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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ---------------------------
--- Data: 19/07/2018 ------------------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Juiz Chan Kuong Seng -------------------------------------------------------------------------------------


Processo n.º 618/2018
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A






DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Por acórdão proferido a fls. 396 a 408 do Processo Comum Colectivo n.° CR4-16-0168-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenado o arguido A, aí já melhor identificado, como autor material, na forma consumada, de um crime de burla, p. e p. pelo art.o 211.o, n.o 1, do Código Penal (CP), em sete meses de prisão, e de seis crimes de abuso de cartão de crédito, p. e p. pelo art.o 218.o, n.o 1, do CP, em nove meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico, finalmente na pena única de dois anos e seis meses de prisão efectiva, e na obrigação de pagar à assistente cinco mil dólares de Hong Kong de indemnização, com juros legais contados a partir da data desse acórdão até integral e efectivo pagamento.
Veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando (no seu essencial) e rogando o seguinte (cfr. com mais detalhes, a motivação do recurso apresentada a fls. 446 a 455 dos presentes autos correspondentes):
– a título principal, houve omissão da investigação sobre as condições pessoais, familiares e económicas do próprio recorrente (então julgado à revelia), para efeitos de tomada de decisão judicial em sede da medida concreta da pena nos termos do art.o 65.o, n.o 2, alínea d), do CP, pelo que a decisão condenatória recorrida padeceu do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP) (por o Tribunal sentenciador não ter usado o mecanismo previsto nos art.os 350.o, n.o 2, 351.o, n.o 1, e 352.o, n.os 1 e 2, do CPP para efeitos da medida da pena), devendo, pois, o processo reenviado para novo julgamento, com vista ao apuramento de quais as condições pessoais e económicas do arguido;
– e subsidiariamente falando: o Tribunal sentenciador, ao proceder à medida da pena, afirmou que o arguido não é delinquente primário, que as consequências da prática dos crimes foram graves e que por ser relativamente grande o número de crimes do arguido não se pode suspender a execução da pena de prisão; sucede, porém, no entender do recorrente, que apesar das suas condenações penais em outros processos referidas na fundamentação fáctica do acórdão ora recorrido, os factos do presente processo penal foram praticados anteriormente daquelas condenações, pelo que ele foi ainda delinquente primário aquando do cometimento dos crimes em causa no presente processo, que como ele próprio já reparou grande parte de prejuízos pecuniários sofridos pela ofendida assistente e os montantes nas transacções feitas com uso dos cartões de crédito da assistente não foram elevados, as consequências dos seis crimes de abuso de cartões de crédito praticados contra a assistente não podem ser consideradas graves, até porque a pena desses seis crimes merece atenuação especial nos termos do art.o 66.o, n.o 2, alínea c), do CP, e que por ser ele sobretudo delinquente primário na prática dos crimes em causa no presente processo, o que significa que ele nunca recebeu advertência de não cometimento de crimes, merece ele ainda a suspensão da execução da pena.
Ao recurso respondeu o Ministério Público no sentido essencialmente de provimento do recurso (cfr. a resposta de fls. 462 a 465v dos autos).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 498 a 500), pronunciando-se no sentido de devida atenuação especial da pena dos seis crimes de abuso de cartão de crédito em causa, nos termos do art.o 201.o, n.o 1, ex vi do art.o 221.o, ambos do CP, sendo, porém, improcedente a argumentação do recorrente.
Sendo de simples solução as questões postas no recurso, cumpre decidir sumariamente do recurso, nos termos permitidos pelo art.o 621.o, n.o 2, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do CPP.
2. Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
– o acórdão ora recorrido encontrou-se proferido a fls. 396 a 408, cujo teor (que inclui a respectiva fundamentação fáctica e jurídica) se dá por aqui inteiramente reproduzido;
– na contestação então apresentada em nome do arguido (a fl. 327), só foi feito o arrolamento de prova testemunhal.
3. De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
O recorrente começa por pretender, com alegado fundamento na existência do vício referido no art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do CPP, o reenvio do processo para novo julgamento no Tribunal Judicial de Base com vista ao apuramento, omitido pelo Tribunal ora recorrido, de quais as suas condições pessoais e económicas para efeitos da medida da pena à luz do art.o 65.o, n.o 2, alínea d), do CP.
A este propósito, há que observar que: (1) não tendo sido alegada na contestação então apresentada em nome do arguido qualquer factualidade a compor o tema probando para além da factualidade já descrita no libelo acusatório, todo o objecto probando do presente processo penal já se encontrou delimitado pela factualidade descrita nesse libelo; (2) e como do teor da fundamentação fáctica do acórdão recorrido se pode ver que o Tribunal sentenciador já deu por concretamente provada toda a factualidade então acusada ao arguido no respectivo libelo, o que significa que o Tribunal já investigou todo o objecto probando do processo, não pode ter ocorrido, assim, qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto como vício aludido na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP.
De notar que: a realização da produção de prova suplementar de que se fala no n.o 2 do art.o 350.o do CPP não tem carácter imprescindível nem obrigatório (e para constatar isto, basta atender à seguinte passagem ínsita no n.o 2 desse artigo “… pergunta se o tribunal considera necessária produção de prova suplementar …; se a resposta for negativa, …”, e ao verbo “pode” empregue na letra do n.o 1 do art.o 351.o do CPP); e as circunstâncias referidas na alínea d) do n.o 2 do art.o 65.o do CP são apenas umas das diversas circunstâncias a atender nomeadamente na medida concreta da pena, pelo que o desconhecimento de quais as condições pessoais e situação económica do arguido, devido, por exemplo, ao facto de este ter sido julgado à revelia, não constitui entrave à tarefa da medida concreta da pena.
Assim sendo, improcede o pedido de reenvio do processo para novo julgamento.
Agora quanto à problemática da medida concreta da pena:
Pretende o arguido sobretudo que a pena aplicável aos seus seis crimes de abuso de cartão de crédito seja atenuada nos termos do art.o 66.o, n.o 2, alinea c), do CP.
Como se sabe, o art.o 66.o do CP é uma cláusula geral de atenuação especial da pena, “para além dos casos expressamente previstos na lei”, ou seja, para além das cláusulas especiais de atenuação especial da pena.
Um dos exemplos de cláusula especial de atenuação especial da pena é o caso especialmente previsto no n.o 1 do art.o 201.o do CP, aplicável também ao crime de abuso de cartão de crédito por força da norma do art.o 221.o do CP.
No caso dos autos, estando já materialmente provado em primeira instância que o arguido já se responsabilizou pelo pagamento, à assistente, das despesas de consumo, no valor total de MOP17.529,00, referentes às transacções feitas por ele no período de Julho a Setembro de 2011 com abuso dos cartões de crédito da assistente (transacções essas que corresponderam aos primeiros quatro dos seis crimes de abuso de cartão de crédito comprovadamente praticados pelo arguido) (cfr. maxime a segunda parte do facto provado 22), é obrigatório, por força do n.o 1 do art.o 201.o do CP, ex vi do art.o 221.o do CP, atenuar especialmente a pena desses primeiros quatro crimes de abuso de cartão de crédito.
Já quanto aos restantes dois crimes de abuso de cartão de crédito, é manifesto que não pode haver lugar a atenuação especial da pena dos mesmos, em termos gerais previstos no art.o 66.o, n.o 1, do CP, isto porque devido às elevadas exigências da prevenção geral deste tipo legal de crime, que reclamam naturalmente a necessidade da pena, há que medir a respectiva pena concreta dentro da moldura penal normal.
No tocante à questão de o arguido ser ou não delinquente primário, o Tribunal recorrido já deu provado que “na altura dos factos o arguido é delinquente primário” (cfr. o penúltimo parágrafo da página 13 do acórdão recorrido, a fl. 402). É certo que o mesmo Tribunal, depois na 6.a linha da página 20 desse acórdão (a fl. 405v), afirmou que “o arguido não é delinquente primário (cfr. os registos criminais atrás referidos)”, mas ao afirmar isto, esse Tribunal estava a adoptar o critério de existência já de registos criminais do arguido, e não o critério da data da prática dos factos. Daí que o recorrente não pode vir fazer uma interpretação fragmentária do conteúdo da fundamentação do acórdão recorrido.
E no tangente à consideração tecida pelo Tribunal recorrido acerca da gravidade das consequências dos crimes praticados, isto é consideração feita pelo Tribunal recorrido em face das circunstâncias apuradas, sendo certo que ao tecer esta consideração, se esqueceu esse Tribunal, pelos vistos, da circunstância fáctica descrita na segunda parte do facto provado 22.
Tudo visto, é de ver, uma vez por todas, a medida da pena dos sete crimes por que vinha condenado o arguido no acórdão recorrido.
O arguido não chegou a suscitar concretamente na motivação do recurso a questão da escolha da espécie da pena do art.o 64.o do CP, pelo que se passa agora a aquilatar somente da justeza da medida concreta da pena de prisão aplicada no acórdão recorrido a todos os seus sete crimes.
O crime de abuso de cartão de crédito do n.o 1 do art.o 218.o do CP é punível com pena de prisão até três anos, sendo certo que essa moldura penal de prisão, se for especialmente atenuada, passará a ser de um mês a dois anos de prisão (nos termos do art.o 67.o, n.o 1, alíneas a) e b), do CP).
E o crime de burla simples do n.o 1 do art.o 211.o do CP é punível com pena de prisão até três anos.
Assim, quanto aos primeiros quatro crimes de abuso de cartão de crédito, em relação aos quais é obrigatório, nos termos já acima analisados, atenuar especialmente a respectiva moldura penal aplicável, é de passar a condenar o arguido, por cada um desses quatro crimes de abuso de cartão de crédito, em cinco meses de prisão, após consideradas todas as circunstâncias fácticas apuradas em primeira instância, com pertinência à medida concreta da pena aos padrões dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP.
E quanto à pena de nove meses de prisão aplicada no acórdão recorrido a cada um dos dois restantes crimes de abuso de cartão de crédito, e à pena de sete meses de prisão aplicada aí ao crime de burla simples do arguido, já não se afigura, aos critérios dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, e ponderadas também as prementes exigências da prevenção geral destes dois tipos legais de crime, que essas duas penas de prisão admitam mais margem para redução, ainda que o arguido seja delinquente primário na prática dos correspondentes factos.
Em cúmulo jurídico das sete penas de prisão acima referidas, operado nos termos do art.o 71.o, n.os 1 e 2, do CP, dentro da moldura aplicável de nove a quarenta e cinco meses de prisão, com consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do arguido manifestada na prática dos mesmos, é de passar a condená-lo na pena única de um ano e dois meses de prisão, pena única esta que não se suspende na sua execução (isto porque apesar de o arguido ser delinquente primário à data da prática dos ditos sete crimes, o art.o 48.o, n.o 1, do CP manda atender também “à sua conduta … posterior ao crime” para efeitos de formação de eventual juízo de prognose favorável ao arguido em sede da decisão da questão de suspensão, ou não, da pena de prisão, sendo certo que as condenações penais do arguido em outros processos penais como tal já referidas na fundamentação fáctica do acórdão ora recorrido reflectem a conduta do arguido posteriormente à prática dos sete crimes em causa no presente processo, de maneira que consideradas também as necessidades da prevenção geral dos crimes de abuso de cartão de crédito e de burla em Macau, é de julgar que a simples censura dos factos e ameaça da execução da pena não consigam realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição).
Portanto, procede parcialmente o recurso, sem mais abordagem por desnecessária.
4. Dest’arte, julga-se parcialmente provido o recurso, passando a condenar o arguido em cinco meses de prisão por autoria material, na forma consumada, de cada um dos quatro crimes de abuso de cartão de crédito (praticados no período de Julho a Setembro de 2011), p. e p. pelo art.o 218.o, n.o 1, do Código Penal (com pena de prisão aplicável especialmente atenuada nos termos do art.o 201.o, n.o 1, ex vi do art.o 221.o, ambos do mesmo Código), com manutenção das penas de prisão já aplicadas no acórdão recorrido aos restantes dois crimes de abuso de cartão de crédito e ao crime de burla simples do arguido, ficando, assim, o arguido finalmente condenado na nova pena única de um ano e dois meses de prisão efectiva.
Pagará o recorrente 2/3 das custas do seu recurso, e duas UC de taxa de justiça em correspondência a essa porção de decaimento no recurso.
Fixam em três mil patacas os honorários do seu Ex.mo Defensor Oficioso do arguido, ficando 2/3 desse montante a cargo do recorrente e o remanescente 1/3 por conta do Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Transitada em julgado a presente decisão sumária, comunique-a ao Processo Comum Colectivo inicialmente n.o CR2-15-0339-PCC (e actualmente n.o CR5-15-0231-PCC) do Tribunal Judicial de Base à ordem do qual se encontra preso o arguido.
Macau, 19 de Julho de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)



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