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Processo n.º 835/2016 Data do acórdão: 2018-7-19 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal

S U M Á R I O
Como ante todos os elementos da prova referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, não se vislumbra ao tribunal de recurso que o tribunal recorrido tenha violado, de modo patente, quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer leges artis vigentes no julgamento de factos, não pode ter ocorrido, por parte do tribunal recorrido, o erro notório na apreciação da prova, como vício referido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 835/2016
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguida): A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 132 a 136 do subjacente Processo Comum Singular n.o CR2-16-0244-PCS do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenada a arguida A, aí já melhor identificada, como autora material, na forma consumada, de um crime de fuga à responsabilidade, p. e p. pelo art.o 89.o da Lei do Trânsito Rodoviário, em 105 dias de multa (à quantia diária de 200 patacas, no total, pois, de 21000 patacas de multa, convertível, no caso de não ser paga nem substituída por trabalho, em 70 dias de prisão), e na inibição de condução por três meses.
Inconformada, veio a arguida recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI) para pedir a sua absolvição, tendo alegado (no seu essencial) o seguinte na sua motivação de fls. 146 a 153 dos presentes autos correspondentes (com conclusões da motivação apresentadas em segunda via a fls. 187 a 188): o Tribunal recorrido errou notoriamente na apreciação da prova como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP), porque ela, por estar mal disposta de saúde na altura, não conseguiu aperceber-se de que afinal o veículo então conduzido por ela tinha embatido também no veículo pertencente ao ofendido, para além do embate também dado num outro veículo objecto de um outro processo de inquérito instaurado, e depois de notificada pela Polícia, foi ela tratar muito activamente do assunto de indemnização ao ofendido do presente processo, pelo que tudo isto daria para se reputar a falta de dolo dela na prática do acto de fuga à responsabilidade, até porque no dito outro processo instaurado por causa do embate dado pelo veículo conduzido por ela na altura e no mesmo sítio num outro veículo, foi o inquérito arquivado pelo Ministério Público com fundamento na falta de dolo dela na fuga à responsabilidade.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 162 a 166v no sentido de procedência do recurso.
Subidos os autos, opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fls. 180 a 181, no sentido de manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que a sentença ora recorrida se encontrou proferida a fls. 132 a 136 dos autos, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
É nesses parâmetros que vai ser decidida a presente lide recursória.
A arguida apontou à decisão condenatória recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP.
Entretanto, ante todos os elementos da prova referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, não se vislumbra ao presente Tribunal de recurso que o Tribunal recorrido tenha violado, de modo patente, quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou ainda quaisquer leges artis a observar no julgamento de factos, pelo que não pode ter ocorrido o erro notório na apreciação da prova invocado na motivação do recurso.
Aliás, o Tribunal recorrido já explicou (nas páginas 4 (a partir da 10.a linha) a 5 (até à 18.a linha) do texto da sua sentença, concretamente a fls. 133v a 134), minuciosa e conguentemente, o processo de formação da sua livre convicção no julgamento dos factos, permitida nos termos do art.o 114.o do CPP, sendo de frisar que o penúltimo parágrafo dessa explicação (escrito nas 8.a a 15.a linhas da página 5 do mesmo texto decisório) já rebateu a tese sustentada pela recorrente de falta quer do seu conhecimento do embate do veículo por ela conduzido no veículo pertencente ao ofendido dos presentes autos quer da sua intenção de fugir à responsabilidade causada pelo embate em questão.
É certo que pode a recorrente continuar a defender, nomeadamente, que ela não se apercebeu da ocorrência do embate em causa e que ela própria não teve a intenção de fugir à responsabilidade. Mas, outra coisa é a livre convicção da M.ma Juíza a quo, em cuja formação não se detecta, nos termos acima vistos, qualquer erro notório na apreciação da prova.
E o alegado facto de o embate em causa ter sido provocado por descuido da condução dela não tem a virtude de afastar a punibilidade da sua fuga à responsabilidade, pois a responsabilidade de que se fala no tipo legal de conduta de fuga à responsabilidade abrange naturalmente a responsabilidade causada por descuido na condução.
Naufraga, pois, o recurso, sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pela arguida, com três UC de taxa de justiça.
Macau, 19 de Julho de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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