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Reclamação nº 51/2017

A – Companhia de Desenvolvimento e Fomento Predial, Limitada, Autora nos autos de acção especial de despejo, registada sob o nº CV2-16-0045-CPE, que correm os seus termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, inconformada com a decisão que julgou improcedente o pedido de despejo imediato, interpôs recurso dessa decisão para este Tribunal de Segunda Instância.

Por douto despacho do Exmº Juiz a quo, foi admitido o recurso com subida diferida com os recursos interpostos das decisões proferidas na causa principal.

E porque o recurso lhe tivesse sido admitido com subida diferida, veio formular a presente reclamação nos termos seguintes:
A - COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E FOMENTO PREDIAL, LIMITADA, Autora nos autos à margem referenciados, notificada do despacho de fls. 297 que reteve o recurso interposto do despacho de fls. 288 e ss., dele vêm reclamar para o Presidente do Tribunal de Segunda Instância, ao abrigo do disposto no artigo 595/1 do Código de Processo Civil (CPC), o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
A ora Reclamante interpôs recurso do despacho de fls. 288 e ss. que julgou improcedente o incidente de despejo imediato por si requerido.
O recurso foi admitido nos seguintes termos:
  «- Fls.296:
  Por legal e tempestivamente interposto por quem tem legitimidade, admite-se o recurso, que é de ordinário.
  Deve o recurso subir com os recursos interpostos das decisões proferidas na causa principal (art. 606º n.º 2º al.c) do CPC).
  E tem efeito meramente devolutivo (pede a Recorrente efeito suspensivo. Contudo, não se mostra necessária a audição da parte contraria, visto que a não atribuição de efeito suspensivo nunca causará à Recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação. Ora, quanto à exequibilidade da decisão recorrida, como foi julgado improcedente e incidente, não há decisão a executar; quanto à tramitação do processo, a continuação do processo não pode causar prejuízo à Recorrente porque é Autora).
  Notifique. »
Sucede que nos termos conjugados dos artigos 601/2, e 606/2, alínea a), ambos do Código de Processo Civil, o recurso devia ter sido admitido com subida imediata nos próprios autos do incidente.
Primeiro, porque esse é o regime de subida previsto na lei, designadamente no artigo 606/2, alínea a) do CPC para as situações como a ora em apreço, em que a decisão de que se recorre é a própria decisão que não admite o incidente, pondo-lhe termo.
Segundo, porque a sua retenção torna o recurso absolutamente inútil dado que a sua eventual procedência aquando do julgamento dos recursos interpostos das decisões proferidas na causa principal será insusceptível de anular ou ressarcir o dano irreversível (da privação do gozo) infligido à Autora desde a data em que podia ter sido decretado o despejo imediato até esse momento.
Pelo que se indicam o despacho de fls. 288 a 291v e o despacho de fls. 297 para efeitos do disposto no artigo 596/2 do CPC.
NESTES TERMOS e com o mais que V. Exa., muito doutamente, não deixará de suprir, deve o recurso interposto do despacho de fls. 288 e ss. ser admitido com subida imediata nos próprios autos do incidente de despejo imediato.
Respeitosamente, pede deferimento.

Confrontado com a reclamação do seu despacho de admissão de recurso na parte que o reteve, o Exmº Juiz a quo proferiu o seguinte despacho mantendo a subida diferida:
  O incidente de despejo imediato, não obstante ter uma estrutura autónoma e causa de pedir diferente da causa principal, não deixa de ser apenas um incidente da acção de despejo, e daí que ao recurso contra a decisão proferida acerca desse incidente devem ser aplicadas as regras contidas no art. 606° do CPC.
  No caso vertente, o incidente de despejo imediato não foi indeferido liminarmente, pelo que não é aplicável o art. 606° n.º 2° al. a).
  Admitido liminarmente o incidente, foi o Réu notificado para se pronunciar nos termos do disposto no art. 933° n.º 2° do CPC, tendo o incidente processado até à prolação da decisão recorrida pela qual se conheceu do mérito do incidente. Deste modo, ao recurso sob escrutínio, salvo melhor juízo, é aplicável o art. 606º n.º 2° al. c), e não a al. a).
  Por outro lado, a retenção do recurso nunca o tornará absolutamente inútil, já que, com o eventual provimento do recurso, sempre poderá a Recorrente obter o efeito jurídico pretendido, i.e., o despejo do Recorrido.
  Para além disso, a alegada privação do gozo infligido à Autora desde a data em que podia ter sido decretado o despejo imediato até o desfecho do recurso também não pode constituir motivo para a subida imediata do recurso, visto que esse alegado dano é sempre ressarcível e quantificável, sendo certo que pelo facto de ter a Autora requerida a condenação do Réu a pagar indemnizações a título de prejuízos excedentes, dentro da qual está coberto também todo o tempo de pendência da acção.
  Pelo exposto, sem prejuízo do entendimento no sentido contrário do Exmo. Sr. Presidente do TSI, mantenho a decisão no sentido de retenção do recurso.
*
  Sem prejuízo dos documentos indicados pela Reclamante, extraia certidão da p.i., de fls. 171 e verso, fls. 173, fls. 201 e 202, fls. 214, fls. 227 a 230, fls. 279 a 286, fls. 288 a 291v., fls. 296, e fls. 297 dos autos principais, para instruírem o presente apenso.

Passemos pois a apreciar a reclamação.

Ora, a única questão levantada pela reclamante é saber se o recurso em causa deve subir imediatamente.

Para sustentar a subida imediata, a reclamante invocou dois fundamentos, o primeiro apoiado na regra geral e o segundo na regra especial aplicável aos incidentes.

A regra geral reguladora do momento da subida de recurso encontra-se estabelecida no artº 601º do CPC que dispõe:

1. Sobem imediatamente ao Tribunal de Segunda Instância os recursos interpostos:
a) Da decisão que ponha termo ao processo;
b) Do despacho que aprecie a competência do tribunal;
c) Dos despachos proferidos depois da decisão final.
2. Sobem também imediatamente os recursos cuja retenção os tornasse absolutamente inúteis.

A norma que a reclamante invocou é a do número 2.

Na óptica da reclamante, a retenção torna o recurso absolutamente inútil dado que a eventual procedência aquando do julgamento dos recursos interpostos das decisões proferidas na causa principal será insusceptível de anular ou ressarcir o dano irreversível (da privação do gozo) infligido à Autora desde a data em que podia ter sido decretado o despejo imediato até esse momento.
Para a reclamante, a subida diferida torna irreversível a privação do gozo da coisa locada, mesmo que o recurso venha a ser julgado procedente.

Atendendo ao que foi alegado pela reclamante, a boa decisão da presente reclamação deve ser precedida do apuramento da razão de ser do incidente do despejo imediato no âmbito de uma acção de despejo.

A propósito do despejo imediato, o artº 933º do CPC dispõe que:

1. Na pendência da acção de despejo, as rendas vencidas devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais.
2. O senhorio pode requerer o despejo imediato com base no não cumprimento do disposto no número anterior, sendo ouvido o arrendatário.
3. O direito a requerer o despejo imediato nos termos do número anterior caduca quando o arrendatário, até ao termo do prazo para a sua resposta, pague ou deposite as rendas em mora, e disso faça prova, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final.
De acordo com o disposto nos números 1 e 2 do artigo, o pressuposto material do diferimento do despejo imediato é o não pagamento ou o não depósito das rendas entretanto vencidas na pendência da acção.

Dai resulta que a razão de ser do regime de despejo imediato é evitar que o arrendatário continue a gozar o bem arrendado na pendência da acção de despejo sem a correspondente remuneração do senhorio.

E portanto, o bem jurídico que o regime de despejo imediato visa tutelar é a remuneração do senhorio com preço do uso da coisa locada.

Pois o simples pagamento ou depósito das rendas entretanto vencidas já funciona como pressuposto negativo do deferimento do despejo imediato – artº 933º/3 do CPC

Assim, diversamente do que entende a reclamante, a utilidade do recurso é a tutela efectiva do pagamento do preço do uso da coisa locada, e não o gozo da coisa locada pelo sen dono.

Considerando o objecto do recurso em causa, a eventual procedência do recurso implica a emissão do juízo de censura da atitude pela continuação do uso da coisa locada sem que tenha efectuado o pagamento da renda e a consequente condenação do Réu a pagar à Autora as rendas pelo uso da coisa locada vencidas na pendência da acção de despejo, o que é justamente a utilidade que poderá advir da eventual procedência do recurso.

Daí, a retenção do recurso não conduzirá à inutilidade absoluta do recurso, pois isto só se verifica quando seja qual for a decisão que o tribunal de recurso lhe der, ele, o recurso, já é absolutamente inútil no seu reflexo sobre processo.

O que obviamente não é o caso em apreço.

Então passemos ao segundo fundamento ancorado no artº 606º/2-a) do CPC, que é a regra especial deteminativa do regime de subida dos recursos das decisões proferidas no âmbito de incidentes.

Diz o artº 606º do CPC que:
1. Sobe imediatamente e em separado o recurso interposto do despacho pelo qual o juiz se declare impedido ou indefira o impedimento oposto por alguma das partes.
2. Em relação aos outros incidentes da instância, o regime é o seguinte:
a) O recurso interposto do despacho que não admita o incidente sobe imediatamente e sobe nos próprios autos do incidente ou em separado, consoante o incidente for processado por apenso ou juntamente com a causa principal;
b) Admitido o incidente, se este for processado por apenso, os recursos interpostos dos despachos que nele sejam proferidos só sobem quando o processo do incidente estiver findo;
c) Admitido o incidente, se este for processado juntamente com a causa principal, os recursos de despachos nele proferidos sobem com os recursos interpostos das decisões proferidas na causa principal.
3. Havendo recursos que devam subir nos autos do incidente processado por apenso, são estes autos, para o efeito, desapensados da causa principal.
Para a reclamante, o regime de subida imediata é o regime previsto na lei para as situações como a ora em apreço, em que a decisão de que se recorre é a própria deicsão que não admite o incidente – o artº 606º/2-a) do CPC.

Ou seja, a reclamante está a insinuar que in casu estamos perante um recurso interposto do despacho que não admitiu o incidente.

Todavia, in casu, não foi o que aconteceu.

O que foi bem observado pelo Exmº Juiz a quo no seu despacho que manteve a subida diferida, onde se afirma que:
  No caso vertente, o incidente de despejo imediato não foi indeferido liminarmente, pelo que não é aplicável o art. 606° n.º 2° al. a).
  Admitido liminarmente o incidente, foi o Réu notificado para se pronunciar nos termos do disposto no art. 933° n.º 2° do CPC, tendo o incidente processado até à prolação da decisão recorrida pela qual se conheceu do mérito do incidente. Deste modo, ao recurso sob escrutínio, salvo melhor juízo, é aplicável o art. 606º n.º 2° al. c), e não a al. a).

Subscrevemos integralmente.

Na verdade, no caso sub judice, estamos sim perante a situação prevista no artº 606º/2-c) do CPC, ou seja, um recurso interposto da decisão no âmbito de um incidente já admitido e processado, a que a lei atribui o regime de subida diferida.

Pelo que vimos supra, naufragam ambos os fundamentos e portanto sem necessidade de mais considerações, indefiro a reclamação confirmando o despacho reclamado.

Custas pela reclamante.

Fixo a taxa de justiça em 1/8.

Cumpra o disposto no artº 597º/4 do CPC.

RAEM, 06SET2018

O presidente do TSI

Lai Kin Hong



Recl.51/2017-9