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Processo n.º 926/2017 Data do acórdão: 2018-7-12 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– usura para jogo com exigência de documento
– art.o 14.o da Lei n.o 8/96/M
– bilhete de identidade de residente da República Popular da China
– documento de identificação
– art.o 243.o, alínea c), do Código Penal
S U M Á R I O

Para efeitos de verificação do crime de usura para jogo com exigência de documento, p. e p. sobretudo pelo art.o 14.o da Lei 8/96/M, o bilhete de identidade de residente da República Popular da China também preenche cabalmente o conceito de documento de identificação plasmado na alínea c) do art.o 243.o do Código Penal, segundo a qual é inclusivamente considerado documento de identificação “o bilhete de identidade de residente ou outro documento autêntico que sirva para certificar a identidade”.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 926/2017
(Recurso em processo penal)
Recorrente: Ministério Público




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 168 a 174 do subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR3-16-0170-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficaram condenados o 1.o arguido A e o 2.o arguido B, aí já melhor identificados, como co-autores materiais, na forma consumada, de um crime de usura para jogo, p. e p. pelo art.o 13.o da Lei n.o 8/96/M, de 22 de Julho, na pena de sete meses de prisão (suspensa na sua execução por dois anos) e na pena acessória de interdição de entrada nos casinos de Macau por dois anos.
Inconformada, veio a Digna Delegada do Procurador recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir (na motivação apresentada a fls. 180 a 183v dos presentes autos correspondentes) a condenação dos dois arguidos nos termos inicialmente acusados, como sendo co-autores materiais de um crime consumado de usura de jogo com exigência de documento para servir de garantia, p. e p. sobretudo pelo art.o 14.o da referida Lei, por, no entender dela, e no essencial, o bilhete de identidade de residente da República Popular da China ser subsumível ao conceito de documento de identificação definido na alínea c) do art.o 243.o do Código Penal (CP), a relevar para os efeitos da aplicação da norma incriminadora do art.o 14.o da mencionada Lei.
Ao recurso não responderam os dois arguidos.
Subidos os autos, opinou a Digna Procuradora-Adjunta (a fls. 199 a 200v) no sentido de provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não foi impugnada a matéria de facto já descrita como provada nas páginas 5 a 7 do texto da decisão recorrida (ora concretamente a fls. 170 a 171) e sendo o objecto do recurso circunscrito tão-só à problemática da qualificação jurídico-penal dos factos provados, é de tomar tal factualidade provada como fundamentação fáctica da presente decisão de recurso, nos termos permitidos pelo art.º 631.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 4.º do Código de Processo Penal.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
É nesses parâmetros que vai ser decidida a presente lide recursória.
A Digna Delegada do Procurador recorrente vem insurgir-se contra a não decisão condenatória dos dois arguidos do processo nos termos por que vinham inicialmente acusados como co-autores materiais de um crime consumado de usura para jogo com exigência de documento para servir de garantia, p. e p. sobretudo pelo art.o 14.o da Lei n.o 8/96/M.
Procede o recurso, porquanto realiza o presente Tribunal de recurso que o bilhete de identidade de residente da República Popular da China (tipo de documento esse em causa na matéria de facto provada no aresto ora recorrido) também preenche cabalmente o conceito de documento de identificação plasmado na alínea c) do art.o 243.o do CP, segundo a qual é inclusivamente considerado documento de identificação “o bilhete de identidade de residente ou outro documento autêntico que sirva para certificar a identidade”, sem mais indagação por desnecessária.
Por isso, é de passar a condenar os dois arguidos do processo nos termos inicialmente acusados juspenalmente: O crime do art.o 14.o da Lei n.o 8/96/M é punível com pena de prisão de dois a oito anos e pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogos por um período de dois a dez anos (cfr. também o art.o 15.o da mesma Lei). Assim, ponderando tudo (com consideração de todas as circunstâncias fácticas já apuradas pelo Tribunal a quo e descritas como provadas no texto da decisão recorrida) à luz dos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, e 65.º, n.os 1 e 2, do CP, há que passar a condenar cada um dos dois arguidos, como co-autores materiais, na forma consumada, de um crime de usura para jogo com exigência de documento para servir de garantia, p. e p. sobretudo pelo art.o 14.o da Lei n.o 8/96/M, em dois anos e nove meses de prisão (suspensa a pena de prisão na execução por três anos nos termos aplicáveis do art.o 48.o, n.o 1, do CP), e na pena acessória de proibição de entrada nos casinos de Macau por três anos.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso do Ministério Público, revogando, por conseguinte, a decisão condenatória recorrida, e passando a condenar cada um dos dois arguidos do presente processo penal chamados A e B, como co-autores materiais de um crime consumado de usura para jogo com exigência de documento para servir de garantia, p. e p. sobretudo pelo art.o 14.o da Lei n.o 8/96/M, em dois anos e nove meses de prisão (suspensa a pena de prisão na execução por três anos), e na pena acessória de proibição de entrada nos casinos de Macau por três anos.
Sem custas no presente recurso.
Macau, 12 de Julho de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chou Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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