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Processo n.º 69/2017
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Interbloc – Materiais de Construção (Macau), S.A.R.L.
Recorrido: Chefe do Executivo
Data da conferência: 31 de Julho de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Declaração da caducidade do contrato de concessão
- Caducidade-preclusão
- Produção de prova
- A insuficiência da matéria de facto


SUMÁRIO
1. Decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato), o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas. Quer isto dizer que o Chefe do Executivo declara a caducidade pelo decurso do prazo se o concessionário não tiver apresentado a licença de utilização do prédio, porque é mediante a apresentação desta licença que se faz a prova de aproveitamento de terreno urbano ou de interesse urbano.
2. O Chefe do Executivo não tem que apurar se este incumprimento das cláusulas de aproveitamento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário. Isto é, não tem que apurar se a falta de aproveitamento se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
3. É de qualificar a caducidade por decurso do prazo da concessão como caducidade-preclusão (porque depende apenas do decurso do prazo e da constatação objectiva da falta de apresentação da licença de utilização do prédio por parte do concessionário) e a caducidade por incumprimento do concessionário do prazo de aproveitamento do terreno como caducidade-sanção.
4. A improcedência do recurso interposto da decisão de não produção da prova é imposta por entendermos que, no caso de declaração de caducidade por decurso do prozo, o Chefe do Executivo não tem que apurar se o não aproveitamento se deveu a motivo imputável ao concessionário ou não, sendo bastante que o terreno concedido não foi aproveitado pela concessionária no prazo de arrendamento, daí que não há de proceder à produção da prova.
5. A mesma conclusão se deve tirar sobre o vício de insuficiência da matéria de facto invocado pela recorrente para justificar o incumprimento contratual por sua parte.
6. Face à Lei de Terras vigente, o Chefe do Executivo não tem margem para declarar ou deixar de declarar a caducidade da concessão, tendo que a declarar necessariamente, pelo que não valer aqui os vícios próprios de actos discricionários, como a violação de princípios gerais do Direito Administrativo, previstos nos artigos 5.º, 7.º e 8.º do Código do Procedimento Administrativo.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Interbloc – Materiais de Construção (Macau), S.A.R.L., melhor identificada nos autos, interpôs o recurso contencioso de anulação do despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 24 de Junho de 2016, que declarou a caducidade da concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 4690 m2, designado por lote “G”, situado na Ilha da Taipa, no aterro de Pac On, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 21716, a fls. 3v do livro B73.
Por despacho proferido a fls. 98 dos autos, o Mmo. Juiz Relator do processo considerou desnecessária a produção de prova testemunhal apresentada pela recorrente e, consequentemente, determinou a notificação das partes para apresentação de alegações facultativas.
Tal despacho foi objecto de reclamação para a conferência, que foi indeferida, com manutenção do despacho reclamado (acórdão de 23 de Março de 2017, fls. 149 a 151 dos autos).
E por acórdão proferido em 13 de Julho de 2017, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso contencioso, confirmando e mantendo o acto administrativo impugnado.
Inconformada com ambas as decisões, recorre Interbloc – Materiais de Construção (Macau), S.A.R.L. para o Tribunal de Última Instância, suscitando as seguintes questões:
- No recurso do acórdão interlocutório de 23 de Março de 2017
1. O presente recurso jurisdicional vem na sequência do acórdão proferido sobre a reclamação para a conferência interposta pela ora requerente do despacho do relator de 06 de Fevereiro de 2017, onde o Tribunal de Segunda Instância decidiu recusar a produção de prova testemunhal no processo em causa, invocando que “ultrapassado um período inicial de alguma hesitação, a partir de certa altura seguimos o entendimento de que, em processos como o presente, em que apenas se discute a legalidade do acto que declara a caducidade da concessão pelo decurso do prazo desta, não importa à economia da decisão a proferir a apreciação de eventual culpa da Administração ou do concessionário. Assim, porque nos parece estarmos em condições de conhecer o mérito do recurso sem necessidade de produção de prova testemunhal, determino se proceda à notificação para apresentação de alegações facultativas. (cfr. art.º 63.º, do CPAC)”
2. Nessa reclamação:
a. Invocou-se por um lado, que o Despacho reclamado assenta no entendimento de que a declaração de caducidade constitui um acto negativo meramente declarativo, entendimento esse que já foi recusado por este TUI, em Acórdão no Processo n.º 55/2016.
b. Alegou-se ainda que, em qualquer caso, em obediência ao princípio do dispositivo e ao disposto no artigo 430.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 1.º do CPAC), o TSI estava obrigado a seleccionar toda a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, pois sendo uma das soluções plausíveis da questão de direito – nem que seja em sede de recurso jurisdicional – a de considerar ilegal o acto de declaração de caducidade por este não ter valorado o comportamento (não culposo) da concessionária na execução do contrato, haveria sempre que selecionar e produzir prova sobre toda a matéria de facto que pudesse ser relevante para essa solução.
3. Em conferência o Tribunal a quo invocou o entendimento que já tinha expresso no acórdão de 09 de Março de 2017 no Processo n.º 179/2016, afirmando que o Acórdão proferido pelo TUI no Processo n.º 55/2016, não sufraga o entendimento de que o acto de declaração de caducidade de uma concessão é um acto constitutivo, que implica uma valoração do comportamento da concessionária e só pode ser proferido quando o incumprimento do prazo de aproveitamento tiver resultado de uma conduta culposa, sustentando antes, que tal acto implica uma “avaliação”, pretende apenas referir-se “a uma análise sobre a objectividade da situação, enfim, uma avaliação sobre se o terreno foi ou não (no plano objectivo dos factos) totalmente aproveitado”.
4. Em suma, considera o TSI, no Acórdão recorrido, que a questão da imputabilidade do incumprimento do aproveitamento é uma questão que o TUI, num específico Acórdão, considerou irrelevante, pelo que não que há seleccionar os factos que respeitam a essa questão e produzir prova sobre eles.
5. Esta decisão do TSI é evidentemente inaceitável.
6. Em primeiro lugar, a interpretação que o TSI faz do Acórdão proferido pelo TUI no Processo n.º 55/2016 é uma interpretação abusiva e insustentada.
7. Ao contrário do que se alega no Acórdão recorrido, o TUI não se limita a afirmar que cabe ao órgão decisor fazer uma avaliação sobre a questão de saber se o terreno foi ou não aproveitado.
8. O que se decide nesse Acórdão é que “a caducidade da concessão há de ser declarada por despacho do Chefe do Executivo, que não se deve ser visto, a nosso ver, como acto de mera declaração, pois se trata dum acto com declaração de vontade, fazendo valoração negativa do comportamento da concessionária (a não conclusão do aproveitamento do terreno) e, com a interpretação e aplicação das normas legais, declarando a caducidade da concessão. / Resumindo, a caducidade da concessão não se opera tão só pelo mero decurso do tempo mas pressupõe também uma valoração negativa sobre o aproveitamento do terreno pela sociedade concessionária. Com o despacho posto em causa, a entidade recorrida não se limita a emitir uma declaração, mas sim definir a situação em que se encontra o terreno e declarar consequentemente a caducidade, fazendo com que se extinga a relação jurídica contratual estabelecida entre a Administração e a concessionária.”.
9. Ao qualificar o acto de declaração de caducidade como um acto administrativo, de cariz constitutivo, o TUI não só contradiz a tese – que tem vindo a ser sufragada pelo TSI neste processo – segundo a qual esse acto é um acto meramente declarativo, assente no mero decurso do tempo, como suporta a ideia de que a caducidade da concessão só pode ser declarada se o comportamento do concessionário puder ser objecto de uma valoração negativa implicando um juízo de censura ético-jurídico sobre determinada conduta.
10. Pelo que a valoração negativa pressupõe um juízo sobre o comportamento da concessionária no decurso da execução do contrato que vai muito para além da questão de saber se o aproveitamento foi ou não objectivamente concluído.
11. Em suma, o único pressuposto em que o Acórdão recorrido assenta – segundo o qual o TUI não considera que o acto de declaração de caducidade implica uma avaliação do carácter culposo do comportamento incumpridor da concessionária – é um pressuposto errado, o que inquina, naturalmente, aquele Acórdão.
12. Em segundo lugar porque para além do exacto alcance do que ficou decidido no Acórdão proferido pelo TUI no Processo n.º 55/2016, a negação da produção de prova em virtude de um entendimento quanto ao direito a aplicar (desconsiderando as várias soluções plausíveis da questão de direito), é :
i. violadora do princípio do dispositivo (cfr. artigos 5.º e 563.º, n.º 2, do Código de Processo Civil),
ii. conducente a uma omissão de pronúncia (cfr. artigo 571.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil) e
iii. violadora do disposto nos artigos 430.º, n.º 1, 562.º, n.ºs 1 a 3, e 563.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Civil e 74.º e 76.º do CPAC.
13. Pelo que, atenta a relação de instrumentalidade existente entre o direito processual civil e o direito substantivo, é à luz das várias soluções de direito substantivo aplicáveis ao caso concreto que deve ser feita a determinação dos factos constitutivos da pretensão formulada pelo recorrente, cabendo a este a prova dos factos que, segundo as normas substantivas (por ele) invocadas, servem de pressuposto ao efeito por si pretendido.
14. Pelo que haveria sempre que levar à matéria de facto seleccionada os factos constitutivos do direito invocado pelo recorrente.
15. Em suma, a selecção da matéria de facto e a decisão de facto a adoptar deverá abarcar toda a factualidade que, sustentando a pretensão, possa ser relevante à decisão segundo as várias soluções jurídicas que possam ser adoptadas e não apenas as que são relevantes para a posição que o Tribunal a quo juridicamente perfilhe.
16. Veja-se a sustentar a conclusão anterior inter alia:
i. Na jurisprudência de Macau:
1) Acórdão TUI de 23 de Maio de 2001, processo n.º 5/2001, alegado supra;
2) Acórdão do TSI, de 27 de Outubro de 2011, processo n.º 979/2009 onde este Tribunal sustenta que “Quando a lei fala em ‘várias soluções plausíveis de direito’, tal como acima referimos, está a pensar na solução final de cada caso em litígio. Mas essa decisão final só se obtém com o trânsito em julgado da sentença, circunstância que obriga a equacionar a possibilidade de recurso jurisdicional”.
ii. na Jurisprudência comparada Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Dezembro de 2012, processo n.º 1345/10.7TVLSB.Ll.Sl, disponível em www.dgsi.pt , alegado supra;
iv. Na doutrina Portuguesa:
1) Prof. Alberto dos Reis (cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. III, p. 222) quando trata esta problemática: “Tudo isto mostra que o juiz não deve, na elaboração do questionário, adstringir-se a determinada solução jurídica do pleito; há-de formular os quesitos que permitam qualquer solução plausível” .
2) Prof. Antunes Varela, (em anotação a decisão judicial na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 125.º, p. 331) se pronunciou, não só sobre este ponto, mas sobre a questão mais vasta, a de saber se o tribunal supremo pode conhecer «dos casos em que a Relação considera indispensável a formulação de outros quesitos, nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 650.º do mesmo Código. / E esta indispensabilidade da formulação de novos quesitos mede-se por uma regra de direito importantíssima – por um preceito que é uma das regras de ouro da organização do questionário. / Essa regra, que o Código de 1961 explicitamente fixou, baseada na formulação de MANUEL ANDRADE, através da nova redacção do n.º 1 do artigo 511.º do Código de Processo Civil (correspondente ao art.º 515.º do Código de 39), é a de que o questionário deve ser elaborado, tendo em vista, não apenas a solução que o organizador da peça considera a boa decisão da causa, mas todas as soluções plausíveis das questões de direito debatidas na causa. / ... / A fiscalização da aplicação desta regra é questão de direito, perfeitamente enquadrada na competência do tribunal de revista. / Quer isto dizer que a remissão feita no n.º 2 do artigo 712.º do Código de Processo Civil para o disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo 650.º não deve nunca perder de vista o esquema traçado no n.º 1 do artigo 511.º para a organização, tanto da especificação como do questionário, porque é à luz desse programa genérico que cumpre ajuizar da indispensabilidade da formulação de novos quesitos. / A necessidade da inclusão de novos quesitos não se medirá apenas em função da solução que o juiz da causa (ou o próprio presidente do colectivo, ao usar da faculdade conferida pela alínea f) do n.º 2 do artigo 650.º.
17. Concluindo-se que, só após ser discutida e decidida toda a matéria de facto (tal como alegada e configurada pelas partes, em especial, pelo autor), competirá então, mas só então, ponderar o Direito a aplicar (conforme resulta claro v.g. dos artigos 560.º, 562.º, n.º s 1 a 3, e 563.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Civil e artigos 74.º e 76.º do CPAC – que relegam para a fase da sentença, e não para uma fase prévia à da discussão do aspecto jurídico da causa, a tomada de posição quanto ao Direito aplicável).
18. Ressalvado o respeito devido, o Acórdão recorrido procede precisamente ao inverso do que acima se demonstrou ser propugnado pelas instâncias ao concluir pela desnecessidade da produção de prova testemunhal arrolada em face de um entendimento prima facie assumido quanto ao Direito a aplicar, ficam desde logo violadas as normas acima mencionadas.
19. E não se diga que o TSI está habilitado a decidir deste modo por considerar que o entendimento do recorrente, segundo qual o Chefe do Executivo não pode declarar a caducidade de uma concessão quando inexista culpa do concessionário na não conclusão do aproveitamento, não é uma solução plausível de direito.
20. Isto porque, como ficou referido, a solução plausível do direito não é aquela que o juiz da causa julgue mais correcta, não é a que corresponda à sua visão sobre a boa decisão da causa, mas é antes toda a solução de uma questão jurídica decidenda que possa vir a ser adoptada a final, incluindo em sede de recurso jurisdicional.
21. Ora, no caso em apreço, a posição segundo a qual a caducidade só pode ser declarada se o comportamento da concessionária lhe for imputável a título de culpa – implicando uma avaliação negativa da sua conduta – foi já adoptada pelo Tribunal Superior no proferido pelo TUI no Processo n.º 55/2016 (ou, pelo menos, não foi afastada de modo expresso e inequívoco nesse Acórdão, pelo que teria sempre de ser considerada “plausível”, e portanto ter sido atendida na selecção da matéria de facto relevante).
22. Mas ainda que se entendesse que o TUI já se tinha pronunciado, no referido Acórdão, no sentido de que declaração de caducidade decorre apenas da não conclusão do aproveitamento no prazo fixado, isso não isentaria o TSI da obrigação de considerar que esta é uma questão decidenda em aberto, uma vez que nada impediria que, em sede de recurso, essa (pretensa) posição do TSI viesse a ser alterada.
23. Se “quando a lei fala em «várias soluções plausíveis de direito», está a pensar na solução final de cada caso em litígio” e se “essa decisão final só se obtém com o trânsito em julgado da sentença, circunstância que obriga a equacionar a possibilidade de recurso jurisdicional” (cfr. Acórdão do TSI, de 27 de Outubro de 2011, processo n.º 979/2009), então o TSI não pode desprezar os factos relevantes para a decisão que o TSI, no exercício da sua ilimitada liberdade de julgamento, possa vir a tomar sobre a presente causa.
24. Tendo-o feito, a decisão recorrida afigura-se violadora do disposto nos artigos 430.º, n.º 1, 562.º, n.ºs 1 a 3, e 563.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil e 74.º e 76.º do CPAC, bem como do princípio do dispositivo (cfr. artigos 5.º e 563.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
- No recurso do acórdão final de 13 de Julho de 2017
1. A caducidade prevista no artigo 166.º da Lei de Terras corresponde a uma caducidade sanção, porquanto e;
2. Em primeiro lugar, porque a declaração de caducidade prevista do artigo 166.º, n.º 1, 1) da Lei n.º 10/2013 (tal como na Lei de 1980), que as concessões caducam quando se verifique a não conclusão do aproveitamento ou reaproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais, é um acto vinculado do Chefe do Executivo, correspondendo ao exercício de um poder-dever, compreendido na própria lógica subjacente a este diploma, que é “assegurar um aproveitamento efectivo dos terrenos vagos” orientado para o crescimento económico, o progresso social e a melhoria das condições de vida da população da RAEM”, e que, tem expressão normativa concreta no “dever de aproveitamento” dos terrenos concessionados que impende sobre o concessionário (artigo 103.º da Lei 6/80/M; e artigo 103.º da Lei n.º 10/2013).
3. Neste sentido, o que o legislador fez foi integrar a caducidade do direito no quadro sistemático de sanções por incumprimento do contrato de concessão, onde para além das multas, a caducidade do direito sanciona os concessionários que não cumpram por causas que lhe são imputáveis o dever de aproveitamento, dentro dos prazos aí estipulados ou, na falta dessa estipulação, dentro dos prazos legalmente determinados, o que constitui nessa perspectiva inequivocamente uma caducidade-sanção.
4. Isto porque a Lei de Terras não faz menção apenas ao decurso do prazo, mas também aos termos contratuais como manifestação dos vínculos contratuais estabelecidos, no qual se inclui como obrigação principal o dever de aproveitamento do terreno que compete ao concessionário, que como se sabe está ainda dependente do comportamento licenciador do concedente, isto para além de poder estar sujeito, na dinâmica da prossecução do interesse público contratual, às alterações que a Administração legitimamente imponha.
5. Em segundo lugar, o prazo de 25 anos invocado na fundamentação do acto, por referência ao artigo 47.º, n.º 1, da Lei n.º 10/2013 (aplicável por força do disposto no artigo 215.º, n.º 1, da mesma lei), é apenas um limite para o prazo máximo da concessão inicial a estabelecer no contrato, não constituindo um prazo de caducidade do contrato, uma vez que o artigo 47.º não exclui, por si, as eventuais prorrogações dos prazos de aproveitamento que venham a ser autorizadas pelo Chefe do Executivo nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 104.º da Lei de Terras.
6. Isto porque o princípio subjacente ao regime da Lei de Terras é o da regulação eficiente do aproveitamento privado dos terrenos, em nome do interesse público.
7. E para a regulação eficiente do aproveitamento privado dos terrenos, em nome do interesse público, uma forma de assegurar a eficácia do regime da concessão é também o facto de a concessão ser inicialmente provisória até à conclusão do aproveitamento dos terrenos conforme seja contratualizado (artigos 103.º a 106.º), procurando assegurar que o concessionário cumpre efectivamente o contrato, se fizer prova desse cumprimento a concessão passa a definitiva (artigos 130.º e 131.º).
8. Assim, a outorga de um contrato de concessão de arrendamento exige que se estabeleça, para a relação jurídica que assim se constitui entre (por isso se sujeita a concessão a renovações) a concessão inicial não pode exceder 25 anos e cada renovação não pode exceder 10 anos, de modo que, se não for pedida ou não for concedida a renovação, esses prazos valem como prazos de caducidade preclusão, sendo esse o sentido do disposto nos artigos 47.º e 52.º.
9. Outra coisa diferente são os prazos para a realização dos aproveitamentos dos terrenos contratualizados, que hão-de assegurar a respectiva afectação aos usos pretendidos pela RAEM, prazos que podem ser prorrogados nos termos do artigo 104.º/5, e cujo incumprimento determina também a caducidade da concessão, mas, neste caso, uma caducidade sanção (artigos 166.º a 168.º).
10. Até porque é normal que durante o período da concessão possam surgir adversidades, dificuldades na execução dos projectos e até alteração das circunstâncias, que imponham uma gestão do contrato pelas partes no sentido de assegurar o permanente equilíbrio entre as prestações, sobretudo quando as relações jurídicas em causa são relações jurídicas no âmbito do Direito do Urbanismo reguladas por contratos de concessão que na ausência de planos urbanísticos vinculativos tem uma eminente função pública de planeamento e gestão urbanística da RAEM.
11. Para tais problemas existem alguns institutos que permitem dar resposta a estas situações, não só na Lei de Terras, como é o caso da prorrogação dos prazos (artigo 104.º/5) ou da revisão da concessão (artigos 139.º a 143.º), mas também nas regras gerais do Código Civil em matéria de causas impeditivas da caducidade (artigo 323.º) institutos que pressupõem justamente o funcionamento de uma caducidade-sanção.
12. No caso do artigo 104.º n.º 5 da Lei de Terras, precisamente porque o aproveitamento é o fim do contrato e porque o prazo do contrato é simultaneamente um prazo de aproveitamento.
13. Veja-se quando o terreno é aproveitado, e a concessão torna-se definitiva, o prazo da concessão definitiva não começa após os 25 anos do prazo inicial da concessão (concessão provisória), mas sim logo que a concessão provisória se torne definitiva, aproveitada, o que por exemplo pode acontecer ao final de 3, 4 ou 5 anos do prazo inicial da concessão (concessão provisória).
14. O disposto no artigo 52.º insere-se no conjunto de regras relativos à renovação das concessões e a caducidade aí mencionada refere-se à falta ou indeferimento dos respectivos pedidos (não aplicável às concessões provisórias), tendo de ser interpretado como constituindo apenas uma cominação da caducidade para a circunstância de um concessionário não solicitar a renovação da concessão, quando esteja em condições de o fazer.
15. Com efeito, o artigo 52.º da Lei de Terras prevê que as As concessões caducam, no termo do prazo inicial da concessão ou de qualquer uma das suas renovações, no caso de não ter sido submetido pedido de renovação nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 50.º, ou de o pedido ter sido indeferido, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do mesmo artigo.
16. O primeiro segmento da norma que prevê que as concessões caducam, no termo do prazo inicial da concessão ou de qualquer uma das suas renovações, está subordinado a condição prevista no segundo segmento da norma, no caso de não ter sido submetido pedido de renovação nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 50.º, ou de o pedido ter sido indeferido, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do mesmo artigo.
17. Ou lido ao contrário, no caso de não ter sido submetido pedido de renovação nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 50.º, ou de o pedido ter sido indeferido, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do mesmo artigo, as concessões caducam, no termo do prazo inicial da concessão ou de qualquer uma das suas renovações.
18. Ora o artigo 50.º n.º 1 alínea 1) é aplicável aos casos previstos na alínea 1) do n.º 2 do artigo 49.º (Renovação das Concessões Definitivas) que por sua vez remete para as alíneas 1) e 2) do número 1 do artigo 132.º da Lei de Terras.
19. Portanto, referindo-se apenas às concessões definitivas.
20. Já o artigo 50.º n.º 2, é aplicável às situações previstas no n.º 2 do artigo 48.º ou nas situações da alínea 2) do n.º 2 do artigo 49.º.
21. Isto é, no caso do n.º 2 do artigo 48.º (Renovação das concessões provisórias) apenas para os casos de aproveitamento conjunto entre dois terrenos em que um deles esteja concedido a título definitivo.
22. E nas situações da alínea 2) do n.º 2 do artigo 49.º (Renovação das Concessões Definitivas) o terreno concedido definitivamente se encontre em fase de reaproveitamento.
23. Isto é, a caducidade prevista no artigo 52.º acaba por se subsumir apenas uma circunstância ou tipo específico relativa a concessões provisórias, que é a que consta do artigo 48.º, n.º 2 (“caso o respectivo terreno se encontre anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estejam a ser aproveitados em conjunto”) excluindo outros tipos de concessões provisórias.
24. O que significa que, o único tipo (se assim se pode chamar) de concessões provisórias que caducam nos termos do artigo 52.º da nova Lei de Terras são a concessões provisórias com a circunstância típica prevista no artigo 48.º n.º 2, e não as restantes como é a do caso concreto.
25. Noutro plano, viola os princípios jurídicos da proporcionalidade, da justiça e da boa fé concluir-se que o prazo inicial máximo pelo qual uma concessão pode ser outorgada consubstancia um limite máximo improrrogável para a realização das acções de aproveitamento dos terrenos, mesmo quando esse aproveitamento não seja possível por vicissitudes alheias à vontade do concessionário, ou até com sucede aqui por obstáculos impostos pela Administração, que inviabilizam aquele aproveitamento, é algo que não só não resulta do sentido e da razão de ser da norma.
26. Por isso, o fundamento do acto recorrido que pretende atribuir à norma não é compaginável com aquele que resulta da sua interpretação sistemática, pois o referido artigo 52.º há-de ser interpretado em conjugação com o disposto nos já mencionados artigos 104.º/5, 166.º e 215.º/3, todos da Lei n.º 10/2013, dos quais resulta expressamente o reconhecimento pelo legislador de um espaço de livre apreciação quanto à conduta do concessionário, para determinar ou não a verificação de uma caducidade sanção por não realização das operações de aproveitamento dentro do prazo geral.
27. O que resulta do disposto na nova Lei de Terras em matéria de caducidade é a obrigatoriedade de o Chefe do Executivo declarar a caducidade do direito do concessionário sempre que este, por facto que lhe seja imputável, com fundamento em negligência ou culpa, não conclua o aproveitamento dos terrenos concedidos nos prazos estipulados.
28. A caducidade tem de ser declarada pela entidade administrativa (artigo 167.º da Lei n.º 10/2013) – pois pressupõe sempre um juízo quanto à conduta e à culpa do concessionário – não resultando directamente dos preceitos legais, nem sendo de conhecimento oficioso.
29. Na medida em que a respectiva declaração produz os efeitos “apropriativos” dos investimentos, previstos no artigo 168.º da Lei n.º 10/2013, não só a declaração de caducidade (caducidade sanção) tem efeito constitutivo e não meramente declarativo, como ainda a respectiva validade fica dependente da proporcionalidade da medida, que afaste um eventual carácter confiscatório.
30. Razões, carácter constitutivo da caducidade sanção e efeito expropriativo dos investimentos realizados, que justificam igualmente a impossibilidade de conhecimento oficioso deste tipo de caducidade.
31. No caso das concessões provisórias, exactamente porque a sua caducidade tem intrínseco um efeito expropriativo, a única forma de caducidade admissível é a caducidade sanção, devidamente fundamentada.
32. Em terceiro lugar, basta atentar na noção de concessão provisória que é dada pela Lei n.º 10/2013 para se concluir, imediatamente, que um acto que declara a caducidade de uma concessão provisória nunca pode ter exclusivamente por fundamento o mero decurso do tempo.
33. De facto, uma concessão deste tipo caracteriza-se, exactamente, por ser inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão e só se converter em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento mínimo previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (cfr. artigo 44.º).
34. Ora, de acordo com aquilo que se prevê expressamente do regime previsto na Lei de Terras, a caducidade de uma concessão provisória não pressupõe apenas a verificação de um facto objectivo, que opera ipso jure e independentemente da vontade das partes, como é o decurso do prazo de concessão.
35. Com efeito, se esse prazo tiver decorrido mas o particular tiver realizado o aproveitamento a que se vinculou, cumprindo as suas obrigações contratuais, a concessão outorgada não se extingue por caducidade, pelo contrário, converte-se em definitiva.
36. Significa isto, portanto, que no momento em que se vence o prazo de vigência de uma concessão provisória, o Concedente está obrigado a avaliar o cumprimento do contrato de concessão por parte do seu co-contratante.
37. Se o aproveitamento foi realizado nos termos e prazos previstos e é feita prova desse facto, a concessão torna-se definitiva, como impõe o artigo 131.º, n.º 1 da Lei n.º 10/2013.
38. Se o particular incumpriu a obrigação de realizar esse aproveitamento – e apenas e só nessa circunstância – o Concedente pode declarar a caducidade da concessão.
39. Ora, para além de apreciar se houve ou não incumprimento, o Concedente, quando conclua pela não realização do aproveitamento no prazo previste, tem igualmente de verificar se tal se deve ou não a facto imputável ao co-contratante, só estando habilitado a declarar a caducidade em caso afirmativo.
40. Isto porque, se o incumprimento em si mesmo constitui um pressuposto inafastável da declaração de caducidade da concessão, ele só se tomará indiscutível após a verificação da imputabilidade desse incumprimento.
41. Em quarto lugar, desta feita para as concessões outorgadas ao abrigo da Lei n.º 6/80/M e que no momento da entrada em vigor da Lei n.º 10/2013 ainda não se tenham convertido em definitivas, como sucede no caso em apreço, dispõe o artigo 215.º da Lei n.º 10/2013 que o novo diploma se aplica a estas concessões, com as seguintes ressalvas: i) quando esteja a correr um prazo fixado por legislação anterior e a presente lei o tiver modificado, é aplicado o prazo mais longo; ii) os direitos e deveres dos concessionários são imediatamente regulados pela lei nova, sem prejuízo do convencionado nos respectivos contratos; iii) quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 104.º e no artigo 166.º.
42. Neste caso prevê-se que o novo regime jurídico se aplique às concessões provisórias anteriores, também para efeitos da declaração da caducidade dos respectivos direitos, quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário.
43. A expressão “culpa do concessionário” consubstancia um conceito indeterminado, que atribui um espaço de livre apreciação às entidades administrativas competentes na decisão de cada situação concreta.
44. Portanto, na apreciação das situações de incumprimento do dever de aproveitamento das concessões outorgadas na vigência da Lei n.º 6/80/M, em que os prazos contratuais já tenham sido ultrapassados, o Chefe do Executivo dispõe de um espaço de livre valoração em relação à culpa do concessionário relativamente a essa situação de incumprimento, valoração que pode justificar tanto a declaração da caducidade-sanção como a prorrogação do prazo, ou até, a concessão de um novo prazo para o aproveitamento do terreno pelo concessionário.
45. Sublinhe-se ainda que, também o novo regime jurídico (diversamente do que sucedia no regime jurídico anterior) optou por consagrar um instrumento discricionário para que a administração pudesse avaliar a culpa do concessionário no não aproveitamento atempado dos terrenos, permitindo a prorrogação destes prazos, como resulta expressamente do disposto no actual n.º 5 do artigo 104.º da Lei n.º 10/2013.
46. Disposição normativa que não tinha paralelo no artigo 105.º da Lei n.º 6/80/M.
47. Em resumo, a caducidade da concessão provisória está regulada na Lei de Terras, tanto na actual como na anterior, como uma consequência do não aproveitamento dos terrenos por parte do concessionário e não como mera consequência do decurso do prazo inicial do contrato, ou seja, é consequência do não cumprimento dos deveres nos quais o concessionário fica investido por efeito do contrato de concessão, o que determina que se trate de uma caducidade-sanção.
48. O acto objecto do recurso não tem (apenas) como fundamento o facto objectivo do decurso do prazo, porquanto está a definir autoritariamente a situação do recorrente, de acordo com a interpretação dos preceitos legais aplicáveis produzindo o efeito extintivo da relação jurídica contratual até então existente.
49. Trata-se de um acto constitutivo do qual decorre como se disse, não é uma mera declaração, mas sim efeitos constitutivos, isto é, produz efeitos na ordem jurídica e na esfera jurídica da concessionária cujo respectivo conteúdo do acto recorrível não se limita a verificar que o contrato se extinguiu pelo simples decurso do seu prazo de vigência, publicitando essa extinção.
50. Constituem igualmente fundamentos do Despacho que declarou a caducidade, nele expressamente invocados: que “Tendo em consideração que o prazo de arrendamento foi terminado, se que o estabelecimento deste contrato se mostre realizado, e que sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013 (...) aplicável por força dos artigo 212.º e 215.º. Deste modo, a concessão encontra-se caducada, o que constitui uma declaração de vontade, que (i) qualifica juridicamente um determinado facto praticado pela Concessionária – a não conclusão do aproveitamento do Lote “G” – como correspondendo ao evento tipificado na lei como fundamento da caducidade do contrato, (ii) aprecia outros fundamentos de eventual prolongamento da relação contratual e, na falta deles, (iii) impõe o efeito constitutivo de extinção do contrato, configurando, pois, indiscutivelmente, um acto administrativo.
51. Ao concluir diferentemente, o TSI fez uma interpretação errada o artigo 110.º do CPA.
52. Pelo exposto supra, a caducidade prevista na Lei de Terras para o caso concreto, implica sempre que haja culpa pelo não aproveitamento por parte do concessionário;
53. Tal significa que Chefe do Executivo só está habilitado, só tem um poder dever de declarar a caducidade, aplicável ao caso concreto, se concluir que a culpa pelo não aproveitamento se deveu ao concessionário, situação que no caso concreto não se verificou;
54. O prazo de 25 anos previsto no artigo 47.º, n.º 1, da Lei n.º 10/2013 (aplicável por força do disposto no artigo 215.º, n.º 1, da mesma lei), é apenas um limite para o prazo máximo da concessão inicial a estabelecer no contrato, não constituindo um prazo de caducidade do contrato, uma vez que o artigo 47.º não exclui, por si, as eventuais prorrogações dos prazos de aproveitamento que venham a ser autorizadas pelo Chefe do Executivo nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 104.º da Lei de Terras.
55. Precisamente porque o prazo do contrato é simultaneamente um prazo de aproveitamento, pode o mesmo prorrogar-se (não renovar-se), fundamentada e justificadamente, ampliando por um certo período, o prazo de validade do título originário, para responder a situações de impedimentos válidos do cumprimento dos contratos, designadamente, por condicionantes impostas pela Administração, fenómenos naturais ou causas socio-económicas tendo em conta o princípio da justiça.
56. Por tudo o exposto, o TSI incorreu em erro de julgamento, numa errada interpretação da lei, designadamente e face ao artigo 120.º do CPA, aos artigos 44.º a 52.º, 103.º a 104.º, 131.º, 166.º a 168.º, 212.º a 215.º da Lei n.º 10/2013.
57. Da PI de recurso a recorrente invocou e alegou determinada factualidade, designadamente os factos inscritos nos pontos 10.º a 17.º que descreviam a justificações para o incumprimento contratual por parte da recorrente.
58. Tais factos foram completamente descartados pelo Tribunal a quo, uma vez que, não os considerou nem verdadeiros, nem falsos, nem provados, nem não provados, o que demonstra que não apurou os factos alegados pela recorrente no recurso de contencioso.
59. O TSI estava obrigado a apurar toda a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis para a questão de direito, ainda que para sede de recurso jurisdicional.
60. Sendo uma das soluções plausíveis da questão de direito a de considerar ilegal o acto de declaração de caducidade por este não ter valorado o comportamento (não culposo) da concessionária na execução do contrato, haveria sempre que pronunciar-se sobre toda a matéria de facto que pudesse ser relevante para essa solução.
61. Pelo que, o Acórdão recorrido não apurando os factos alegados pelo recorrente se são verdadeiros ou falsos, se necessário com produção de prova, impede o julgamento pelo TUI, pelo que, nos termos do artigo 650.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, por insuficiência da matéria de facto, deve ser anulado o julgamento de facto, devendo o TSI julgar novamente a causa.
62. Sendo a caducidade das concessões provisórias como aplicável ao caso concreto qualificada como caducidade-sanção, a mesma não pode ser declarada sem a apreciação da culpa do concessionário.
63. Pelo que, o Chefe do Executivo dispõe de um espaço de livre valoração em relação à culpa do concessionário no que toca à situação de incumprimento, valoração que pode justificar tanto a declaração da caducidade-sanção como a prorrogação do prazo como atrás se disse.
64. Dispondo dessa margem de livre apreciação, a violação dos princípios invocados faz todo o sentido uma vez que estamos no âmbito da actividade discricionária.
65. Quanto ao princípio da imparcialidade, resulta do acórdão que o TSI não apreciou a violação de tal princípio da imparcialidade por qualificar a caducidade em causa como uma caducidade preclusão;
66. Relativamente ao princípio da boa fé, e da tutela da confiança, o TSI faz uma interpretação errada do princípio, porquanto se a Administração durante anos a fio (período de 1993 a 1997) num contexto histórico e sócio-político, dentro das mesmas regras de direito positivo teve comportamentos condescendentes, tolerantes face ao incumprimento dos concessionários até por, podemos dizer, razões de interesse público económico-financeiro, não pode agora em desconformidade com esse comportamento, imprevisível e desleal, vir ter uma interpretação da lei positiva que promove de um momento para o outro, extinções dos contratos por caducidade através das declarações de caducidade.
67. Trata-se de um comportamento violador do princípio da boa-fé, de um venire contra factum proprium, em que, numa lógica positivista alheada dos fenómenos sociais que deram origem aqueles comportamentos interpretativos, põe em causa a confiança suscitada na Administração.
68. O mesmo se diga, para o período entre 1997 e 2005/2006, principalmente porque os factos históricos, crise financeira regional e SARS, são os mesmos que a própria Administração se fundamentou para promover as políticas públicas que permitiu minorar os seus efeitos na economia de Macau.
69. Vir dizer, ou melhor omitindo por completo a ponderação e a avaliação das justificações da concessionária, que no fundo são os fenómenos sócio-económicos que ela própria andou a combater promovendo políticas públicas para os resolver é venire contra factum proprium.
70. Relativamente, ao princípio da igualdade, o TSI faz uma errada interpretação do artigo 5.º do CPA porquanto à data das explicações da concessionária (é essa a data relevante e não o fim do prazo inicial das concessões) para o não aproveitamento do lote, 23.04.2010, o prazo inicial da concessão não estava esgotado, portanto estando em situação igual ao dos casos em comparação, de não aproveitamento do lote;
71. Isto já para não se falar, como se diz no parecer da Comissão de Terras n.º 53/2016, ponto 10, em 10.10.2017 a concessionária pediu autorização para a transmissão da concessão para a mesma finalidade tendo sido considerado viável, mas não ficou concluído.
72. Deste modo, fica por se saber porque é que, tais critérios relativos i) à crise financeira asiática, ii) a SARS, conforme parecer Comissão de Terras n.º 12, junto aos autos, serviram para extender os prazos de aproveitamento a Companhia de Investimento Jokey, Limitada e da Sociedade Hoteleira de Macau – Taipa Resort e não serviram para a recorrente, que, repete-se estava à data das explicações para o não aproveitamento 23.04.2010, em situação semelhante.
73. Ora esta duplicidade de critérios, em aceitar justificações idênticas para outros concessionários e não as aceitar para a requerente viola claramente o princípio da igualdade.
74. Para além de, conforme artigo 114.º n.º 1 alínea e) do CPA a Administração tem um dever especial de fundamentação nos actos que decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais.
75. Por tudo o exposto, o TSI incorreu em erro de julgamento, numa errada interpretação da lei, designadamente, os artigos 5.º, 7.º, 8.º do CPA.
   
Contra-alegou a entidade recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
a) No dia 22 de Outubro de 2012 expirou o prazo de 25 anos da concessão por arrendamento aqui em causa sem que, nessa data, o aproveitamento do terreno definido no contrato se mostrasse realizado;
b) Perante a verificação de tais pressupostos, estava a Administração legalmente vinculada a declarar, como declarou, a caducidade da concessão do terreno, a qual, como é evidente, tem natureza de caducidade preclusiva;
c) A declaração de caducidade da concessão fundada no mero decurso do respectivo prazo não depende da verificação da culpa do concessionário pelo não aproveitamento do terreno;
d) A decisão sobre a matéria de facto que consta do douto Acórdão recorrido, na perspectiva das diversas soluções plausíveis da questão de direito, é suficiente;
e) No âmbito da actividade vinculada da Administração, como seja a que está em causa quando se trata da declaração da caducidade preclusiva de uma concessão por arrendamento de um terreno, irreleva a alegada violação dos princípios da proporcionalidade, da boa-fé, da tutela da confiança e da igualdade;
f) Em todo o caso, a violação de tais princípios não ocorreu e por isso se não verifica que o Tribunal a quo tenha incorrido em errada interpretação dos artigos 5.º, 7.º e 8.º do CPA.

O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que ambos os recursos não merecem provimento.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos
O Tribunal de Segunda Instância considera assente e provada a seguinte factualidade:
1 - Através do Despacho n.º 6/SAOPH/87, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 37, de 14 de Setembro de 1987, foi autorizada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 4 690m2, situado no Aterro de Pac-On, correspondente ao antigo lote “3”, a favor da sociedade “Interbloc - Materiais de Construção (Macau), Limitada”, cuja concessão foi titulada por escritura pública outorgada em 23 de Outubro de 1987.
2 - De acordo com a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento era válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, ou seja, até 22 de Outubro de 2012.
3 - Devido ao reordenamento urbanístico, tornou-se necessário proceder à troca do referido terreno concedido pelo terreno designado por lote “G” que se situa na mesma zona e com a mesma configuração e área, e assim sendo, pelo Despacho n.º 39/SAOPH/88, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 16, de 18 de Abril de 1988, foi autorizada a revisão da concessão, a qual foi titulada por escritura outorgada em 13 de Maio de 1988.
4 - Em seguida, através do Despacho n.º 167/SATOP/93, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 50, II Série, de 15 de Dezembro de 1993, foi modificado o aproveitamento do terreno.
5 - Conforme a cláusula terceira do contrato, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício industrial, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 6 pisos, ficando as fracções autónomas do rés-do-chão afectadas à indústria de fabrico de blocos de cimento, a explorar directamente pela concessionária.
6 - Por força da referida revisão, foi autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento até 18 de Dezembro de 1995.
7 - Embora a concessionária tenha pago, em prestações, o prémio do contrato no valor de $1279790,00 patacas e o prémio adicional no valor de $9319269,00 patacas, os respectivos pagamentos foram efectuados tardiamente.
8 - O terreno em causa encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 21 716 a fls. 3 do livro B73 e inscrito a favor da concessionária sob o n.º 2 201 do livro F24A.
9 - Após o termo do prazo de aproveitamento do terreno e uma vez que esse aproveitamento estava por efectuar, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) solicitou à concessionária, através de ofícios datados em 11 de Abril e 16 de Julho de 1997, que apresentasse justificações sobre o não aproveitamento do terreno e indicasse a data do início das respectivas actividades industriais.
10 - No entanto, apenas em 10 de Outubro de 2007 a concessionária solicitou que fossem transmitidos os direitos resultantes da concessão do terreno a favor da sociedade “Harvest - Centro de Automóveis, Limitada” e que a finalidade do rés-do-chão do edifício, destinado a uso próprio, fosse alterada para sala de exposição e manutenção de automóveis, mantendo-se inalteradas as finalidades das outras partes.
11 - Tendo o terreno objecto da concessão sido classificado pela entidade competente como terreno concedido mas não aproveitado, a DSSOPT, através de ofício de 23 de Março de 2010, solicitou à concessionária a apresentação de justificação razoável relativa ao atraso no aproveitamento do terreno.
12 - Através da carta datada de 23 de Abril de 2010, a concessionária apresentou as devidas justificações e solicitou novamente autorização para a transmissão dos direitos resultantes da concessão, comprometendo-se a concluir o aproveitamento do terreno no prazo de 14 meses após a competente autorização, ou seja, antes do termo do prazo de concessão por arrendamento.
13 - Analisado o processo, através das informações n.ºs 239/DSODEP/2010, de 25 de Novembro, 78/DJUDEP/2010, de 16 de Dezembro, e 259/DSODEP/2010, de 31 de Dezembro, a DSSOPT considerou que a alegação para o não cumprimento do prazo de aproveitamento (crise financeira da Ásia) apresentada pela concessionária não colhia, porquanto não era considerada motivo por justa causa, como tal não estava em conformidade com o estabelecido no contrato, ou seja, casos de força maior ou de outros factos relevantes, cuja produção esteja, comprovadamente, fora do controlo da concessionária.
14 - Reunida em sessão de 17 de Março de 2016, a Comissão de Terras emitiu o parecer n.º 53/2016,com o seguinte teor:
«Proc. n.º 24/2016 - Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 4 690m2, situado na Taipa, no Aterro de Pac-On, designado por lote «G», a favor da sociedade “Interbloc - Materiais de Construção (Macau), Limitada”, pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 22 de Outubro de 2012.
I
1. Ao abrigo do disposto no artigo 44.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das suas características e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente. Nos termos do disposto no artigo 48.º da mesma lei, a concessão provisória não pode ser renovada. Assim, através do despacho do Chefe do Executivo, declara-se a caducidade de concessão, por decurso do prazo de arrendamento, de acordo com o artigo 167.º da mesma lei.
2. De acordo com o disposto no artigo 179.º da Lei de Terras e no artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M, o despejo do concessionário ou do ocupante é ordenado por despacho do Chefe do Executivo quando se verifique a declaração da caducidade da concessão.
3. Face ao exposto, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), através da proposta n.º 349/DSODEP/2015, de 18 de Novembro, propôs autorização para dar início ao procedimento de declaração de caducidade das concessões provisórias cujo prazo de arrendamento expirou ou irá expirar, bem como dar início aos respectivos trabalhos por ordem cronológica das datas em que terminou o prazo de arrendamento de cada um daqueles processos, tendo o Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP) aprovada esta proposta por despacho de 25 de Novembro de 2015.
II
4. Através do Despacho n.º 6/SAOPH/87, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 37, de 14 de Setembro de 1987, foi autorizada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 4 690m2, situado no Aterro de Pac-On, correspondente ao antigo lote «3», a favor da sociedade “Interbloc - Materiais de Construção (Macau), Limitada”, cuja concessão foi titulada por escritura pública outorgada em 23 de Outubro de 1987.
5. De acordo com a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, ou seja, até 22 de Outubro de 2012.
6. Devido ao reordenamento urbanístico, torna-se necessário proceder à troca do referido terreno concedido pelo terreno designado por lote «G» que se situa na mesma zona e com a mesma configuração e área, assim sendo, por Despacho n.º 39/SAOPH/88, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 16, de 18 de Abril de 1988, foi autorizada a revisão da concessão, a qual foi titulada por escritura outorgada em 13 de Maio de 1988.
7. Em seguida, através do Despacho n.º 167/SATOP/93, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 50, de 15 de Dezembro de 1993, foi modificado o aproveitamento do terreno.
8. Conforme a cláusula terceira do contrato, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício industrial, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 6 pisos, ficando as fracções autónomas do rés-do-chão afectadas à indústria de fabrico de blocos de cimento, a explorar directamente pela concessionária.
9. Por força da referida revisão, foi autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento até 18 de Dezembro de 1995.
10. Embora a concessionária tenha pago, em prestações, o prémio do contrato no valor de $1 279 790,00 patacas e o prémio adicional no valor de $9 319 269,00 patacas, os respectivos pagamentos foram efectuados tardiamente.
11. O terreno em causa encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 21 716 fls. 3 do livro B73 e inscrito a favor da concessionária sob o n.º 2 201 do livro F24A.
III
12. Após o termo do prazo de aproveitamento do terreno, a DSSOPT solicitou à concessionária, através de oficias datados em 11 de Abril e 16 de Julho de 1997, que apresentasse justificações sobre o não aproveitamento do terreno e indicasse a data do início das respectivas actividades industriais, no entanto, a concessionária nunca deu qualquer resposta.
13. Apenas em 10 de Outubro de 2007, a concessionária solicitou que fossem transmitidos os direitos resultantes da concessão do terreno a favor da sociedade “Harvest - Centro de Automóveis, Limitada” e que a finalidade do rés-do-chão do edifício destinado a uso próprio fosse alterada para sala de exposição e manutenção de automóveis, sendo que as finalidades das outras partes se mantivessem inalteradas. Apesar de o pedido ter sido considerado viável do ponto de vista do planeamento urbanístico, o procedimento de revisão da concessão não ficou concluído.
14. Uma vez que o terreno foi classificado pela entidade competente como terreno concedido mas não aproveitado, a DSSOPT, através de ofício de 23 de Março de 2010, solicitou à concessionária a apresentação de justificação razoável sobre o atraso no aproveitamento do terreno.
15. Através da carta datada de 23 de Abril de 2010, a concessionária apresentou as devidas justificações e solicitou novamente autorização para a transmissão dos direitos resultantes da concessão, prometendo que após a autorização, poderia concluir o aproveitamento do terreno no prazo de 14 meses, ou seja, antes do termo do prazo de concessão por arrendamento.
16. Feitas as análises, através das informações n.ºs 239/DSODEP/2010, de 25 de Novembro, 78/DJUDEP/2010, de 16 de Dezembro, e 259/DSODEP/2010, de 31 de Dezembro, a DSSOPT considera que a alegação para o não cumprimento do prazo de aproveitamento (crise financeira da Ásia) apresentada pela concessionária não tem qualquer fundamento factual e que não é motivo por justa causa, como tal não está em conformidade com o estabelecido no contrato, ou seja, casos de força maior ou de outros factos relevantes, cuja produção esteja, comprovadamente, fora do controlo da concessionária. Assim sendo, a Administração deve iniciar o procedimento de declaração da caducidade da concessão do terreno nos termos contratuais e da Lei de Terras. Em 30 de Dezembro de 2013, o Chefe do Executivo proferiu o despacho no qual determina que seja devolvida a informação n.º 259/DSODEP/2010 e que o Secretário para os Transportes e Obras Públicas proceda o seu estudo.
17. De acordo com o disposto na cláusula segunda do contrato da concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, ou seja, o prazo terminou em 22 de Outubro de 2012, o terreno não se mostrava aproveitado e a respectiva concessão ainda é provisória, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei de Terras, a concessão provisórias não pode ser renovada. Nestas circunstâncias, a DSSOPT procedeu à análise da situação e, através da proposta n.º 005/DSODEP/2016, de 22 de Janeiro, propôs que seja autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e enviado o processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer. Esta proposta mereceu a concordância do STOP, por despacho de 24 de Fevereiro de 2016.
18. Face ao exposto, esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que tendo expirado em 22 de Outubro de 2012 o prazo de vigência da concessão (prazo de arrendamento), de 25 anos, fixado na cláusula segunda do contrato de concessão, sem que o aproveitamento do terreno definido neste contrato se mostre realizado, a concessão provisória em apreço encontra-se já caducada (caducidade preclusiva).
Com efeito, de acordo com o artigo 44.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), aplicável ao caso vertente por força do disposto nos seus artigos 212.º e 215.º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130.º e 131.º).
Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48.º da Lei de Terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por, força da verificação daquele facto (decurso da prazo de arrendamento).
De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de Terras anterior), que no caso da concessão revestir natureza provisória em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cf. artigos 49.º, 132.º e 133.º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do artigo 55.º era aplicável apenas às concessões definitivas.
Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tomar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção ou não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167.º da Lei n.º 10/2013.
Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opôr à declaração de caducidade da concessão do terreno em epígrafe pelo decurso do prazo de arrendamento, perdendo a concessionária a favor da Região Administrativa Especial de Macau todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.
IV
Reunida em sessão de 17 de Março de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e tendo em consideração o parecer e proposta constantes na proposta n.º 005/DSODEP/2016, de 22 de Janeiro, bem como o despacho nele exarado pelo STOP, de 24 de Fevereiro de 2016, considera que verificada a caducidade da concessão pelo termo do prazo de arrendamento em 22 de Outubro de 2012, deve esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Comissão de Terras, aos 17 de Março de 2016.»
15 - Em 24 de Março de 2016 o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu parecer:
“Proc. n.º 24/2016 - Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 4 690m2, situado na Taipa, no Aterro de Pac-On, designado por lote «G», a favor da sociedade “Interbloc - Materiais de Construção (Macau), Limitada”, pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 22 de Outubro de 2012.
1. Através do Despacho n.º 6/SAOPH/87, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 37, de 14 de Setembro de 1987, foi autorizada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 4 690m2, situado no Aterro de Pac-On, correspondente ao antigo lote «3», a favor da sociedade “Interbloc - Materiais de Construção (Macau), Limitada”, cuja concessão foi titulada por escritura pública outorgada em 23 de Outubro de 1987.
2. De acordo com a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, ou seja, até 22 de Outubro de 2012.
3. Devido ao reordenamento urbanístico, torna-se necessário proceder à troca do referido terreno concedido pelo terreno designado por lote «G» que se situa na mesma zona e com a mesma configuração e área, assim sendo, por Despacho n.º 39/SAOPH/88, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 16, de 18 de Abril de 1988, foi autorizada a revisão da concessão, a qual foi titulada por escritura outorgada em 13 de Maio de 1988.
4. Em seguida, através do Despacho n.º 167/SATOP/93, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 50, de 15 de Dezembro de 1993, foi modificado o aproveitamento do terreno.
5. Conforme a cláusula terceira do contrato, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício industrial, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 6 pisos, ficando as fracções autónomas do rés-do-chão afectadas à indústria de fabrico de blocos de cimento, a explorar directamente pela concessionária.
6. Uma vez que o prazo de arrendamento do terreno terminou em 22 de Outubro de 2012 e o aproveitamento do terreno não foi concluído, a DSSOPT propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 24 de Fevereiro de 2016.
7. Reunida em sessão de 17 de Março de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, tendo em consideração que o prazo de arrendamento foi terminado, sem que o aproveitamento estabelecido neste contrato se mostre realizado, e que, sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), aplicável por força dos seus artigos 212.º e 215.º. Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno pelo decurso do prazo de arrendamento.
24 de Março de 2016.
O Secretário para os Transportes e Obras Públicas,
Raimundo Arrais do Rosário”
16 - Em 24 de Junho de 2016, a Entidade Recorrida declarou a caducidade da concessão por arrendamento nos seguintes termos:
«Despacho
Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo n.º 24/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 24 de Março de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.
Aos 24 de Junho de 2016.
O Chefe do Executivo,
Chui Sai On»
17 - No Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 30, II Série, de 27 de Julho de 2016, foi publicado o Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 34/2016, tornando público o despacho da Entidade Recorrida referido no artigo anterior.

3. Direito
Suscita a recorrente as seguintes questões:
- A produção de prova no recurso contencioso;
- A caducidade das concessões provisórias como caducidade-sanção;
- A insuficiência da matéria de facto; e
- A violação dos princípios da imparcialidade, da boa fé, da tutela da confiança e da igualdade.

Desde logo, é de recordar que as questões suscitadas pela recorrente foram já abordadas e apreciadas por este Tribunal de Última Instância, com excepção da questão referente à insuficiência da matéria de facto.
A resolução de todas as questões ora colocadas depende da posição tomada sobre a natureza da caducidade das concessões provisórias (como caducidade-preclusão ou caducidade-sanção) e do acto administrativo do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão do terreno em causa.
É de recordar que, no que concerne à declaração da caducidade, por decurso do prazo, da concessão do terreno, é aplicável a nova Lei de Terras (Lei n.º 10/2013), e não a antiga Lei (Lei n.º 6/80/M), como decorre dos art.ºs 212.º a 223.º da Lei n.º 10/2013, que contêm disposições finais e transitórias.1
Não resulta das alegações apresentadas pela recorrente que nesta matéria ela contrarie a aplicação da nova lei.

Nos seus acórdãos proferidos nos processos n.º 7/2018 e n.º 43/2018, de 23 de Maio de 2018 e 6 de Junho de 2018, respectivamente, este Tribunal de Última Instância chegou a pronunciar-se sobre a questão de caducidade-sanção ou caducidade-preclusão, tendo concluído que a caducidade da concessão provisória por decurso do prazo de arrendamento constitui um caso de caducidade-preclusão.
《Trata-se, agora, de saber se a caducidade por decurso do prazo constitui um caso de caducidade-sanção, por não se dar por forma automática, sendo necessário que a Administração verifique o incumprimento das condições estabelecidas, ou seja, se só se pode declarar a caducidade se se demonstrar que a falta de aproveitamento é imputável à concessionária.
……
Quanto ao regime jurídico aplicável temos que a concessão por arrendamento e o subarrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano regem-se pelas disposições da Lei de Terras e diplomas complementares, pelas cláusulas dos respectivos contratos e, subsidiariamente, pela lei civil aplicável (artigo 41.º).
O artigo 42.º dispõe sobre o conteúdo do direito resultante da concessão por arrendamento ou subarrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano: este abrange poderes de construção, transformação ou manutenção de obra, para os fins e com os limites consignados no respectivo título constitutivo, entendendo-se que as construções efectuadas ou mantidas permanecem na propriedade do concessionário ou subconcessionário até à extinção da concessão por qualquer das causas previstas na lei ou no contrato. A propriedade das construções referidas no período anterior pode ser transmitida, designadamente no regime da propriedade horizontal, observados os condicionalismos da presente lei sobre a transmissão de situações resultantes da concessão ou subconcessão.
O artigo 44.º da Lei de Terras estabelece que “A concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão, e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente”.
Por outro lado, estatui o artigo 47.º que o prazo de concessão por arrendamento é fixado no respectivo contrato de concessão, não podendo exceder 25 anos. O prazo das renovações sucessivas não pode exceder, para cada uma, dez anos.
No caso dos autos o prazo de concessão por arrendamento fixado no contrato de concessão é de 25 anos (cláusula 2.ª).
A prova de aproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano faz-se mediante a apresentação pelo concessionário da licença de utilização (artigo 130.º). Feita a prova do aproveitamento, a concessão torna-se definitiva (artigo 131.º), sendo que a demarcação definitiva2 só é realizada após a prova do aproveitamento do terreno e precede a conversão da concessão provisória em definitiva (artigo 97.º).
Quanto à renovação da concessão, a lei estabelece como princípio que as concessões provisórias não podem ser renovadas. A única excepção a esta regra é a seguinte: a concessão provisória só pode ser renovada a requerimento do concessionário e com autorização prévia do Chefe do Executivo, caso o respectivo terreno se encontre anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estejam a ser aproveitados em conjunto (n.º 2 do artigo 48.º).
No caso dos autos não estamos perante a situação prevista na excepção, pelo que a concessão provisória não podia ser renovada.
Já as concessões por arrendamento onerosas, quando definitivas, são automaticamente renováveis por períodos de dez anos, sem necessidade de formulação de pedido, salvo disposição em contrário previsto no contrato de concessão e com as excepções previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 49.º.
No que respeita ao aproveitamento dos terrenos concedidos, o prazo e procedimento de aproveitamento dos terrenos concedidos são definidos no respectivo contrato de concessão (n.º 1 do artigo 104.º).
Se o contrato de concessão for omisso e quando o aproveitamento incluir, entre outros, a edificação de construções, devem ser observados os seguintes prazos máximos:
1) 90 dias a contar da data de publicação em Boletim Oficial do despacho que titula a concessão, para a apresentação do projecto de arquitectura;
2) 180 dias a contar da data de notificação da aprovação do projecto de arquitectura, para a apresentação de outros projectos de especialidades;
3) 60 dias a contar da data de notificação de aprovação dos projectos de especialidades, para a apresentação do pedido de emissão da licença de obras;
4) 15 dias a contar da data de emissão da licença de obras, para o início da obra;
5) O prazo estabelecido na licença de obras para a conclusão das mesmas (n.º 2 do artigo 104.º).
……
Convém conhecer um preceito da maior importância, o n.º 5 do artigo 104.º:
“A requerimento do concessionário, o prazo de aproveitamento do terreno pode ser suspenso ou prorrogado por autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo”.
Nos termos da alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º as concessões provisórias ou as concessões definitivas em fase de reaproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano caducam, quando se verifique não conclusão do aproveitamento ou reaproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo de 150 dias previsto no n.º 3 do artigo 104.º, independentemente de ter sido aplicada ou não a multa.
A lei exige expressamente um acto administrativo que declare a caducidade das concessões. Na verdade, dispõe o artigo 167.º:
“Artigo 167.º
Declaração de caducidade
A caducidade das concessões, provisórias e definitivas, é declarada por despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial”.

6. Caducidade do contrato de concessão por arrendamento na nova Lei de Terras e o caso dos autos
Estamos, agora, em condições de extrair algumas conclusões do regime de caducidade das concessões provisórias e definitivas.
Já vimos que a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão, e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas. E que o prazo de concessão por arrendamento é fixado no respectivo contrato de concessão, não podendo exceder 25 anos.
A lei estabelece que as concessões provisórias não podem ser renovadas.
Assim, podemos concluir que decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato) o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas.
É essa a consequência de se esgotar um prazo, que não foi prorrogado, por a lei não admitir a prorrogação. Dispõe-se expressamente que o prazo máximo é de 25 anos.
Por outro lado, como vimos, a prova de aproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano faz-se mediante a apresentação pelo concessionário da licença de utilização (artigo 130.º). Feita a prova do aproveitamento, a concessão torna-se definitiva (artigo 131.º).
Quer isto dizer que o Chefe do Executivo declara a caducidade pelo decurso do prazo (25 anos, se outro não for o fixado no contrato) se o concessionário não tiver apresentado a licença de utilização do prédio, porque é mediante a apresentação desta licença que se faz a prova de aproveitamento de terreno urbano ou de interesse urbano.
E o Chefe do Executivo não tem que apurar se este incumprimento das cláusulas de aproveitamento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário. Isto é, não tem que apurar se a falta de aproveitamento se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
Por outro lado, nenhuma norma permite à Administração considerar suspenso o prazo de concessão provisória ou prorrogá-lo3.
Que o Chefe do Executivo, quando declara a caducidade pelo decurso do prazo por incumprimento das cláusulas de aproveitamento, não tem que apurar se este incumprimento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário, resulta da circunstância de o n.º 5 do artigo 104.º dispor que “A requerimento do concessionário, o prazo de aproveitamento do terreno pode ser suspenso ou prorrogado por autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo”.
Quer dizer, a propósito do prazo de aproveitamento do terreno (no caso, o prazo de 96 meses), a lei permite que, a requerimento do concessionário, o Chefe do Executivo autorize a prorrogação desse prazo ou que o mesmo se considere suspenso se considerar que o não aproveitamento do terreno não é imputável ao concessionário.
Mas relativamente ao decurso do prazo de 25 anos nenhuma norma permite que o Chefe do Executivo autorize a prorrogação desse prazo ou que o mesmo se considere suspenso, se considerar que o não aproveitamento do terreno não é imputável ao concessionário.
É exacto que a Lei de Terras não estatui expressamente que as prorrogações do prazo de aproveitamento só podem ser concedidas desde que, desse modo, não seja ultrapassado o prazo da concessão, sem prejuízo deste poder ser alterado até perfazer 25 anos. Mas isso resulta com toda a clareza da interpretação conjunta das normas já citadas. Afigura-se-nos que a razão pela qual a lei não teve necessidade de o dizer expressamente se deveu à circunstância de, sendo o prazo da concessão provisória de 25 anos (é o prazo máximo, mas é o prazo normalmente utilizado), não passou pela mente do legislador que, durante tal prazo, o terreno não tivesse, ainda, sido aproveitado (recorde-se que, normalmente, os prazos de aproveitamento rondam os 18 a 48 meses4. E, por isso, não se pode dizer que as Leis de Terras não sejam claras. Elas são claras, não podem é contar com o não cumprimento dos prazos e das condições contratuais, seja pela Administração, seja pelos concessionários ou com a menor eficiência na apreciação e na aprovação dos projectos, por parte da Administração Urbanística.
Por outro lado, ao contrário do que se defende nos autos, a renovação do prazo do arrendamento mencionada na cláusula 2.ª, n.º 2, do contrato, que refere a possibilidade de o mesmo ser renovado até 19 de Dezembro de 2049, não é o da concessão provisória, que é a que está em causa nos autos, mas sim o das renovações definitivas, estabelecendo a Administração portuguesa (1990/91) o mencionado prazo, por ser o limite até ao qual o Governo da República Popular da China se obrigou a respeitar os contratos de concessão de terras legalmente celebrados antes do Estabelecimento da RAEM e a propriedade privada, de acordo com a Declaração Conjunta Luso-Chinesa, de 1987.
……
7. Caducidade do contrato de concessão por arrendamento na nova Lei de Terras e o caso dos autos (continuação)
Há um ponto em que a crítica da recorrente ao acórdão recorrido é certeira: ao contrário do que se entende neste, a caducidade das concessões a que alude o artigo 52.º da Lei de Terras, não é a concessão provisória dos autos, que é a situação regra, mas a da concessão provisória excepcional a que se refere o n.º 2 do artigo 48.º da Lei de Terras (cuja renovação tem de ser requerida pelo interessado, juntamente com o requerimento de renovação da concessão definitiva do terreno), e as renovações de concessões definitivas a que se refere o artigo 49.º da mesma Lei, para as situações em que não foi submetido pedido de renovação nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 50.º, ou em que o pedido foi indeferido. O artigo 52.º é muito claro quanto ao âmbito da sua aplicação: rege apenas para os casos em que as concessões são renováveis, pelo que não pode aplicar-se a concessões não renováveis, como são as provisórias do n.º 1 do artigo 48.º da Lei de Terras.
Seja como for, a caducidade da concessão dos autos resulta inelutavelmente do disposto nos artigos 44.º, 47.º, n.º 1 e 48.º, n.º 1, da Lei de Terras.
Podemos, desta maneira, qualificar a caducidade por decurso do prazo da concessão como caducidade-preclusão (porque depende apenas do decurso do prazo e da constatação objectiva da falta de apresentação da licença de utilização do prédio por parte do concessionário) e a caducidade por incumprimento do concessionário do prazo de aproveitamento do terreno como caducidade-sanção.5》
Ora, as considerações acima transcritas são completamente aplicáveis ao caso reportado nos presentes autos.
Decorre da factualidade assente o seguinte:
- Através do Despacho n.º 6/SAOPH/87, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 37, de 14 de Setembro de 1987, foi autorizada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 4 690m2, situado no Aterro de Pac-On, correspondente ao antigo lote “3”, a favor da sociedade ora recorrente, cuja concessão foi titulada por escritura pública outorgada em 23 de Outubro de 1987.
- De acordo com a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento era válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, ou seja, até 22 de Outubro de 2012.
- Devido ao reordenamento urbanístico, tornou-se necessário proceder à troca do referido terreno concedido pelo terreno designado por lote “G” que se situa na mesma zona e com a mesma configuração e área, e assim sendo, pelo Despacho n.º 39/SAOPH/88, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 16, de 18 de Abril de 1988, foi autorizada a revisão da concessão, a qual foi titulada por escritura outorgada em 13 de Maio de 1988.
- Através do Despacho n.º 167/SATOP/93, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 50, II Série, de 15 de Dezembro de 1993, foi modificado o aproveitamento do terreno.
- Conforme a cláusula terceira do contrato, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício industrial, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 6 pisos, ficando as fracções autónomas do rés-do-chão afectadas à indústria de fabrico de blocos de cimento, a explorar directamente pela concessionária.
- Por força da referida revisão, foi autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento até 18 de Dezembro de 1995.
- Após o termo do prazo de aproveitamento do terreno e uma vez que esse aproveitamento estava por efectuar, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) solicitou à concessionária, através de ofícios datados em 11 de Abril e 16 de Julho de 1997, que apresentasse justificações sobre o não aproveitamento do terreno e indicasse a data do início das respectivas actividades industriais.
- No entanto, apenas em 10 de Outubro de 2007 a concessionária solicitou que fossem transmitidos os direitos resultantes da concessão do terreno a favor da sociedade “Harvest - Centro de Automóveis, Limitada” e que a finalidade do rés-do-chão do edifício, destinado a uso próprio, fosse alterada para sala de exposição e manutenção de automóveis, mantendo-se inalteradas as finalidades das outras partes.
- Tendo o terreno objecto da concessão sido classificado pela entidade competente como terreno concedido mas não aproveitado, a DSSOPT, através de ofício de 23 de Março de 2010, solicitou à concessionária a apresentação de justificação razoável relativa ao atraso no aproveitamento do terreno.
- Através da carta datada de 23 de Abril de 2010, a concessionária apresentou as devidas justificações e solicitou novamente autorização para a transmissão dos direitos resultantes da concessão, comprometendo-se a concluir o aproveitamento do terreno no prazo de 14 meses após a competente autorização, ou seja, antes do termo do prazo de concessão por arrendamento.
- O prazo de arrendamento do terreno terminou em 22 de Outubro de 2012, sem que o aproveitamento do terreno tenha sido concluído.
Ora, dado que a recorrente não concluiu o aproveitamento do terreno a si concedido no prazo fixado no respectivo contrato de concessão e face à posição que temos assumido quanto à natureza de caducidade-preclusão da concessão provisória, é de concluir que nem o acto administrativo impugnado nem o acórdão ora recorrido merecem censura.

Relativamente à necessidade de produção de prova requerida pela recorrente, nos mesmos acórdãos, já citados, proferido nos processos n.º 7/2018 e n.º 43/2018, dissemos o seguinte:
《No recurso contencioso, a produção de prova só tem lugar se os factos forem relevantes para a decisão de mérito (n.º 1 do artigo 63.º e n.º 3 do artigo 65.º do Código de Processo Administrativo Contencioso), segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (proémio do n.º 1 do artigo 430.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
A produção de prova visava estabelecer a culpa da Administração e a falta de culpa da concessionária no não aproveitamento do terreno.
Ora, como desenvolveremos adiante, entendemos que tal questão não é relevante para a decisão sobre a legalidade da caducidade da concessão por decurso do prazo.
Assim, independentemente de a relevância da culpa poder integrar uma das soluções plausíveis da questão de direito, certo é que “os recursos que não incidam sobre o mérito da causa só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa…” (1.ª parte do n.º 3 do artigo 628.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso), o que, como veremos melhor, não é manifestamente o caso.
Donde, ter de improceder, sem mais, o recurso.》
Ora, a improcedência do recurso interposto da decisão de não produção da prova é imposta por entendermos que, no caso de declaração de caducidade por decurso do prozo, o Chefe do Executivo não tem que apurar se o não aproveitamento se deveu a motivo imputável ao concessionário ou não, sendo bastante que o terreno concedido não foi aproveitado pela concessionária no prazo de arrendamento, daí que não há de proceder à produção da prova.
A mesma conclusão se deve tirar sobre o vício de insuficiência da matéria de facto invocado pela recorrente, que alega que o Tribunal recorrido não apurou os factos alegados na petição inicial do recurso contencioso, que descreviam a justificação para o incumprimento contratual por parte da recorrente.
Na realidade, se considerar que o Chefe do Executivo não tem que apurar se a falta de aproveitamento se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento, forçosamente é de concluir que a factualidade dada como assente nos autos é suficiente para a decisão tomada, não se verificando o vício em causa.
Para sustentar a sua tese, invoca a recorrente nas suas alegações o acórdão proferido por este Tribunal de Última Instância no Processo n.º55/2016.
Neste acórdão invocado, e em relação à questão sobre se o acto do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão do terreno é susceptível de suspensão de eficácia, referimos que a caducidade da concessão há de ser declarada por despacho do Chefe do Executivo, que não se deve ser visto como acto de mera declaração, pois se deve fazer valoração negativa do comportamento da concessionária (a não conclusão do aproveitamento do terreno). E caducidade da concessão não se opera tão só pelo mero decurso do tempo mas pressupõe também uma valoração negativa sobre o aproveitamento do terreno pela sociedade concessionária.
Ora, afigura-se-nos evidente que a declaração da caducidade da concessão pressupõe a constatação objectiva de duas realidades, respeitantes respectivamente ao decurso do prazo de arrendamento e ao não aproveitamento do terreno no mesmo prazo.
Assim, tendo em consideração a finalidade visada pela produção da prova apresentada pela recorrente, de apurar se a Administração teve, ou não, culpa no não aproveitamento do terreno no prazo de arrendamento, é de concluir, forçadamente, que não há necessidade de proceder à produção da prova, sendo irrelevante a questão de culpa.
As considerações tecidas no citado acórdão não interferem em nada na questão ora em apreciação.

Finalmente, imputa a recorrente a violação dos princípios da imparcialidade, da boa fé, da tutela da confiança e da igualdade.
A questão ora colocada também já foi objecto de apreciação nos acórdãos proferidos nos processos n.o 7/2018 e n.o 43/2018 do Tribunal de Última Instância, no sentido de, uma vez considerando que, face à Lei de Terras vigente, o Chefe do Executivo não tem margem para declarar ou deixar de declarar a caducidade da concessão, tendo que a declarar necessariamente, não valer aqui os vícios próprios de actos discricionários, como a violação de princípios gerais do Direito Administrativo, previstos nos artigos 5.º, 7.º e 8.º do Código do Procedimento Administrativo.
No caso ora em apreciação, afigura-se-nos que, face à falta de aproveitamento por parte da recorrente no prazo de 25 anos, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo objecto de impugnação, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade de concessão.
Ao contrário dum acto praticado no exercício do poder discricionário, o acto tem conteúdo vinculado quando o decisor não tem margem de livre decisão, tendo o acto um único sentido possível.6
E no âmbito da actividade vinculada, como no presente caso, não se releva a alegada violação dos princípios da imparcialidade, da boa fé, da tutela da confiança e da igualdade.

4. Decisão
Face ao exposto, nega-se provimento aos recursos.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 12 UC.

                 Macau, 31 de Julho de 2018
                 
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Chan Tsz King
1 Neste sentido, cfr. Ac.s do Tribunal de Última Instância, de 23 de Maio de 2018, Proc. n.º 7/2018 e de 6 de Junho de 2018, Proc. n.º 43/2018.
2 A demarcação definitiva, que se baseia na demarcação provisória e nas subsequentes correcções resultantes do processo de concessão, consiste na marcação dos pontos de fronteira do terreno e na execução das operações relativas à demarcação que permitem a perfeita identificação e localização do terreno concedido no registo predial (artigos 95.º e 96.º).
3 Salvo, evidentemente, quando o prazo da concessão for inferior a 25 anos (de que não conhecemos nenhuma situação), caso em que pode ser prorrogado até perfazer o prazo de 25 anos, que é o prazo máximo da concessão por arrendamento, nos termos do n.º 1 do artigo 47.º.
4 42 meses, no caso do Processo n.º 1/2018, 36 meses no caso do Processo n.º 28/2017, 18 meses no caso do Processo n.º 81/2016, para referir prazo de concessões em recursos jurisdicionais que correram neste TUI.
5 Sobre estes conceitos no direito administrativo, cfr. MARIA FERNANDA MAÇÃS, A Caducidade no Direito Administrativo: Breves Considerações, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, II, Coimbra Editora, 2005, p. 126 e seg.
6 Viriato Lima e Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2015, p. 310.
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29
Processo n.º 69/2017