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Proc. nº 121/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 19 de Julho de 2018
Descritores:
     - Responsabilidade por factos ilícitos
     - Presunção de culpa
     - Reconstituição natural
     - Equidade

SUMÁRIO:

I – O regime previsto no art. 1268º do Código Civil reveste a natureza de responsabilidade por facto lícito, em que estão dispensados os pressupostos da ilicitude e da culpa, bastando a prova da actividade, do dano e do nexo de causalidade entre aquela e este.

II – É diferente o regime da responsabilidade com base numa presunção de culpa, determinada pelo art. 486º, nº2, do CC.

III – O artigo 556º, relacionado com o art. 560º do CC, institui o dever de reconstituir a situação material actual hipotética (aquela que existiria se o facto danoso não tivesse ocorrido), sendo então aí que pontua a restauração ou reposição natural, como o primeiro passo para a eliminação do dano.

IV – Todavia, a restauração natural, muitas vezes, pela própria natureza das coisas e do dano, acaba por não justificar essa solução. Nalgumas situações é necessário perceber a dinâmica física dos bens, a densidade molecular dos objectos, o comportamento das coisas perante a reparação, a insuficiência desta como modo para a reposição ao estado que existiria sem o dano, muito menos reposição ao status quo ante. É por isso que, frequentemente, é de reconhecer ao credor a opção pela reconstituição natural ou pela indemnização em dinheiro.

V – Se se demonstra a existência de danos, mas não o seu montante, proceder-se-á à fixação da indemnização pelo recurso à equidade (art. 560º, nº6, do CC) ou relegar-se-á a sua liquidação para execução de sentença (art. 564º, nº2 e 690º, ambos do CPC), consoante as especiais circunstâncias apuradas, conforme a justiça do caso e, segundo os limites que se tiverem por provados.


Proc. nº 121/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
A, titular do BIR nº... e B, titular do BIR nº..., casados entre si, ambos residentes na Rua dos..., nº..., R/C, Taipa, ------
Instauraram no TJB (Proc. nº CV3-15-0046-CAO) acção ordinária contra:
-X X Limited (X X有限公司), com sede nas …; e
-C, titular do BIR nº..., empresário em nome individual registado sob o nº ..., titular do estabelecimento comercial com a firma C建築, com sede professional na ….
Concluiu, pedindo a condenação solidária dos RR no pagamento de importâncias indemnizatórias a título de danos patrimoniais (MOP$1.560.000,00) e não patrimoniais (MOP$250.000,00), bem como nos juros de mora.
*
Foi, na oportunidade, proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou os RR no pagamento solidário das importâncias de MOP$ 750.000,00 e de MOP$ 110.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, respectivamente.
*
É contra essa sentença que ora se insurgem os réus da acção, X X Limited e C, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
«1ª O presente recurso vem interposto da sentença proferida no âmbito da presente acção ordinária e também da decisão proferida sobre a matéria de facto.
2ª Os Recorrentes esforçar-se-ão por demonstrar que a decisão sobre a matéria de facto padece do vício de contradição insanável e está tingida por um erro notório sobre a apreciação da prova.

3ª Por outro lado, a sentença padece de vícios de nulidade por excesso e omissão de pronúncia e viola as normas jurídicas aplicáveis, fazendo delas incongruente e errada interpretação e aplicação.
4ª O douto Tribunal a quo deu por provado, simultaneamente, os seguintes factos: “Desde o início das obras (cercas de Junho de 2010) até à data referida em 7º haviam decorrido mais de 2 anos e 8 meses sem que os Réus, apesar dos instantes e reiterados pedidos feitos pelos AA e pela DSSOPT, efectuassem qualquer reparação.” (resposta ao quesito 9.º) e “A 1.ª Ré limitou-se a aplicar escoramentos temporários na casa dos Autores, permanecendo os mesmos aí aposto na presente data. (resposta ao quesito 6.º)”
5ª O Tribunal a quo deu simultaneamente por provado que (1) os Recorrentes não efectuaram qualquer reparação e (2) que a 1.ª Recorrente se limitou a aplicar escoramentos temporários na casa dos Recorridos.
6ª Ora, ainda que só houvessem aplicado escoramentos temporários, certo é que já haviam feito algo para reparar os danos sofridos no prédio detido pelos Recorridos.
7ª O diferendo que opõe as partes resulta desde o início duma avaliação divergente dos danos que devem ser alvo de reparação por parte dos Recorrentes e dos que já pré-existiam ao início das obras por si levadas a cabo, tendo em consideração a vetustez do Prédio dos Recorridos.
8ª Nesse âmbito, basta atentar que, nos termos da certidão do registo predial do Prédio, a sua inscrição na matriz predial dista ao ano de 1958.
9ª Os Recorrentes têm o direito de discordar do elenco dos danos que lhes são imputados, relegando para os meios indicados a resolução das disputas entre partes civis.

10ª Como se viu, no final do julgamento realizado em primeira instância, não lograram os Recorridos provar a totalidade dos danos que reclamavam desde o primeiro momento dos Recorrentes.
11ª Os Recorridos insurgem-se desde o primeiro momento porque os Recorrentes não aceitaram custear o projecto de restauração do prédio constante, o que é muito diferente de não pretender operar qualquer reparação.
12ª O pedido dos Recorridos sempre se cifrou muito além dos danos elencados pela DSSOPT no seu relatório, pelo que não se deve confundir o não acatar com intimações desta entidade governamental com o não acatar com os desideratos dos Recorridos - o que é bem distinto.
13ª Ressalvando douto entendimento em contrário, não pode ser dada por provada nos presentes moldes a resposta oferecida ao quesito 9.º da Base Instrutória.
14ª Sugerindo-se, a esse respeito, seja reformulada a resposta ao quesito mencionado da seguinte forma: “Desde o início das obras (cerca de Junho de 2010) até à data referida na resposta ao quesito 7.º, os Réus aplicaram escoramentos temporários na casa dos Autores, permanecendo os mesmos aí apostos na presente data.”
15ª O douto Tribunal a quo deu por provado, em resposta aos quesitos 17.º e 18.º da Base Instrutória que: “A reparação de todos os danos alegados pelos Autores ascende a MOP$1.380.000,00 (resposta ao quesito 17.º) ... valor apurado pelo projecto apresentado pelas empresas supra referidas à data de 26 de Setembro de 2014 (resposta ao quesito 18.º)”
16ª De acordo com a decisão sobre a matéria de facto, o tribunal baseou-se tão-só no teor dos documentos de fls. 177-199 para responder aos quesitos mencionados.
17ª Os Recorrentes não poderão deixar de impugnar as conclusões atingidas pelo douto colectivo, fundamentando tal discordância nos mesmíssimos projectos em que este se consubstanciou, demonstrando, afinal, que estes não são fiáveis para sustentar as conclusões atingidas.
18ª Os Recorridos consubstanciaram o seu pedido para fazer face aos danos alegados no projecto de reabilitação elaborado pelas empresas X DESIGN & CONTRACTING e X CONSUL TADORIA DE ENGENHARIA LDA.
19ª O Douto Tribunal acabou por concluir que tal projecto acabou por provar os danos que haviam sido alegados pelos Recorridos.
20ª O projecto de fls. 177 a 199 dos autos consubstancia, na verdadeira acepção do termo, um projecto de restauro ou reabilitação do prédio dos Recorridos.
21ª O próprio Tribunal a quo apelida o projecto encomendado de “projecto de remodelação do imóvel” e esclarece que “o valor orçamental em causa refere-se ao projecto de restauro de todo o edifício construído no prédio pertencente ao Autores, no qual não foram especificados os itens correspondentes aos danos efectivamente causados pelos actos causados pelos Réus, não sendo apurado, efectivamente, o montante exacto para a reparação desses danos”.
22ª O prédio dos Recorridos é uma construção muito antiga, que se encontrava em “condições precárias de conservação”.
23ª Remetendo novamente para a certidão do registo predial junta, constata-se que a inscrição na matriz predial remonta já à década de 50 do século passado.
24ª Mais se deve salientar do parecer encomendado a constatação de que “[n]ão existindo registos da situação inicial não se pode assegurar qual a extensão dos danos efectivamente provocados pela construção nova. Pelo que nos é dado a observar, sem termos esse “retrato” da situação existente aquando do início dos trabalhos, não podemos saber até que ponto os assentamentos e fissuras observados foram unicamente provocados pela nova construção ou se em parte já existiriam e com as obras foram então agravados”.
25ª O projecto de construção no qual se fundamentam os Recorridos para formular o pedido de indemnização reflecte não o conjunto de obras necessárias para endereçar os danos que inicialmente se imputaram aos Recorrentes, mas antes o conjunto total de obras necessárias para proceder ao restauro e reabilitação dum prédio vetusto, em estado precário de conservação.
26ª É manifestamente desadequado e oportunista pretender que algum dos Recorrentes assuma os custos de reabilitação dum prédio cujo destino próximo seria provavelmente a sua demolição e reconstrução, independentemente de quaisquer danos que se possam imputar à sua conduta.
27ª O valor orçamentado para o projecto de restauro ou reabilitação, na medida em que se aparta do caso específico em análise nos presentes autos, para abarcar a “ressurreição” total dum edifício antigo, não pode ser utilizado como referência na determinação de qualquer compensação.
28ª O Tribunal, de facto, não estava apetrechado com elementos conclusivos para poder fixar um montante compensatório para endereçar os danos patrimoniais alegados pelos Recorridos (e muito menos os danos efectivamente comprovados).
29ª Pelo que a resposta aos quesitos 17.º e 18.º da Base Instrutória deverá ser, necessariamente, negativa.
30ª Os Recorridos intentaram a presente acção pretendendo a condenação dos Recorrentes por virtude da responsabilidade extracontratual pela prática de facto ilícito, invocando a presunção de culpa prevista no art. 486.º, n.º 2 do Código Civil (CC).
31ª Invocaram ainda os Recorridos, tendo como objectivo a responsabilização da 1.ª Recorrente por virtude de actos ilícitos praticados pelo 2.ª Recorrente, a responsabilidade pelo risco do comitente, prevista no art. 493.º do CC.
32ª Em momento algum invocaram os Recorridos a responsabilização primacialmente objectiva dos Recorrentes, isto é, uma responsabilidade que não pressupusesse uma actuação ilícita de qualquer das partes.
33ª Efectivamente, os Recorridos apenas invocaram a responsabilidade da
1.ª Recorrente enquanto comitente pelos factos ilícitos praticados pelo
2.º Recorrente, o que implicaria a prévia demonstração da prática de factos ilícitos pelo 2.º Recorrente.
34ª O Tribunal a quo é o primeiro a concluir que ambos os Recorrentes não podem ser condenados por virtude da responsabilidade extracontratual pela prática de factos ilícitos, admitindo desde logo a ausência de culpa - pressuposto necessário para despoletá-la.
35ª Conforme se lê na sentença recorrida, “(...) nada consta dos factos assentes como é que essas obras foram realizadas, nomeadamente se as obras foram executadas pelos Réus contra as regras de segurança e com violação dos deveres de diligências e prudência, elementos necessários para formar um juízo censurável do ponto de vista ético-jurídico das condutas dos Réus. Sem esse elemento, não poderão imputar aos Réus a responsabilidade com base na culpa.”
36ª Importa notar que o art. 486.º, n.º 2 do CC estabelece uma presunção de culpa (ilidível) e não faz operar a responsabilidade pelo risco.
37ª Uma interpretação sistemática do preceito legal invocado aponta inequivocamente para a sua não contemplação enquanto factor de responsabilização pelo risco, a qual vem prevista sucedaneamente nos arts. 492.º e ss. do CC.
38ª Neste sentido, e porque, de resto, nunca foi invocada a responsabilidade pelo risco decorrente da aplicação do art. 1268.º do CC, estava vedado ao Tribunal a quo o conhecimento de tal questão.

39ª Mal andou assim, com o devido respeito, o Tribunal a quo ao condenar os Recorrentes com base na responsabilidade pelo risco nos termos do art. 1268.º do CC.
40ª Estabelece o art. 563.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC) que “[o] juiz ocupa-se apenas das questões suscitadas pelas partes”, acrescentando o art. 564.º, n.º 1 do mesmo diploma que “[a] sentença não pode condenar em (. . .) objecto diverso do que se pedir.”
41ª Não tendo sido suscitado pelos Recorridos a responsabilidade extracontratual decorrente do risco nos termos do art. 1268.º do CC, estava vedado ao Tribunal o conhecimento de tal questão.
42ª Assim, padece a sentença recorrida do vício de nulidade por excesso de pronúncia, como resulta do art. 571.º, n.º 1, al. d) do CPC;
43ª Nulidade que se invoca, nos termos do art. 571.º, n.º 3 do CPC.
44ª A sentença recorrida padece, ademais, do vício de omissão de pronúncia, pois não abordou uma questão fulcral suscitada nas alegações de Direito do 2.º Recorrente.
45ª Tendo apenas ficado provado que o 2.º Recorrente foi uma das pessoas contratadas para desenvolver as obras de que a 1. a Recorrente é dona (na alínea D) dos factos assentes), não se percebe como acaba por ser também condenado por virtude da eclosão de quaisquer danos na esfera jurídica dos Recorridos.
46ª Para se apurar alguma responsabilização do 2.º Recorrente, sempre se terá de apurar que obras efectivamente foram por ele desenvolvidas, para se poder adequadamente determinar se (e em que medida) deverá ser responsabilizado.
47ª Nessa medida, padece a sentença recorrida do vício de nulidade por omissão de pronúncia, previsto no art. 571.º, n.º 1, al. d) do CPC.

48ª O Tribunal a quo, na ausência de elementos que lhe permitissem fazê-lo, entendeu por bem atribuir, com base no recurso à equidade, uma compensação monetária pelos danos sofridos pelos Recorridos.
49ª Os Recorrentes, ao longo de todo o processo, pugnaram pela condenação na prestação do facto reparador, ao invés de serem condenados a pagar uma indemnização compensatória.
50ª De facto, vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da reparação integral do dano com prevalência pela modalidade da reconstituição natural, previsto desde logo no art. 556.º do cc.
51ª Apenas subsidiariamente (cf. art. 560.º n.º 1 do CC), e não sendo possível a reconstituição natural, se deve proceder ao apuramento duma indemnização em dinheiro.
52ª Em conformidade com os dispositivos legais aplicáveis e em vigor, não poderá ser outra a solução a adoptar.
53ª Tendo em conta a opção do legislador pela prevalência da reconstituição natural, sempre deverão os Recorrentes ser condenados na obrigação de reparar os danos efectivamente apurados.
54ª A virtualidade de se proceder, quando possível, à reconstituição natural dos danos deve ser não só um princípio orientador na actividade do julgador na determinação da indemnização, como também uma faculdade a conceder ao devedor, quando este, por qualquer motivo (e.g., por ser uma opção menos onerosa), prefira essa via.
55ª De resto, é incontroverso que a reconstituição natural dos danos é também a solução última (directa ou indirectamente) pretendida pelos Recorridos, como ao longo de todo o processo fizeram saber.
56ª A douta sentença recorrida, embora reconheça razão aos argumentos aduzidos, acaba, sem explicação cabal, por adoptar uma solução diversa, optando por recorrer à equidade para tentar determinar um quantum indemnizatório.

57ª A solução adoptada é manifestamente desaconselhável, tendo em conta a ausência de quaisquer elementos adequados para fixar um quantum compensatório, o que redundou, ultimamente, na invocação pelo Tribunal da norma contida no art. 560.º, n.º 6 do CC, norma que pressupõe que não se possa averiguar o valor exacto dos danos.
58ª Atendendo à prevalência do princípio da reconstituição natural, deverá ser corrigida a sentença recorrida, e consequentemente serem os Recorrentes condenados a proceder à reparação dos danos elencados na resposta ao quesito 3.º da Base Instrutória.
59ª Ao decidir doutro modo, dúvidas não restam que a sentença proferida é nula por violação dos dispositivos legais citados.
60ª O Tribunal a quo, como já se referiu, optou por recorrer à equidade para fixar um quantum indemnizatório no sentido de compensar os danos patrimoniais sofridos pelos Recorridos.
61ª Na sentença recorrida apelou-se à aplicação do preceituado no art. 560.º, n.º 6 do CC para justificar tal opção, tendo-se decidido adoptar como referência o valor orçamental dos projectos constantes a fls. 177-179.
62ª O preceito legal invocado pressupõe efectivamente que não possa ser averiguado o valor exacto dos danos, o que mais justificaria se optasse pela reconstituição natural dos danos.
63ª Tal projecto não reflecte sequer os danos alegados pelos Recorridos, mas antes consubstancia um projecto de renovação do Prédio.
64ª O próprio Tribunal a quo o admite, quando apelida tal projecto de “projecto de remodelação do imóvel” ou de “projecto de restauro de todo o edifício”.
65ª Efectivamente, não reflectindo tal projecto os danos comprovados nos autos, não tem o condão de servir como referência para uma fixação de indemnização com recurso à equidade.

66ª Não fica perceptível como o Tribunal recorre à equidade para alcançar o valor rque entende adequado, não sendo possível estabelecer um raciocínio devidamente fundamentado para se partir do valor base e chegar ao valor final que consubstanciou o quantum indemnizatório.
67ª Não se percebe em que medida aquele projecto endereça os danos efectivamente comprovados nos autos ou se, tratando-se de um projecto de restauro do prédio, estes apenas são endereçados incidental mente.
68ª Não tendo o Tribunal a quo dado prevalência, como lhe competia, ao princípio da reconstituição natural, tampouco poderia ter recorrido à equidade para fixar a indemnização pelos danos patrimoniais, por não dispor de elementos adequados para tal.
69ª Pretendendo o Tribunal que os Recorridos fossem compensados com uma indemnização, sempre deveria ter dado cumprimento ao disposto no art. 564.º, n.º 2 do CPC.
70ª Neste sentido, mostra-se, além de desadequado, incorrecto o recurso à equidade para fixar o quantum indemnizatório, devendo, quando muito, ser relegado para execução de sentença o apuramento do montante dos danos.
71ª Finalmente, insurgem-se os Recorrentes contra o montante fixado para compensar os danos morais dos Recorridos.
72ª O Tribunal a quo atribuiu, a final, a cada um dos Recorridos o montante de MOP$110,000.00, num total de MOP$220,000.00.
73ª Tendo em conta os danos morais comprovados nos presentes autos, mostra-se manifestamente desadequado e exagerado o montante atribuído, tendo em conta que estes se reconduzem tão-só à resposta oferecida ao quesito 11.º da base instrutória: “Os Autores saíram da casa ido em A) e sentem-se tristes”.
74ª Desde logo, a “tristeza” é um sentimento absolutamente abstracto; não consta da matéria de facto considerada provada em que medida é que esse sentimento afectou a vida dos Recorridos e seria, como tal, justificativo de uma indemnização.

75ª Ademais, não ficou provado que os Recorridos tivessem sido obrigados a abandonar o seu lar.
76ª Tampouco ficou provado que os Recorridos tivessem sido obrigados a abandonar o Prédio porque os Recorrentes não levaram a cabo as obras que aqueles pretendiam.
77ª Não se devem confundir os danos morais pela tristeza causada aos Recorridos com quaisquer danos patrimoniais pela privação do uso do Prédio.
78ª Nem tampouco devemos perder de vista o facto de que os Recorrentes acabaram por ser condenados pela prática de acto lícito, pelo que a sua responsabilização deverá ser mitigada (cf., a título de exemplo, o art. 487.º do CC).
79ª Como termo de referência, em Portugal foi atribuída uma compensação de €1,500.00 (o equivalente, sensivelmente, a pouco mais de catorze mil patacas) pela tristeza e ansiedade sofridas por uma demandante que se viu privada do uso do prédio durante vários anos, em Processo que decorreu no Supremo Tribunal de Justiça sob o n.º 1261/07.0TBOLHE.E1.S1 (www.dgsi.pt).
80ª Noutro caso, também em Portugal, para compensar os danos morais sofridos por um agregado familiar composto por um casal e os seus dois filhos, foi atribuída uma compensação de €5,000.00 (o equivalente a sensivelmente 47 mil patacas), tendo sido provados, para o efeito, não só que os demandantes foram privados de habitar no seu lar, como também variados outros danos daí decorrentes.
81ª Tendo em conta a realidade e as práticas actuais na RAEM, e sem pretender menosprezar o desgosto efectivamente sofrido pelos Recorridos, um montante conjunto nunca superior a MOP$30,000.00 será adequado para ressarcir os seus danos não patrimoniais, até porque, como se viu, não ficou provado que foram obrigados a abandonar o seu lar por qualquer motivo.

NESTES TERMOS, e nos demais de Direito aplicável, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, ser revogada ou corrigida a sentença proferida em primeira instância.»
*
Não houve resposta a este recurso.
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Os autores da acção igualmente recorreram da mesma sentença, concluindo as suas alegações pela seguinte forma:
«1ª Foi devidamente provado o nexo de causalidade existente entre os danos apurados e as obras realizadas pelos ora Recorridos.
2ª A não reparação atempada dos danos do prédio deveu-se única e exclusivamente à não actuação dos Recorridos que, mesmo tendo sido intimados à proceder à reparação daqueles mesmos danos, optaram por não o fazer até hoje.
3ª Os Recorrentes não podem concordar, de forma alguma, com o decaimento verificado a nível do quantum indemnizatório, na medida em que os factos em que assentam a fixação do montante indemnizatório em MOP$750,000.00 são exactamente aqueles que decorreram directamente do acto lesivo e da não atempada reparação dos danos.
4ª A indemnização a que se refere, quer o n.º 2 do art.º 486.º do CC, quer o n.º 2 do art.º 1268.º, deverá corresponder ao quantum necessário à reposição da situação do prédio exactamente como estava anteriormente à ocorrência do dano.
5ª Assim, ao reduzir o valor do montante indemnizatório para um patamar deveras inferior àquele que foi efectivamente pedido pelos Recorrentes, o douto acórdão recorrido viola as disposições legais referidas em “4ª”, não apenas desvirtuando com isso a intenção do legislador mas ainda premiando a actuação dos Recorridos, que para além de terem causado os danos sofridos no prédio, não procederem à reparação dos mesmos quando o deveriam ter feito.
6.ª Por sua vez, no que toca aos danos não patrimoniais, e mesmo admitindo o tribunal a quo que, “o prolongado sofrimento dos Autores...” provocado pela privação da sua própria casa durante tantos anos, o douto acórdão viola o n.º 3 do art.º 489.º do CC na medida em que não faz reflectir no quantum indemnizatório todos os factores considerados pelo tribunal a quo para a sua quantificação, o que se invoca nos termos e para os efeitos das alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 598.º do C.P.C.
TERMOS EM QUE se solicita a V. Ex.as seja julgado procedente o recurso, seja revogado o acórdão recorrido e, destarte, sejam condenados os Recorridos a pagar aos Recorrentes o montante de MOP$1,380.000.00 a título de custos necessários à reparação dos danos e MOP250,000.00 a título de danos morais, por desarrazoado admitir que de outra forma seja.»
*
Ao recurso apresentado pelos AA da acção responderam os RR, pugnando pela sua improcedência, em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
*

Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
«Da Matéria de Facto Assente:
- Mediante usucapião reportada a 1996, os Autores adquiriram por força de sentença transitada em julgado em 2012 a propriedade do prédio urbano sito no nº ... da Rua dos..., Taipa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº.... (alínea A) dos factos assentes)
- A 1ª Ré é a proprietária do prédio urbano imediatamente contíguo ao dos AA., ou seja, o nº ... da Rua dos..., Taipa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº .... (alínea B) dos factos assentes)
- A partir de Junho de 2010 e até cerca da 1ª semana de Dezembro de 2010, a 1ª Ré promoveu obras de construção civil no referido nº ... da Rua dos..., designadamente obras que incidiram obre as fundações e cave. (alínea C) dos factos assentes)
- Para tanto, a 1ª Ré contratou para o efeito terceiros, designadamente o 2º Réu, empresário em nome individual, Sr. C, titular do estabelecimento comercial C建築. (alínea D) dos factos assentes)
- Durante a realização das obras nº ... da Rua dos..., foram causados danos no prédio nº ... da Rua dos.... (alínea E) dos factos assentes)
Da Base Instrutória:
- Desde 1996, os Autores sempre moraram no nº ... da Rua dos.... (resposta ao quesito 10 da base instrutória)
- Os danos referidos em E) são os seguintes:
a) As paredes da casa de banho do piso térreo surgiram várias fendas verticais e transversais;
b) No piso térreo as paredes virada para a Rua dos … e a Rua de … surgiram fendas horizontais e verticais, as paredes onde se colocam as vigas surgiram fendas;
c) O assentamento do pavimento térreo junto da Travessa da Esperança e surgiram fendas no soalhos;

d) No piso térreo, as paredes da porta traseira situada na Travessa da Esperança surgiram fendas verticais e fendas no soalho colocado à porta;
e) Fissuras na viga colocada em cima da escada do rés-da-chão para piso 1º;
f) Fendas verticais nas paredes do piso 1º virada para a Rua de Montenegro e fendas nas paredes onde se colocam as vigas;
g) Assentamento do pavimento térreo com inclinação para o lado do prédio n.º…;
h) O tecto ficou com manchas de água;
i) O tecto da casa-de-banho tinha infiltração, aparecendo manchas de água;
j) Nos dois lados do quarto principal, o tecto de madeira permitia infiltração, a parede tinha fungus. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- Instado em 3 de Dezembro de 2010 pelos AA. o 2º Réu comprometeu-se a reparar os danos supra referidos. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- Por ofício de 6 de Janeiro de 2011, a DSSOPT intimou a lª Ré para que reparasse os danos causados e para que, para tanto, enviasse à DSSOPT o respectivo projecto/proposto de reparação. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- A 1ª Ré limitou-se a aplicar escoramentos temporários na casa dos Autores, permanecendo os mesmos aí apostos na presente data. (resposta ao quesito 6 da base instrutória)
- Por via dos danos que a respectiva casa padecia, em Fevereiro de 2013, os AA. passaram a residir em casa do pai / sogro. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- Na casa id. em A), os AA. pernoitavam, tomavam as refeições e recebiam os amigos e família há 17 anos. (resposta ao quesito 8 da base instrutória)
- Desde o início das obras (cerca de Junho de 2010) até à data referida em 7º haviam decorrido mais de 2 anos e 8 meses sem que os Réus, apesar dos instantes e reiterados pedidos feitos pelos AA. e pela DSSOPT, efectuassem qualquer reparação. (resposta ao quesito 9 da base instrutória)
- Os Autores saíram da casa id. em A) e sentem-se tristes. (resposta ao quesito 11 da base instrutória)
- Os AA. solicitaram à empresas X Design & Contracting e X Consultadoria de Engenharia Lda. que elaborassem um projecto para a reparação do nº ... da Rua dos.... (resposta ao quesito 13 da base instrutória)
- Seguidamente, através de carta de 12 de Novembro de 2014, os advogados dos AA. enviaram à 1ª Ré uma carta que instruíram com o projecto elaborado pelas referidas empresas X Design & Contracting e X Consultadoria de Engenharia Lda. (resposta ao quesito 16 da base instrutória)
- A reparação de todos os danos alegados pela Autores ascende a MOP$1.380.000,00. (resposta ao quesito 17 da base instrutória)
- ... valor apurado pelo projecto apresentado pelas empresas supra referida à data de 26 de Setembro de 2014. (resposta ao quesito 18 da base instrutória)
- As obras realizados e referidas em C) implicaram escavações e movimentação de terras a um nível subterrâneo, atingindo e afectando as fundações e os sustentáculos do prédio dos Autores. (resposta ao quesito 20 da base instrutória)»
***
IV – O Direito
A – DO RECURSO DOS RR
1 - Introdução
A acção intentada pelos AA tinha como finalidade a condenação dos RR em indemnização pelos prejuízos causados na sua casa de habitação, em consequência de obras de construção civil realizadas pelo 2º réu, construtor e empresário em nome individual, no prédio pertencente à 1ª ré, e imediatamente contíguo ao dos AA.
A sentença proferida julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou os RR no pagamento solidário da indemnização computada em:
- MOP$ 750.000,00 a ambos os AA, a título de danos patrimoniais; e
- MOP$ 110.000,00, a cada um dos AA, e não patrimoniais, respectivamente, bem como nos juros respectivos.
Os réus da acção não se acomodam a esta decisão e, em conjunto, impugnam-na no presente recurso, acometendo-a das seguintes enfermidades:
- Contradição insanável da matéria provada;
- Erro na apreciação da prova;
- Nulidade por excesso de pronúncia;
- Erro de direito nos pressupostos de condenação em indemnização (no máximo deveria a indemnização deveria ser em reconstituição natural);
- Erro na fixação do montante indemnizatório pelos danos patrimoniais;
- Erro na fixação do montante indemnizatório pelos danos não patrimoniais.
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2 - Da contradição insanável
Na epígrafe II-A das suas alegações, os recorrentes sustentam que o tribunal “a quo” não deveria ter respondido ao art. 9º da BI pela forma como o fez.
Em vez de ter dado como provado que “Desde o início das obras (cerca de Junho de 2010) até à data referida em 7º haviam decorrido mais de 2 anos e 8 meses sem que os Réus, apesar dos instantes e reiterados pedidos feitos pelos AA. e pela DSSOPT, efectuassem qualquer reparação”-----
Deveria ter respondido “Desde o início das obras (cerca de Junho de 2010) até à data referida na resposta ao quesito 7º, os Réus aplicaram escoramentos temporários na casa dos Autores, permanecendo os mesmos aí apostos na presente data”.
Ora bem. Sendo, quanto a este segmento, esta a finalidade do recurso, somos imediatamente levados a pensar que os recorrentes se equivocaram na colocação da questão. Afinal de contas, esta questão não é de contradição insanável na matéria de facto, mas sim de eventual erro de julgamento da matéria de facto. Para os recorrentes, aquele quesito 9º deveria ter tido outra resposta.
Mas, por isso mesmo, a impugnação a efectuar no recurso deveria observar os comandos normativos que decorrem do art. 599º do CPC, o que não aconteceu. Só isto nos permitiria, sem mais considerandos, fazer improceder o recurso nesta parte.
Imaginemos, no entanto, que os recorrentes pretendiam dizer – o que parece terem ensaiado nos parágrafos 2 e 3 – que o tribunal não podia concluir (dar como provado) que os RR não tinham efectuado obras de reparação no prédio dos AA, e ao mesmo tempo afirmar, por provado, que fizeram escoramentos nesse mesmo prédio.
Supondo que era esta a essência da invocada “contradição insanável” cremos ser evidente que neste ponto claudicam. É que efectuar obras de reparação não é o mesmo que fazer um escoramento. Aquelas destinam-se a eliminar um dano que carece de intervenção em conserto ou restauro ou visam repor a coisa no seu anterior estado, tanto quanto possível; este (escoramento) limita-se a evitar um dano e tem um escopo preventivo, destinado a evitar o desmoronamento de uma parede do prédio. O escoramento ainda não é obra de reparação!
Aliás, os próprios recorrentes acabam por reconhecer, nesse mesmo capítulo das alegações, não terem realmente procedido à reparação, por não serem obrigados a reparar todos os danos que lhe eram imputados.
Consequentemente, se o tribunal “a quo” respondeu ao art. 9º da BI pela forma acima transcrita, não se pode dizer tê-lo feito incorrendo em qualquer insanável contradição.
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3 - Do erro na apreciação da prova
Está em causa a resposta aos arts. 17º e 18º da BI, que assentou, de acordo com o teor da fundamentação do acórdão, nos documentos de fls. 177 a 199.
Os quesitos tinham a seguinte redacção:
17º - “A reparação do referido em 3. ascende a MOP$ 1.380.000,00 (um milhão trezentas e oitenta mil patacas)?”
18º - “…valor apurado pelo projecto apresentado pelas empresas supra referidas à data de 26 de Setembro de 2014?”
Era uma matéria assentava basicamente nos artigos 42º e 43º da p.i.
As respostas foram as seguintes:
17º - “A reparação de todos os danos alegados pelos Autores ascende a MOP$ 1.380.000,00”.
18º - “…valor apurado pelo projecto apresentado pelas empresas supra referidas à data de 26 de Setembro de 2014”.
Os recorrentes entendem que os referidos quesitos deveriam ter merecido uma resposta negativa. Isto porque, se as respostas dadas radicaram nos citados documentos, então nunca se poderia dar como assente que as obras de reparação ascendem àquele valor, visto que os documentos em apreço representam apenas um projecto de restauro e reabilitação de todo o edifício e não eram um orçamento de uma simples obra de reparação.
Têm razão, quanto a nós.
Efectivamente, o documento com base no qual o colectivo deu como provadas aquelas respostas é um projecto de consolidação/restauro de todo o edifício. Quer dizer, é um projecto de obras que não se destina a simples reparação dos danos, mas sim a uma remodelação do edifício.
E a própria sentença vem admitir que nesse documento “…..não foram especificados os itens correspondentes aos danos efectivamente causados pelos actos dos Réus, não sendo apurado, efectivamente, o montante exacto para a reparação desses danos” (destaque nosso).
E chegou mesmo a dizer “Perante a impossibilidade de prova do quantum indemnizatório,….”
Temos, assim, como a sentença recorrida acaba por reconhecer, que o tribunal não dispunha de elementos que lhe permitissem fixar aquele montante de MOP$ 1.380.000,00 (arts. 17º e 18º) como sendo o valor da “reparação de todos os danos”.
Em nossa opinião, portanto, a sentença contradiz o julgamento de facto. Pois, de duas, uma:
- Se todos os danos provados ascenderam àquele valor de MOP$ 1.380.000,00 deveriam ser eles atendidos na íntegra para a fixação da indemnização, sem necessidade de recurso à equidade para arbitrar outro valor, nem sequer à tese afastada de liquidação em execução de sentença.
- Se reconhece que não dispunha de elementos, então está a reconhecer tardiamente aquilo que deveria ter reconhecido por ocasião do julgamento da matéria de facto: que aquele documento não servia para apurar o valor dos danos!
Ora, acontece que, no fundo, o tribunal da sentença acaba por reconhecer que o julgamento de facto foi mal efectuado, concluindo que os danos afinal não eram aqueles no valor de MOP$ 1.380.000,00 e, por isso, atribuiu outro inferior (750.000,00).
E é verdade. Efectivamente, aquele elemento documental não é suficiente para, com base nele, se poder dizer que o dano ascendia a MOP$ 1.380.000,00. Ele não é esclarecedor quanto às obras de reparação, porque se não limita a especificar os custos da eliminação dos danos, mas sim a apresentar um orçamento genérico reportado, afinal, à consolidação e restauro de todo o prédio, tal como é dito na sentença.
Em suma, e salvo o devido respeito, que é muito, em nossa opinião o tribunal não poderia dizer que os custos da reparação eram aqueles que fez constar da resposta ao art. 17º. Tinha duas formas de responder:
1ª- Ou dava resposta negativa pura e simples, mas que não nos parece ser a melhor forma de retratar a situação real, uma vez que realmente houve danos; ou
2ª- Respondia que a reparação de todos os danos alegados pelos Autores ascende a montante não apurado; ou/e
3ª- Dava uma resposta explicativa e limitava-se a dizer que o valor da consolidação e restauro de todo o edifício, segundo o dito projecto, era naquele valor de MOP$1.380.000,00.
Coisa diferente é saber se o tribunal, não obstante uma resposta negativa (ou explicativa) que desse àqueles quesitos, podia arbitrar uma indemnização diferente daquele valor (que acabaria por ser, concretamente, fixada em MOP$ 750.000,00) através do recurso à equidade, mas isso é outra questão que se abordará mais adiante.
Para já, o que há a reconhecer é que as respostas não podem manter-se. Se o tribunal não dispunha de elementos para fixar o valor dos danos, como ele mesmo reconhece, deveria dizer:
- Provado que a reparação de todos os danos provocados aos Autores ascende a montante não apurado (resposta ao quesito 17º); e---
- Provado que o preço proposto, apresentado em 26/09/2014, apresentava um valor de MOP$ 1.380.000,00, concernente a consolidação/restauro e plano de segurança (resposta ao quesito 18º).
Por conseguinte, aquelas respostas não podem manter-se, pelo que o recurso procederá nesta parte.
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4 - Da nulidade por excesso de pronúncia
Os AA instauraram a acção contra os RR, em primeiro lugar com fundamento na presunção de culpa prevista no art. 486º, nº2, do CPC, e, subsidiariamente, pelo risco a que alude o art. 493º.
A sentença decidiu que “nada consta dos factos assentes como é que essas obras foram realizadas, nomeadamente se as obras foram executadas pelos Réus contra as regras de segurança e com violação dos deveres de diligência e prudência, elementos necessários para formar um juízo censurável do ponto de vista ético-jurídico das condutas dos Réus” (fls. 11 do julgado).
Em face disso, sem esse elemento da culpa dos RR, a sentença não procedeu à condenação destes com fundamento na culpa.
No entanto, acabou por reconhecer o dever de indemnizar com base no art. 1268º, do CC.
Os réus da acção, aqui recorrentes, defendem que a sua condenação não poderia ser feita com base no regime estabelecido no art. 1268º do CC, por se tratar de disposição que nunca foi invocada pelos AA. Ao tê-lo feito incorreu a sentença em nulidade por excesso de pronúncia.
Pois bem. Efectivamente, os autores da acção não invocaram expressamente a responsabilidade, independentemente de culpa, com assento no art. 1268º, do CC, mas sim a responsabilidade dos RR com base numa presunção de culpa, determinada pelo art. 486º, nº2, do CC, e só subsidiariamente os AA suscitaram a aplicação do art. 493º (risco).
Ora, o regime do art. 1268º é o da responsabilidade por facto lícito, em que estão dispensados os pressupostos da ilicitude e da culpa, bastando a prova da actividade, do dano e do nexo de causalidade entre aquela e este (Antunes Varela, Das Obrigações em geral, I, 10ª ed., ed., Almedina, 2000, pag. 716; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª ed., Almedina, 2009, pag. 658; Oliveira Ascensão, A preservação do equilíbrio imobiliário como princípio orientador da relação de vizinhança, in ROA, 2007, I. Na jurisprudência, v.g., Acs. do STJ, de 10/01/2006, Proc. nº 05A3331; de 25/03/2010, Proc. nº 428/1999.P1.S1; de 13/04/2010, Proc. nº 109/2002.C1.S1; de 13/11/2012, Proc. nº 777/05.7TBTVD.L1.S1, in www.dgsi.pt). Trata-se de um regime em que, uma vez provados os factos respectivos, a responsabilidade do dono do prédio onde se realizam as obras só é excluída desde que haja culpa do lesado (Ac. da RL, de 30/10/2014, Proc. nº 694/1999).
A verdade é esta: Apesar de semelhantes nos efeitos, certo é que o regime substantivo, quando a acção é alicerçada numa presunção de culpa, não é igual ao da condenação independente da culpa com assento numa acção lícita.
Sendo assim, o que a sentença deveria fazer, salvo melhor entendimento, era ver se os RR tinham conseguido ilidir a presunção que sobre ambos recaía. E tal não foi feito, seguramente.
Contudo, esta dissensão não caracteriza a suscitada nulidade. Na verdade, o tribunal não conheceu de questão nova e diferente da que foi alegada, nem tão pouco condenou em objecto diverso do que fora pedido. Limitou-se a aplicar um regime jurídico que entendeu próprio perante os factos invocados e provados. Ou seja, o tribunal não se desviou dos limites dos seus poderes de cognição, antes partiu para a solução condenatória peticionada pelos AA seguindo uma motivação jurídica ou, se se quiser, perfilhando um enquadramento jurídico distinto ou uma qualificação jurídica diferente (Ac. do TSI, de 10/09/2015, Proc. nº 522/2015; 20/03/2014, Proc. nº 466/2013). Com base nos factos alegados, procedeu à condenação dos RR, não de acordo com o preceito legal que os AA invocaram, mas com base noutro que o tribunal achou apropriado.
Dito ainda de outra maneira, o tribunal, perante os factos alegados e provados, analisou a questão suscitada perante si, respeitando-a, e avançou para o deferimento da pretensão condenatória, procurando a melhor solução jurídica. Quer dizer, aplicou o melhor direito em seu juízo, ou serviu-se das regras de direito que teve por mais adequadas ao caso, numa actividade do tribunal que não depende da boa ou correcta invocação das partes (cfr. art. 567º, do CPC).
De resto, não nos devemos esquecer que os próprios AA invocaram subsidiariamente a figura do risco, nos termos do art. 493º do CC (cfr. art. 59º, da p.i., o que, independentemente do acerto, não anda muito longe do alcance do art. 1268º do mesmo Código, circunstância que permite compreender, até certo ponto, a acção do tribunal recorrido.
Portanto, não concordamos que a solução da 1ª instância atente contra o princípio consignado no art. 571º, nº1, al. d), “fine” e ultrapasse o limite consignado no 563º, nº3, ambos do CPC.
Para dizer, enfim, que não estamos perante a nulidade invocada.
Mas, note-se, dizer isto não significa - segundo resulta da matéria provada, e tal como de resto a própria sentença acaba por reconhecer - que não devesse ser aplicado o regime do art. 486º, nº2, em vez do regime do art. 1268º, do CC.
É que, se, como a sentença concede, ficou por apurar se as obras foram executadas pelos RR contra as regras de segurança e com violação dos deveres de diligência e prudência, isso parece querer dizer que seriam os AA quem deveria fazer a prova da culpa, quando, como se disse, deveriam ser os RR quem deveria afastar a presunção legal de culpa que sobre si impendia.
Só que isso já é outra questão, que se afasta da nulidade suscitada, para um eventual erro na aplicação de direito.
Ainda assim, os recorrentes não centraram o objecto do recurso jurisdicional nessa vertente censória e invalidante, nem pediram a revogação do julgado com fundamento na má aplicação do art. 1268º, mas sim, e apenas, no conhecimento, em nulidade por excesso de pronúncia, de uma questão que não tinha sido equacionada. Logo, o TSI, tendo em conta o disposto no art. 589º do CPC, não pode verter qualquer censura revogatória nessa parte à decisão recorrida.
Em suma, apenas nos resta concluir se não verifica a apontada nulidade.
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5 - Da violação do princípio da reconstituição natural
Fazendo apelo à doutrina da reconstituição natural consagrada no art. 556º do CC, e suportados em jurisprudência e doutrina que citam, os recorrentes defendem que a sentença não deveria ter optado pela equidade na fixação dos valores indemnizatório, uma vez que eles sempre se mostraram disponíveis para procederem à reparação.
Trata-se, contudo, de uma alegação que não tem consistência, face à matéria de facto apurada. Basta reparar nas respostas aos artigos:
- 5º: “A DSSOPT intimou a ré para que reparasse os danos causados…”;
- 6º:“A 1º ré limitou-se a aplicar escoramentos temporários na casa dos autores, permanecendo os mesmos aí apostos até à presente data”;
- 9º: “desde o início das obras (cerca de Junho de 2010) até à data referida em 7º haviam decorrido mais de 2 anos e 8 meses sem que os Réus, apesar dos instantes e reiterados pedidos feitos pelos AA. e pela DSSOPT, efectuassem qualquer reparação”.
Ou seja, se os RR, ora recorrentes, tivessem querido observar a reconstituição natural, teriam feito a reparação, tal como fora extrajudicialmente pedida pelos AA, sem esperar tanto tempo por uma decisão judicial impositiva nesse sentido.
Não o tendo feito, não parece terem tido os AA outro remédio senão suplicarem em tribunal uma indemnização em dinheiro em montante equivalente ao valor do custo da alegada reparação (em sentido semelhante, o Ac. da RC, de 10/12/1998, in CJ, 1998, V, pág. 40).
É certo que o referido artigo 556º, relacionado com o art. 560º do CC, institui o dever de reconstituir a situação material actual hipotética (aquela que existiria se o facto danoso não tivesse ocorrido), sendo então aí que pontua a restauração ou reposição natural, como o primeiro passo para a eliminação do dano. Todavia, e mesmo sem deixar de se referir que não falta quem ache que é ao lesado a quem cabe a opção entre a “restauração natural” e a “indemnização em dinheiro” (v.g., Pereira Coelho, Obrigações, pág. 174), a verdade é que a restauração natural, muitas vezes, pela própria natureza das coisas e do dano, acaba por não justificar essa solução. Nalgumas situações é necessário perceber a dinâmica física dos bens, a densidade molecular dos objectos, o comportamento das coisas perante a reparação, a insuficiência desta como modo para a reposição ao estado que existiria sem o dano, muito menos reposição ao status quo ante. Portanto, em cada caso, será importante entender o que se passou e qual o desenvolvimento dos efeitos do dano e da sua eventual reparação. Nisso, estão todos os autores de acordo e nem é sequer preciso citar nenhum em particular.
Ora, quanto a nós, o caso em apreço ilustra bem uma daquelas situações em que se não está perante uma situação material passível de reconstituir através de uma simples reparação de obras pontuais e específicas. O que se provou foi um quadro de danos estruturais traduzidos em fendas verticais e transversais em várias paredes do piso térreo e do 1º piso, fendas nos soalhos, fissuras numa viga, inclinação no piso térreo e infiltrações (arts. 1º e 3º, da BI). As obras levadas a cabo no prédio vizinho afectaram as fundações e sustentáculos do prédio dos AA (art. 20º da BI).
E, como está igualmente provado, o imóvel danificado era a casa de morada dos AA, tendo sido estes obrigados sair dela e viver em casa do pai e sogro desde 2013 por causa dos danos relatados (resposta ao art. 7º da BI).
Em nossa opinião, perante todo este panorama factual, de acordo com a prova obtida, é notório (arts. 434º do CPC e 250º, nº2, do CC) que a indemnização peticionada responderá melhor à ponderação dos interesses em jogo, se admitirmos que a remodelação do edifício se afigura a melhor solução, tal como foi pensada no projecto a que se refere a resposta aos arts. 13ºe 16º da BI. Nesse caso, o ressarcimento pelos danos (sem que neles se inclua, obviamente, o custo da remodelação, mas que se limitem aos danos reais provocados pelas obras no prédio adjacente), aponta preferivelmente para a solução indemnizatória, atendendo aos interesses de cada uma das partes (o lesado não está, pois, obrigado a deduzir pedido de reconstituição natural: Ac. do STJ, de 14/09/2010, Proc. nº 403/2001). Parece lógico e sensato que o credor prefira a indemnização e, com ela em sua mão e com o adicional de custo que possa suportar por si, aproveite para realizar uma obra que lhe garanta uma mais estável situação de segurança e comodidade em termos de um longo futuro. A reposição natural, se o devedor tiver interesse nela, deverá ser aceite se o credor a não recusar. Cabe-lhe optar pela melhor solução (sobre o assunto, v.g., ver Vaz Serra, Obrigação de indemnização. BMJ nº 84, pág. 141 e 143.)
Nada temos a censurar à sentença quanto a este aspecto, pois.
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6 - Do montante indemnizatório pelos danos patrimoniais
Neste ponto do recurso insurgem-se os RR/recorrentes contra a solução da equidade seguida pelo tribunal “a quo”.
Em seu parecer, se o tribunal da sentença chegara à conclusão de que não conhece concretamente os danos provocados pelos RR, o projecto a que se refere a resposta ao art. 13º da BI, não poderia levar a responder afirmativamente aos arts. 17º e 18º da mesma peça. É que o dito projecto não identifica especificamente os danos e, em vez disso, apresenta-se como um projecto de remodelação ou de restauro, como a própria sentença admite.
Assim, acrescentam os recorrentes, não tendo o tribunal “a quo” dado prevalência à reconstituição natural, também não poderiam recorrer à equidade para fixar a indemnização pelos danos patrimoniais por falta de elementos para tal.
A situação, dizem, aconselharia a observância do disposto no art. 564º, nº2, do CPC.
Vejamos.
Estamos convencidos que a razão está do lado dos recorrentes e, de resto, já acima o tínhamos começado por equacionar.
Efectivamente, no momento da resposta aos quesitos, o tribunal foi levado a fundamentar que o valor dos danos resultava do montante aludido no projecto mencionado na resposta aos arts. 13º e 16º da BI. Na ocasião, o tribunal do julgamento de facto limitou-se a remeter para esse documento/projecto. Só que aquele documento não especifica quais os danos em particular, i.é., não os identifica, nem aponta qual o custo da reparação de cada um deles no prédio dos AA.
Ora, quando o art. 560º permite que o tribunal se socorra da equidade fá-lo para que o tribunal da decisão (sentença/acórdão) não deixe de arbitrar indemnização. Repare-se, aliás, que a epígrafe do preceito é efectivamente “Indemnização em dinheiro” e ele mesmo está integrado numa secção (VIII) também ela dedicada à indemnização.
Para haver coerência e sintonia entre o tribunal do julgamento de facto e o tribunal da decisão, deveria o primeiro dizer na resposta aos quesitos 17º e 18º que os AA tinham sofrido danos em valor não apurado, ficando ao segundo, na sentença, a tarefa de fixar a indemnização com o socorro da equidade, ou de a relegar para liquidação em execução de sentença.
Pela nossa parte, já negamos que aquele valor referido na resposta ao art. 17º possa aceitar-se. Aliás, se aquele valor estivesse certo – o mesmo é dizer, se o TSI não tivesse podido interferir na resposta àquele quesito – então não faria o menor sentido que a sentença devesse recorrer à equidade para atribuir o valor da indemnização. Pura e simplesmente, deveria fixar a indemnização no montante apurado dos danos.
Ao ter desaparecido o valor mencionado no quesito 17º, tal como acima decidimos, e ao termos alterado a resposta, no sentido de ali ficar unicamente provado um dano em montante não apurado, resta-nos procurar saber se este valor não apurado é consentâneo com a atribuição neste momento de um outro que seja adequado à equidade prevista no art. 560º, nº6, do CC.
Quanto a isso, estamos convencidos que o tribunal, sob pena de estar a ser injusto, não pode arbitrar uma indemnização com fundamento na equidade. É que o tribunal não sabe - nem tem capacidade para tal, porque lhe faltam conhecimentos técnicos de engenharia e de construção civil, - qual o valor para compensar os AA dos danos. Não sabe minimamente o que é preciso fazer, que tipo de operações devem ser realizadas na reparação, se é necessário derrubar paredes e construí-las de novo, se é imperioso reforçar vigas ou se é mandatório eliminá-las e efectuar outra em seu lugar, se é aconselhável erguer pilares, etc., etc., etc. Sem esses conhecimentos – que não são do senso comum, mas de área específica do saber – e sem outros elementos dos autos que iluminem o tribunal da decisão nesse caminho, cremos, sinceramente, que seguir pela via da equidade, mesmo que bem intencionada (e até em muitos casos preferível, por encurtar caminho e poupar tempo e gastos), apresenta o perigo de ficar aquém, ou ir além, do montante mais próximo do dano real.
O nº 5 do art. 560º do Código Civil (“Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julga equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”) pode ser aplicado sem grande esforço em certas situações. Por exemplo, estraga-se a coisa, que tem um certo valor, e é necessário comprar outra para a substituir, que terá na actualidade um valor bem mais elevado. Há, nesse exemplo, dois limites que é possível considerar na fixação equitativa da indemnização, tal como o sugere o nº5, do artigo citado (Vaz Serra, BMJ nº 84, págs. 138-139). Mas, na situação presente, não temos limites nenhuns que possamos considerar nessa equação.
Cremos, pois, que, em função das circunstâncias do caso concreto, a melhor solução é relegar a liquidação dos danos para a sede de execução de sentença, porque supomos que, nessa sede, será possível trazer elementos de prova sobre o custo de reparação de cada um dos danos provocados na casa dos autores (sobre o assunto, Acs. do TSI, de 16/02/2012, Proc. nº 68/2011 e de 26/03/2015, Proc. nº 656/2014). Tal como se disse na jurisprudência portuguesa nesta matéria, “Em acção de indemnização, se não estiver apurado o valor exacto dos danos, a opção entre a liquidação em execução de sentença, e o julgamento equitativo desse valor depende do juízo que, em face das circunstâncias concretas, se possa formular sobre a maior ou menor probabilidade de futura determinação de tal valor.” (Ac. do STJ, de 27/06/2000, Proc. nº 00A1937).
Nesta linha de entendimento, somos a concluir pela procedência do recurso nesta parte, em consequência do que se relegará para a execução de sentença a liquidação concreta dos danos.
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7 - Do montante indemnizatório pelos danos não patrimoniais
Por fim, os recorrentes advogam que o valor dos danos não patrimoniais (MOP$ 110.000,00 para cada um dos AA, num total de 220.000,00) é excessivo, face ao único fundamento provado na resposta ao art. 11º da BI, segundo o qual “Os AA saíram da casa id. em A) e sentem-se tristes”.
Para os recorrentes, a tristeza é um sentimento abstracto e, isolado, sem mais prova, nunca haveria de justificar um tão elevado montante indemnizatório. Em sua opinião, o quantum indemnizatório não deveria ultrapassar o montante conjunto de MOP$30.000,00.
Vejamos.
Os AA tinham pedido, a este título, o montante global de MOP$ 250.000,00, tendo o tribunal reduzido aquele montante para MOP$220.000,00.
Realmente, no quesito 11º perguntava-se inicialmente se os AA saíram de casa e se sentiam “tristes”, “abatidos” e “injustiçados” mas, apenas se provou que “Os AA saíram da casa id. em A) e sentem-se tristes”.
Ora bem. É preciso olhar para a prova de uma forma global, unitária, e integradora de toda a situação descrita e não apenas para a janela probatória de algum aspecto particular. Assim, não se pode dizer que a resposta dada ao art. 11º da BI reporte a tristeza apenas ao facto de os AA abandonarem a casa. Ao contrário, eles abandonaram a casa, por terem tido necessidade de irem viver para casa do pai/sogro por causa dos danos, “por via dos danos que a respectiva casa padecia” (resposta ao art. 7º da BI).
Ora, isto não é tão pouco assim. A tristeza pelo abandono forçado, afinal, acaba por ter uma justificação que é compreensível: quem não se sente triste ao olhar para a sua casa e vê-la cheia de fendas e em mau estado, porventura pensando que os danos são estruturais? Essa tristeza é compreensível e, tendo em conta a sua motivação, não pode deixar de ser tida na devida conta de gravidade e é merecedora de tutela do direito (art. 489º, do CC).
Não entendemos, pois, que o valor arbitrado seja excessivo.
Improcede, assim, o recurso quanto a esta questão.
*
B – DO RECURSO DOS AA
1 - Também os AA se insurgiram contra a sentença.
Depois de uma breve introdução, com utilização de palavras que inculcariam uma imputação de erro de direito na sentença impugnada, tais como “incorrecta aplicação das normas jurídicas” (como se parecesse irem contra a utilização do art. 1268º do CC como justificação para a condenação dos RR), o certo é que os recorrentes acabariam por não dirigir censura à sentença nessa parte.
E assim, acabam por aceitar o fundamento utilizado na sentença ao servir-se do art. 1268º, nº2, do CC (e não do art. 486º, nº2, do mesmo Código).
Nesta conformidade, nada mais temos a acrescentar quanto à fundamentação jurídica que levou o tribunal “a quo” a condenar os RR.
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2 - Onde os AA, essencialmente, concentram a sua vontade censória é no quantum indemnizatório.
Na sua opinião, ele deveria ser estabelecido tendo em conta a necessidade de repor a situação do prédio exactamente como estava anteriormente à ocorrência do dano. E é nesse pressuposto que se não conformam com a simples atribuição da indemnização cifrada a título de danos patrimoniais em MOP$750.000,00, por ser meramente parcial da verdadeira dimensão dos danos.
E quanto aos danos não patrimoniais igualmente não aceitam que o tribunal tenha reduzido para o valor acima referido o quantitativo da indemnização.
Bem. Relativamente aos danos – e essa é, repita-se, a única questão a resolver – nós já dissemos tudo o que havia a dizer quanto aos patrimoniais. O TSI entende que se não pode dar por provado o montante total dos danos cifrado na resposta ao art. 7º da BI e também não tem por adequado o recurso à equidade para a sua fixação. Assim, e até para tranquilizar os aqui recorrentes, o valor dos danos que se vier a apurar em sede própria (liquidação em execução de sentença) será exactamente o montante que corresponderá à indemnização a atribuir.
Quanto aos danos não patrimoniais, os recorrentes, em dois únicos artigos das alegações (41º e 42º), limitam-se a discordar do valor atribuído – por ser inferior ao peticionado - mas não desenvolvem as razões da discórdia.
Seja como for, no recurso interposto pelos RR já o TSI teve oportunidade de revelar a razão pela qual não aceita, sequer, o valor arbitrado pela sentença impugnada. E é para essa parte que remetemos a fundamentação deste segmento do recurso dos AA, com o devido respeito. Se estes pretendiam que a indemnização fosse aquela que inicialmente peticionaram de MOP$250.000,00, o TSI não lhes dá razão e irá fixar a indemnização em MOP$150.000,00.
***
V – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em:
1 – Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelos RR e, em consequência disso, decidem:
1.1 – Considerar que a matéria dos artigos 17º e 18º da Base Instrutória terá a seguinte respostas:
a) - A reparação de todos os danos provocados aos Autores ascende a montante não apurado (resposta ao quesito 17º); e---
b) - Provado que o preço proposto, apresentado em 26/09/2014, apresentava um valor de MOP$ 1.380.000,00, concernente a consolidação/restauro e plano de segurança (resposta ao quesito 18º).
1.2 – Revogar a sentença na parte impugnada e, em consequência disso, determinam:
a) - Relegar a atribuição dos danos patrimoniais para liquidação em execução de sentença.
1.3 – Manter a sentença quanto ao mais ali decidido.
*
2 – Negar provimento ao recurso dos AA.
Custas por AA e RR em função do decaimento.
T.S.I., 19 de Julho de 2018
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong


121/2018 18