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Processo n.º 46/2018
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Secretário para a Segurança
Recorrido: A
Data da conferência: 31 de Julho de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Interdição da entrada na RAEM
- Poder discricionário
- Proporcionalidade

SUMÁRIO
1. Está-se perante o exercício do poder discricionário quando a Administração determina o prazo de interdição de entrada na RAEM segundo as normas legais.
2. Nos casos em que a Administração actua no âmbito do poder discricionário, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica fora de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
3. Ao Tribunal não compete dizer se o período de interdição de entrada fixado ao recorrente foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam, se tal período foi o que o Tribunal teria aplicado se a lei lhe cometesse tal atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração.
4. O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro.
5. E só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável.
6. A intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança de 7 de Dezembro de 2016 que lhe determinou a medida de interdição de entrada na RAEM, por um período de 3 anos.
Por Acórdão proferido em 8 de Fevereiro de 2018, o Tribunal de Segunda Instância decidiu julgar procedente o recurso.
Inconformado com a decisão, recorreu o Secretário para a Segurança para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. O Secretário para a Segurança do Governo da Região Administrativa Especial de Macau, por Despacho de 07.12.2016, que determinou a aplicação da medida de interdição de entrada na RAEM pelo período de três anos ao cidadão A,
2. com fundamento de facto na prática, pelo mesmo, do crime de emprego ilegal, e com fundamento legal na al. 2) do n.º 2 do art.º 4.º da Lei n.º 4/2003, conjugado com o art.º 12.º, n.º 3 e 4, da Lei n.º 6/2004.
3. Porém, o Tribunal de Segunda Instância, por Acórdão de 08.02.2018, do qual vem interposto o presente recurso jurisdicional, julgou, afinal, que “… tendo em conta a jurisprudência do TUI, concluímos que o prazo de 3 anos de interdição da entrada do Recorrente é manifestamente excessivo, o que viola o princípio da proporcionalidade, gerando assim a anulabilidade do acto.”
4. Ora, a Jurisprudência do TUI vai precisamente num sentido inverso, já que, conforme o Acórdão proferido no Processo 13/2012, esse sim, tendo subjacente problemáticas de facto e de Direito semelhantes1 aos do caso sub judicie,
5. “VI - Ao Tribunal não compete dizer se o período de interdição de entrada fixado ao recorrente foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam, se tal período foi o que o Tribunal teria aplicado se a lei lhe cometesse tal atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. VII - O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro.”
6. Assim se conclui, portanto, que o Tribunal a quo cometeu erro de julgamento, pois não avaliou, nem se pronunciou, como lhe competia, sobre se a Administração cometeu erro manifesto ou foi totalmente desrazoável, ao exercer o poder discricionário que lhe assiste ao abrigo da al. 2) do n.º 2 do art.º 4.º da Lei n.º 4/2003, conjugado com o art.º 12.º, n.º 3 e 4, da Lei n.º 6/2004,
7. limitou-se a opinar sobre a medida (o prazo) da interdição, afirmando que “o prazo de 3 anos de interdição da entrada do Recorrente é manifestamente excessivo” (ainda por cima com base em argumentos inaceitáveis).
8. nessa medida violando o princípio da separação de poderes consagrado no artigo 2.º da Lei Básica da RAEM.

Contra-alegou A, apresentando as seguintes conclusões:
1. Insurge-se a entidade recorrente contra o acórdão proferido pelo Tribunal a quo que julgou procedente o recurso contencioso, anulando o acto recorrido exarado pelo Exmo. Secretário para a Segurança que determinou a aplicação da medida de interdição de entrada na RAEM por um período de três anos ao aqui recorrido.
2. Sustentou o Tribunal a quo esta decisão por violação do princípio da proporcionalidade, concedendo razão ao aqui recorrido.
3. O Exmo. Secretário para a Segurança entende que o Tribunal a quo “cometeu erro de julgamento, pois não avaliou, nem se pronunciou, como lhe competia, sobre se a Administração cometeu erro manifesto ou foi totalmente desrazoável, ao exercer o poder discricionário que lhe assiste ao abrigo da al. 2) do n.º 2 do art.º 4.º da Lei n.º 4/2003, conjugado com o artigo 12.º, n.º 3 e 4 da Lei n.º 6/2004”.
4. Entendendo ainda a Entidade Recorrente que o Tribunal a quo “limitou-se a opiniar sobre a medida (o prazo) da interdição, afirmando que o prazo de 3 anos de interdição de entrada do Recorrente é manifestamente excessivo, (ainda por cima com base em argumentos inaceitáveis. conforme exposto supra, nos n.ºs 5 a 20.º)”.
5. Entendendo que “nessa medida violando o princípio da separação de poderes consagrado no artigo 2. º da Lei Básica da RAEM.”
6. Na verdade o ora recorrido entende que o Tribunal a quo não cometeu qualquer erro, muito menos qualquer erro de julgamento.
7. Tendo julgado bem.
8. Nos termos do artigo 152.º do CPAC “o recurso dos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância apenas pode ter por fundamento a violação ou a errada aplicação de lei substantiva ou processual ou a nulidade da decisão impugnada.”
9. Nos termos da Lei de Bases de Organização Judiciária, artigo 44.º, n.º 2, al. 4 da Lei n.º 9/1999, o TUI tem competência para julgar os recursos dos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, proferida em primeira instância, que sejam susceptíveis de impugnação e;
10. Nos termos do disposto no artigo 47.º n.º 1 da mesma Lei, excepto disposição em contrário das leis de processo, o Tribunal de Última Instância, quando julgue em recurso correspondente a segundo grau de jurisdição, conhece de matéria de facto e de direito.
11. Da conjugação e interpretação dos diplomas e normas supra citadas, o Tribunal de Última Instância apenas conhece de matéria de direito neste caso em apreço.
12. A entidade recorrente alega que o Tribunal a quo “cometeu erro de julgamento pois não avaliou, nem se pronunciou, como lhe competia, sobre se a Administração cometeu erro manifesto ou foi totalmente desrazoável, ao exercer o poder discricionário que lhe assiste ao abrigo […]”.
13. Na verdade, o que a Administração alega é que o Tribunal a quo omitiu uma pronúncia sobre uma questão que lhe fora colocada e perante a qual não se pronunciou.
14. Apenas assim se entende e interpreta a alegacão que “não avaliou, nem se pronunciou, como lhe competia, sobre se a Administração cometeu erro manifesto ou foi totalmente desrazoável”.
15. Mas neste raciocínio, se o Tribunal a quo não se pronunciou sobre determinada matéria, como alega a entidade Recorrente, o que está efectivamente em causa para a entidade Recorrente é uma verdadeira omissão de pronúncia.
16. Nos termos do artigo 571.º do CPC, aplicado ex vi artigo 1.º do CPCC, a entidade Recorrente deveria ter sido consequente com o que alega.
17. A final deveria ter invocado e requerido a nulidade da decisão proferia pelo Tribunal a quo.
18. Algo que não fez.
19. Não se vislumbra qualquer nulidade da decisão – por omissão de pronúncia – como quer fazer crer a Entidade recorrente.
20. Equacionando que até possa existir uma omissão de pronúncia – o que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona – sempre deveria a entidade recorrente ter requerido a nulidade do acórdão.
21. Consequentemente, deveria ter requerido igualmente, nos termos do artigo 651.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPAC, que o TUI julgasse essa nulidade.
22. Sendo uma das nulidades que não se enquadram nas alíneas c) e e) e na segunda parte da alínea d) do artigo 571.º do CPC, deveria ter sido requerido pela entidade Recorrente que o TUI julgasse procedente essa mesma nulidade e mandasse, caso assim entendesse “baixar o processo, a fim se de fazer a reforma da decisão anulada”.
23. Apesar de ter alegado uma omissão de pronúncia, a entidade Recorrente não requereu a nulidade do acórdão.
24. Em sentido inverso, veio requerer, a final, que o Acórdão devia “ser anulado e substituído por outra decisão que reconheça, afinal, a legalidade do acto administrativo impugnado.”
25. Na verdade não tem razão a entidade recorrente.
26. O Tribunal o quo pronunciou-se, como lhe competia e compete, sobre o “erro manifesto” cometido pela Administração e, a final, entendeu que a decisão impugnada foi “totalmente desrazoável”.
27. Após a interpretação da al. 2 do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003, bem como do artigo 12.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 6/2004, referiu o Tribunal a quo que se estava perante um poder discricionário, ficando esse mesmo poder apenas sujeito ao controlo judicial “em casos de erro manifesto ou total desrazoabilidade (cfr. artigo 21.º, n.º , al. d) do CPAC.”
28. Para prosseguir o Tribunal a quo e referir que “a (ali) Entidade Recorrida concluiu simplesmente a existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM com base na condenação penal do recorrente, pela prática de dois crimes de emprego ilegal”.
29. Prosseguindo e invocando jurisprudência local, nomeadamente o Acórdão do TUI, de 30/7/2008, proferido no Proc. n.º 34/2007.
30. Para seguidamente faze notar que “a Entidade recorrida não pode, com base simplesmente na condenação penal do recorrente, concluir a existência do perigo efectivo”, salientando ainda que “a Entidade recorrida tem de pegar factos concretos e objectivos para o preenchimento do conceito indeterminado do perigo efectivo”.
31. Concluiu o seguinte: “Não o tendo feito, não implica a verificação do vício substancial no sentido da inexistência do pressuposto legal de perigo efectivo tal como é pretendida pela Recorrente, mas sim a verificação do vício formal de falta de fundamentação”.
32. Num segundo momento, sobre o princípio da proporcionalidade, invocou e pronunciou-se o Tribunal a quo, referindo que o vício da violação do princípio da proporcionalidade se projecta “em três dimensões injuntivas: adequação, necessidade e equilíbrio”, explicitando cada uma das vertentes do referido princípio.
33. Nessa análise revelou o Tribunal a quo que na adequação “o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão”, bem salientando que entre todos “os meios alternativos, deve ser escolhido aquele que implique uma lesão menos grave dos interesses sacrificados”; no equilíbrio fundamentou que essa vertente “revela a justa medida entre os interesses presentes na ponderação e determina que, na relação desses interesses entre si, deve a composição ser proporcional à luz do interesse público em causa”.
34. Por último, avaliou e pronunciou-se sobre a Lei n.º 6/2004, salientando que exige igualmente – “manda” – “que o período de interdição deve ser proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam”.
35. Avaliou e pronunciou-se que o ali Recorrente era “primário e tem família na RAEM, sendo a esposa e a filha menor ambas residentes permanentes de Macau.”
36. Avaliou e pronunciou-se sobre a censurabilidade do facto ilícito, que na óptica da entidade recorrente apresenta argumentos inaceitáveis, socorreu-se de jurisprudência do TUI, nomeadamente o acórdão proferido no Recurso n.º 6/2000, o mesmo em que a agora entidade Recorrente citou, invocou e chamou à colação em sede de contestação, mais precisamente no artigo 26.º daquela peça processual.
37. Concluiu afirmando que perante toda a fundamentação apresentada o princípio da proporcionalidade foi violado pela Administração da RAEM, provocando a “anulabilidade do acto”.
38. Não se vislumbra em que parte ou segmento da decisão, e perante todo este raciocínio lógico legal desenvolvido pelo Tribunal a quo – juiz relator e juízes adjuntos –, se pode sequer alegar que o Tribunal a quo “não avaliou, nem se pronunciou, como lhe competia, sobre se a Administração cometeu erro manifesto ou foi totalmente desrazoável”.
39. É bom de ver que o Tribunal a quo não cometeu qualquer omissão de pronúncia e avaliou e pronunciou-se sobre o “erro manifesto” e a total desrazoabilidade da actuação da Administração violando o princípio da proporcionalidade no âmbito do acórdão proferido e colocado em crise.
40. É certo que não foi escrito, preto no branco, que a Administração cometeu um “erro manifesto” ou que a decisão foi “totalmente desrazoável” mas assim concluiu o Tribunal a quo.
41. Não é nada forçoso concluir que por toda a argumentação e fundamentação invocada no referido Acórdão, o Tribunal julgou, e julgou bem, e concluiu que a Administração cometeu um erro manifesto e apresentou um acto administrativo totalmente desrazoável, violando o princípio da proporcionalidade.
42. Colocar-se em questão, como se colocou, o Acórdão do Tribunal a quo, com os fundamentos que foram invocados, mais não é do que se alegar que não se concorda com a decisão proferida porque a mesma não foi favorável à entidade recorrente.
43. Uma coisa é não se concordar com a decisão proferida, outra coisa, bem diferente, é considerar que o Tribunal a quo cometeu um “erro de julgamento”.
44. E como bem cita a entidade Recorrente nas alegacões de recurso, invocando e chamando à colação o Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 13/2012, “VII – O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro”.
45. Sem qualquer margem para dúvida, se “o papel do Tribunal é o de concluir”, o Tribunal concluiu que foi violado o princípio da proporcionalidade.
46. Por outro lado, invoca a entidade Recorrente que o Tribunal a quo violou o “princípio da separação de poderes consagrado no artigo 2.º da Lei Básica da RAEM”.
47. Não pode o Recorrido estar mais em desacordo com a entidade Recorrente.
48. O artigo 2.º da Lei Básica destaca efectivamente a existência desse princípio, salientando que a Região goza de poderes “executivo, legislativo e judicial independente”.
49. Além dos dois primeiros poderes mencionados, o poder judicial é independente.
50. Como o Venerando Tribunal de Última Instância tem vindo sistematicamente a referir, em diversos Acórdãos, nomeadamente no Acórdão que recaiu sobre o processo n.º 83/2016, que tem sido entendimento “que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem” e “só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício desse poder (discricionário) constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável”.
51. Não se percebe, nem se vislumbra, em que medida o Acórdão do Tribunal a quo viola o princípio da separação de poderes, pois que nestes autos ficou bem patente que a Administração, através de um acto administrativo exarado pelo Exmo. Sr. Secretário para a Segurança, cometeu um “erro manifesto” e a decisão foi “totalmente desrazoável”, tendo sido, assim, violado o princípio da proporcionalidade.
52. Tendo sido esse acto sindicado, de forma correcta e bem, pelo poder judicial independente.

O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, pugnando pelo provimento do recurso jurisdicional, com a revogação do acórdão impugnado e a consequente manutenção do acto administrativo na ordem jurídica.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos Provados
Nos autos foram considerados assentes os seguintes factos com pertinência para a decisão da causa:
- O ora recorrido foi condenado no Tribunal Judicial de Base, em cúmulo jurídico, a 7 meses de prisão – suspensa por um ano –, pelo facto de ter constituído relação de trabalho com indivíduos que não eram titulares de documentos exigidos por lei para serem admitidos como trabalhadores, ou seja, por emprego ilegal.
- Em 11/10/2016, foi elaborada a proposta n.º XXXX/CISMPRO/2016P, cujo teor é o seguinte:
“......
Em 11 de Agosto de 2015, o Comissariado de Estrangeiros do nosso Serviço transferiu à nossa Divisão o caso do seguinte indivíduo (Pº XXXXXX), e no dia 3 de Maio de 2016, esta Divisão instaurou o processo de interdição de entrada na RAEM:
1. Contra o interessado A (de nacionalidade argentina, de sexo masculino, nascido em XX de X de 1973), titular do Passaporte da Argentina n.º AAAXXXXXX. Em 2014, o interessado requereu a fixação de residência em Macau a título de “união familiar”. Posteriormente, no dia 8 de Abril de 2015, o CPSP detectou a prática, por parte do interessado, do “crime de emprego”, pelo que o Secretário para a Segurança proferiu o despacho de 30 de Julho de 2015 indeferindo o aludido requerimento do interessado. Dessa decisão do Secretário para a Segurança, o interessado já interpôs recurso contencioso para o TSI (vide a informação suplementar do nosso Serviço n.º XXXXXX/CESMFR/2015P, e o ofício do Gabinete do Secretário para a Segurança n.º XXXXXXXXXXX/GSS).
2. Em 8 de Abril de 2015, os guardas do Comissariado de Assuntos Gerais/Secção de Fiscalização e Registo encontraram o interessado em Macau. A investigação realizada pelo CPSP revelou que o interessado foi suspeito da prática do crime de “emprego” previsto pelo art.º 16.º, n.º 1 da Lei n.º 6/2004, e foi entregue ao Ministério Público na qualidade de arguido. (vide a comunicação do Departamento de Informações n.º XXXX/2015-Pº.XXX.XX/XG, e o auto de notícia do Comissariado de Assuntos Gerais/Secção de Fiscalização e Registo n.º XXX/A/2015-Pº.XXX.XX)
3. Em 7 de Janeiro de 2016, esta Divisão emitiu um ofício ao MP para acompanhar o andamento judicial do referido caso. Em 3 de Fevereiro de 2016, esta Divisão recebeu a resposta do MP, junto com a acusação em anexo, segundo a qual o interessado já tinha sido acusada, no dia 26 de Janeiro de 2016, da prática de 2 crimes de emprego ilegal. (vide o ofício do MP n.º XXX/2016/LIC/ISI e a acusação do processo de inquérito n.º XXXX/2015)
4. As condutas do interessado puseram em risco a segurança pública, pelo que ele ficou legalmente interdito de entrar na RAEM.
5. Em 3 de Maio de 2016, através da consulta de informações de entrada e saída, verificou-se que o interessado ainda se encontrava em Macau, pelo que esta Divisão, ao abrigo dos dispostos nos art.ºs 93.º e 94.º do CPA, enviou, através do ofício n.º XXXXXX/CISM/2016P e por carta registada com aviso de recepção, a notificação de “audiência escrita” ao endereço declarado pelo interessado, podendo este pronunciar-se sobre a audiência escrita no prazo de 20 dias a contar a partir da recepção da notificação.
6. Em 16 de Junho de 2016, esta Divisão recebeu o parecer escrito apresentado pelo representante do interessado (advogado B), no qual se alegou e pediu, em síntese, o seguinte: (vide o anexo 1)
- A parte é suspeita da prática do crime de “emprego” e é delinquente primário, pelo que não se entende que constitui perigo para a segurança pública.
- O processo da parte já foi julgado pelo MP, e actualmente ainda não há uma sentença judicial final.
- No MP, a parte não admitiu nem negou a prática dos factos criminosos em que se envolveu.
- É possível que a parte acabe por ser absolvida dos crimes.
- Os factos criminosos em que se envolveu a parte não põem em causa a segurança ou ordem públicas.
- De acordo com o art.º … (sic.), n.º 1, al. 1) da Lei n.º 6/2004 e o art.º 4.º, n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003, verificam-se fortes indícios quando o agente for encontrado em flagrante delito ou na preparação para a prática de crimes.
- Desta forma, não deve a Administração Pública aplicar à parte a medida de interdição de entrada por 3 anos, porque: (a) não há indícios da prática de crimes; (b) a respectiva medida apagará a possibilidade de inocência da parte e violará o princípio da presunção de inocência, e só deve ser aplicada após a sentença judicial, não podendo a parte ser interdita de entrar nesta fase.
7. Em 21 de Junho de 2016, o interessado requereu à autoridade a prorrogação excepcional da autorização de permanência por 90 dias, com fundamento na necessidade de acompanhar a esposa e o filho nas vésperas e depois do nascimento deste. Posteriormente, o Secretário para a Segurança proferiu o despacho de 14 de Julho de 2016, concedendo, a título excepcional, a prorrogação da permanência até ao dia 28 de Setembro de 2016. Com base nisso, esta Divisão suspendeu o respectivo processo de interdição de entrada, até ao termo da prorrogação excepcional da permanência concedida ao interessado. (vide a informação desta Divisão n.º XXXXXX/CESPRO/2016P, e a comunicação n.º XXXXX/2016/CI)
8. Em 19 de Julho de 2016, esta Divisão foi notificada da sentença proferida pelo TJB para o respectivo processo, segunda a qual foi o interessado condenado, pela prática de 2 crimes de emprego p. p. pelo art.º 16.º, n.º 1 da Lei n.º 6/2004, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses. (vide o ofício do MP n.º XXX/2016/LIC/ISI e a acusação do processo de inquérito n.º XXXX/2015, o oficio do TJB n.º XXXX/2016/CR3/AC e a sentença do TJB no processo n.º CR3-16-0151-PCS)
9. Face ao termo da prorrogação excepcional da permanência concedida ao interessado, esta Divisão continuou a execução do processo de interdição de entrada, e tendo em consideração a supracitada sentença e as alegações escritas, chegou à seguinte conclusão:
- Para além dos 2 indivíduos estrangeiros que exerceram trabalho ilegal, os guardas que realizaram a fiscalização ainda encontraram na loja em causa o empregador deles, ou seja o interessado.
- Não obstante que os trabalhadores da loja em causa não indicassem quem era o empregador dos 2 empregados ilegais, puderam dizer concretamente os postos de trabalho destes.
- O interessado é o dono da loja, e segundo o que alegaram os 2 empregados ilegais, também é o empregador deles, pelo que tais indícios revelaram que o interessado praticou efectivamente factos de emprego ilegal.
- O TJB já proferiu sentença para o respectivo processo, condenando o interessado, pela prática de 2 crimes de emprego p. p. pelo art.º 16.º, n.º 1 da Lei n.º 6/2004, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses.
- Pelo exposto, e considerando especialmente que o interessado foi condenado em pena privativa de liberdade, propõe-se, nos termos do art.º 4.º, n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003, conjugado com o art.º 12.º, n.º 2, al. 1), n.º 3 e n.º 4 da Lei n.º 6/2004, que o interessado seja interdita de entrar em Macau por um período de 3 anos.
À consideração superior…”
- Em 07/12/2016, o Secretário para a Segurança proferiu o seguinte despacho na referida proposta: “Considerando o informado, com especial destaque para a certidão da sentença condenatória proferida em 2016.07.07, contra o visado, pelo Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, e porque considero existir o perigo efectivo para a segurança e ordem públicas da RAEM, decido aplicar ao cidadão A a medida de interdição de entrada, pelo período de 3 (três) anos, ao abrigo do artigo 12.º n.º 2, alínea 2), e n.ºs 3 e 4, por remissão para o artigo 4.º, n.º 2, alínea 2), da Lei n.º 4/2003…”.
- A filha do Recorrente nasceu em Macau em 22/07/2016.
- A esposa e a filha são residentes permanentes da RAEM.
- O Recorrente é empresário, sendo proprietário de um restaurante na RAEM.

3. Direito
Na tese da entidade recorrente, o Tribunal a quo cometeu erro de julgamento, pois não avaliou, nem se pronunciou, como lhe competia, sobre se a Administração cometeu erro manifesto ou foi totalmente desrazoável, ao exercer o poder discricionário que lhe assiste ao abrigo da al. 2) do n.º 2 do art.º 4.º da Lei n.º 4/2003, conjugado com o art.º 12.º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 6/2004, e violou o princípio da separação de poderes consagrado no art.º 2.º da Lei Básica da RAEM.
Vejamos se assiste razão à entidade recorrente.

Desde logo, é de reparar que no acórdão ora recorrido o Tribunal chegou a analisar o vício invocado pelo interessado da violação do princípio da proporcionalidade, com citação das doutrinas e até do acórdão do Tribunal de Última Instância proferido no processo n.º 6/2000, tendo concluído que “o prazo de 3 anos de interdição da entrada … é manifestamente excessivo, o que viola o princípio da proporcionalidade, gerando assim a anulabilidade do acto”.
Assim sendo, afigura-se-nos evidente que o Tribunal recorrido decidiu anular o acto impugnado porque entendeu desproporcional a duração de 3 anos para a interdição da entrada aplicada ao ora recorrido.
Não obstante a não utilização das expressões referidas pela entidade recorrente, tais como “erro manifesto” ou “totalmente desrazoável”, ou outras, certo é que, ao apreciar o recurso interposto do acto administrativo impugnado, o Tribunal recorrido analisou efectivamente a questão suscitada pelo recorrente, pelo que não se verifica a alegada omissão de pronúncia.
E não se vê como foi violado o princípio da separação de poderes, pois pode o tribunal intervir na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, quando as decisões administrativas o violem de modo intolerável, tal como vamos expor a seguir.

Sobre a matéria ora em causa, a interdição de entrada na RAEM, dispõe o art.º 12.º da Lei n.º 6/2004:
“Artigo 12. º
Interdição de entrada
1. As pessoas a quem seja decretada a expulsão ficam, depois de esta ser concretizada, interditas de entrar na RAEM por um período a fixar na ordem de expulsão.
2. Pode igualmente ser decretada a interdição de entrada:
1) Preventiva ou sucessivamente, quando os motivos que levam à recusa de entrada, nos termos das alíneas 1) a 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003, justifiquem que essa medida seja prolongada no tempo;
2) Às pessoas a quem seja revogada a autorização de permanência nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
3. A interdição de entrada pelos motivos constantes das alíneas 2) e 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003 deve fundar-se na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
4. O período de interdição de entrada deve ser proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam.”
Por sua vez, nos termos da al. 2) do n.º 2 do art.º 4.º da Lei n.º 4/2003, pode recusar-se a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de que terem sido condenados em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior.

No caso vertente, a interdição de entrada do ora recorrido por um período de 3 anos foi determinada ao abrigo do art.º 12.º n.º 2, al. 1), n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 6/2004, conjugado com o art.º 4.º n.º 2, al. 2) da Lei n.º 4/2003, porque o recorrido foi condenado, pela prática de 2 crimes de emprego ilegal p. p. pelo art.º 16.º n.º 1 da Lei n.º 6/2004, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses.
O Tribunal recorrido considera desproporcional a duração de 3 anos para a interdição da entrada.
No que concerne à proporcionalidade da referida medida, está em causa o exercício do poder discricionário por parte da Administração.
Como é sabido, a decisão de decretar a interdição de entrada “é discricionária, como também é discricionária a fixação do período de interdição de entrada, já que os conceitos a que a lei subordina o mesmo período concedem uma margem de livre apreciação à Administração”, tal como entende este Tribunal de Última Instância.2
Não se pode perder de vista que a medida de proibição de entrada constitui uma autêntica medida de polícia, que visa intervir no exercício de actividades individuais susceptíveis de fazerem perigar interesses gerais que se prendem concretamente com a manutenção da ordem pública e segurança da RAEM, que podem ser postas em perigo com a entrada e permanência de não residentes cuja situação se enquadra nas previsões legais.
Há que ter sempre presente as razões atinentes à segurança e à ordem públicas que estão subjacentes na proibição de entrada e a natureza dessa mesma medida.
E estamos perante o exercício do poder discricionário quando a Administração determina o prazo de interdição de entrada na RAEM segundo as normas legais.
Nos casos em que a Administração actua no âmbito do poder discricionário, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, como é o nosso caso, a decisão tomada pela Administração fica fora de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
Sendo entendimento uniforme e pacífico, este Tribunal de Última Instância tem afirmado que “a intervenção dos tribunais na anulação de actos exercidos no exercício de poderes discricionários, com fundamento em violação de princípios como da proporcionalidade ou da justiça, só deve ter lugar naqueles casos flagrantes, evidentes, de violações intoleráveis destes princípios”.
“Ao tribunal não compete dizer se o período de interdição de entrada fixado ao recorrente foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam, se tal período foi o que o Tribunal teria aplicado se a lei lhe cometesse tal atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro.”3
Daí que só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável [art.º 21.º n.º 1, al. d) do CPAC], sendo que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.4
Há que pôr em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto administrativo restritivo ou limitativo e os bens e interesses individuais sacrificados por esse acto, para aferir da proporcionalidade da medida concretamente aplicada. E só no caso de considerar inaceitável e intolerável o sacrifício é que se deve concluir pela violação do princípio da proporcionalidade.
Na realidade, a interdição de entrada na RAEM é considerada como “uma medida policial de prevenção tomada em consequência da análise de personalidade e situação pessoal de um não-residente da RAEM”, para cuja determinação prevalecem mais os interesses públicos da sociedade da RAEM.5
O acto administrativo impugnado visa obviamente prosseguir um dos interesses públicos, que é prevenção e garantia da segurança, da ordem públicas e estabilidade social da RAEM.
Cabe à Administração da RAEM considerar e avaliar a conduta e a personalidade do ora recorrido, ponderar a existência de perigo que pode ser causado à segurança e ordem públicas com a sua entrada e permanência em Macau e tomar a medida que considera adequada e necessária.
Tudo ponderado, e tendo em consideração os elementos constantes dos autos, não se afigura que a medida da proibição de entrada por 3 anos aplicada ao recorrido é manifestamente excessiva nem desproporcional.
É de julgar procedente o recurso jurisdicional.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando o acórdão recorrido e negando provimento ao recurso contencioso.
Custas pelo recorrido, com a taxa de justiça que se fixa em 5 UC.

                 Macau, 31 de Julho de 2018
                 
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Chan Tsz King
1 Aliás, nesse caso, a conduta do não residente a quem foi aplicada a medida de interdição de entrada teve por fundo e motivo, “apenas”, a prática de uma infracção administrativa, de trabalho ilegal (era o empregado), ao passo que, no caso sub judicie, a medida de interdição de entrada aplicada ao cidadão A teve por fundo e motivo a prática de uma conduta criminosa (foi o empregador).
2 Cfr. Ac.do Tribunal de Última Instância, de 9-5-2012, Processo n.º 13/2012.
3 Cfr. Acórdãos do Tribunal de Última Instância, de 19-11-2014, Processo n.º 112/2014 e de 9-5-2012, Processo n.º 13/2012.
4 Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância, de 15-10-2003, Processo n.º 26/2003, entre outros.
5 Cfr. Ac.do Tribunal de Última Instância, de 30-7-2008, Proc. n.º 34/2007.
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Processo n.º 46/2018