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 ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
   
1. Relatório
CESL ÁSIA – Investimentos e Serviços, S.A. e Focus Aqua, Limitada, melhor identificadas nos autos, interpuseram recurso contencioso de anulação do acto do Chefe do Executivo da RAEM, de 22 de Setembro de 2016, que autorizou a adjudicação dos serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau” ao Consórcio BEWG-WATELEAU.
Por Acórdão proferido em 25 de Janeiro de 2018, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso, mantendo o acto administrativo impugnado.
Inconformadas, vêm agora CESL ÁSIA – Investimentos e Serviços, S.A. e Focus Aqua, Limitada interpor recurso para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. As Recorrentes interpuseram recurso contencioso de anulação e ofereceram alegações facultativas no processo à margem cotado, pugnando pela ilegalidade do despacho do Chefe do Executivo, de 22 de Setembro de 2016 exarado na Proposta 300/CGIA/2016 de 5 de Agosto de 2016, que adjudicou o contrato dos serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau” ao Consórcio BEWG-WATERLEAU;
2. Por as Recorrentes não se conformarem com o entendimento do Tribunal a quo, que decidiu manter a decisão recorrida, interpõem o presente recurso jurisdicional, que tem por fundamento, nos termos do artigo 152.º do CPAC, a violação e errada aplicação de lei substantiva e a nulidade do acórdão recorrido;
3. As Recorrentes defendem no recurso contencioso que o anúncio de abertura e os pontos 6.2 e 6.3 do Programa do Concurso público para a prestação dos serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau” de 2016, ora em causa, violam os princípios da legalidade, igualdade, imparcialidade, concorrência e boa fé, inscrito nos artigos 3.º, 5.º, 7.º e 8.º do CPA, e foram elaborados de forma a impedir a avaliação da experiência da primeira Recorrente e a das suas sociedades subsidiárias;
4. Com os novos critérios de qualificação para o concurso público de 2016 pretendeu-se, claramente, excluir a participação da primeira Recorrente, que foi a prestadora e assegurou os serviços de operação e manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais (“ETAR”) de Macau nos anteriores 5 anos, enquanto líder e única sociedade local do Consórcio, tendo sido a sua experiência e a da sua subsidiária (CEI – Companhia de Engenharia e Investimento – Tratamento de Águas, Limitada) que relevou para a adjudicação desses serviços;
5. É possível no âmbito do recurso contencioso do acto de adjudicação do concurso que preteriu as Recorrentes, suscitar ou conhecer oficiosamente da ilegalidade das normas regulamentares – nos termos indicados pelo Tribunal de Última Instância, no Acórdão n.º 20/2017, proferido em 21 de Julho de 2017 e no Acórdão n.º 28/2006, proferido em 18 de Julho de 2007;
6. Solução que é pacífica e que satisfaz integralmente as pretensões das Recorrentes, já que, verificada a ilegalidade das normas mencionadas, embora as mesmas não desapareçam da ordem jurídica, são fundamento para anular o acto de adjudicação.
7. O princípio que rege o concurso público é o da maior abertura no procedimento de contratação, sendo deste modo ilegítimas todas as disposições que restrinjam a concorrência, impondo requisitos que transformem o concurso em limitado ou mesmo em ajuste directo;
8. Criar condições de qualificação de concorrentes com o exclusivo propósito de excluir o anterior prestador de serviços, é claramente atentatório dos referidos princípios, bem como das regras de estabilidade e razoabilidade que vinculam a Administração Pública no exercício dos seus poderes discricionários;
9. Com os requisitos de qualificação estabelecidos nos pontos 6.2 e 6.3 do Programa do Concurso, que se reputam de ilegais, só as duas sociedades locais prestadoras, àquela data, dos serviços de operação e manutenção das Estações de Tratamento de Águas Residuais da Taipa, do Aeroporto Internacional de Macau, do Parque Industrial Transfronteiriço de Macau e de Coloane é que podiam candidatar-se ao concurso;
10. Importa referir que até 30 de Setembro de 2011 a operação e manutenção da ETAR foi assegurada pela Engenharia Hidráulica de Macau Limitada;
11. Supostamente a capacidade original de tratamento de águas residuais do projecto original da ETAR, concebido pela Engenharia Hidráulica de Macau Limitada a pedido do Governo de Macau, deveria atingir os 144.000 m3/dia, tal como ficou a constar do Programa do Concurso Público, aberto em 31 de Março de 2010, para a “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”;
12. Defender que a Administração não é responsável pelas informações que presta para a formação de um contrato redunda na violação do princípio da boa-fé, na vertente da confiança suscitada na contraparte, de acordo com o previsto no artigo 8.º, n.º 2, al. c) do CPA;
13. Certo é que, desde o início das operações na ETAR, que a primeira Recorrente comunicou à entidade adjudicante que a capacidade de tratamento de águas residuais da ETAR era muito inferior à referida no Programa do Concurso de 2010 e que não era possível tratar o volume de esgoto como especificado, nem restaurar uma capacidade de tratamento que nunca existiu;
14. Acresce que a primeira Recorrente tratou de verificar junto de instituições idóneas, se as suas conclusões quanto à capacidade de tratamento da instalação estariam correctas e, em consequência, enviou à DSPA três Relatórios técnicos de avaliação da ETAR, realizados pela Beijing Guohuan Tsinghua Environmental Engineering Design & Research Institute Co., Ltd., em Novembro de 2013, pela China Northeast Municipal Engineering Design and Research Institute, em Julho de 2015 e pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, em Setembro de 2015, e concluiu-se que a capacidade de tratamento de águas residuais prevista no Caderno de Encargos de 2010 estava completamente errada e que a capacidade real é cerca de metade da que foi atestada pela DSPA para o Concurso Público de 2010;
15. A primeira Recorrente informou a DSPA, desde que iniciou a prestação de serviços na ETAR de Macau, em 7 de Novembro de 2013, que era impossível atingir a dita capacidade original de tratamento de águas residuais da ETAR, sem que fossem realizadas obras estruturais na ETAR que permitissem atingir essa capacidade;
16. Durante os cinco anos de duração daquele contrato que terminou em 30 de Setembro de 2016, a ora primeira Recorrente tornou-se incómoda para os responsáveis e consultores da Administração, precisamente por demonstrar que a capacidade da ETAR, os documentos e as exigências da DSPA estavam em total desconformidade com a realidade dos factos e por colocar em causa a operação da ETAR nos últimos vinte anos;
17. O dissídio entre a DSPA e a primeira Recorrente e suas consorciadas sobre a capacidade de tratamento de águas residuais da ETAR culminou com uma reunião, realizada em 30 de Outubro de 2015, durante a qual aquela Direcção ameaçou a aplicação de uma multa de MOP3,500,000 por não ter sido restaurada a capacidade de tratamento de 144.000 m3/dia, e solicitou que as empresas consorciadas se comprometessem a não participar no presente concurso público, pedido que a Recorrente recusou;
18. Acresce que a primeira Recorrente juntou aos autos, em 7 de Julho de 2017, a Certidão n.º 004/DSPA/2017, emitida pela DSPA, em 10/3/2017, do Relatório n.º 505/CGIA/2015, de 10/12/2015, onde se constata, claramente, que a DSPA quis impedir todas as consorciadas incluindo a Tong Fang, (ao contrário da conclusão que o Digno Magistrado deixou expressa no douto parecer acolhido pelo Tribunal a quo) de participarem num novo concurso para a modernização, operação e manutenção da ETAR;
19. Nesse Relatório é mencionado que deve ser assinado um acordo, de onde conste a palavra “multa”, que impeça o Consórcio, ou qualquer dos seus membros de participar num concurso público para o mesmo objecto;
20. Foi a recusa da primeira Recorrente em assinar o compromisso de não participar no concurso que originou a decisão da DSPA de elaborar os supra referidos critérios de qualificação dos concorrentes, com os quais se pretendeu impedir a sua participação, em clara violação dos princípios da igualdade, imparcialidade, concorrência e boa-fé;
21. Note-se, como ficou provado, o Relatório de Avaliação da capacidade de tratamento de águas residuais elaborado pela AECOM, em 15 de Julho de 2015, concluiu que a ETAR não tem uma capacidade de tratamento de águas residuais de 144.000 m3/dia, sendo que o Relatório da AECOM aponta no sentido de só poder atingir, no limite, 87.000 m3/dia;
22. Independentemente das diferenças nos critérios de avaliação e conclusões retiradas pelas quatro entidades que elaboraram os Relatórios de avaliação, o certo é que todas elas avaliaram a performance da ETAR em cerca de metade da alegada capacidade de tratamento de 144.000m3/dia;
23. Como a DSPA ocultou e negou o acesso ao Relatório elaborado por aquela entidade, a primeira Recorrente requereu na Acção para Prestação de Informação, que correu termos no Tribunal Administrativo sob o n.º 267/16-PICPPC, a passagem de certidão de teor integral do Relatório de avaliação da capacidade de tratamento de águas residuais da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau;
24. Face à certidão emitida é fácil concluir que, à data da reunião de 30 de Outubro de 2015, já a DSPA conhecia as incapacidades e insuficiências estruturais da ETAR, que existem desde a data da sua construção em 1993, tal como resulta dos factos provados no acórdão recorrido;
25. A DSPA não quis facultar ao consórcio e à primeira Recorrente o Relatório da AECOM que encomendou, porque este confirma que a ETAR nunca teve a capacidade de tratamento de 144.000 m3/dia e conclui não existir qualquer operação deficiente ou manutenção por fazer e que as limitações da capacidade de tratamento da ETAR se devem a defeitos de concepção;
26. Como tal, é manifesto que a Administração adoptou uma postura que contraria o estatuído no artigo 8.º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”), ou seja, que viola as regras da boa fé em todas as formas e fases do exercício da actividade administrativa;
27. Por tudo isto, desapareceu do Programa do Concurso de 2016 a exigência de restaurar o caudal de tratamento de águas residuais para a alegada capacidade original de 144.000 m3/dia;
28. No concurso público a que respeita a adjudicação (que o Tribunal a quo refere não padecer dos vícios apontados), para uma prestação de serviços de apenas dois anos e com exigências técnicas inferiores, foram escolhidos requisitos de qualificação mais limitativos do que os exigidos no anterior concurso público de 2010 para a prestação de serviços na mesma ETAR, que foram assegurados pela primeira Recorrente, e em que estavam em causa serviços de maior complexidade e com uma duração de cinco anos;
29. Face aos factos provados, as Recorrentes não entendem como pode o douto acórdão recorrido defender a legalidade de uma cláusula que valoriza duas experiências de dois anos, para um contrato de apenas dois anos de duração, e não valoriza a experiência de cinco anos da primeira Recorrente na mesma ETAR em que vão ser prestados os mesmos serviços;
30. Isto quando se sabe que foi a experiência da primeira Recorrente que determinou a anterior adjudicação no Concurso Público de 2010;
31. Afirma o Digno Magistrado do Ministério Público no parecer que o Tribunal recorrido acolhe para todos os efeitos, que “É natural que, à medida que os conhecimentos e as técnicas vão evoluindo, numa área que se pode considerar relativamente recente, como é o tratamento de águas residuais, as exigências se vão tornando paulatinamente maiores e diversas”;
32. Afirmação que não é suportada por qualquer facto científico e está diametralmente em oposição com os factos dados como provados;
33. O que está em causa no Concurso Público de 2016 é a operação de uma ETAR com uma tecnologia com mais de 20 anos, onde só se espera o tratamento de 70.000m3/dia, ficando ao critério do operador e da entidade fiscalizadora decidir quanto à qualidade e quantidade de águas residuais a tratar, tal como consta dos esclarecimentos prestados aos concorrentes;
34. Entende o Tribunal recorrido que é na escolha dessas exigências do Concurso que verdadeiramente começa a defesa do interesse público;
35. Contudo a obrigação de prosseguir o interesse público implica o dever de escolher as melhores soluções do ponto de vista técnico e financeiro para o tratamento dos esgotos da Península Macau e não o recurso a critérios que se destinam somente a condicionar a possibilidade de candidatura e interferem com os critérios de avaliação das propostas, sem qualquer razão que o justifique;
36. O comportamento da Administração verificado na reunião de 30 de Outubro de 2015 e no supra mencionado Relatório n.º 505/CGIA/2015, é manifesta prova de má fé e de desvio de poder, porque a Administração quis prejudicar os interesses comerciais da primeira Recorrente e impedi-la de obter sucesso com a sua proposta;
37. É manifesto que não houve nenhuma sugestão para as consorciadas não se apresentarem a novo concurso, o que existiu foi uma ameaça de aplicação de várias multas, cujo valor foi limitado a MOP3,500,000, se não assinassem um compromisso escrito de não participarem num novo concurso, conforme consta da acta da reunião e do Relatório n.º 505/CGIA/2015;
38. Ao dizer que “não há coincidência, quer em objectivos, quer em duração, entre os concursos de 2010 e 2016, o que também pode justificar o recurso a critérios e requisitos diversos”, é, em face do que consta dos factos e do acima exposto, aceitar que há razões que a razão não tem que entender;
39. Face aos factos provados, é evidente que a Administração definiu as regras do Concurso Público de 2016 exclusivamente com a intenção de não permitir a participação da primeira Recorrente e das suas subsidiárias;
40. Ninguém pode ser impedido de deduzir ou de apresentar a sua candidatura em procedimento concursal se este se mostrar disciplinado ou assente em exigências arbitrárias, desrazoáveis que condicionam e interferem sem qualquer justificação os critérios de avaliação, como é o caso dos autos;
41. A decisão ora recorrida, ao sufragar o acto de adjudicação que assentou em critérios ilegais, viola a lei, sendo que a violação de lei existe sempre que são infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios da igualdade, imparcialidade e justiça;
42. Determina o artigo 571.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, que é nula a sentença quando os fundamentos estão em oposição com a decisão, vício que ocorre no acórdão recorrido, pois o Tribunal subscreveu na parte decisória integralmente, e para todos os efeitos, o parecer do Ministério Público, que concluiu em sentido oposto aos factos provados;
43. Entendem também as Recorrentes que não pode ser permitida a participação em concursos públicos de sociedades que beneficiaram de adjudicações de prestações de serviços, em Estações de Tratamento de Águas Residuais da RAEM, por via da prática de crimes de corrupção;
44. A experiência resultante de serviços adjudicados ilicitamente está comprometida e não pode ser valorada, sob pena de serem violados os princípios da legalidade, da igualdade, da imparcialidade e da boa-fé, nos artigos 3.º, 5.º, 7.º e 8.º do CPA;
45. O Digno Magistrado do Ministério Público afirma, erradamente, que “no concurso não intervieram quer a sociedade ‘Waterleau Global Water Technology N.V.’, quer o seu sócio condenado em Macau, nenhum deles fazendo parte da concorrente ‘Waterleau Group’”;
46. Conclusão que está, obviamente, em oposição com os factos dados como provados, pois a Waterleau Group esclareceu que mudou a denominação anterior Waterleau Global Water Technology N.V., pelo que deverá ser anulada a decisão recorrida, porquanto remete para uma errada apreciação e conclusão do Digno Magistrado do Ministério Público – nos termos do artigo 571.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º do CPAC;
47. Tanto o Tribunal de Última Instância, no Acórdão proferido, em 31 de Maio de 2012, no Proc. n.º 37/2011, como depois o Tribunal Judicial de Base, no Acórdão proferido, em 14 de Março de 2014, no Proc. n.º CR1-12-0131-PCC, consideraram que o ex-Secretário Ao Man Long e o fundador da multinacional Waterleau, Luc A. Vriens, praticaram 3 crimes de corrupção, respectivamente passiva e activa, para actos ilícitos i) no contrato de “Concepção/Construção, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais do Posto Transfronteiriço de Macau” e suas obras adicionais (isto é, obras adicionais destinadas ao melhoramento da qualidade de drenagem das águas residuais); ii) no contrato de “Concepção e Construção da 2.ª Fase da Estação de Tratamento de Águas Residuais do Posto Transfronteiriço de Macau”; e iii) no contrato de manutenção no contrato de “Concepção e Construção da 2.ª Fase da Estação de Tratamento de Águas Residuais de Coloane”;
48. Determina o artigo 122.º, n.º 2, al. h) do CPA que são nulos os actos que ofendam os casos julgados, como tal, ignorar que uma concorrente esteve envolvida e beneficiou de actos de corrupção, que foram objecto de decisões judiciais dos mais altos Tribunais de Macau, traduz-se numa flagrante ilegalidade, necessariamente conducente a que se declare essa nulidade, o que desde já se requer a esse Venerando Tribunal;
49. Assim, ao admitir a concurso e adjudicar a prestação dos serviços a um consórcio de que faz parte a Waterleau Group, foram também violados os princípios da legalidade, da igualdade, da imparcialidade e da boa fé, previstos, respectivamente, nos artigos 3.º, 5.º, 7.º e 8.º do Código de Procedimento Administrativo;
50. Por outro lado, é manifesto que a experiência de cinco anos da primeira Recorrente CESL ÁSIA - Investimentos e Serviços, S.A., na operação e manutenção da ETAR de Macau que é objecto do concurso público a que respeita o acto recorrido, excede o total de quatro anos de experiência operação e manutenção de uma ETAR com uma capacidade de tratamento projectada de 50.000m3 que a entidade adjudicante exige na cláusula 6.2 do Programa do Concurso;
51. Não faz sentido que os cinco anos de experiência da primeira Recorrente, a prestar precisamente os serviços de operação e manutenção na ETAR que é objecto do concurso público, valham menos do que dois serviços que individualmente ou em conjunto têm menor duração;
52. Os requisitos de acesso ao procedimento não devem ser definidos de tal maneira (vg., por referência ao número serviços iguais já prestados) que resultem numa limitação desproporcionada do mercado com capacidade para participar nesse procedimento, para mais quando se trata de um contrato com a duração de dois anos;
53. O princípio da boa fé, na sua vertente da tutela da confiança, impede que a Administração altere injustificadamente o seu critério, formule novas exigências desnecessárias e desproporcionadas em relação aos fins a que se destinam, em estrita vinculação ao princípio da legalidade e da prossecução do interesse público.
54. Pelo que a Comissão de Avaliação de Propostas deveria ter considerado que a experiência de serviços relacionados com a operação e manutenção da ETAR que constam da lista de experiências da CESL ÁSIA - Investimentos e Serviços, S.A. era adequada e suficiente para a prestação dos mesmos serviços na mesma ETAR, com menor exigência técnica e curta duração, pois condições desnecessárias e desproporcionadas violam a lei;
55. Ao eliminar o consórcio CESL ÁSIA - Investimentos e Serviços, S.A. - FOCUS AQUA, LIMITADA foram violados os princípios da legalidade, da igualdade, da imparcialidade e da boa-fé, previstos, respectivamente, nos artigos 3.º, 5.º, 7.º e 8.º do CPA;
56. Nestes termos, o acórdão recorrido está ferido de ilegalidade nos termos dos artigos 122.º, n.º 1, e n.º 2 al. h) e 124.º do CPA e artigo 21.º, n.º 1, al d) do CPAC, sendo igualmente nulo por os fundamentos estarem em oposição com a decisão, nos termos do artigo 571.º, n.º 1, al c) do Código de Processo Civil.

Não contra-alegou a entidade recorrida.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que não merece provimento o recurso jurisdicional.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos
Nos autos foram considerados provados os seguintes factos:
1 - O Chefe do Executivo, autorizou, por despacho de 2 de Fevereiro de 2016, exarado na Proposta 016/CGIA/2016, de 06/01/2016, da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental, a abertura do concurso público para a prestação de serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”, conforme anúncio publicado no Boletim Oficial da RAEM, n.º 16, II, de 20/04/2016 (doc. 10 junto com a pi).
2 - O Secretário para os Transportes e Obras Públicas aprovou, por despacho de 29/3/2016, exarado na Proposta n.º 111/CGIA/2016, de 23/03/2016, da mesma Direcção de Serviços, ao abrigo da competência delegada pela Ordem Executiva n.º 113/2014 (publicada em número extraordinário da I Série, do Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, de 20 de Dezembro de 2014), os respectivos programa do concurso, caderno de encargos e outras peças procedimentais relevantes (Documento n.º 1 junto pela entidade Recorrida na contestação ao pedido de suspensão de eficácia, Proc. n.º 385/2016/A, por apenso aos autos de recurso contencioso, Proc.º 385/2016, e também documento original constante do processo administrativo junto com a contestação aos autos de recurso contencioso, em que é Recorrido o Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Proc. n.º 462/2016, ambos instaurados neste TSI).
3 - É exigido, na cláusula 6 do programa do concurso, como requisitos de qualificação dos concorrentes, o seguinte:
“6.1 Para poderem participar neste concurso público, os concorrentes devem ser sociedades estabelecidas e registadas na RAEM, cuja natureza comercial deve estar relacionada com o tratamento de águas residuais. A sede e os principais departamentos administrativos devem estar localizados na RAEM, sem prejuízo do disposto na cláusula 6.5. Os concorrentes também podem ser um consórcio de sociedades.
6.2 Os concorrentes devem possuir as seguintes experiências (só é reconhecida a experiência provada com o originais ou pública-forma do contrato ou documento comprovativo equivalente apresentado pelo concorrente):
Experiência relacionada com a O&M de instalações de tratamento de águas residuais: dois serviços, pelo menos, relacionados com a O&M de instalações de tratamento de águas residuais, terminados ou em curso, nos últimos 10 anos, contados da publicação do anúncio do concurso. As instalações de tratamento de águas residuais acima mencionadas devem ter adoptado um tratamento secundário e métodos biológicos para remoção de poluentes em águas residuais, com uma capacidade de tratamento projectada não inferior a 50.000 m3 por dia, tendo cada uma das experiências acima mencionadas sido executada por um período de, pelo menos, 2 anos até à data da publicação do anúncio do concurso.
6.3 A experiência mencionada na cláusula 6.2 deve estar em conformidade com um dos seguintes requisitos:
a) Se os concorrentes forem sociedades, as experiências mencionadas na cláusula 6.2 devem ter sido obtidas directamente pelos concorrentes; ou
b) Se os concorrentes participarem no concurso sob a forma de consórcio, as experiências mencionadas no ponto 6.2 devem ter sido adquiridas directamente por uma das sociedades do consórcio que possua, no mínimo, 40% da quota do consórcio.
6.4 Os concorrentes devem submeter a “Declaração sobre a Qualificação do Concorrente” reconhecida notarialmente (vide o anexo IV).
6.5 A entidade que preside ao Concurso pode aceitar, também, os concorrentes que satisfaçam os requisitos estipulados nas cláusulas 6.2 e 6.3, no entanto, se lhe for finalmente adjudicada a prestação de serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau” deve satisfazer os requisitos estabelecidos na cláusula 6.1 até à data de celebração do contrato.
6.6 Se o respectivo concorrente não conseguir satisfazer os requisitos da cláusula 6.1 até à data da celebração do contrato, a entidade adjudicante tem o direito de cancelar a adjudicação da prestação de serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”, sem prejuízo do disposto na cláusula 2.5 das “III.1. Cláusulas Gerais” do “III Caderno de Encargos” do Processo do Concurso.” – (fls. 000020 e 000021 do doc. n.º 7, junto com a pi).
4 - Em 2 de Junho de 2016, a ora Recorrente CESL ÁSIA - INVESTIMENTOS E SERVIÇOS, S.A. deu entrada nesse TSI de procedimento cautelar de suspensão de eficácia do acto do Chefe do Executivo referido no artigo 1.º, o qual deu origem aos Autos de Suspensão de Eficácia, Proc.º 385/2016/A.
5 - Em 6 de Junho de 2016, a Recorrente CESL ÁSIA - INVESTIMENTOS E SERVIÇOS, S.A., em consórcio com a FOCUS AQUA, LIMITADA, entregou uma proposta para admissão ao dito concurso para a prestação de serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”.
6 - O acto público de abertura das propostas ao concurso público para a prestação de serviços, aprazado para as 9 horas e 30 minutos do dia 7 de Junho de 2016, nas instalações da sede da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental, “foi cancelado por motivos relacionados com procedimentos preventivos e conservatórios de suspensão de eficácia em curso, junto do tribunal administrativo competente”, conforme Aviso datado de 7 de Junho de 2016 do Director (documento n.º 2 junto com a contestação da entidade recorrida).
7 - Em 22 de Junho de 2016, pelas 9 horas e 30 minutos, teve lugar o acto público de abertura das propostas do concurso para a prestação de serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”, anteriormente cancelado (doc. nº 11 junto com a pi).
8 - Durante o acto público, a proposta do consórcio formado pelas Recorrentes, CESL ÁSIA - INVESTIMENTOS E SERVIÇOS, S.A. e FOCUS AQUA, LIMITADA, foi admitida ao concurso, tal como as restantes três propostas, conforme consta de cópia da acta da comissão de abertura das propostas.
9 - Em 5 de Julho de 2016, a Comissão de Avaliação das Propostas deu por concluída a avaliação e elaborou o Relatório de Avaliação, conforme documento anexo à Proposta n.º 300/CGIA/2016, de 05/08/2016 (doc. n.º 1 junto com a pi).
10 - Em 5 de Agosto de 2016 e na posse do Relatório de Avaliação das Propostas elaborado pela Comissão de Avaliação das Propostas, o Centro de Gestão de Infraestruturas Ambientais da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental redige a Proposta n.º 300/CGIA/2016, onde se propõe a adjudicação ao concorrente BEWG-WATERLEAU, em consórcio, da prestação de serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”, de acordo com as conclusões (n.º 6) do referido Relatório de Avaliação.
11 - A Proposta n.º 300/CGIA/2016 foi enviada à entidade ora Recorrida, para tomada de decisão em 12 de Setembro de 2016.
12 - Em 22 de Setembro de 2016, a entidade Recorrida exarou o despacho de “Autorizo” na Proposta n.º 300/CGIA/2016, de 5 de Agosto de 2016, da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental – (documento fls. 44 dos autos).
13 - No anterior concurso público internacional aberto em 31 de Março de 2010, a prestação dos serviços de “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”, foi adjudicada ao Consórcio denominado CESL ÁSIA - INVESTIMENTOS E SERVIÇOS, S.A., INDAQUA - INDÚSTRIA E GESTÃO DE ÁGUAS, S.A. e TSING HUA TONG FANG CO., Ltd., liderado pela 1ª primeira recorrente, e cujo contrato com uma duração de cinco anos terminou em 30 de Setembro de 2016 (doc. n.º 12 junto com a pi.).
14 - A cláusula 6 do programa desse concurso tinha o seguinte teor:
“6.1 (...)
6.2 O objecto comercial do Concorrente estará relacionado com o Projecto, Construção, Operação e Manutenção de Estações de Tratamento de Águas Residuais.
6.3 Se o concorrente for uma sociedade, possuirá, pelo menos dez anos de experiência relevante em instalações de águas residuais. A experiência mencionada deve ser directa ou obtida através de sociedade subsidiária em que o concorrente seja maioritário (...).
6.4 No caso de o Concorrente ser um Consórcio, pelo menos uma das sociedades que formam o Consórcio, satisfará os requisitos indicados nas cláusulas 6.2 e 6.3 acima e, também, a sociedade que satisfaz os requisitos indicados na Cláusula 6.3 deterá pelo menos 30% do Consórcio.” (doc. n.º 8, junto com a pi).
15 - Até 30 de Setembro de 2011 a operação e manutenção da ETAR foi assegurada pela “Engenharia Hidráulica de Macau Limitada”, pois o contrato de operação e manutenção da ETAR, que deveria ter terminado em 30 de Setembro de 2010, foi renovado com a Engenharia Hidráulica, Limitada por mais um ano.
16 - A “Engenharia Hidráulica de Macau Limitada”, para além de prestadora dos serviços de operação e manutenção, foi também a responsável pela concepção e pela construção da ETAR - conforme consta dos contratos de construção das fases líquidas e sólidas da ETAR, publicados no Boletim Oficial n.º 19, de 10 de Maio de 1993, e n.º 46, de 17 de Novembro de 1993 (Docs. n.ºs 13 a 15, juntos com a pi).
17 - Em 21 de Novembro de 2011, a primeira recorrente enviou um relatório (Ref. CAL/DC/027/11) dando nota da insuficiência das instalações para a pretendida capacidade de tratamento de águas residuais (doc. n.º 18 junto com a pi).
18 - Em 16 de Setembro de 2013, a DSPA, por ofício n.º 3257/468/CGIA/2013, insistiu que tinha de ser concluído o processo de restauração da alegada capacidade original de tratamento de águas residuais da ETAR (doc. n.º 19, junto com a pi).
19 - Em resposta ao ofício acima referido, o Consórcio reiterou à DSPA a impossibilidade de atingir a dita capacidade original de tratamento de águas residuais da ETAR, sem que fossem realizadas obras estruturais na ETAR que permitissem atingir essa capacidade (doc. n.º 20, junto com a pi).
20 - Em 7 de Novembro de 2013, o Consórcio enviou uma comunicação (Ref. CAL/KL/070/13), referindo ser impraticável, nas condições existentes, atingir a pretendida e suposta capacidade original de tratamento de águas residuais da ETAR e que a capacidade real de tratamento de águas residuais da ETAR era bastante inferior à alegada capacidade diária de tratamento de águas residuais que foi registada no programa do concurso (Doc. n.º 21 junto com a pi).
21 - A primeira recorrente tratou de verificar junto de terceiras entidades idóneas, se as suas conclusões quanto à capacidade de tratamento da instalação estariam correctas e, em consequência, enviou à DSPA três relatórios técnicos de avaliação da ETAR, realizados pela Beijing Guohuan Tsinghua Environmental Engineering Design & Research Institute Co., Ltd., em Novembro de 2013 (conforme Doc. n.º 22 e 23, juntos com a pi); pela China Northeast Municipal Engineering Design and Research Institute, em Julho de 2015 – (conforme Doc. n.º 24, junto com a pi); e pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, em Setembro de 2015 (conforme Doc. n.º 25, junto com a pi).
22 - No dia 30 de Outubro de 2015 teve lugar uma reunião entre a DSPA e a primeira recorrente e suas consorciadas sobre a capacidade de tratamento de águas residuais da ETAR culminou com uma reunião, durante a qual aquela Direcção solicitou que as empresas consorciadas se comprometessem a não participar no presente concurso público, pedido que a recorrente recusou – conforme consta expressamente do Doc. n.º 26, junto com a pi.
23 - A Recorrente, para além da prestação de serviços na ETAR de Macau, foi também adjudicatária dos serviços de operação e manutenção da ETAR da Taipa desde 1 Dezembro de 1999 até 30 de Novembro de 2002 e da ETAR de Coloane desde Abril de 1999 até 30 de Novembro de 2002 (Doc. n.º 27 e 28, juntos com a p.i.).
24 - Por sua vez, a CEI - Companhia de Engenharia e Investimento - Tratamento de Águas, Limitada, sociedade subsidiária da recorrente foi adjudicatária dos serviços de operação e manutenção da ETAR da Taipa por um prazo de três anos desde 1 de Dezembro de 2002 (conforme Docs. n.ºs 29 e 30, juntos com a p.i.).
25 - A entidade adjudicante decidiu contratar em 2014 uma entidade independente, a AECOM, para proceder e realizar uma avaliação da capacidade da ETAR de Macau.
26 - Como a DSPA negou sempre o acesso ao Relatório elaborado por aquela entidade, a primeira recorrente requereu na Acção para Prestação de Informação, que correu termos no Tribunal Administrativo sob o n.º 267/16-PICPPC, a passagem de certidão de teor integral do Relatório de avaliação da capacidade de tratamento de águas residuais da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau.
27 - O Tribunal Administrativo determinou à DSPA a passagem de certidão do Relatório final da AECOM com a avaliação da capacidade de tratamento de águas residuais da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau (conforme consta dos Docs. n.ºs 31 e 32, juntos com a pi).
28 - O Relatório de Avaliação da capacidade de tratamento de águas residuais elaborado pela AECOM, em 15 de Julho de 2015, concluiu que a ETAR não tem uma capacidade de tratamento de águas residuais de 144.000 m3/dia, sendo que o relatório da AECOM aponta no sentido de só poder atingir, no limite, 87.000 m3/dia (conforme 4.3.4.3 fls. 000043 e 5.3.2.7 (d) fls. 000051 do Doc. n.º 32).
29 - Face às manifestas insuficiências da ETAR e ao previsível aumento do fluxo de águas residuais nos próximos anos, a AECOM recomenda que após a modernização da ETAR, conforme foi objecto de discussão em diversas reuniões realizadas entre Junho e Agosto de 2014, a sua capacidade seja, pelo menos, de 210.000 m3/dia (conforme fls. 000057 do Doc. n.º 32 junto com a pi).
30 - A Waterleau Global Water Technology N.V., sociedade constituída e com sede na Bélgica, onde funcionam os seus serviços administrativos, que presentemente utiliza a denominação Waterleau Group, e que compõe o actual consórcio adjudicatário (conforme consta dos esclarecimentos prestados a fls. 0082 e 0085 do Doc. n.º 1), é a operadora da ETAR da Taipa e do Aeroporto de Macau e, em consórcio com a ATAL Engineering Limited, prestou renovados serviços de operação e manutenção da ETAR do Parque Industrial Transfronteiriço de Macau, com dispensa de concurso Público (conforme Doc. n.º 35 a 40, juntos com a pi).
31 - Luc A. Vriens, director da “Waterleau Macau, Lda.”, empresário fundador do Grupo Waterleau, de que faz parte a Waterleau Global Water Technology N.V., que agora mudou a sua denominação para Waterleau Group (conforme consta dos esclarecimentos prestados a fls. 0082 e 0085 do Doc. n.º 1), e a ATAL Engineering Limited foram objecto da reprovação do Tribunal de Última Instância que, no Acórdão n.º 37/2011, proferido em 31 de Maio de 2012, considerou que os contratos de concepção e construção da 2.ª Fase da Estação de Tratamento de Águas Residuais de Coloane e de concepção, construção, operação e manutenção na Estação de Tratamento de Águas Residuais do Posto Transfronteiriço resultaram de actos de corrupção.
32 - Tanto o Tribunal de Última Instância, no Acórdão proferido, em 31 de Maio de 2012, no Proc. n.º 37/2011, como depois o Tribunal Judicial de Base, no Acórdão proferido, em 14 de Março de 2014, no Proc. n.º CR1-12-0131-PCC, consideraram que o ex-Secretário Ao Man Long e o fundador da multinacional Waterleau, Luc A. Vriens, praticaram 3 crimes de corrupção, respectivamente passiva e activa, para actos ilícitos i) no contrato de “Concepção/Construção, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais do Parque Industrial Transfronteiriço de Macau” e suas obras adicionais (isto é, obras adicionais destinadas ao melhoramento da qualidade de drenagem das águas residuais); ii) no contrato de “Concepção e Construção da 2ª Fase da Estação de Tratamento de Águas Residuais do Posto Transfronteiriço de Macau”; e iii) no contrato de “Concepção e Construção da 2ª Fase da Estação de Tratamento de Águas Residuais de Coloane”.
33 - Nos mesmos Processos ficou provado que o gerente-geral da concorrente ATAL Engineering Limited, Fong Chun Yau, praticou 2 crimes de corrupção activa: i) no contrato de “Concepção/Construção, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais do Parque Industrial Transfronteiriço de Macau” e ii) no contrato de “Concepção e Construção da 2.a Fase da Estação de Tratamento de Águas Residuais do Posto Transfronteiriço de Macau”.
34 - Doutro passo, o Tribunal de Última Instância, no acórdão n.º 37/2011, proferido em 31 de Maio de 2012, arquivado como Processo n.º CR4-12-0125-PCC, determinou a transmissão por adjudicação à RAEM de uma quota equivalente a 20% do capital social da Waterleau Macau Limitada, sociedade que foi constituída para receber as retribuições que seriam depois entregues ao ex-Secretário Ao Man Long – (Doc. n.º 41 junto com a pi).
35 - O Governo da RAEM, apesar de ter anunciado que iria abrir concurso público, renovou-lhes, em 2015, com dispensa de concurso público, o contrato Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais do Parque Industrial Transfronteiriço de Macau – (Doc. n.º 40).
36 - A primeira recorrente CESL ÁSIA - INVESTIMENTOS E SERVIÇOS, S.A., como sociedade registada e com sede em Macau, com todos os seus recursos de pessoal e organização administrativa estabelecidos em Macau, foi a responsável durante 5 anos pela operação e manutenção da ETAR de Macau – como a entidade adjudicante bem sabe e como consta do contrato do consórcio denominado CESL ÁSIA - INVESTIMENTOS E SERVIÇOS, S.A., INDAQUA - INDÚSTRIA E GESTÃO DE ÁGUAS, S.A. e TSING HUA TONG FANG CO., Ltd..
37 - Os sócios da “Waterleau Macau, Lda.” eram 2 empresas de Hong Kong, “Regall Well Limited” e “Best Choice Assets Lda.”, sendo actualmente a RAEM e “Regal Well Ltd.”, tendo a sua designação passado a ser desde 20/02/2006, “Waterleau Asia, Ltd.” (doc. 1, junto com contestação de “Waterleau Group” e “Beijing Enterprises Water Group, Ltd.”).
38 - Luc A. Vriens faleceu em Shanghai em 12 de Setembro de 2014 (doc. 2 junto com contestação de “Waterleau Group” e “Beijing Enterprises Water Group, Ltd.”).

Resulta dos documentos constantes dos autos o seguinte:
- Aquando da apresentação da proposta para o concurso público de 2016, o consórcio composto por “Beijing Entreprises Water Group Limited” e “Waterleau Group” apresentou 9 experiências, entre as quais 5 obtidas pela primeira sociedade e 4 obtidas pela Waterleau Global Water Technology N.V. ou Waterleau (fls. 110 e 113 dos autos).
- Entre 4 experiências obtidas pela Waterleau Global Water Technology N.V. ou Waterleau, contam-se apenas 2 obtidas em Macau, um com prazo de contrato entre 01/03/2009 e 28/02/2014, outro entre 01/03/2014 e 31/12/2016, respeitantes aos serviços de operação e manutenção da ETAR da Taipa e do Aeroporto de Macau (fls. 113 dos autos).
- E com 5 experiências obtidas pela Beijing Entreprises Water Group Limited, a Comissão de Avaliação considera que tal número dos serviços cumpre já as exigências contidas no ponto 6.2 do programa do concurso de 2016 (fls. 110 dos autos).

3. Direito
O recurso interposto pelas recorrentes tem por fundamento a violação e errada aplicação de lei substantiva e a nulidade do acórdão recorrido.

3.1. Alegam as recorrentes que, com os novos critérios de qualificação para o concurso público para a prestação dos serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau” de 2016, fixados concretamente nos pontos 6.2 e 6.3 do respectivo programa do concurso, foram violados os princípios da legalidade, igualdade, imparcialidade, concorrência e boa fé, pretendendo-se impedir a avaliação da experiência da primeira recorrente e a das suas sociedades subsidiárias e excluir a sua participação no concurso.
Ora, estabelece-se, nos pontos 6.2 e 6.3 do programa do concurso de 2016 e como requisitos de qualificação dos concorrentes, o seguinte:
“6.2 Os concorrentes devem possuir as seguintes experiências:
Experiência relacionada com a O&M de instalações de tratamento de águas residuais: dois serviços, pelo menos, relacionados com a O&M de instalações de tratamento de águas residuais, terminados ou em curso, nos últimos 10 anos, contados da publicação do anúncio do concurso. As instalações de tratamento de águas residuais acima mencionadas devem ter adoptado um tratamento secundário e métodos biológicos para remoção de poluentes em águas residuais, com uma capacidade de tratamento projectada não inferior a 50.000 m3 por dia, tendo cada uma das experiências acima mencionadas sido executada por um período de, pelo menos, 2 anos até à data da publicação do anúncio do concurso.
6.3 A experiência mencionada na cláusula 6.2 deve estar em conformidade com um dos seguintes requisitos:
a) Se os concorrentes forem sociedades, as experiências mencionadas na cláusula 6.2 devem ter sido obtidas directamente pelos concorrentes; ou
b) Se os concorrentes participarem no concurso sob a forma de consórcio, as experiências mencionadas no ponto 6.2 devem ter sido adquiridas directamente por uma das sociedades do consórcio que possua, no mínimo, 40% da quota do consórcio.”
Na tese das recorrentes, tais condições de qualificação de concorrentes foram criadas com o exclusivo propósito de excluir o anterior prestador de serviços, sendo ilegais.
Não se nos afigura que assim seja.
É verdade que, comparando os programas do concurso de 2016 e 2010, verifica-se logo a diferença no que tange às exigências quanto às experiências de concorrentes.
No anterior concurso público internacional aberto em 31 de Março de 2010, vê-se nos pontos 6.2, 6.3 e 6.4 do programa o seguinte:
“6.2 O objecto comercial do Concorrente estará relacionado com o Projecto, Construção, Operação e Manutenção de Estações de Tratamento de Águas Residuais.
6.3 Se o concorrente for uma sociedade, possuirá, pelo menos dez anos de experiência relevante em instalações de águas residuais. A experiência mencionada deve ser directa ou obtida através de sociedade subsidiária em que o concorrente seja maioritário (...).
6.4 No caso de o Concorrente ser um Consórcio, pelo menos uma das sociedades que formam o Consórcio, satisfará os requisitos indicados nas cláusulas 6.2 e 6.3 acima e, também, a sociedade que satisfaz os requisitos indicados na Cláusula 6.3 deterá pelo menos 30% do Consórcio.”
E também é certo que, no concurso público de 2010, a prestação dos serviços de “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau” foi adjudicada ao Consórcio denominado CESL ÁSIA - INVESTIMENTOS E SERVIÇOS, S.A. (ora primeira recorrente), INDAQUA - INDÚSTRIA E GESTÃO DE ÁGUAS, S.A. e TSING HUA TONG FANG CO., Ltd., liderado pela ora primeira recorrente, com uma duração de cinco anos (até 30 de Setembro de 2016).
Foi a primeira recorrente ainda a adjudicatária dos serviços de operação e manutenção da ETAR da Taipa desde 1 Dezembro de 1999 até 30 de Novembro de 2002 e da ETAR de Coloane desde Abril de 1999 até 30 de Novembro de 2002, enquanto a CEI - Companhia de Engenharia e Investimento - Tratamento de Águas, Limitada, sociedade subsidiária da recorrente foi adjudicatária dos serviços de operação e manutenção da ETAR da Taipa por um prazo de três anos desde 1 de Dezembro de 2002.
No entanto, tais factos não conferem necessariamente à primeira recorrente e à sua sociedade subsidiária algum “privilégio” na candidatura no concurso público posterior. Nada impede que, consoantes as exigências e as características do novo concurso, no exercício dos seus poderes discricionários e na prossecução dos interesses públicos, a Administração adopte e estabeleça no programa do concurso novos critérios de qualificação de concorrentes e novas exigências quanto às experiências de concorrentes, diferentes dos fixados no concurso anterior e que o anterior prestador dos serviços não satisfaça, como sucede no presente caso.
É absurdo aceitar-se a afirmação quanto à ilegalidade das cláusulas, contidas no programa do concurso público, respeitantes às experiências de concorrentes só porque tais cláusulas se divergem das exigidas no anterior concurso e alguns concorrentes não possui os requisitos de qualificação exigidos.
É de frisar que os concursos públicos de 2010 e 2016 não são coincidentes,tanto a nível de objectivos como de duração, na medida em que o primeiro se titula com “Modernização, Operação e Manutenção da ETAR de Macau” e com a duração de cinco anos, enquanto o segundo visa apenas a operação e manutenção da ETAR de Macau e com a duração de dois anos.
Tal divergência justifica também a adoptação de novos critérios de qualificação e novas exigências.
Cabe à Administração a escolha e definição das exigências de concorrentes, com prossecução dos interesses públicos.
Saliente-se que as experiências exigidas se aplicam por igual a todos os concorrentes, não se vislumbrando, na determinação dos requisitos de qualificação dos concorrentes, a alegada intenção, por parte da Administração, de excluir a candidatura da primeira recorrente no respectivo concurso público.
Conforme o que consta no ponto 6.3 do programa do concurso de 2016, as experiências mencionadas na cláusula 6.2 podem ter sido obtidas directamente pelos concorrentes (se os concorrentes forem sociedades) ou directamente por uma das sociedades do consórcio que possua, no mínimo, 40% da quota do consórcio (no caso de participação no concurso sob a forma de consórcio).
Tal cláusula, geral e abstracta, é também aplicável a todos os concorrentes.
Podia a primeira recorrente formar o consórcio com uma sociedade que possuísse as experiências exigidas, de forma a satisfazer os requisitos de qualificação dos concorrentes necessários, tal como sucedeu com o consórcio BEWG-WATERLEAU, ao qual foi adjudicada a prestação de serviços de Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau (ETAR) de 2016.

As recorrentes fizeram referência a uma série de vicissitudes verificadas na prestação de serviços adjudicados no concurso anterior (provadas nos factos 17 a 21 e 25 a 29), relacionadas nomeadamente com a capacidade real de tratamento de águas residuais da ETAR, inferior à capacidade original exigida no programa do concurso de 2010.
Tais vicissitudes constituem, a nosso ver, justificação para fixação de menores exigências no concurso público de 2016 quanto à capacidade de tratamento, uma vez que, tal como se constata expressamente no citado ponto 6.2 do programa, é exigida “uma capacidade de tratamento projectada não inferior a 50.000 m3 por dia”, inferior à exigida no concurso de 2010.
Alegam as recorrentes que, durante os cinco anos de duração do contrato que terminou em 30 de Setembro de 2016, a primeira recorrente se tornou incómoda para os responsáveis e consultores da Administração, precisamente por demonstrar que a capacidade da ETAR, os documentos e as exigências da DSPA estavam em total desconformidade com a realidade dos factos e por colocar em causa a operação da ETAR nos últimos vinte anos, pretendendo mostrar o invocado propósito de exclui-la do concurso público.
No entanto, trata-se da afirmação pessoal e subjectiva das próprias recorrentes, que não nos convence, até porque, tal como já foi dito, a Administração baixou, no concurso público de 2016, a exigência quanto à capacidade de tratamento de águas residuais, certamente ciente do problema suscitado pela primeira recorrente e da capacidade real de tratamento da ETAR. Mesmo existindo “incómodo”, não é suficiente para fundamentar a pretensão das recorrentes.
Foi ainda chamada atenção para uma reunião que teve lugar em 30 de Outubro de 2015 entre a DSPA e a primeira recorrente e suas consorciadas sobre a capacidade de tratamento de águas residuais da ETAR.
Encontra-se nos autos a Acta dessa reunião – Melhoramento, Operação e Manutenção da ETAR da Península de Macau (doc. n.º 26, junto com a petição inicial, fls. 1013 a 1015v dos autos), cujo ponto 7 tem o seguinte teor:
“7. O Representante da DSPA disse que, considerando que a Tong Fang iria providenciar o serviço de projecto preliminar (incluindo o respectivo Estudo de Impacto Ambiental) dos trabalhos de melhoramento para o próximo concurso público da DSPA, o Consórcio e qualquer um dos seus membros deviam concordam em não se apresentarem como concorrentes no próximo concurso público dos trabalhos de melhoria da ETAR de Macau, que será associado aos serviços de O&M para diversos anos. O Representante do Consórcio respondeu que, uma vez que na perspectiva do Consórcio, o Consórcio não tinha tido responsabilidade na presente situação dos trabalhos de melhoria da ETAR da Península de Macau, não é aceitável solicitar ou acordar, agora, com restrições ou limitações aos direitos do Consórcio e dos seus membros de participação no concurso se a Tong Fang decidir não estar futuramente envolvido. O Representante da Tong Fang mencionou que, de qualquer maneira, podia ser considerada a sua não participação no próximo concurso público, nomeadamente, enquanto membro do Consórcio.”
Pode-se ver aqui uma tentativa do representante da DSPA em solicitar que as empresas consorciadas se comprometessem a não participar “no próximo concurso público dos trabalhos de melhoria da ETAR de Macau”, dando como justificação que “Tong Fang iria providenciar o serviço de projecto preliminar (incluindo o respectivo Estudo de Impacto Ambiental) dos trabalhos de melhoramento para o próximo concurso público da DSPA”.
Ora, é de notar que “o próximo concurso público” acima mencionado não é exactamente o concurso de 2016, já que este tem como objecto apenas a operação e manutenção da ETAR de Macau, enquanto o concurso referido na acta da reunião visa ainda “trabalhos de melhoria da ETAR de Macau”, que devem ser qualificados como “modernização” da ETAR.
E relativamente à aplicação de multa de MOP3,500,000 por não ter sido restaurada a capacidade de tratamento de 144.000 m3/dia, também invocada pelas recorrentes, decorre do ponto 3 da mesma Acta da reunião que o pagamento de tal quantia foi sugerido pela DSPA devido ao atraso nos trabalhos de restauração da qualidade do efluente e do não cumprimento da qualidade do efluente por parte da companhia Tsing Hua Tong Fang. Daí que a eventual aplicação de multa não tem nada a ver com as oras recorrentes, não obstante aquela companhia fez parte do Consórcio liderado pela ora primeira recorrente que conseguiu a adjudicação de serviços de “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau” no concurso público de 2010.
Resumindo, não se detecta a imputada ilegalidade das normas do concurso nem o exclusivo propósito, alegado pelas recorrentes, de excluir o anterior prestador de serviços na candidatura do concurso público, nem ainda a invocada violação dos princípios da legalidade, igualdade, proporcionalidade, imparcialidade, justiça, boa-fé e concorrências, etc..
Como se sabe, “o desvio de poder é o vício que consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir aquele poder” e “pressupõe uma discrepância entre o fim legal e o fim real (ou fim efectivamente prosseguido pela Administração)”.
E o desvio de poder comporta duas modalidades principais: uma, o desvio de poder por motivo de interesse público, quando a Administração visa alcançar um fim de interesse público, diverso daquele que a lei impõe; e a outra, desvio de poder por motivo de interesse privado, quando a Administração não prossegue um fim de interesse público, mas sim um fim de interesse privado. 1
Para Marcello Caetano, o desvio de poder é “o vício que afecta o acto administrativo praticado no exercício de poderes discricionários quando estes hajam sido usados pelo órgão competente com fim diverso daquele para que a lei os conferiu ou por motivos determinantes que não condigam com o fim visado pela lei que conferiu tais poderes”. 2
Ora, uma vez que não se detecta a intenção de excluir a primeira recorrente e a sua subsidiária na candidatura do concurso público, é de concluir que improcede a imputação do vício de desvio de poder.

3.2. Questionam ainda as recorrentes a admissão ao concurso e a adjudicação da prestação dos serviços à concorrente BEWG-WATERLEAU em consórcio, imputando a violação dos princípios da legalidade, igualdade, imparcialidade e boa-fé, com base no facto de que a Waterleau Group, que faz parte do referido consórcio concorrente, se fundiu e sucedeu à Waterleau Global Water Technology N.V., que por sua vez tinha obtido adjudicação, ilegal, de contratos de prestação de serviços em Estação de Tratamento de Águas Residuais, nomeadamente pela prática de vários crimes de corrupção.
Na realidade, decorre da factualidade assente e dos documentos constantes dos autos (nomeadamente a certidão do acórdão judicial) o seguinte:
- Luc A. Vriens, que faleceu em 12 de Setembro de 2014, foi empresário fundador do Grupo Waterleau, de que faz parte a Waterleau Global Water Technology N.V..
- Por acórdão judicial, Luc A. Vriens, director executivo da Waterleau, Global Water Technology N.V., foi condenado pela prática dos crimes de corrupção activa para actos ilícitos a fim de obter a adjudicação ao consócio formado pela Waterleau, Global Water Technology N.V., ATAL Engineering Limited e mais uma sociedade, nos contratos de “Concepção/Construção, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais do Parque Industrial Transfronteiriço de Macau” e suas obras adicionais, de “Concepção e Construção da 2ª Fase da Estação de Tratamento de Águas Residuais do Posto Transfronteiriço de Macau” e de “Concepção e Construção da 2ª Fase da Estação de Tratamento de Águas Residuais de Coloane”.
- E o gerente-geral da concorrente ATAL Engineering Limited, Fong Chun Yau, praticou 2 crimes de corrupção activa, respectivamente no contrato de “Concepção/Construção, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais do Parque Industrial Transfronteiriço de Macau” e no contrato de “Concepção e Construção da 2.a Fase da Estação de Tratamento de Águas Residuais do Posto Transfronteiriço de Macau”.
- Todos estes serviços foram adjudicados antes de 2007.
- O consórcio adjudicatário (BEWG – WATERLEAU em Consórcio) no concurso público de 2016 é composto por “Beijing Entreprises Water Group Limited” e “Waterleau Group”, companhia esta resultante da fusão de sociedades, incluindo Waterleau Global Water Technology N.V..
- Aquando da apresentação da proposta para o concurso público de 2016, o consórcio composto por “Beijing Entreprises Water Group Limited” e “Waterleau Group” apresentou 9 experiências, entre as quais 5 obtidas pela primeira sociedade e 4 obtidas pela Waterleau Global Water Technology N.V. ou Waterleau (fls. 110 e 113 dos autos).
- Entre 4 experiências obtidas pela Waterleau Global Water Technology N.V. ou Waterleau, contam-se apenas 2 obtidas em Macau, um com prazo de contrato entre 01/03/2009 e 28/02/2014, outro entre 01/03/2014 e 31/12/2016, respeitantes aos serviços de operação e manutenção da ETAR da Taipa e do Aeroporto de Macau (fls. 113 dos autos).
- E com 5 experiências obtidas pela Beijing Entreprises Water Group Limited, a Comissão de Avaliação considera que tal número dos serviços cumpre já as exigências contidas no ponto 6.2 do programa do concurso de 2016 (fls. 110 dos autos).
Face a tais elementos carreados aos autos, é de afirmar que as experiências apresentadas pelo consórcio não são aquelas obtidas em Macau com a adjudicação dos serviços pela prática dos crimes de corrupção.
E mesmo sem considerando estas duas experiências, as restantes 5 experiências apresentadas pelo consórcio já são suficientes para relevar que o consórcio reúne os requisitos exigidos no ponto 6.2 do programa do concurso públicos.
Por outro lado, não obstante a existência da ligação entre Waterleau Global Water Technology N.V. e Waterleau Group, certo é que àquela sociedade envolvida no caso de corrupção, não foi aplicada nenhuma sanção.

Alegam ainda as recorrentes que a Comissão de Avaliação deveria ter considerado que a experiência de serviços relacionados com a operação e manutenção da ETAR que constam da lista de experiências da primeira recorrente era adequada e suficiente para a prestação dos mesmos serviços na mesma ETAR, com menos exigência e curta duração.
Ora, conforme o programa do concurso, os concorrentes devem possuir, como experiência relacionada com a operação e manutenção de instalações de tratamento de águas residuais, dois serviços, terminados ou em curso, nos últimos 10 anos, contados da publicação do anúncio do concurso, tendo cada uma das experiências sido executada por um período de, pelo menos, 2 anos até à data da publicação do anúncio do concurso.
A interpretação dessa cláusula é muito clara, não deixando nenhuma dúvida: a cláusula obriga à posse de duas experiências, cada uma com duração de, pelo menos, 2 anos.
E no período relevante para o efeito, a primeira recorrente possuía apenas uma experiência, embora com duração de 5 anos e com a prestação dos mesmos serviços na mesma ETAR.
É evidente que não foram cumpridos os requisitos.
Concluindo, não se descortina obstáculo para admissão ao concurso e adjudicação da prestação dos serviços à concorrente BEWG-WATERLEAU em consórcio nem violação dos princípios da boa-fé, legalidade, igualdade, concorrência, imparcialidade, justiça e proporcionalidade.
E não se vê como o acto impugnado ofende o caso julgado, também invocado pelas recorrentes.

3.3. Na tese das recorrentes, ocorre no acórdão recorrido o vício da nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 571.º do Código de Processo Civil, pois o Tribunal recorrido subscreveu na parte decisória integralmente, e para todos os efeitos, o parecer do Ministério Público, que concluiu em sentido oposto aos factos provados.
A norma em causa prevê que é nula a sentença “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.
Ora, lido todo o acórdão recorrido, não se vê como o acórdão incorre no vício invocado, nomeadamente na parte que, por merecer a inteira concordância do tribunal, transcreveu o parecer do Ministério Público, fazendo seu o conteúdo desse parecer, onde se pode ler que “no concurso não intervieram quer a sociedade ‘Waterleau Global Water Technology N.V.’, quer o seu sócio condenado em Macau, nenhum deles fazendo parte da concorrente ‘Waterleau Group’”.
Na realidade e em bom rigor, “Waterleau Global Water Technology N.V.” não é a mesma sociedade “Waterleau Group”, que resultante da fusão de sociedades, incluindo Waterleau Global Water Technology N.V..
Não se pode dizer que aquela afirmação é oposta aos factos provados.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelas recorrentes, com taxa de justiça fixada em 10 UC.

Macau, 31 de Julho de 2018

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Chan Tsz King
1 Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2002, p. 394.
2 Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, Vol. I, 10.ª ed., p. 506.
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Processo n.º 22/2018