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Processo n.º 325/2016 Data do acórdão: 2018-7-19 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
– burla
– art.o 211.o do Código Penal
– prejuízo patrimonial

S U M Á R I O
1. Como após vistos, pelo tribunal de recurso, todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que o tribunal recorrido, aquando da formação da sua convicção sobre os factos, tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer leges artis vigentes no julgamento de factos, não pode ter existido erro notório na apreciação da prova, como vício referido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal, por parte do tribunal recorrido no julgamento dos factos.
2. O crime de burla, descrito fundamentalmente no art.o 211.o do Código Penal, pressupõe, para além de outros elementos constitutivos desse tipo-de-ilícito, a verificação do prejuízo patrimonial por parte do ofendido.
3. Como ante a factualidade dada por provada no acórdão recorrido não se sabe se o ofendido ora assistente e recorrente tenha ficado com algum prejuízo patrimonial por causa da sua aquisição de 30% das acções da sociedade comercial titulada de facto pela arguida, fica assim inviável juridicamente a tese de prática do crime de burla pela arguida.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 325/2016
(Recurso em processo penal)
Recorrente (assistente): A
Recorrida (arguida): B






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 498 a 504 do subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR3-14-0239-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou absolvida a arguida desse processo chamada B, aí já melhor identificada, da prática, em autoria material, na forma consumada, de dois crimes de uso de documento falsificado, p. e p. pelo art.o 244.o, n.o 1, alínea c), do Código Penal (CP), e de um crime de burla em valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.o 211.o, n.o 4, alínea a), do CP, ou de um crime de abuso de confiança em valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.o 199.o, n.o 4, alínea b), do CP.
Inconformado, veio o ofendido constituído assistente A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a condenação da arguida nos termos legais acima referidos, imputando, para o efeito, àquele Tribunal sentenciador, o cometimento do erro notório na apreciação da prova como vício aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP), por no seu entender, e no essencial (cfr. em mais detalhes, a motivação de fls. 515 a 521 dos presentes autos correspondentes), os oitos factos especificadamente dados como não provados no texto da decisão recorrida deveriam ter sido dados como provados em face dos elementos de prova dos autos.
Ao recurso, respondeu o Digno Delegado do Procurador junto do Tribunal recorrido a fls. 524 a 525v, no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fls. 533 a 534v, também no sentido de não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido se encontra proferido a fls. 498 a 504, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
É nesses parâmetros que vai ser decidida a presente lide recursória.
O assistente apontou à decisão recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova.
Entretanto, para o presente Tribunal de recurso, vistos todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido, aquando da formação da sua convicção sobre os factos, tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer leges artis vigentes no julgamento de factos.
Não pode, pois, ter existido erro notório na apreciação da prova (como vício referido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP) por parte do Tribunal recorrido no julgamento dos factos.
De facto, não houve nos autos prova concreta do carácter falso dos dois contratos “provisórios” de compra e venda de imóveis em causa, como já explicou o Tribunal recorrido congruentemente na fundamentação probatória da decisão recorrida. E tal como também já justificou esse Tribunal, dos autos não constam efectivamente elementos de prova susceptíveis de revelar a situação concreta de funcionamento da sociedade comercial denominada C Limited e o fluxo, nessa sociedade (titulada de facto pela arguida), dos dois montantes de dinheiro então injectados pelo assistente para a aquisição de 30% das acções da mesma sociedade, o que torna impossivel saber se o assistente recorrente tenha ficado com algum prejuízo patrimonial, por causa do seu acto de aquisição de 30% das acções dessa sociedade.
E a nível de direito falando, o crime de burla, descrito fundamentalmente no art.o 211.o do CP, pressupõe, para além de outros elementos constitutivos desse tipo-de-ilícito, a verificação do prejuízo patrimonial por parte do ofendido. Como ante a factualidade dada por provada no acórdão recorrido não se sabe, como já se disse acima, se o ofendido ora assistente tenha ficado com algum prejuízo patrimonial por causa da sua aquisição de 30% das acções daquela sociedade, fica assim inviável juridicamente a tese de prática do crime de burla pela arguida.
E estando em causa a aquisição, pelo assistente, de acções da dita sociedade, há que decair, de modo liminar, a tese jurídica de verificação do crime de abuso de confiança alegadamente praticado pela arguida.
Naufraga, pois, a pretensão de condenação penal da arguida, sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Pagará o assistente, pelo decaimento do seu recurso, três UC de taxa de justiça.
Macau, 19 de Julho de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chou Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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