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Processo n.º 13/2018
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Macau – Obras de Aterro, Limitada
Recorrido: Chefe do Executivo
Data da conferência: 31 de Julho de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Lei de Terras
- Declaração da caducidade do contrato de concessão
- Vício de forma
- Fundamentação do acto administrativo
- Concessão provisória e definitiva
- Aproveitamento do terreno
- Audiência prévia dos interessados

SUMÁRIO:
1. A norma do art.º 167.º da Lei de Terras visa dar publicidade ao despacho que declara a caducidade das concessões provisórias e definitivas.
2. Essa finalidade tanto é atingida se for o Gabinete do Chefe do Executivo a publicar a declaração de caducidade no Boletim Oficial, como se for o Gabinete do Secretário para os Transportes e Obras Públicas a publicitar no mesmo Boletim Oficial o despacho do Chefe do Executivo.
3. Nos termos dos art.ºs 114.º e 115.º do CPA, a Administração deve fundamentar os seus actos administrativos, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
4. No que concerne à declaração de caducidade, por decurso do prazo de arrendamento, da concessão do terreno, é aplicável a nova Lei de Terras (Lei n.º 10/2013), e não a antiga Lei (Lei n.º 6/80/M).
5. As concessões por arrendamento são inicialmente dadas a título provisório e só se convertem em definitivas se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas.
6. Quanto à renovação de concessão provisória, o art.º 48.º da Lei nova estabelece que as concessões provisórias não podem ser renovadas, salvo se o respectivo terreno se encontrar anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estiverem a ser aproveitados em conjunto, caso em que a concessão provisória pode ser renovada a requerimento do concessionário e com autorização prévia do Chefe do Executivo.
7. As concessões por arrendamento onerosas, quando definitivas, são automaticamente renováveis por períodos de dez anos, sem necessidade de formulação de pedido, salvo disposição em contrário prevista no contrato de concessão e com as excepções previstas nos n.os 2 e 3 do art.º 49.º.
8. Uma vez que se concluiu no sentido de considerar ainda provisória a concessão do terreno, evidentemente não é aplicável ao presente caso o regime jurídico das concessões definitivas, nomeadamente de renovação automática.
9. Proceder ao aproveitamento do terreno concedido é uma das obrigações impostas ao concessionário, pelo que a utilização do mesmo terreno por um terceiro nunca pode ser considerado como aproveitamento do terreno estipulado no contrato.
10. A utilização temporária do terreno por um terceiro não cumpriu, de modo nenhum, as cláusulas contratuais respeitantes ao aproveitamento e à finalidade do terreno em causa nem implica a alteração da finalidade previamente fixada no contrato.
11. Decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato), o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas. Quer isto dizer que o Chefe do Executivo declara a caducidade pelo decurso do prazo se o concessionário não tiver apresentado a licença de utilização do prédio, porque é mediante a apresentação desta licença que se faz a prova de aproveitamento de terreno urbano ou de interesse urbano.
12. O Chefe do Executivo não tem que apurar se este incumprimento das cláusulas de aproveitamento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário. Isto é, não tem que apurar se a falta de aproveitamento se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
13. Sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no art.º 93.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Macau – Obras de Aterro, Limitada, melhor identificada nos autos, interpôs o recurso contencioso de anulação do despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 9 de Março de 2016, que declarou a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 6480 m2, situado na península de Macau, na zona dos Novos Aterros do Porto Exterior, designado por lote 25 (A1/g), descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 21942, a fl. 37 do livro B104A.
Por acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância em 9 de Novembro de 2017, foi julgado improcedente o recurso contencioso, confirmando o acto impugnado.
Inconformada com a decisão, recorre Macau – Obras de Aterro, Limitada para o Tribunal de Última Instância, suscitando as seguintes questões:
- Vício de forma por não ter sido exteriorizado na forma solene exigido no art.º 167.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras);
- Vício de forma por falta de fundamentação;
- Erro de julgamento quanto ao regime do contrato de concessão;
- Vício de forma por violação do direito de audiência prévia;
- Violação dos art.ºs 59.º e 86.º do CPA e erro no pressuposto de facto;
- Outros vícios de violação de lei.
Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos
O Tribunal de Segunda Instância considera assente a seguinte factualidade relevante com interesse à boa decisão da presente lide:
1. Por contrato celebrado entre a Região Administrativa Especial de Macau e a sociedade Macau - Obras de Aterro, Limitada, titulado pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 43/2001, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau - II Série, n.º 20, de 16/05/2001, foi autorizada a revisão da concessão, por arrendamento, de um terreno situado na península de Macau, na zona dos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE), designado por lote 25 (A1/g), com a área de 6480m2 (seis mil quatrocentos e oitenta metros quadrados), integrante da concessão titulada por escritura pública de 27/07/1990, revista por escritura pública de 09/08/1991 e pelo Despacho n.º 98/SATOP/99, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 45, II Série, de 10/11/1999, descrito na CRP sob o n.º 21942, que se encontra assinalado com as letras “A” e “B” na planta n.º 5640/1998, emitida em 01/02/2000, pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC).
2. Nos termos da cláusula segunda desse contrato, o arrendamento objecto do mesmo era válido até 27/07/2015.
3. A Direcção dos Serviços de Solos e Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), através da Proposta n.º 390/DSODEP/2015, de 18/12/2015, propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento de declaração de caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento, o que veio a merecer concordância do Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas por despacho de 03/02/2016.
4. Reunida em sessão de 19/02/2016, a Comissão de Terras emitiu o parecer n.º 23/2016, que aqui se dá por reproduzido, e no qual concluiu nos seguintes termos: «Reunida em sessão de 19 de Fevereiro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e tendo em consideração o parecer e proposta constantes na proposta n.º 390/DSODEP/2015, de 18 de Dezembro, bem como o despacho nela exarado pelo STOP, de 3 de Fevereiro de 2016, considera verificada a caducidade da concessão pelo termo do prazo de arrendamento em 27 de Julho de 2015, deve esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo».
5. Em 03/03/2016, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu parecer que aqui se dá por reproduzido e que concluiu nos seguintes termos: «Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto pelas razões indicadas naquele, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno».
6. Em 09/03/2016, a Entidade Recorrida declarou a caducidade da concessão, por arrendamento, a que se refere o Processo n.º 8/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas referido no artigo anterior.
7. No Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 14, II Série, de 06/04/2016, foi publicado o Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 19/2016, cujo teor consta de fls. 172 a 173 do Processo n.º 8/2016 da Comissão de Terras, tornando público que «por despacho do Chefe do Executivo, de 9 de Março de 2016, foi declarada a caducidade da concessão do terreno designado por lote 25 (A1/g), situado na península de Macau, nos NAPE, descrito na CRP sob o n.º 21942 a fl. 37 do livro B104A, a que se refere o Processo n.º 8/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 3 de Março de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho».
8. Em 01/08/2003, o Senhor STOP, face à concordância da concessionária, ora Recorrente, deferiu um requerimento da sociedade Venetian Macau S.A., com sede em Macau, para utilizar temporariamente a referida parcela de terreno como um parque de estacionamento e um Centro de Exposições (fls. 155 e 156 dos autos).
9. Por ofício datado de 26/12/2012, a DSSOPT informou à Recorrente de que por despacho do Senhor Chefe do Executivo de 06/12/2012, foi determinada a cessação da utilização temporária do terreno em referência por parte da sociedade Venetian Macau S.A., e esta teria de devolver o terreno no prazo de 60 dias (fls. 492 dos autos).
10. Em 07/02/2013, a sociedade Venetian Macau S.A. comunicou à DSSOPT que o terreno em causa seria totalmente desocupado no dia 15/02/2013.

3. O Direito
3.1. Vício de forma por não ter sido exteriorizado na forma solene exigido no art.º 167.º da Lei n.º 10/2013
Ora, no Boletim Oficial da RAEM n.º 14, II Série, de 06/04/2016, foi publicado o Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 19/2016, cujo teor consta de fls. 172 a 173 do Processo n.º 8/2016 da Comissão de Terras, tornando público que «por despacho do Chefe do Executivo, de 9 de Março de 2016, foi declarada a caducidade da concessão do terreno designado por lote 25 (A1/g), situado na península de Macau, nos NAPE, descrito na CRP sob o n.º 21942 a fl. 37 do livro B104A, a que se refere o Processo n.º 8/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 3 de Março de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho».
Nos termos do art.º 167.º da Lei n.º 10/2013, “A caducidade das concessões, provisórias e definitivas, é declarada por despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial”.
Alega a recorrente que essa disposição legal exige a observância de uma forma solene, que se concretiza na publicação do despacho do Chefe do Executivo que declarou caducidade de concessão, que não foi cumprida, pedindo que seja julgada inválida a decisão recorrida, por erro de julgamento, com as consequências previstas no art.º 159.º n.º 2 do Código de Processo Administrativo Contencioso.
E invoca a norma contida nos n.ºs 1 e 2 do art.º 5.º da Lei n.º 10/2013 para demonstrar a diferença de redacção legislativa quanto à forma de exteriorização dos actos administrativos do Chefe do Executivo, tendo concluindo pela exigência de forma solene no caso de declaração de caducidade da concessão do terreno.
Sobre a mesma questão ora colocada, este Tribunal de Última Instância já teve oportunidade para se pronunciar, com o seguinte teor1:
《A norma do artigo 167.º visa dar publicidade ao despacho que declara a caducidade das concessões provisórias e definitivas.
Essa finalidade tanto é atingida se for o Gabinete do Chefe do Executivo a publicar a declaração de caducidade no Boletim Oficial, como se for o Gabinete do Secretário para os Transportes e Obras Públicas a publicitar no mesmo Boletim Oficial o despacho do Chefe do Executivo. Nenhum preceito legal regula esta matéria.
Os n.os 1 e 2 do artigo 5.º da Lei de Terras, invocado pela recorrente, para fazer a distinção, têm uma explicação. Quando no seu n.º 2 se diz que “Quando se trate de terrenos cuja desafectação do domínio público resulta da fixação de novos alinhamentos, a sua integração no domínio privado é feita por despacho do Chefe do Executivo e tornada pública através do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas que titula a concessão dos respectivos terrenos”, o que está em causa é uma matéria de economia processual face à concessão dos terrenos. Então o despacho que titula esta concessão, publicita o despacho que integra no domínio privado terrenos do domínio público cuja desafectação resulta da fixação de novos alinhamentos.
Mas daí não se pode extrair nenhuma excepção a um princípio geral em matéria de publicitação directa ou indirecta dos despachos de declaração de caducidade de concessões, que constaria do n.º 1 do mesmo artigo.
O mesmo preceito (artigo 5.º) não proíbe que outros despachos do Chefe do Executivo possam ser publicitados pelo Gabinete do Secretário para os Transportes e Obras Públicas.》
É de manter tal posição, considerando que não se vislumbra o vício de forma invocado pela recorrente.

3.2. Vício de forma por falta de fundamentação
Constata-se nos autos que o acto administrativo impugnado foi praticado pelo Chefe do Executivo, com prolação do seguinte despacho sobre o parecer dado pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas:
“Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo n.º 8/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 3 de Março de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.”
Por seu turno, o parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas tem o seguinte teor:
“Proc. n.º 8/2016 – Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento, do terreno com a área de 6 480m2, situado na península de Macau, na zona dos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE), designado por lote 25(A1/g), a favor da sociedade Macau – Obras de Aterro, Limitada, pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 27 de Julho de 2015.
1. Através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 43/2001, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 20, II Série, de 16 de Maio de 2001, foi titulado o contrato de concessão do terreno com a área de 6 480m2, situado na península de Macau, no NAPE, designado por 25 (A1/g), a favor da sociedade Macau – Obras de Aterro, Limitada.
2. De acordo com a cláusula segunda do contrato, o arrendamento do terreno é válido até 27 de Julho de 2015.
3. O terreno destinava-se à construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, compreendendo uma torre com 19 pisos e outra com 13 pisos, assentes sobre um pódio com 4 pisos, incluindo o piso de cobertura, destinado às finalidades de habitação, comércio, hotel e estacionamento.
4. Uma vez que o prazo de arrendamento do terreno terminou em 27 de Julho de 2015 e o aproveitamento do terreno não foi concluído, a DSSOPT propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 3 de Fevereiro de 2016.
5. Reunida em sessão de 19 de Fevereiro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, tendo em consideração que o prazo de arrendamento foi terminado, sem que o aproveitamento estabelecido neste contrato se mostre realizado, e que, sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), aplicável por força dos seus artigos 212.º e 215.º. Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno.”
Na óptica da recorrente, o texto do acto do Chefe do Executivo e do parecer integrante não contém elementos que esclareçam, em concreto, a sua motivação; o despacho do Chefe do Executivo remete para os termos e fundamentos do parecer do STOP, que dá por integrado no despacho; o parecer do STOP contém alguns elementos, os quais não permitem alcançar os fundamentos em concreto do acto, nomeadamente envolvendo contradições sobre o objecto e a antiguidade da concessão da Recorrente; a ligação entre os elementos enunciados no Parecer do STOP e a realidade da concessão permanece obscura, pelo que não se consegue extrair desses elementos justificação suficiente para a decisão recorrida. A situação é ainda agravada por o parecer do STOP fazer, por sua vez, uma remissão genérica e indeterminada para o processo, sem uma exposição dos concretos fundamentos.
Ora, nos art.ºs 114.º e 115.º do CPA, a Administração deve fundamentar os seus actos administrativos, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
A fundamentação do acto administrativo deve permitir a um destinatário normal reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo do autor do mesmo acto.
No caso ora em apreciação, cremos que o acto impugnado está devidamente fundamentado, mesmo que imperfeito, permitindo aos destinatários perceber a sua racionalidade.
Conjugando o despacho do Chefe do Executivo e o parecer integrante do STOP, é de afirmar que o acto administrativo se fundamenta no decurso do prazo de arrendamento do terreno, válido até 27 de Julho de 2015, sem que o aproveitamento do mesmo terreno estabelecido no respectivo contrato de concessão se tenha mostrado realizado, sendo que tal concessão tem a natureza provisória, não podendo ser renovada.
E constata-se no parecer emitido pela Comissão de Terras que:
- Por escritura pública do contrato de concessão outorgada em 27 de Julho de 1990, foi concedido, em regime de arrendamento, o terreno situado na península de Macau, no NAPE, com a área global de 64800 m2, constituído pelos lotes 14, 15, 16, 17, 18, 19, 22, 23, 24 e 25 (no total de 10 lotes), a favor da sociedade recorrente.
- Em virtude da aprovação do novo Plano de Intervenção Urbanística do NAPE, através da escritura pública de 9 de Agosto de 1991, foi alterada a área bruta de construção do terreno, tendo o lote 23 sido revertido por troca com o lote 20.
- Posteriormente, através do Despacho n.º 98/SATOP/99, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 45, II Série, de 10 de Novembro de 1999, foi titulada a revisão global do contrato de concessão do referido terreno e tendo em conta os compromissos assumidos pela concessionária com terceiros, procedeu-se numa fase posterior à revisão das condições contratuais particulares de cada um dos lotes que constituem o respectivo terreno e fixaram-se as respectivas condições em contratos autónomos.
- Em seguida, através do Despacho do STOP n.º 43/2001, publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 20, II Série, de 16 de Maio de 2001, foi titulado o contrato de concessão do terreno com a área de 6480 m2, situado na península de Macau, no NAPE, designado por 25 (A1/g), concedido a favor da sociedade recorrente.
- De acordo com a cláusula segunda do contrato, o arrendamento do terreno é válido até 27 de Julho de 2015.
Com as vicissitudes acima descritas relativamente ao terreno em causa, é de dizer que o terreno foi concedido em 27 de Julho de 1990, data em que iniciou o prazo de concessão, que é de 25 anos.
O que se fez nos anos de 1999 e 2001 não é uma concessão nova, mas sim a revisão da concessão do terreno, tal como se confirma também com o contrato anexo ao Despacho do STOP n.º 43/2001, publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 20, II Série, de 16 de Maio de 2001, contrato este que tem por objecto autorizar “a revisão da concessão, por arrendamento, de um terreno situado na península de Macau, na zona dos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE), designado por 25 (A1/g), com a área de 6480 m2, …integrante da concessão titulada por escritura pública de 27 de Julho de 1990, revista por escritura pública de 9 de Agosto de 1991”. (fls. 115 e 116 dos autos, o sublinhado é nosso)
Daí que o termo do prazo da concessão se verificou no dia 27 de Julho de 2015.
Assim sendo, afigura-se não assistir razão à recorrente, por não se descortinar o vício de falta de fundamentação do acto administrativo.
O acórdão recorrido refere que “Quanto ao alegado facto de que o terreno em causa é apenas uma parte de todo, a recorrente esqueceu que a seu pedido, foi autorizada a revisão do contrato de concessão em relação ao lote 25 (A1/g), em 2001, a partir da qual o terreno em causa passa a ser objecto duma concessão autónoma”.
Ora, pese embora a utilização da expressão “concessão autónoma”, não resulta do contexto em que se insere tal expressão que o Tribunal recorrido tenha intenção de considerar como nova e autónoma, completamente independente da concessão de todo o terreno composto por 10 lotes, a concessão do lote 25 (A1/g), pois o que está em causa é uma revisão do contrato de concessão, facto sobre o qual está bem ciente o Tribunal recorrido.
Bem vistas as coisas e rigorosamente falando, é de dizer que a concessão do lote 25 (A1/g) passou a reger-se pelas cláusulas dum contrato autónomo e próprio.
Não se vê qualquer lapso de raciocínio nem nulidade nos termos do art.º 571.º n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, imputada pela recorrente.

3.3. Erro de julgamento quanto ao regime do contrato de concessão
Na opinião da recorrente, o acórdão recorrido viola as regras legais de interpretação dos contratos formais (art.º 230.º, n.º 1, do Código Civil) e incorre em erro de julgamento, ao considerar que o lote 25 (A1/g) não é parte integrante daquela concessão titulada pelo contrato celebrado em 1990 e, consequentemente, ao rejeitar implicitamente a aplicação do regime jurídico das concessões definitivas.
Antes de mais, é de recordar que, no que concerne à declaração de caducidade, por decurso do prazo, da concessão do terreno, é aplicável a nova Lei de Terras (Lei n.º 10/2013), e não a antiga Lei (Lei n.º 6/80/M), como decorre dos art.ºs 212.º a 223.º da Lei n.º 10/2013, que contêm disposições finais e transitórias.2
A recorrente organiza a sua exposição sobre a questão ora colocada a partir das seguintes perguntas:
A) O contrato anexo ao Despacho do STOP n.º 43/2001 constitui uma concessão autónoma sobre o lote 25 (A1/g) ou este lote continua a ser parte integrante da concessão titulada por escritura pública de 27 de Julho de 1990, revista por escritura pública de 9 de Agosto de 1991 e pelo Despacho n.º 98/SATOP/99?
B) Em 2015, a referida concessão titulada por escritura pública de 27 de Julho de 1990, ainda era provisória ou já era uma concessão definitiva, pelo que a Administração não devia obstar à respectiva renovação automática?
C) Por outro lado, os factos ocorridos no lote 25 (A1/g) podem também ser valorados, no plano jurídico, como aproveitamento?
Vamos dar a nossa resposta a tais perguntas.
Desde logo, e tal como foi já referido, afigura-se-nos muito claro que, com a revisão da concessão feita no contrato anexo ao Despacho do STOP n.º 43/2001, o lote 25 (A1/g) continua a ser parte integrante da concessão titulada por escritura pública de 27 de Julho de 1990, revista por escritura pública de 9 de Agosto de 1991 e pelo Despacho n.º 98/SATOP/99.
No entanto, há de notar que, conforme se constata no Anexo ao Despacho do STOP n.º 43/2001 (fls. 115 dos autos), pelo Despacho n.º 98/SATOP/99 foi titulada a revisão global do contrato de concessão do terreno com a área global de 64800 m2, remetendo-se para uma fase posterior a revisão das condições contratuais particulares de cada um dos lotes que constituem o terreno, a fixar em contrato autónomo, tendo em conta os compromissos assumidos pela concessionária com terceiros; e por requerimento apresentado em 3 de Dezembro de 1999, a sociedade recorrente solicitou a revisão parcelar do contrato de concessão, designadamente do lote 25 (A1/g).
Eis a origem da revisão de concessão do lote 25 (A1/g), destinada a rever as condições contratuais particulares deste lote, a fixar em contrato autónomo.
E efectivamente a concessão do terreno designado por lote 25 (A1/g) passou a reger-se pelas cláusulas estabelecidas no contrato anexo ao Despacho do STOP n.º 43/2001, que estipula as condições particulares próprias do mesmo lote, tais como o prazo de arrendamento (Cláusula segunda), aproveitamento e finalidade do terreno (Cláusula terceira), renda, prazo de aproveitamento, caducidade, etc..
Daí que, não obstante a sua integração na concessão titulada por escritura pública de 27 de Julho de 1990, revista por escritura pública de 9 de Agosto de 1991 e pelo Despacho n.º 98/SATOP/99, certo é que, com a revisão de 2001, o lote 25 (A1/g) passou a ter as condições particulares próprias, ganhando assim “autonomia” em relação à concessão global do terreno global e também em relação aos outros lotes que compõem o terreno, respeitante nomeadamente ao aproveitamento e finalidade do terreno que se interessa no presente caso.
A Cláusula terceira prevê o seguinte:
“O terreno é aproveitado com um edifício, em regime de propriedade horizontal, compreendendo uma torre com 19 (dezanove) pisos e outra com 13 (treze) pisos, assentes sobre um pódio com 4 (quatro) pisos, incluindo o piso de cobertura, com as seguintes áreas brutas de construção:
i) Habitacional: 17 624 m2;
ii) Comercial: 4 858 m2;
iii) Hotel: 42 178 m2;
iv) Estacionamento coberto: 7 350 m2.”
E já se nota certa “autonomia” do lote 25 (A1/g) no contrato de concessão, na redacção que lhe foi dada pelo Despacho n.º 98/SATOP/99, que alterou a cláusula terceira da versão dada pela escritura pública de 9 de Agosto de 1991, em virtude da modificação do aproveitamento do terreno concedido.
Segundo a cláusula terceira da versão dada pelo Despacho n.º 98/SATOP/99 (fls. 146 a 148 dos autos), “O terreno constituído pelos lotes 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 24 e 25 da zona «A1» dos Novos Aterros do Porto Exterior é aproveitado pela segunda outorgante, de acordo com os projectos a aprovar pelo primeiro outorgante, com a construção de uma área global de 649 736 m2 afecta às seguintes finalidades de utilização:
Habitacional: 246 736 m2
Comercial: 53 660 m2
Escritórios: 210 890 m2
Hotel: 42 178 m2
Estacionamento: 77 588 m2
Equipamento social: 18 684 m2 (sob as torres habitacionais)”.
E “As áreas de construção acima identificadas são distribuídas pelo terreno concedido da seguinte forma:
3.1. Lote 14 - (A1/h)
(. . .)
3.2. Lote 15 - (A1/i)
(. . .)
3.3. Lote 16 - (A1/j)
(. . .)
3.4. Lote 17 - (A1/k)
(. . .)
3.5. Lote 18 - (A1/l)
(. . .)
3.6. Lote 19 - (A1/m)
(. . .)
3.7. Lote 20 - (A1/b)
(. . .)
3.8. Lote 22 - (A1/d)
(. . .)
3.9. Lote 24 - (A1/f)
(. . .)
3.10. Lote 25 - (A1/g)
i) Habitacional: 17 624 m2
ii) Comercial: 4 858 m2
iii) Hotel: 42 178 m2
iv) Estacionamento coberto: 7 350 m2.”
Aqui está a distribuição das áreas de construção, por finalidade de utilização, para o lote 25 (A1/g), ainda integrante na concessão inicial, aproveitamento este igual ao previsto no contrato de 2001.
Seja como for, com a fixação das condições particulares próprias, nomeadamente no contrato autónomo de 2001, o lote 25 (A1/g) devia ser aproveitado conforme a cláusula contratual, o que não sucedeu.
Assim sendo, o lote 25 (A1/g) não se encontra aproveitado até ao termo do prazo de arrendamento.
Por outro lado, tanto na Lei de Terras antiga como na nova (art.º 49.º da Lei antiga e art.º 44.º da Lei nova), as concessões por arredamento são inicialmente dadas a título provisório e só se convertem em definitivas se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas, sendo que na vigência da Lei antiga, bastam o cumprimento das cláusulas de aproveitamento mínimo previamente estabelecidas e a marcação definitiva do terreno para que a concessão provisória seja convertida em definitiva.
Nos termos do art.º 104.º da Lei antiga, o aproveitamento mínimo consiste “na execução do plano de exploração aprovado ou, não o havendo, na utilização exigida para o respectivo tipo de concessão, pelo contrato ou pelos regulamentos”, enquanto se considera aproveitamento completo “aquele em que todo o terreno concedido seja susceptível de utilização para os fins da concessão”.
Por seu turno, prevê o n.º 1 do art.º 106.º da Lei nova que “o aproveitamento dos terrenos concedidos provisoriamente para edificação de construções urbanas só se considera concluído com o completo acabamento exterior e interior das construções constantes do projecto aprovado e do cumprimento dos encargos especiais a que estiver sujeita a concessão”.
Ao comando dos art.ºs 130.º e 131.º da Lei nova, a prova de aproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano faz-se mediante a apresentação pelo concessionário da licença de utilização e feita a prova do aproveitamento, a concessão torna-se definitiva. E os art.ºs 132.º e 133.º da Lei antiga contêm o mesmo conteúdo.
Alega a recorrente que a Lei antiga não exige a aproveitamento completo do terreno para que a concessão provisória se converta em definitiva, sendo bastante o aproveitamento mínimo, pelo que, apesar de não estar edificada a área de construção distribuída ao lote 25 (A1/g), a concessão da recorrente tenha passado ao regime de concessão definitiva ainda no tempo de vigência da lei antiga, dado que alguns lotes que integram a concessão titulada pelo contrato de 1990 já se encontravam aproveitados e os respectivos encargos especiais também foram cumpridos.
Não cremos que assiste razão à recorrente.
Há que chamar à colação, mais uma vez, o facto de o lote 25 (A1/g) passar a reger-se pelas cláusulas próprias do contrato autónomo, que estipula as condições de aproveitamento particulares do lote 25 (A1/g), o que lhe confere autonomia em relação à concessão global de todo o terreno, pelo que merece um tratamento próprio.
Salienta-se que o acto administrativo impugnado declarou a caducidade de concessão do lote 25 (A1/g), e não de todo o terreno composto por 10 lotes.
Por outro lado, não resulta provado nos autos que a recorrente apresentou a licença de utilização do terreno, facto este que nem sequer foi alegado pela própria recorrente.
Daí que, mesmo na vigência da Lei antiga, a concessão do terreno não se tornou ainda definitiva.
Quanto à renovação de concessão provisória, o art.º 48.º da Lei nova estabelece que as concessões provisórias não podem ser renovadas, salvo se o respectivo terreno se encontrar anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estiverem a ser aproveitados em conjunto, caso em que a concessão provisória pode ser renovada a requerimento do concessionário e com autorização prévia do Chefe do Executivo.
No caso dos autos não estamos perante a situação prevista na excepção acima referida, pelo que a concessão provisória do terreno não podia ser renovada.
E as concessões por arrendamento onerosas, quando definitivas, são automaticamente renováveis por períodos de dez anos, sem necessidade de formulação de pedido, salvo disposição em contrário prevista no contrato de concessão e com as excepções previstas nos n.os 2 e 3 do art.º 49.º.
Uma vez que se concluiu no sentido de considerar ainda provisória a concessão do terreno, evidentemente é de crer que não é aplicável ao presente caso o regime jurídico das concessões definitivas, nomeadamente de renovação automática.
E tendo em conta a disposição no art.º 48.º da Lei nova, que prevê como regra a impossibilidade de renovação de concessões provisórias, também é de afastar a renovação de concessão do terreno em causa.
Para fundamentar o seu recurso, alega ainda a recorrente que os factos ocorridos no lote 25 (A1/g) durante quase 10 anos, referentes à utilização temporária de pela sociedade Venetian Macau S.A., para construção e subsequente utilização de parque de estacionamento e um Centro de Exposição, podem ser valorados, no plano jurídico, como aproveitamento.
Evidentemente não tem razão.
Desde logo, a referida utilização não cumpriu as condições de aproveitamento e finalidade definidas na cláusula terceira do contrato de 2001, sendo que o lote 25 (A1/g) deve ser aproveitado “com um edifício, em regime de propriedade horizontal, compreendendo uma torre com 19 (dezanove) pisos e outra com 13 (treze) pisos, assentes sobre um pódio com 4 (quatro) pisos, incluindo o piso de cobertura”, com as áreas brutas de construção descritas na mesma cláusula.
Como se sabe, proceder ao aproveitamento do terreno concedido é uma das obrigações impostas ao concessionário, tal como resulta claramente do contrato de concessão, pelo que a utilização por um terceiro nunca pode ser considerado como aproveitamento do terreno estipulado no contrato.
Por outro lado, conforme a factualidade assente nos autos, o deferimento pelo Senhor STOP do requerimento apresentado pela sociedade Venetian Macau S.A. para utilização temporária do terreno foi feito com concordância prévia da concessionária ora recorrente.
E não resulta dos autos que a recorrente, pessoa sobre a qual decai sempre o dever de tomar iniciativa para aproveitamento do terreno concedido, requereu a cessação da utilização temporária do mesmo terreno por parte da sociedade Venetian Macau S.A., sendo que foi por despacho do Senhor Chefe do Executivo que determinou a cessação da situação.
Daí que não se pode admitir que o terreno já foi aproveitado.
Concluindo, não se verifica o vício imputado pela recorrente por não se detectar qualquer erro de julgamento quanto ao regime do contrato de concessão.

3.4. Vício de forma por violação do direito de audiência prévia
A imputação deste vício tem como ponto de partida a alegada aplicação efectiva do estatuto jurídico de concessão definitiva à concessão do terreno composto por 10 lotes, incluindo o lote 25 (A1/g), e a renovação automática da concessão em causa.
Tal como já foi atrás demonstrado, não se entende que a concessão em causa se tornou definitiva, não havendo lugar à invocada renovação automática.
Por outro lado, este Tribunal de Última Instância já teve várias ocasiões para se pronunciar sobre a questão ora colocada, tendo entendido que sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no art.º 93.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo3, entendimento este que é de manter.
Ao contrário dum acto praticado no exercício do poder discricionário, o acto tem conteúdo vinculado quando o decisor não tem margem de livre decisão, tendo o acto um único sentido possível.4
No caso ora em apreciação, afigura-se-nos que, face à falta de aproveitamento por parte da recorrente no prazo de 25 anos, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo objecto de impugnação, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade de concessão.
É de manter também a posição deste Tribunal de Última Instância, já anunciada em vários acórdãos em que se discute a questão sobre a natureza discricionária ou vinculativa do acto de declaração de caducidade.5
《No que respeita ao aproveitamento dos terrenos concedidos, o prazo e procedimento de aproveitamento dos terrenos concedidos são definidos no respectivo contrato de concessão (n.º 1 do artigo 104.º).
Se o contrato de concessão for omisso e quando o aproveitamento incluir, entre outros, a edificação de construções, devem ser observados os seguintes prazos máximos:
1) 90 dias a contar da data de publicação em Boletim Oficial do despacho que titula a concessão, para a apresentação do projecto de arquitectura;
2) 180 dias a contar da data de notificação da aprovação do projecto de arquitectura, para a apresentação de outros projectos de especialidades;
3) 60 dias a contar da data de notificação de aprovação dos projectos de especialidades, para a apresentação do pedido de emissão da licença de obras;
4) 15 dias a contar da data de emissão da licença de obras, para o início da obra;
5) O prazo estabelecido na licença de obras para a conclusão das mesmas (n.º 2 do artigo 104.º).
No caso dos autos, a partir da Revisão do Contrato operada a partir do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, publicado no Boletim Oficial, II Série, de 1 de Março de 2006, o prazo de aproveitamento do terreno concedido foi fixado em 96 meses a contar da data da publicação no Boletim Oficial do mencionado Despacho.
Mas manteve-se o prazo de concessão de 25 anos, que era, aliás, como actualmente, o máximo possível (n.os1 dos artigos 54.º e 47.º, respectivamente, das Leis de Terras, de 1980 e 2013) e que corria desde 26-12-1990, ao que parece a data da escritura pública do contrato (nos factos provados só se dá conta da publicação em Boletim Oficial do despacho do Secretário – a mencionada data - mas na síntese do acórdão recorrido diz-se que o prazo de 25 anos terminou a 26-12-2015).
Convém conhecer um preceito da maior importância, o n.º 5 do artigo 104:
“A requerimento do concessionário, o prazo de aproveitamento do terreno pode ser suspenso ou prorrogado por autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo”.
Nos termos da alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º as concessões provisórias ou as concessões definitivas em fase de reaproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano caducam, quando se verifique não conclusão do aproveitamento ou reaproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo de 150 dias previsto no n.º 3 do artigo 104.º, independentemente de ter sido aplicada ou não a multa.
A lei exige expressamente um acto administrativo que declare a caducidade das concessões. Na verdade, dispõe o artigo 167.º:
“Artigo 167.º
Declaração de caducidade
A caducidade das concessões, provisórias e definitivas, é declarada por despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial”.

Estamos, agora, em condições de extrair algumas conclusões do regime de caducidade das concessões provisórias e definitivas.
Já vimos que a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão, e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas. E que o prazo de concessão por arrendamento é fixado no respectivo contrato de concessão, não podendo exceder 25 anos.
A lei estabelece que as concessões provisórias não podem ser renovadas.
Assim, podemos concluir que decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato) o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas.
É essa a consequência de se esgotar um prazo, que não foi prorrogado, por a lei não admitir a prorrogação. Dispõe-se expressamente que o prazo máximo é de 25 anos.
Por outro lado, como vimos, a prova de aproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano faz-se mediante a apresentação pelo concessionário da licença de utilização (artigo 130.º). Feita a prova do aproveitamento, a concessão torna-se definitiva (artigo 131.º).
Quer isto dizer que o Chefe do Executivo declara a caducidade pelo decurso do prazo (25 anos, se outro não for o fixado no contrato) se o concessionário não tiver apresentado a licença de utilização do prédio, porque é mediante a apresentação desta licença que se faz a prova de aproveitamento de terreno urbano ou de interesse urbano.
E o Chefe do Executivo não tem que apurar se este incumprimento das cláusulas de aproveitamento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário. Isto é, não tem que apurar se a falta de aproveitamento se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
Por outro lado, nenhuma norma permite à Administração considerar suspenso o prazo de concessão provisória ou prorrogá-lo6.
Que o Chefe do Executivo, quando declara a caducidade pelo decurso do prazo por incumprimento das cláusulas de aproveitamento, não tem que apurar se este incumprimento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário, resulta da circunstância de o n.º 5 do artigo 104.º dispor que “A requerimento do concessionário, o prazo de aproveitamento do terreno pode ser suspenso ou prorrogado por autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo”.
Quer dizer, a propósito do prazo de aproveitamento do terreno (no caso, o prazo de 96 meses), a lei permite que, a requerimento do concessionário, o Chefe do Executivo autorize a prorrogação desse prazo ou que o mesmo se considere suspenso se considerar que o não aproveitamento do terreno não é imputável ao concessionário.
Mas relativamente ao decurso do prazo de 25 anos nenhuma norma permite que o Chefe do Executivo autorize a prorrogação desse prazo ou que o mesmo se considere suspenso, se considerar que o não aproveitamento do terreno não é imputável ao concessionário.
É exacto que a Lei de Terras não estatui expressamente que as prorrogações do prazo de aproveitamento só podem ser concedidas desde que, desse modo, não seja ultrapassado o prazo da concessão, sem prejuízo deste poder ser alterado até perfazer 25 anos. Mas isso resulta com toda a clareza da interpretação conjunta das normas já citadas. Afigura-se-nos que a razão pela qual a lei não teve necessidade de o dizer expressamente se deveu à circunstância de, sendo o prazo da concessão provisória de 25 anos (é o prazo máximo, mas é o prazo normalmente utilizado), não passou pela mente do legislador que, durante tal prazo, o terreno não tivesse, ainda, sido aproveitado (recorde-se que, normalmente, os prazos de aproveitamento rondam os 18 a 48 meses7, sendo o dos autos, de 96 meses, verdadeiramente raro). E, por isso, não se pode dizer que as Leis de Terras não sejam claras. Elas são claras, não podem é contar com o não cumprimento dos prazos e das condições contratuais, seja pela Administração, seja pelos concessionários ou com a menor eficiência na apreciação e na aprovação dos projectos, por parte da Administração Urbanística.
Por outro lado, ao contrário do que se defende nos autos, a renovação do prazo do arrendamento mencionada na cláusula 2.ª, n.º 2, do contrato (facto provado 3), que refere a possibilidade de o mesmo ser renovado até 19 de Dezembro de 2049, não é o da concessão provisória, que é a que está em causa nos autos, mas sim o das renovações definitivas, estabelecendo a Administração portuguesa (1990/91) o mencionado prazo, por ser o limite até ao qual o Governo da República Popular da China se obrigou a respeitar os contratos de concessão de terras legalmente celebrados antes do Estabelecimento da RAEM e a propriedade privada, de acordo com a Declaração Conjunta Luso-Chinesa, de 1987.》
Ora, expostas tais considerações, é de reafirmar que, ao praticar o acto impugnado, o Chefe do Executivo está a actuar no exercício dos poderes vinculados, sendo vinculado o acto praticado, pelo que não há de proceder à audiência prévia da recorrente.

3.5 Violação dos art.ºs 59.º e 86.º do CPA e erro no pressuposto de facto
Imputa a recorrente a ofensa ao princípio do inquisitório, a qual inquinou, por deficit de instrução, o próprio acto administrativo, alegando que a utilização do terreno por parte da sociedade Venetian Macau S.A., embora temporária, constitui uma alteração definitiva da finalidade previamente fixada; desde Maio de 2001, data da celebração do contrato em anexo ao Despacho do STOP n.º 43/2001, até 27 de Julho de 2015, foi impossível executar as obras de construção correspondentes ao aproveitamento previamente estabelecido na concessão; a finalidade previamente estabelecida na concessão tornou-se impossível por a Administração ter afectado o mesmo terreno, entre Agosto de 2002 e Fevereiro de 2013, à utilização como parque de estacionamento e centro de exposições; os elementos submetidos à apreciação da entidade recorrida não incluíram, designadamente, os factos pertinentes à alteração da finalidade e à afectação temporária do lote 25 (A1/g) para utilização como parque de estacionamento e Centro de Exposições, nem os elementos pertinentes aos demais lotes que integram, juntamente com aquele lote 25 (A1/g), a concessão titulada pelo contrato de 1990.
Ora, a utilização temporária do terreno por um terceiro não cumpriu, de modo nenhum, as cláusulas contratuais respeitantes ao aproveitamento e à finalidade do terreno em causa nem implica a alteração da finalidade previamente fixada no contrato.
E não se percebe muito bem a afirmação feita pela recorrente quanto à impossibilidade de executar, no período desde Maio de 2001 até 27 de Julho de 2015 (14 anos), as obras de construção conforme o estipulado no contrato, reparando que a utilização temporária do terreno pela sociedade Venetian Macau S.A. foi autorizada com a concordância da ora recorrente. Se a recorrente pretendesse aproveitar o terreno, cumprindo as suas obrigações impostas no contrato, bem poderia fazê-lo, tomando iniciativa, como deveria, em fazer cessar a situação de utilização por terceiro, pelo que não se admite a imputação eventual à Administração de qualquer responsabilidade sobre o incumprimento por parte da recorrente da finalidade previamente estabelecida na concessão.
Nos termos do art.º 86.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, o órgão competente para a decisão deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito.
É de dizer que só têm interesse os factos “cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento”, sobre os quais a Administração tem o dever de averiguação.
A “conveniência” do conhecimento de factos não deve ser interpretada numa visão restritiva, mas sim com uma extensão indiscriminada, englobando não apenas a justa decisão, mas também a decisão legal. O órgão tem que averiguar todos os factos pertinentes (convenientes) à decisão do fundo que o procedimento impõe.8
Compulsado o processo administrativo instrutor, constatam-se os elementos referentes à afectação temporária do lote 25 (A1/g) para utilização como parque de estacionamento e Centro de Exposições, por parte da sociedade Venetian Macau S.A.. Tais elementos foram considerados não só pela Administração como pelo Tribunal recorrido.
Quanto aos elementos respeitantes aos demais lotes que integram também a concessão titulada pelo contrato de 1990, não parecem relevantes para a decisão, face à autonomia do lote 25 (A1/g), acima já exposta, em relação à concessão global e aos restantes lotes.
Resumindo, não se verifica o vício de deficit de instrução nem erro no pressuposto de facto.

3.6. Outros vícios de violação de lei
Neste aspecto, a recorrente reitera a sua opinião sobre a violação das regras legais de interpretação dos contratos formais, o erro de julgamento e a violação das normas aplicáveis às concessões definitivas, designadamente a disciplina legal da renovação autónoma.
E já vimos que sobre tais vícios não assiste razão à recorrente.
Imputa ainda à Administração a violação de deveres acessórias de conduta impostos pelo princípio da boa fé, alegando que, se a Administração tivesse aprovado os projectos de fundações e de obra na altura em que concluiu a respectiva análise técnica, as obras de construção já estariam agora totalmente executadas e todo o terreno já estaria aproveitado na sua totalidade, com as finalidades previstas no contrato de concessão.
Ora, não se nos afigura pertinente a invocação da recorrente para a decisão sobre a legalidade do acto administrativo que declarou a caducidade de concessão do terreno por decurso do prazo de concessão, que é um acto vinculado, estando a Administração vinculada a declarar a respectiva caducidade. É esta a posição que tem sido assumida pelo Tribunal de Última Instância.9
Improcede o argumento da recorrente.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 12 UC.

Macau, 31 de Julho de 2018

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Chan Tsz King

1 Cf. Ac.s do TUI, de 22 de Novembro de 2017, no Proc. n.º 39/2017 e de 7 de Março de 2018, no Proc. n.º 1/2018.
2 Neste sentido, cfr. Ac.s do Tribunal de Última Instância, de 23 de Maio de 2018, Proc. n.º 7/2018 e de 6 de Junho de 2018, Proc. n.º 43/2018.
3 Cfr. Acórdãos do TUI, de 25 de Julho de 2012, Proc. n.o 48/2012; de 25 de Abril de 2012, Proc. n.o 11/2012; de 23 de Maio de 2018, Proc. n.o 7/2018 e de 6 de Junho de 2018, Proc. n.o 43/2018.
4 Viriato Lima e Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2015, p. 310.
5 Cfr. Acórdãos do TUI, de 11 de Outubro de 2017, Proc. n.o 28/2017; de 23 de Maio de 2018, Proc. n.o 7/2018; de 6 de Junho de 2018, Proc. n.o 43/2018.
6 Salvo, evidentemente, quando o prazo da concessão for inferior a 25 anos (de que não conhecemos nenhuma situação), caso em que pode ser prorrogado até perfazer o prazo de 25 anos, que é o prazo máximo da concessão por arrendamento, nos termos do n.º 1 do artigo 47.º.
7 42 meses, no caso do Processo n.º 1/2018, 36 meses no caso do Processo n.º 28/2017, 18 meses no caso do Processo n.º 81/2016, para referir prazo de concessões em recursos jurisdicionais que correram neste TUI.
8 Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, p. 462.
9 Cfr. Acórdãos do TUI, de 11 de Outubro de 2017, Proc. n.o 28/2017; de 23 de Maio de 2018, Proc. n.o 7/2018 e de 6 de Junho de 2018, Proc. n.o 43/2018.
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37
Processo n.º 13/2018