打印全文
Processo nº 600/2018
(Autos de recurso cível)

Data: 26/Julho/2018

Assuntos: Livre apreciação
      Falta de prova

SUMÁRIO
Sempre que uma versão factual seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras, cabe ao tribunal valorá-los segundo a sua íntima convicção.
Entretanto, se nenhuma das testemunhas ouvidas em audiência conseguiram responder se efectivamente houve acidente de trabalho, dado que ninguém presenciaram o acidente e não souberam responder se a lesão foi resultado de uma queda, de um embate ou de outras circunstâncias, o julgador não deve dar como provado um facto que não foi sustentado por nenhuma prova, mormente testemunhal, sob pena de incorrer em arbitrariedade.


O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 600/2018
(Autos de recurso laboral)

Data: 26/Julho/2018

Recorrente:
- Companhia de Seguros da B (Macau) S.A.

Recorrido:
- C

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Companhia de Seguros da B (Macau) S.A., com sinais nos autos, inconformada com a sentença final que a condenou a pagar ao trabalhador C, ora recorrido, a quantia de MOP$1.197.572,00, em virtude de um acidente de trabalho, recorreu jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção procedente e, por entender que o acidente que atingiu o Autor C é um acidente de trabalho, condenou a Ré, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização no valor global de MOP$1.197.572,00 acrescido dos respectivos juros.
II. Resulta claramente que a decisão recorrida, interpretada de per si, com a experiência comum e com os elementos dos autos nela acolhidos, se encontra inquinada do vício de erro na apreciação da prova, tendo violado o disposto no art. 8º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, de 14 de Agosto, e que após a reapreciação da prova por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância, deverá ser proferido douto Acórdão que considere que o hematoma subdural traumático não derivou de acidente de trabalho, não ficando provado que o Autor tenha batido com a cabeça no braço metálico de uma máquina-escavadora.
III. Importa mencionar, que o Autor foi encontrado fora do local de trabalho e também fora do horário de trabalho, no entanto o Autor tenta encaixar o incidente que o levou ao Hospital como acidente de trabalho, alegando que tal incidente provocado foi provocado porque tinha batido com a cabeça no braço metálico de uma máquina-escavadora, no local e durante o horário de trabalho, mas no entender da Recorrente após a audiência e julgamento, não existiu qualquer prova de o Autor ter embatido com a cabeça no braço metálico de uma máquina-escavadora, no local e hora do trabalho e por tanto sem conexão com o trabalho, com a consequente absolvição da Recorrente relativamente aos pedidos de compensação formulados nos autos.
IV. O presente recurso versa assim sobre matéria de facto e sobre matéria de direito.
V. Realizada audiência de discussão e julgamento entendeu o douto Tribunal a quo dar por provado que no dia 28 de Setembro de 2014, de manhã, no local da empreitada das obras da zona de lazer do Lago Sai Van, o Autor, quando estava a efectuar trabalhos, bateu a sua cabeça vindo, após o almoço, a sentir-se mal disposto e a perder a consciência (1º), que o A. prestava a sua actividade profissional sob a autoridade, direcção e fiscalização da sua entidade patronal, a sociedade “Engenharia D Limitada”, em execução de um contrato de trabalho com esta celebrada (2º), que na circunstância referida em 1º, advieram para o A., como consequência necessária e directa, as lesões descritas no exame médico de fls. 94, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, designadamente um hematoma subdural traumático (3º) que após o referido em 1º, o A. foi conduzido ao Hospital Kiang Wu, em Macau, onde ficou internado, tendo sido sujeito a cirurgia de emergência, para remoção do referido hematoma e, posteriormente, recebeu tratamento ambulatório até 26 de Setembro de 2016 (4º), que em consequência do supra descrito, o A. sofreu 729 dias de incapacidade temporária absoluta (de 29/09/2014 a 26/09/2016) (5º), e 37% de incapacidade parcial permanente (6º), que o Autor despendeu, em despesas médicas, MOP$298.247,00 (7º), que o Autor, na sequência do supra referido, passou a necessitar permanentemente do auxílio de terceira pessoa para o auxílio na sua vida diária (8º) que o A. já recebeu, da sua entidade patronal, a importância de MOP$164.475,00 (9º).
VI. Da prova produzida em sede de julgamento, a resposta ao quesito 1º e a fundamentação supra transcrita teriam necessariamente de ser diferentes, pelo que estamos perante um claro erro de julgamento e no vertente processo, foi determinada a documentação das declarações prestadas na audiência de julgamento, existindo por isso suporte de gravação, o que permitirá ao douto Tribunal de Segunda Instância melhor avaliar, e decidir, sobre o ora invocado erro na apreciação da prova, aqui expressamente se requerendo a reapreciação da matéria de facto, nos termos admitidos no art. 629º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 1º do Código de Processo do Trabalho.
VII. A Recorrente, ao invocar no presente recurso o erro na apreciação da prova, que, na sua óptica, inquina a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, não pretende apresentar apenas uma simples discordância relativamente à interpretação dos factos feita por aquele douto Tribunal, tendo bem presente o dispositivo do art. 558º do Código de Processo Civil, e a natureza insindicável da livre convicção relativamente à apreciação da prova efectuada pelo Tribunal recorrido, e ainda estando bem ciente da jurisprudência afirmada nos Tribunais Superiores da RAEM, entendendo a Recorrente que tal se verifica na situação dos autos, e que o vício apontado à decisão recorrida resulta dos próprios elementos constantes dos autos, por si só ou com recurso às regras da experiência comum.
VIII. Ou seja, após se verificar os depoimentos das testemunhas na audiência e julgamento, pode se constatar que a versão do Autor, foi somente alegada pelo próprio, não havendo qualquer testemunha que venha provar tais factos, pois além do depoimento do filho da Autor como as declarações prestadas na DSAL de fls. 12 dos autos, afirma que o pai não se recordava do que se tinha passado, vindo mais tarde passado alguns meses dizer que afinal tinha embatido com a cabeça no braço metálico de uma máquina-escavadora, pode-se constatar no depoimento da testemunha F, em que é peremptório afirmar que esteve toda a manhã a trabalhar com o Autor sem o ter perdido de vista e não verificou que tenha ocorrido qualquer incidente com o Autor, aliás, pelas 11.35 chegou a ir com o Autor, o qual foi a conduzir a sua motorizada, comprar almoço para eles e para os outros colegas de trabalho.
IX. Não entende a Recorrente que mesmo o Tribunal a quo ao ter dúvidas em dar como provado o quesito 1º, não especifica a hora em concreto indicando somente “de manhã” (ficando sem se saber se foi dentro do horário de trabalho), dá como provado ainda que estava a efectuar trabalhos (sem especificar quais trabalhos), e que bateu a sua cabeça (sem especificar onde em concreto), pois estava quesitado estas questões todas, as quais ficaram sem resposta, pois até o próprio Tribunal a quo não as conseguiu dar como provadas.
X. Assim não se entende como o Tribunal a ter estas dúvidas referentes às questões mencionadas atrás, entende que este incidente seja considerado com um acidente de trabalho.
XI. Não resulta da prova produzida em sede de audiência de julgamento qualquer nexo causal entre o trabalho e o hematoma subdural traumático sofrido pelo Autor, na verdade, não resulta qualquer indício, quer no depoimento das testemunhas, quer dos documentos dos autos, que tenha ocorrido o facto que o Autor alega de ter batido com a cabeça no braço metálico de uma máquina escavadora, para que se possa considerar este incidente como um acidente de trabalho.
XII. Sendo que a prova produzida em sede de julgamento, nomeadamente os depoimentos testemunhais supra transcritos, são bastantes para podermos concluir com clareza, exactamente o contrário, que o Autor não tenha embatido em nada que lhe possa ter causado o hematoma subdural traumático durante o horário e no local de trabalho.
XIII. Após reapreciação da prova efectuada em juízo por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância deverá ser proferido douto Acórdão que julgue procedente o invocado vício de erro de julgamento ao dar resposta negativa ao quesito 1º da Douta Base Instrutória, uma vez que não se pode dar como provado o facto que deu origem ao hematoma subdural traumático sofrido pelo Autor. Ainda que improceda o recurso na parte respeitante à impugnação da decisão que dirimiu a matéria de facto, face à matéria de facto tal como provada pelo douto Tribunal não estamos perante um acidente de trabalho, e em consequência julgue que o hematoma subdural traumático não resultou de acidente de trabalho, não havendo qualquer relação entre a lesão e a actividade desenvolvida pelo trabalhador, assim se afastando a aplicação do disposto no art. 8º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, e bem assim da presunção prevista no art. 10º do mesmo diploma legal, a qual, o Autor pretendeu inserir, com o facto de ter sido provocado por um embate na cabeça no horário e no local de trabalho.
XIV. O acidente de trabalho é constituído por uma cadeia de factos em que cada um dos respectivos elos tem de estar entre si sucessivamente interligados por um nexo causal: o evento naturalístico tem de estar relacionado com a relação do trabalho; a lesão, perturbação ou doença terão que resultar daquele evento; e finalmente a morte ou a incapacidade para trabalho deverão resultar da lesão, perturbação funcional ou doença. De tal forma que se esse elo causal se interromper em algum dos momentos do encadeado fáctico atrás descrito, não poderemos sequer falar – pelo menos em relação àquela morte ou àquela incapacidade em acidente de trabalho. (neste sentido conferir Vítor Ribeiro, Acidentes de trabalho, Reflexões e Notas Praticas, pág. 218)
XV. Porém, no que se refere à prova do nexo causal entre as lesões e o acidente a lei estabelece, nos artigos 8º e 10º do Decreto-lei n.º 40/95/M presunções a favor do sinistrado e dos seus beneficiários legais, sendo que o autor ao inserir o facto de ter embatido com a cabeça no braço metálico da máquina-escavadora, é para aproveitar a presunção prevista no preceito legal do artigo 10º, n.º 1 alínea a) do Decreto-lei n.º 40/95/M, pois, no caso “sub judice”, a ocorrência se tenha verificado fora do local e no tempo de trabalho. No entanto além disso, em relação à presunção, não basta para o preenchimento da definição legal de acidente de trabalho.
XVI. Resulta dos presentes autos que no dia 28 de Setembro de 2014, o Autor sentiu-se mal disposto e perdeu a consciência, tendo sido transportado para o Hospital Kiang Wu sem que verificado ferimentos exteriores, assim, apenas resultou que a vítima sofreu um desmaio fora do local e tempo de trabalho, vindo à posteriori o autor alegar que tenha ocorrido um evento súbito, violento, inesperado de ordem exterior que tenha desencadeado ou que seja determinante no desencadeamento do referido desmaio.
XVII. Deste modo, somente através do funcionamento da presunção prevista no artigo 8º e 10º do Decreto-lei n.º 40/95/M seria possível estabelecer o nexo de causalidade, elo essencial para se falar em acidente de trabalho.
XVIII. A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 8º e 10º do Decreto-lei n.º 40/95/M, devendo por isso ser substituída por outra que considere que o enfarte do miocárdio sofrido pelo Trabalhador não resultou de acidente de trabalho, mas da aterosclerose coronária que padecia, com a consequente absolvição da Recorrente relativamente aos pedidos de compensação formulados.
Pelas razões expostas V. Exas., alterando a sentença recorrida em conformidade com o alegado, farão inteira e sã JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu o trabalhador, sendo este representado pelo Ministério Público, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, conforme as conclusões alegatórias que se seguem:
“1. 上訴人爭議原審法院對事實事宜之認定,認為被上訴裁判沾有審查證據方面的錯誤之瑕疵,因而違反了第40/95/M號法令第8條及第10條第1款a)項之規定。
2. 上訴人爭議的是原審法院將疑問列第一點之事實視為已證之決定,即原審法院認定“No dia 28 de Setembro de 2014, de manhã, no local da empreitada das obras da zona de lazer do Lago Sai Wan, o Autor, quando estava a efectuar trabalhos, bateu a sua cabeça vindo, após o almoço, a sentir-se mal disposto e a perder a consciência.”之事實獲證之決定。
3. 原審法院依法享有自由心證,僅當原審法院在證據評定上出現偏差、違反法定證據效力的規定或違反一般經驗法則的情況下才可作出變更。
4. 被上訴人認同原審法院認定上述事實之決定以及有關理由說明。雖然上訴人主張多名沒有目睹被上訴人撞擊頭部的證人證言以及被上訴人昏倒的地點及時間以支持本上訴,但本案最關鍵的證人G醫生已在庭審清楚解釋跌倒或撞傷可導致被上訴人患上硬膜下血腫,且傷者有可能隔一段時間才出現症狀。因此,根據一般經驗法則,被上訴人不會無故在工作後自行昏倒,基於地盤工地有大型挖土機以及其他機器,且被上訴人為機械操作員,可以合理推斷被上訴人是在工作時間及工作地點撞到硬物,繼而導致其後突然昏倒。
5. 綜上所述,被上訴人認為上訴理據不成立,請求中級法院 閣下駁回上訴。”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
O Autor nasceu em 15/01/1954. (A)
O A. auferia, à data do acidente, uma retribuição base diária de MOP$750.00. (B)
A responsabilidade, relativa a acidentes de trabalho, foi transferida para a Ré, ao abrigo da apólice de seguro nº CIM/ECC/2014/002071, com o período de validade de 25/09/2014 a 06/02/2015. (C)
No dia 28 de Setembro de 2014, de manhã, no local da empreitada das obras da zona de lazer do Lago Sai Van, o Autor, quando estava a efectuar trabalhos, bateu a sua cabeça vindo, após o almoço, a sentir-se mal disposto e a perder a consciência. (1º)
O A. prestava a sua actividade profissional sob a autoridade, direcção e fiscalização da sua entidade patronal, a sociedade “Engenharia D Limitada”, em execução de um contrato de trabalho com esta celebrado. (2º)
Na circunstância referida em 1.º, advieram para o A., como consequência necessária e directa, as lesões descritas no exame médico de fls. 94, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, designadamente um hematoma subdural traumático. (3º)
Após o referido em 1.º, o A foi conduzido ao Hospital Kiang Wu, em Macau, onde ficou internado, tendo sido sujeito a cirurgia de emergência, para remoção do referido hematoma e, posteriormente, recebeu tratamento ambulatório até 26 de Setembro de 2016. (4º)
Em consequência do supra descrito, o A. sofreu 729 dias de incapacidade temporária absoluta (de 29/09/2014 a 26/09/2016). (5º)
E 37% de incapacidade parcial permanente. (6º)
O Autor despendeu, em despesas médicas, MOP$298,247.00. (7º)
O A. já recebeu, da sua entidade patronal, a importância de MOP$164,475.00, referente a parte da indemnização de ITA. (9º)
*
Insurge-se a recorrente contra a decisão sobre a matéria de facto dada pelo Tribunal a quo, alegando ter havido erro na apreciação da prova, entendendo que, de acordo com todos os elementos probatórios encontrados nos autos, não está provada a ocorrência de qualquer acidente no local e no tempo do trabalho, nomeadamente que o recorrido ter batido com a cabeça em algum lado, daí que não deveria considerar que o hematoma subdural traumático encontrado no recorrido derivou de algum acidente de trabalho.
Vejamos.
Dispõe o artigo 629º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Quando exista gravação dos depoimentos prestados em audiência, nos termos do nº 2, a Relação vai, na sua veste de tribunal de apelação, reponderar a prova produzida em que assentou a decisão impugnada, valorando-a de acordo com o princípio da livre apreciação, para tal atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente e do recorrido, que têm o ónus de identificar os depoimentos, ou parte deles, que invocam para infirmar ou sustentar a decisão de 1ª instância.(…), na verdade, o alegado erro de julgamento normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo facto, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente.1
Vem a recorrente impugnar, no essencial, a resposta ao quesito 1.º da base instrutória, alegando ter havido erro na apreciação da prova.
Mais precisamente, entende que não há nenhuma prova no sentido de que na parte da manhã do dia 28 de Setembro de 2014, no local da empreitada das obras da zona de lazer do Lago Sai Van, o recorrido tenha batido com a cabeça em algum objecto.
Em boa verdade, no tocante à resposta ao quesito 1.º, o Tribunal a quo formou a sua convicção com base na prova documental e testemunhal.
Ora, em relação à prova documental, temos os relatórios médicos onde vêm descritas as lesões sofridas pelo recorrido.
E reapreciada a prova testemunhal produzida em audiência, não deixa de ser verdade que ninguém logrou afirmar que tinha ocorrido o acidente dentro do local e no tempo de trabalho.
Começamos por apreciar o conteúdo desses depoimentos.
De acordo com o depoimento do inspector da DSAL, este não presenciou o acidente, apenas se deslocou, cerca de dois meses depois, ao local de trabalho do recorrido para investigar o caso, e que também procedeu à inquirição do filho do recorrido, tendo-se a testemunha apercebido de que o recorrido não se recordava de nada sobre o acidente.
Em relação ao depoimento do filho do recorrido, esta testemunha afirmou que no dia dos factos, encontrou o seu pai no outro lado do estaleiro, e confirmou ainda em audiência de julgamento que o seu pai lhe tinha dito que não se lembrava de nada depois do acidente.
Relativamente ao colega de trabalho do recorrido, disse que no dia dos factos estava sempre a trabalhar com o recorrido, muito próximos um do outro, e não viu qualquer tipo de acidente ou o recorrido ter batido com a cabeça em algum lado. Além disso, afirmou ainda aquela testemunha que tinha saído com o recorrido para comprar almoço e este não mostrou qualquer situação estranha.
No tocante ao outro colega de trabalho do recorrido, aquele não chegou a ir ao estaleiro naquele dia, apenas soube dos factos através do filho do recorrido.
Até aqui, nenhum elemento permite concluir que o recorrido foi vítima de algum acidente de trabalho.
Vejamos agora o depoimento do médico G.
Esta testemunha realizou a segunda cirurgia ao recorrido, tendo dito em audiência de discussão e julgamento que a situação do recorrido foi hematoma subdural e que resultou dum embate exterior, e que era possível não existir qualquer ferimento nem era necessário haver um embate enorme, pois podia resultar de uma queda ou uma colisão. Mais disse que era possível que o ferido não apresentava sintomas imediatamente, mas sim só após algum tempo.
Em boa verdade, não sendo testemunha presencial, apenas veio dar o seu contributo para investigar as causas do acidente. E aquilo que o médico disse em audiência não passa de uma mera opinião, um parecer pessoal emitido de acordo os seus conhecimentos médicos.
Efectivamente, aquela testemunha não conseguiu responder ao tribunal qual foi a razão do embate, admitindo que poderia resultar de uma queda ou simplesmente duma colisão, ou seja, qualquer hipótese seria possível.
Sendo assim, o depoimento daquela testemunha por si só não permite chegar à conclusão de que o hematoma subdural verificado no recorrido se deveu a algum acidente ocorrido no local de trabalho no dia 28 de Setembro de 2014.
Na verdade, sempre que uma versão de facto seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras, cabe ao tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
Mas no caso em apreço, nenhuma testemunha conseguiu responder se efectivamente houve acidente, pois ninguém presenciaram o acidente e não souberam responder se o hematoma foi resultado de uma queda, de um embate ou de outras circunstâncias, daí que o julgador não deve dar como provado um facto que não foi sustentado por nenhuma prova, mormente testemunhal, sob pena de incorrer em arbitrariedade.
Por tudo quanto deixou exposto, e salvo o devido respeito, somos a entender que houve efectivamente erro na apreciação da prova, devendo, assim, ser alterada a resposta ao quesito 1.º, passando a ter a seguinte redacção:
“No dia 28 de Setembro de 2014, após o almoço, o Autor sentiu-se mal disposto e perdeu a consciência, e foi depois encontrado no outro lado do estaleiro, junto da estrada.”
Em consequência, as respostas aos quesitos 3.º, 4.º e 5.º também têm que ser alteradas, uma vez que não está provado o nexo de causa-efeito entre o evento lesivo e a lesão, passando a ter a seguinte redacção:
3.º - “Provado que o Autor sofreu lesões descritas no exame médico de fls. 94, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, designadamente um hematoma subdural traumático.”
4.º - “O Autor foi conduzido ao Hospital Kiang Wu, em Macau, onde ficou internado, tendo sido sujeito a cirurgia de emergência, para remoção do referido hematoma e, posteriormente, recebeu tratamento ambulatório até 26 de Setembro de 2016.”
5.º - “O Autor sofreu 729 dias de incapacidade temporária absoluta (de 29/09/2014 a 26/09/2016).”
Aqui chegados, uma vez provado apenas que no dia 28 de Setembro de 2014, depois do almoço, o recorrido sentiu-se mal disposto e perdeu a consciência, tendo sido depois encontrado no outro lado do estaleiro, junto da estrada, isso implica que o evento lesivo não ocorreu nem no local nem no tempo de trabalho, pelo que a lesão sofrida pelo recorrido não deve ser considerada como consequência de acidente de trabalho, por afastada estar a presunção prevista no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, devendo, assim, conceder provimento ao recurso e julgar improcedente o pedido formulado pelo Autor ora recorrido.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pela recorrente Companhia de Seguros da B (Macau) S.A. e, em consequência:
- Alterar-se as respostas dadas aos quesitos 1.º, 3.º, 4.º e 5.º da base instrutória;
- Revogar a sentença recorrida, julgando improcedente o pedido formulado pelo Autor ora recorrido.
Sem custas por o recorrido beneficiar da respectiva isenção.
Registe e notifique.
***
RAEM, 26 de Julho de 2018

Relator Tong Hio Fong

Primeiro Juiz-Adjunto Lai Kin Hong

Segundo Juiz-Adjunto Fong Man Chong

1 José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, pág. 96 e 97
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




Recurso laboral 600/2018 Página 15