teses da Recorrente Jurisdicional.
48. Acresce que, se também seria tido em consideração o pessoal afecto a uma sociedade-mãe (de uma sociedade subsidiária), por maioria de razão, também teria de ser tido em consideração o pessoal afecto a uma representação permanente da mesma sociedade, in casu o pessoal afecto à representação permanente de Guangdong da ora Recorrida Jurisdicional!
49. O que alega a Recorrente Jurisdicional no artigo 29.º das suas alegações de recurso e no parágrafo xxvi. das respectivas conclusões é também totalmente irrelevante para o suporte das teses que defende, até porque i) a denominação social da ora Recorrida Jurisdicional e da sua representação permanente em Macau é a mesma; ii) a ora Recorrida Jurisdicional tem sede em N.º 88C da Avenida An Ding Men Wai, Beijing, China e representação permanente na Alameda Dr. Carlos D'Assumpção, n.º 180, Edifício Tong Nam Ah Centro Comercial, 20.º andar, P-V, em Macau, iii) não havia quaisquer sucursais para identificar, e iv) apenas foi apresentada a certidão do registo comercial relativa à criação da representação permanente da ora Recorrida Jurisdicional em Macau porque apenas essa certidão podia ser emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Macau relativamente a uma sociedade que exerce actividade permanente na RAEM, sem aqui ter sede estatutária nem administração principal, nos termos do artigo 178.º, n.º 1 do CCom, como é o caso da ora Recorrida Jurisdicional.
50. Conforme faz notar o douto Acórdão Recorrido, do ponto 4.2 do Mapa dos Critérios de Avaliação e Valores de Classificação apenas consta que a pontuação quanto à “experiência do quadro técnico” depende de a pessoa indicada ser ou não trabalhador da concorrente e do tempo de serviço prestado à mesma, não se prevendo qualquer distinção entre trabalhadores da sociedade e trabalhadores das respectivas representações permanentes junto de outras cidades ou regiões.
51. Conforme sublinha o douto Acórdão Recorrido, todas as representações permanentes, a não ser que se tenham constituído como pessoas colectivas autónomas, são na realidade uma e a mesma sociedade, in casu, a ora Recorrida Jurisdicional, para quem prestam serviço os respectivos trabalhadores, podendo estes ser destacados para exercer funções em qualquer das suas representações permanentes.
52. Pelo que nada há a apontar ao douto Acórdão Recorrido quando neste se conclui a este respeito que, uma vez que as pessoas indicadas pela ora Recorrida Jurisdicional para os cargos de Adjunto de Director de Obra e Adjunto de Encarregado Geral prestaram mais de 15 anos de serviço na representação permanente de Guangdong, essas pessoas são trabalhadores da ora Recorrida Jurisdicional, pelo que a sua experiência deve ser valorada em conformidade com o estabelecido no ponto 4.2, podendo a Recorrida Jurisdicional obter 1.5 pontos relativos à experiência do Sr. Peng Juncong e 1.0 ponto relativamente à experiência do Sr. Zhang Jinhong.
53. Termos em que também nesta sede o douto Acórdão Recorrido se apresenta irrepreensível, sendo este igualmente fundamento da anulação do acto recorrido decretado por aquele Tribunal, devendo o presente recurso jurisdicional naufragar in totum, por completamente infundado.
54. Nos termos do artigo 24.º do CPAC, qualquer que seja o tribunal competente, pode cumular-se no recurso contencioso o pedido de determinação da prática de acto administrativo legalmente devido quando, em vez do acto anulado ou declarado nulo ou juridicamente inexistente, devesse ter sido praticado um outro acto administrativo de conteúdo vinculado.
55. Conforme acima se expôs, em face das circunstâncias explanadas, designadamente no que respeita à avaliação das propostas da ora Recorrida Jurisdicional e da CECC, cabia à Administração efectuar o cálculo correcto da pontuação que cada uma das consultadas deveria obter, inter alia, quanto aos critérios Experiência em obras e Experiência do quadro técnico (Pontos 4.1 e 4.2 do Mapa dos Critérios de Avaliação e Valores de Classificação previsto no parágrafo 22), somar os resultados desses cálculos aos restantes resultados do apuramento quanto aos demais critérios, verificar qual a proposta que obtém pontuação mais elevada e adjudicar o respectivo Contrato à consultada que tenha apresentado a proposta vencedora, em conformidade.
56. A Administração estava vinculada a pontuar as propostas da ora Recorrida Jurisdicional e das demais consultadas, incluindo da CECC, em conformidade com os Critérios de Avaliação por si aprovados e previstos nos Pontos 4.1 e 4.2 do Mapa constante do parágrafo 22 do Programa de Consulta, sem que lhe assistisse qualquer discricionariedade no exercício dessa função, já que nesse âmbito o cálculo das respectivas pontuações é o resultado da realização de meras operações aritméticas – e portanto vinculadas.
57. Efectuados esses cálculos, de natureza vinculada, restará à Administração praticar os actos, também ele vinculados, de apuramento da proposta vencedora (em função da respectiva pontuação total) e de adjudicação do Contrato à ora Recorrida Jurisdicional em conformidade, independentemente de qualquer margem de livre decisão da Administração, pois esse era o único sentido possível das decisões em causa.
58. Afigura-se, pois, à ora Recorrida Jurisdicional que o acto recorrido (e os cálculos que lhe estão subjacentes) constitui um acto positivo de conteúdo ambivalente, uma vez que introduziu uma modificação em favor de terceiro – CECC –, em detrimento das pretensões da ora Recorrida Jurisdicional, que pretendia ser ela a beneficiária, em resultado da prática de acto(s) vinculado(s), relativamente aos qual(is) a Administração não gozava de qualquer margem de discricionariedade, conforme anteriormente exposto.
59. Conforme acertadamente se faz notar no douto Acórdão Recorrido, uma vez que a Administração está vinculada a efectuar a adjudicação da empreitada segundo os critérios constantes do Programa de Consulta para avaliação de propostas, fica obrigada a seguir e respeitar os critérios de avaliação prévia e objectivamente definidos, designadamente no tocante aos critérios “Experiência em obras” e “Experiência do quadro técnico” (Pontos 4.1 e 4.2 do Mapa dos Critérios de Avaliação e Valores de Classificação), sob pena de incorrer em violação de lei.
60. Assim, tendo a Comissão de Avaliação de Propostas efectivamente incorrido em erro na apreciação dos critérios do Programa de Consulta e estando em causa a prática de actos de conteúdo vinculado, afigura-se à Recorrida Jurisdicional que o douto Acórdão Recorrido não padece de qualquer vício de usurpação de poderes e, por conseguinte, não deve ser objecto de qualquer reparo, por determinar que a Administração terá de i) proceder a novo cálculo da pontuação final obtida pelos concorrentes em conformidade com o decidido no mesmo acórdão, ii) apurar qual a proposta que obtém pontuação mais elevada e iii) adjudicar a respectiva empreitada à consultada que fez a proposta vencedora, devendo, assim, o presente recurso contencioso ser julgado totalmente improcedente e o douto Acórdão Recorrido ser mantido na sua totalidade, salvo mais douta opinião.

O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso jurisdicional.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos
Nos autos foi considerada provada a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
- Por despacho do Chefe do Executivo de 10 de Maio de 2016, foi aprovada a dispensa da realização de concurso público, tendo sido convidadas sete empresas para participarem na consulta escrita da «Empreitada de Construção da Superestrutura do Parque de Materiais e Oficina do Sistema de Metro Ligeiro – C385R». (fls. 2 a 6 dos P.A. 1/2)
- Foram convidadas as seguintes empresas para apresentarem as suas propostas de preços: Companhia de Fomento Predial Sam Yau Limitada, Companhia de Construção e Engenharia Omas Limitada, Sociedade de Engenharia Soi Kun Limitada, CCECC (Macau) Companhia de Construção e Engenharia Civil China Limitada, Companhia de Engenharia e de Construção da China (Macau) Limitada, China Road and Bridge Corporation (ora recorrida) e Sociedade de Investimentos e Fomento Imobiliário Chon Tit (Macau) Limitada. (fls. 12 do P.A. 1/2)
- Para a avaliação de “experiência e qualidade em obras”, na modalidade de “experiência em obras”, prevê o ponto 4.1 do Programa de Consulta – Mapa dos critérios de Avaliação e Valores de classificação, o seguinte: (fls. 71 dos autos)
“1. Por cada obra concluída em Macau com valor de adjudicação ˃ $100,000,000 → M pontuação em função da experiência em obras + 2 ponto.
2. Por cada obra ferroviária com valor de adjudicação ˃ $300,000,000 → M pontuação em função da experiência em obras + 2 ponto.
3. Se a obra for executada por meio de consórcio, o valor da pontuação será obtido por multiplicação da percentagem que o concorrente ocupava no consórcio.
M pontuação em função da experiência em obras ˂=10.0 pontos”
- Para efeitos de avaliação da “experiência e qualidade em obras”, na modalidade de “experiência em obras” prevista no ponto 4.1 do Mapa dos critérios de Avaliação e Valores de classificação, a recorrida apresentou informação relativa a duas empreitadas, a saber:
1ª - A “Empreitada de Edifícios e Arranjos Exteriores das Instalações Provisórias do Novo Terminal Marítimo da Taipa”, com o valor de adjudicação de $135.111.450,00;
2ª - A “Empreitada de Construção do Novo Terminal Marítimo da Taipa”, com o valor de adjudicação de $499.800.000,00.
Ambas as empreitadas foram executadas por consórcios de que a recorrida fez parte e que eram por si detidos em 70%.
Em relação à “Empreitada de Edifícios e Arranjos Exteriores das Instalações Provisórias do Novo Terminal Marítimo da Taipa”, a recorrida recebeu 0.0 pontos, e em relação à “Empreitada de Construção do Novo Terminal Marítimo da Taipa”, a recorrida recebeu 2.0 pontos.
- Enquanto a contra-interessada CECC também apresentou informação relativa a duas empreitadas, a saber:
1ª - “Empreitada de Construção da Fase I e de Ampliação do Wynn Resorts Macau”, com o valor de adjudicação de $2.399.270.387,06;
2ª - “Empreitada de Construção da Fase III do Wynn Macau – Hotel Diamante”, com o valor de adjudicação de $2.794.608.715,35.
As referidas empreitadas foram executadas por consórcios de que a CECC fez parte e que eram detidos pela CECC em apenas 20%.
A Comissão de Avaliação de Propostas valorou estas duas obras realizadas por consórcios de que a CECC fez parte em 2.0 pontos cada uma.
- Consta ainda do ponto 4.2 do Programa de Consulta – Mapa dos critérios de Avaliação e Valores de classificação, no tocante à modalidade de “experiência do quadro técnico”, o seguinte critério: (fls. 71 e 72 dos autos)
“Nos casos de o Director de Obra, ou o Adjunto de Director de Obra serem trabalhadores para o concorrente durante um número Y de anos:
Se Y˂5 → M pontuação em função da experienciado quadro técnico + 0.0 pontos (por pessoa),
Se Y˃15 → M pontuação em função da experienciado quadro técnico + 1.5 pontos (por pessoa),
Se 5˂=Y˂=15 → M pontuação em função da experienciado quadro técnico + (Y-5)/5 x 1.0 pontos (por pessoa).
Nos casos de o Encarregado Geral, ou o Adjunto de Encarregado Geral serem trabalhadores para o concorrente durante um número Y de anos:
Se Y˂5 → M pontuação em função da experienciado quadro técnico + 0.0 pontos (por pessoa),
Se Y˃15 → M pontuação em função da experienciado quadro técnico + 1.0 pontos (por pessoa),
Se 5˂=Y˂=15 → M pontuação em função da experienciado quadro técnico + (Y-5)/5 x 1.0 pontos (por pessoa).
Se o Director de Obra, o Adjunto de Director de Obra, o Encarregado Geral ou o Adjunto de Director de Obra prometerem a participação exclusiva no quadro técnico do concorrente durante a fase de consulta e a prestação de serviços ao concorrente até à recepção provisória. → M pontuação em função da experienciado quadro técnico + 0.2 pontos (por pessoa).
M pontuação em função da experiência em obras ˂=5.0 pontos”
- Para efeitos de avaliação da “experiência e qualidade em obras”, na modalidade de “experiência do quadro técnico” prevista no ponto 4.2 do Mapa dos critérios de Avaliação e Valores de classificação, a recorrida indicou para os cargos de Adjunto de Director de Obra e Adjunto de Encarregado Geral, respectivamente, os senhores Peng Juncong e Zhang Jinhong, que constam como funcionários da representação permanente da recorrida em Guangdong desde 1994 e 2001, respectivamente.
- A Comissão de Avaliação de Propostas atribuiu à recorrida 0.00 pontos em relação a estes dois trabalhadores.
- A 18.7.2016, a Comissão de Avaliação elaborou o relatório final de avaliação e pontuação das propostas. (fls. 119 a 124 do P.A. 2/2)
- A proposta da recorrida ficou classificada em 2.º lugar, com 84.22 pontos. (fls. 123 verso do P.A. 2/2)
- A empreitada foi a final adjudicada pela entidade recorrente à Companhia de Engenharia e de Construção da China (Macau), Limitada (CECC), ora contra-interessada, por ter sido classificada em 1.º lugar, com 86.14 pontos. (fls. 123 verso do P.A. 2/2)

3. Direito
Foram imputados os seguintes vícios:
- Violação da Lei por inverificação do vício de erro na valoração da experiência em obra da ora recorrida e de erro na valoração da experiência da CECC;
- Violação da Lei por inverificação do vício de erro na valoração da experiência do pessoal da recorrida; e
- Usurpação de Poderes por impossibilidade da condenação da entidade recorrente à prática de acto administrativo legalmente devido.

3.1. Erro na valoração da experiência em obra
Conforme a factualidade assente, no que respeita à experiência em obra, prevê o ponto 4.1 do Mapa dos Critérios de Avaliação e Valores de Classificação do Programa de Consulta o seguinte:
“1. Por cada obra concluída em Macau com valor de adjudicação ˃ $100,000,000 → M pontuação em função da experiência em obras + 2 ponto.
2. Por cada obra ferroviária com valor de adjudicação ˃ $300,000,000 → M pontuação em função da experiência em obras + 2 ponto.
3. Se a obra for executada por meio de consórcio, o valor da pontuação será obtido por multiplicação da percentagem que o concorrente ocupava no consórcio.”
Para o efeito, a recorrida apresentou informação relativa a duas empreitadas: “Empreitada de Edifícios e Arranjos Exteriores das Instalações Provisórias do Novo Terminal Marítimo da Taipa”, com o valor de adjudicação de $135.111.450,00 e “Empreitada de Construção do Novo Terminal Marítimo da Taipa”, com o valor de adjudicação de $499.800.000,00.
Ambas as empreitadas foram executadas por consórcios de que a recorrida fez parte e que eram por si detidos em 70%.
Em relação à “Empreitada de Edifícios e Arranjos Exteriores das Instalações Provisórias do Novo Terminal Marítimo da Taipa”, a recorrida recebeu 0.0 pontos, e em relação à “Empreitada de Construção do Novo Terminal Marítimo da Taipa”, a recorrida recebeu 2.0 pontos.
E a contra-interessada Companhia de Engenharia e de Construção da China (Macau), Limitada também apresentou informação relativa a duas empreitadas: “Empreitada de Construção da Fase I e de Ampliação do Wynn Resorts Macau”, com o valor de adjudicação de $2.399.270.387,06, e “Empreitada de Construção da Fase III do Wynn Macau – Hotel Diamante”, com o valor de adjudicação de $2.794.608.715,35.
As referidas empreitadas foram executadas por consórcios de que a CECC fez parte e que eram detidos pela CECC em apenas 20%.
A Comissão de Avaliação de Propostas valorou estas duas obras realizadas por consórcios de que a CECC fez parte em 2.0 pontos cada uma.

No presente recurso, está em discussão a interpretação do referido parágrafo 3 do ponto 4.1 do Programa de Consulta, já que as empreitadas apresentadas pela recorrida foram executadas por consórcios de que ela fez parte.
Na tese da entidade recorrente, uma vez que os parágrafos 1 e 2 estabelecem os limites mínimos do valor de adjudicação da obra para efeitos da atribuição de pontuação, tal exigência quanto ao valor de adjudicação da obra também se aplica aos casos em que a obra apresentada foi executada por meio de consórcio, sendo que a regra prevista no parágrafo 3 não pode ser interpretada de forma autónoma, relativamente às regras constantes nos parágrafos 1 e 2 que o precedem, e não comporta uma excepção à regra constante dos parágrafos 1 e 2, devendo ser interpretada de forma sistemática com referência aos mesmos, pelo que o valor de adjudicação da obra a considerar deve ser aquele obtido por multiplicação do valor total de adjudicação pela percentagem que o concorrente ocupava no consórcio que executou a obra.
Não se nos afigura assistir razão à entidade recorrente.
Desde logo, as letras do parágrafo 3 são muito claras, não apoiando a interpretação da entidade recorrente, que não tem mínima correspondência nas letras das regras fixadas no Programa de Consulta, pelo que não deve ser acolhida (art.º 8.º n.º 2 do Código Civil).
O parágrafo 3 do ponto 4.1 do Programa de Consulta preceitua expressamente que, no caso de execução da obra por meio de consórcio, “o valor da pontuação será obtido por multiplicação da percentagem que o concorrente ocupava no consórcio.”
Evidentemente, é relativamente ao “valor de pontuação”, e não ao valor de adjudicação da obra, que a regra determina que o respectivo cálculo deve ser feito por multiplicação da percentagem que o concorrente ocupava no consórcio (o sublinhado é nosso).
Quanto ao valor de adjudicação da obra relevante para efeito da atribuição de pontuação, não resulta das letras do ponto 4.1 nenhuma intenção de que esse valor também deve ser calculado conforme a percentagem que o concorrente ocupava no consórcio.
De facto, o que decorre dos parágrafos 1 a 3 do ponto 4.1 do Programa de Consulta é que, desde que o valor de adjudicação da obra seja superior a $100,000,000 ou $300,000,000, consoante se a obra for executada em Macau ou se for obra ferroviária, ao respectivo concorrente será atribuída a pontuação de 2.0 pontos, salvo o caso de a obra ser executada por meio de consócio, em que o valor de pontuação será atribuído conforme o cálculo feito por multiplicação da percentagem que o concorrente ocupava no consórcio.
Tal como afirma o Magistrado do Ministério Público no seu douto parecer, se outra ideia presidiu à elaboração do Programa de Consulta, ela não terá sido adequadamente transposta para o respectivo regulamento. Ou seja, tal outra ideia deveria ter sido adequadamente revelada no Programa de Consulta, o que não sucedeu no presente caso.
E os critérios de avaliação estabelecidos no Programa de Consulta devem ser rigorosamente cumpridos pela Administração para efeitos de apreciação de propostas apresentadas pelos concorrentes.
Nestes termos, dado que a recorrida apresentou duas empreitadas, com o valor de adjudicação de $135.111.450,00 e $499.800.000,00, respectivamente, obras estas que foram executadas por consórcios de que a recorrida fez parte e que eram por si detidos em 70%, dever-se-ia ter atribuído a pontuação de 1.4 pontos por cada obra, e não 0.0 pontos e 2.0 pontos atribuídos pela Comissão de Avaliação.
E quanto à CECC, as duas obras apresentadas tinham o valor de adjudicação de $2.399.270.387,06 e de $2.794.608.715,35, respectivamente, ambas executadas por consórcios de que a CECC fez parte e que eram detidos pela CECC em apenas 20%.
Daí que a pontuação atribuída deveria ter sido 0.4 pontos, e não 2.0 pontos atribuídos pela Comissão de Avaliação, para cada obra.
É de concluir pela existência de erro na apreciação das propostas apresentadas pela recorrida e pela CECC, que não foi feita em conformidade com os critérios definidos pela Administração.

3.2. Erro na valoração da experiência do pessoal
Neste aspecto, consta do ponto 4.2 do Mapa dos Critérios de Avaliação e Valores de Classificação do Programa de Consulta, no tocante à modalidade de “experiência do quadro técnico”, o seguinte critério:
“Nos casos de o Director de Obra, ou o Adjunto de Director de Obra serem trabalhadores para o concorrente durante um número Y de anos:
Se Y˂5 → M pontuação em função da experienciado quadro técnico + 0.0 pontos (por pessoa),
Se Y˃15 → M pontuação em função da experienciado quadro técnico + 1.5 pontos (por pessoa),
Se 5˂=Y˂=15 → M pontuação em função da experienciado quadro técnico + (Y-5)/5 x 1.0 pontos (por pessoa).
Nos casos de o Encarregado Geral, ou o Adjunto de Encarregado Geral serem trabalhadores para o concorrente durante um número Y de anos:
Se Y˂5 → M pontuação em função da experienciado quadro técnico + 0.0 pontos (por pessoa),
Se Y˃15 → M pontuação em função da experienciado quadro técnico + 1.0 pontos (por pessoa),
Se 5˂=Y˂=15 → M pontuação em função da experienciado quadro técnico + (Y-5)/5 x 1.0 pontos (por pessoa).”
Para efeitos de avaliação da “experiência e qualidade em obras”, na modalidade de “experiência do quadro técnico” prevista no ponto 4.2 do Mapa dos critérios de Avaliação e Valores de classificação, a recorrida indicou para os cargos de Adjunto de Director de Obra e Adjunto de Encarregado Geral, respectivamente, os senhores Peng Juncong e Zhang Jinhong, que constam como funcionários da representação permanente da recorrida em Guangdong desde 1994 e 2001, respectivamente.
A Comissão de Avaliação de Propostas atribuiu à recorrida 0.00 pontos em relação a estes dois trabalhadores.

Na óptica da entidade recorrente, dado que no ponto 27 do “Esclarecimento Prestado aos Concorrentes” foi expressamente referido que, apenas, seria tido em consideração o pessoal afecto, quer à empresa-mãe, quer à representação permanente em Macau, a recorrida deveria ter apresentado, nomeadamente, para as posições de Adjunto de Director de Obra e de Adjunto de Encarregado Geral, o pessoal técnico que preenchesse os requisitos previstos no Processo de Consulta e que pertencesse ao quadro da empresa-mãe, sediada em Pequim, ou ao quadro da Representação Permanente em Macau. E ambos os trabalhadores indicados pela recorrida são do quadro da Representação da recorrida em Guangdong, não se encontrando assim verificados aqueles requisitos da Consulta.
O Tribunal recorrido entende que apenas consta do ponto 4.2 do Mapa dos Critérios de Avaliação e Valores de Classificação que a pontuação na modalidade de “experiência do quadro técnico” depende de a pessoa indicada pela ora recorrida ser ou não seu trabalhador e do tempo de serviço prestado à mesma, não se prevendo qualquer distinção entre trabalhadores de sociedade-mãe e trabalhadores das suas representações permanentes junto de outras cidades ou regiões, que são na realidade uma e a mesma sociedade, a não ser que as representações permanentes se tenham constituído como pessoa colectiva autónoma, pelo que, face ao tempo de serviço prestado pelos trabalhadores indicados, a sua experiência dever ser valorada em conformidade com as regras do ponto 4.2, com a atribuição de 1.5 pontos e 1.0 ponto relativamente à experiência dos mesmos trabalhadores, respectivamente.
Não se afigura merecer censura a decisão ora recorrida.
Na realidade, da leitura do ponto 4.2 resulta que, nos casos de Adjunto de Director de Obra como de Adjunto de Encarregado Geral “serem trabalhadores para o concorrente durante um número Y de anos”, o valor de pontuação será atribuído consoante o tempo de serviço prestado pelos trabalhadores.
Ora, as regras definidas no ponto 4.2 não exigem que, para efeitos de atribuição de pontos, as pessoas indicadas tenham de ser trabalhadores pertencentes ao quadro da empresa-mãe ou ao quadro da Representação Permanente em Macau, afastando a apreciação da experiência de trabalhadores que prestem serviço a outras representações permanentes.
Por outro lado, mesmo compulsado o esclarecimento prestado aos concorrentes pelo GIT (Prestação de esclarecimento e descrição complementar da consulta), nomeadamente o ponto 27, não se pode tirar conclusão defendida pela entidade recorrente.
De facto, na resposta à pergunta colocada pelos concorrentes sobre se o pessoal principal do quadro administrativo e técnico dos concorrentes podia ser trabalhadores da empresa-mãe, o GIT afirmou que podiam ser consideradas as experiências adquiridas na empresa-mãe (cf. fls. 164 dos autos e fls. 29v do Vol. 1/2 do Processo Administrativo Instrutor).
Não resulta do esclarecimento prestado pelo GIT que só se podia ter em consideração as experiências obtidas pelos trabalhadores na empresa-mãe, afastando as experiências adquiridas em representações permanentes.
No referido ponto 27, nada se fala de representações permanentes, tanto de Macau como de Guangdong ou ainda de outras cidades ou regiões.
Por outro lado, conforme a disposição no art.º 178.º do Código Comercial, é legalmente admitida a instalação de representação permanente duma sociedade em Macau, através da qual a sociedade exerça toda ou parte da sua actividade na RAEM.
Tal como afirma o Digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer, importa ter presente que a representação permanente ou sucursal não tem personalidade jurídica e limita-se a exercer a mesma actividade da empresa, no todo ou em parte, o que significa que não passa de mera extensão da sociedade que representa. Ou seja, os funcionários afectos à representação permanente não deixam de ser funcionários da sociedade.
Daí que tanto a representação permanente de Macau como a de Guangdong não se distinguem da recorrida, sua empresa-mãe, pelo que os trabalhadores indicadas para os respectivos cargos não deixam de ser também funcionários pertencentes à recorrida e as suas experiências deviam ter sido valoradas, que mereciam atribuição de valor de pontuação.
Assim sendo, conforme os critérios fixados no ponto 4.2 do Programa de Consulta e tendo em conta que as pessoas indicadas pela recorrida para os cargos de Adjunto de Director de Obra e Adjunto de Encarregado Geral são funcionários da representação permanente da recorrida em Guangdong desde 1994 e 2001, respectivamente, ambos com mais de 15 anos de serviço, deveriam ter sido atribuídos à recorrida 1.5 pontos e 1.0 ponto, no tocante à modalidade de “experiência do quadro técnico”.
Improcede o recurso, nesta parte.

3.3. Usurpação de poderes por impossibilidade da condenação da entidade recorrente à prática de acto administrativo legalmente devido
Alega a entidade recorrente que, ao condená-la a “proceder a novo cálculo da pontuação final obtida pelos concorrentes em conformidade com o decidido no Acórdão e apurar qual a proposta que obtém pontuação mais elevada e adjudicar a respectiva empreitada à consultada que fez a proposta vencedora”, incorreu o acórdão recorrido no vício de usurpação de poderes, pois o Tribunal recorrido não tem poderes para obrigar a Administração a adjudicar o contrato, sendo que a situação em apreço não se enquadra no âmbito dum acto administrativo de conteúdo vinculado e o presente recurso contencioso é de mera legalidade.
Ora, rigorosamente não se pode falar aqui do vício de usurpação de poder, que é, como se sabe, um dos vícios que conduzem à nulidade de actos administrativos, nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 122.º do Código do Procedimento Administrativo.
Como ensina o Prof. Diogo Freitas do Amaral, há usurpação de poder em todos os casos em que a Administração pública se intrometer na esfera própria da competência dos tribunais judiciais, isto é, sempre que o poder administrativo invadir a esfera privativa do poder judicial.1
E a usurpação de poder consiste na prática, por um órgão administrativo, de acto incluído nas atribuições dos tribunais judiciais. Trata-se de uma forma agravada de carência de competência do autor do acto.2
No presente caso, está em causa uma decisão judicial.
No entendimento do Tribunal recorrido, uma vez que pediu a ora recorrida a condenação da entidade recorrente na prática do acto administrativo legalmente devido e a Administração está vinculada a efectuar a adjudicação da empreitada segundo os critérios constantes do Programa de Consulta para avaliação de propostas, ficando obrigada a seguir e respeitar tais critérios, no tocante à “Experiência em obras” e à “Experiência do quadro técnico” (pontos 4.1 e 4.2 do Mapa dos critérios de Avaliação e Valores de Classificação), que efectivamente não foram cumpridos, ter-se-á de proceder a novo cálculo da pontuação final obtida pelos concorrentes e apurar qual a proposta que obtém pontuação mais elevada e adjudicar a respectiva empreitada à consulta que fez a proposta vencedora. E assim decidiu.
Nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 24.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, qualquer que seja o tribunal competente, pode cumular-se no recurso contencioso o pedido de determinação da prática de acto administrativo legalmente devido quando, em vez do acto anulado ou declarado nulo ou juridicamente inexistente, devesse ter sido praticado um outro acto administrativo de conteúdo vinculado.
Alega a entidade recorrente que o acto ordenado pelo tribunal não é um acto administrativo de conteúdo vinculado.
Ao contrário dum acto praticado no exercício do poder discricionário, o acto tem conteúdo vinculado quando o decisor não tem margem de livre decisão, tendo o acto um único sentido possível.3
No caso ora em apreciação, afigura-se-nos que a Administração está vinculada a praticar os actos determinados pelo acórdão recorrido, isto é, de proceder a novo cálculo da pontuação final, apurar qual a proposta que obtém pontuação mais elevada, que se faz com meras operações aritméticas, e, em consequência, adjudicar a empreitada em causa a concorrente que apresentou a proposta que seja classificada em primeiro lugar, tudo em conformidade com as regras e critérios de avaliação previamente definidos no Programa de Consulta, que devem ser rigorosamente seguidos. Não tem a Administração nenhuma margem de livre decisão nem espaço de discricionaridade.
E relativamente à hipótese de cumulação de pedidos prevista na al. a) do n.º 1 do art.º 24.º do CPAC, “a cumulação permitirá, por um lado, obter a anulação contencioso do acto de conteúdo positivo favorável a terceiro e, por outro lado, obter, desde logo, a condenação da Administração a praticar o acto devido e, deste modo, reagir de forma processualmente eficaz contra o acto de conteúdo negativo consubstanciado na recusa da Administração de atribuir ao recorrente a posição de vantagem a que este se arroga com direito”.4
Assim sendo, e sem mais delongas, é de concluir pela improcedência do recurso.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Sem custas, pela isenção da entidade recorrente.

Macau, 18 de Julho de 2018

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
1 Direito Administrativo, Vol. II, p. 11 a 12.
2 Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, p. 498 a 499.
3 Viriato Lima e Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2015, p. 310.
4 Viriato Lima e Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2015, p. 71.
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Processo n.º 26/2018