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Proc. nº 484/2017 (Recurso Contencioso)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 26 de Julho 2018
Descritores:
- Fortes indícios de prática pretérita de um crime
- Fortes indícios da prática futura de crimes
- Interdição de entrada
- Segurança e ordem públicas.

SUMÁRIO:

I - “Fortes indícios” de se haver praticado um crime deve ser considerado como um conceito indeterminado, “que a Administração deve preencher e valorar devidamente e com os factos certos, nisso não havendo, em princípio, discricionariedade.”(Ac. do TSI, de 29/09/2016, Proc. nº 813/2013).

II - Como a Administração tem que densificar correctamente aquele conceito em cada caso concreto e com os pertinentes factos verídicos, é possível concluir que os tribunais possam sindicar essa tarefa de subsunção administrativa (Ac. do TUI, de 3/05/2000, Proc. nº 9/2000 e de 27/04/2000, Proc. nº 6/2000).

III - Se os “fortes indícios” forem reportados à “preparação para a prática de crimes”, bem como àquelas outras situações em que o conceito está vocacionado para a evicção de um “prejuízo para a ordem e segurança públicas”, onde o juízo de prognose é, naturalmente, “ex ante” a respeito da possibilidade de actuação futura antijurídica por parte do administrado, a Administração detém alguma margem de liberdade e apreciação na respectiva factualidade

IV - Nas situações referidas em IV só em caso de erro grosseiro e notório da Administração é possível ao tribunal sindicar o respectivo acto administrativo.

Proc. nº 484/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, do sexo masculino, maior, da nacionalidade chinesa, portador do Bilhete de Identidade de Residente da República Popular da China n.º XXXX, do Passaporte da República Popular da China n.º XXXX e do Salvo-Conduto da China para a Deslocação a Hong Kong e Macau n.º XXXX, melhor identificado no P.A. (doravante designado por recorrente) ------
Recorre contenciosamente---
Do despacho proferido em 9 de Março de 2017 pelo Exm.º Senhor Secretário para a Segurança, que, em sede de recurso hierárquico, manteve a medida de interdição de entrada na RAEM por um período de 5 anos que lhe havia sido aplicada pelo Comandante do CPSP.
Na petição inicial, formulou as seguintes conclusões:
“1. Por volta de Setembro de 2016, o recorrente recebeu o despacho proferido pelo Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública que decidiu aplicar ao recorrente a medida de interdição de entrada na RAEM pelo período de 5 anos (contados a partir de 24 de Fevereiro de 2016).
2. Não se conformando com a aludida decisão do Comandante do CPSP, o recorrente, em 20 de Outubro de 2016, mediante o advogado por si constituído, interpôs oportunamente o recurso hierárquico necessário para o Secretário para a Segurança, superior do Comandante do CSSP, pedindo a anulação (revogação) da referida decisão do Comandante do CPSP.
3. Posteriormente, em 3 de Abril de 2017, o advogado constituído do recorrente recebeu a notificação do CPSP, cujo conteúdo revela que o recurso hierárquico do recorrente foi indeferido.
4. Anexou-se à aludida notificação o despacho proferido pelo Secretário para a Segurança.
5. O despacho acima referido referiu que: “Avaliando o teor do despacho de 2016.08.31, do Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, e da petição de recurso hierárquico, que aqui se dão por reproduzidos, …”, isto significa que quanto ao despacho proferido pelo Comandante do CPSP em 31 de Agosto de 2016 e à petição de recurso hierárquico, o seu teor dão-se aqui por integralmente reproduzido ….”
6. Para além disso, os fundamentos do aludido despacho são: “Com efeito, está suficientemente comprovada, no processo, designadamente através de prova testemunhal, a existência de fortes indícios de que o Recorrente, no início de 2016, exercia uma actividade, em conjunto com outros indivíduos, que consistia em bancários Union Pay ilegalmente alteradas de forma a iludir o sistema informático, fazendo crer que as operações eram realizadas na China Continental, e não na RAEM, de modo a obter, por essa via, ganhos materiais ilegítimos”, isto significa que através de prova testemunhal já foi suficientemente comprovada a existência de fortes indícios de que o recorrente, no início de 2016, exercia uma actividade, em conjunto com outros indivíduos, que consistia em burla informática, aproveitando-se das máquinas POS da UnionPay ilegalmente alteradas, de forma a iludir o sistema informático, fazendo crer que as operações eram realizadas no interior da China e não na RAEM, de modo a obter, por essa via, ganhos ilegítimos.
7. A Administração entendeu que os aludidos factos revelam que o recorrente potencia perigo para a ordem, segurança e tranquilidade públicas da RAEM.
8. Em primeiro lugar, vamos analisar os fundamentos que sustentam o despacho proferido pelo Comandante do CPSP em 31 de Agosto de 2016, isto é, “a Polícia Judiciária foi informada que uma associação criminosa, aproveitando-se da lacuna de que o emolumento do levantamento de dinheiro com cartões bancários Union Pay na China é mais baixo do que em Macau, alterou ilegalmente as máquinas POS da UnionPay, de forma a iludir a UnionPay, fazendo crer que as transacções em Macau eram efectuadas no interior da China, de modo a ganhar a diferença ilegítima. Após a investigação, descobriu que a associação criminosa tem loja, escritório e dois endereços dos empregados. Posteriormente, foi realizada uma acção e nos 4 locais acima referidos foram encontrados 15 indivíduos, 8 máquinas POS, cerca de HKD600.000,00 em numerário, e no escritório situado na Amizade (sic) foi encontrado um trabalhador ilegal que foi contratado por A como cozinheiro”.
9. Pelos acima expostos, tanto o despacho proferido pelo Secretário para a Segurança em 9 de Março de 2017, como o despacho proferido pelo Comandante do CPSP em 31 de Agosto de 2016, basearam-se no resultado da investigação feita pela Polícia Judiciária, entendendo que existem fortes indícios de o recorrente ter praticado crime.
10. Razão pela qual a Administração ordenou a interdição de entrada na RAEM do recorrente pelo período de 5 anos (contados a partir de 24 de Fevereiro de 2016) nos termos do artigo 4.º n.º 2 alínea 3) da Lei n.º 4/2003, em conjugação com o artigo 12.º n.º 2 alínea 1), n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 6/2004.
11. Ao abrigo do artigo 4.º n.º 2 alínea 3) da Lei n.º 4/2003, “2. Pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de: (3) Existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes;”
12. Isto quer dizer que o aludido preceito legal prevê que deve existir fortes indícios como requisito legal.
13. As jurisprudências dominantes entendem que os fortes indícios, sendo como um conceito jurídico indeterminado, são interpretados como “os sinais de ocorrência de um determinado facto, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que o facto foi praticado pelo arguido. Esta possibilidade razoável é uma possibilidade mais positiva que negativa, ou seja, a partir das provas recolhidas se forma a convicção de que é mais provável que o arguido tenha praticado o facto do que não o tenha praticado.”
14. Porém, os aludidos dois despachos foram proferidos com base no resultado da investigação da Polícia Judiciária.
15. Nos termos do artigo 265.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, “1. Se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público deduz acusação contra aquele. 2. Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança.”
16. Por outras palavras, mesmo que o Ministério Público venha deduzir acusação, é apenas necessário que tiverem sido recolhidos indícios suficientes durante o inquérito, em vez de fortes indícios, para não mencionar que a Administração fundamentou a decisão só no resultado da investigação da Polícia Judiciária.
17. Pelo que, a Administração citou o resultado da investigação da Polícia Judiciária, o que provavelmente não preenche o requisito legal previsto no artigo 4.º n.º 2 alínea 3) da Lei n.º 4/2003 – existência de “fortes indícios”.
18. Mesmo que a Administração tenha o poder discricionário para decidir o período de interdição de entrada, a decisão de interdição de entrada ainda tem de preencher o pressuposto exigido por lei – “fortes indícios”.
19. Assim sendo, o despacho objecto do recurso contencioso não preenche o pressuposto exigido por lei, enfermando do vício de erro na aplicação da lei, pelo que, nos termos do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo, deve ser anulado.
20. Aliás, as jurisprudências têm entendido que quanto à “existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM” prevista no artigo 12.º n.º 3 da Lei n.º 6/2004 como fundamento da interdição de entrada, a sua avaliação é do âmbito do poder discricionário da Administração, não estando sujeita à apreciação do tribunal.
21. Se o período de interdição de entrada é proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam, isto também envolve a questão do exercício do poder discricionário da Administração.
22. Porém, isto pode ser apreciado pelo poder judiciário quando existe erro manifesto ou absoluta desrazoabilidade ou o desvio do poder no exercício do poder discricionário da Administração.
23. Aliás, a intervenção do órgão judicial na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.
24. O princípio da proporcionalidade tem três sentidos: adequação, necessidade e proporcionalidade.
25. O disposto legal no artigo 12.º n.º 4 da Lei n.º 6/2004 também concretiza que o período de interdição de entrada deve preencher o princípio da proporcionalidade.
26. No despacho recorrido, o Secretário para a Segurança referiu que “Com efeito, está suficientemente comprovada, no processo, designadamente através de prova testemunhal, a existência de fortes indícios de que o Recorrente, no início de 2016, exercia uma actividade, em conjunto com outros indivíduos, que consistia em bancários UnionPay ilegalmente alteradas de forma a iludir o sistema informático, fazendo crer que as operações eram realizadas na China Continental, e não na RAEM, de modo a obter, por essa via, ganhos materiais ilegítimos.” (cfr. Doc. 1)
27. Por outras palavras, os fundamentos de facto da decisão do Secretário para a Segurança que manteve a interdição de entrada do recorrente pelo período de 5 anos são que o recorrente terá cometido o crime de burla informática.
28. Nos termos do artigo 11.º n.º 1 da Lei n.º 11/2009, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa quem, com intenção de obter enriquecimento ilegítimo para si ou para terceiro, causando prejuízo patrimonial a outrem.
29. Mesmo conforme a resposta constante do ofício da Polícia Judiciária, só se revela que o valor do prejuízo envolvido no crime de que o recorrente vem acusado é de cerca de trinta e quatro mil e oitocentas e oitenta e seis patacas (MOP$34.886,00).
30. O artigo 11.º n.º 3 alínea 1) da Lei n.º 11/2009 prevê que de valor elevado, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
31. Já que os fundamentos de facto da decisão do Secretário para a Segurança que manteve aplicar ao recorrente a interdição de entrada pelo período de 5 anos são que o recorrente terá praticado o crime de burla informática, mesmo que a acusação do recorrente do crime de burla informática seja procedente, o limite máximo da moldura penal abstracta é apenas de 5 anos de prisão.
32. A decisão do Secretário para a Segurança que aplicou ao recorrente a interdição de entrada é uma medida administrativa que tem o poder de execução prévia. Sob o pressuposto de não instaurar a acção de suspensão de eficácia do acto administrativo, o direito lesado ou limitado do recorrente só pode ser garantido através da apreciação judicial após a execução da medida.
33. Exactamente por causa disso, a lesão ou a restrição causada pela medida administrativa ao particular não deve ser mais severa ou não deve ser igual à punição criminal, senão, antes da realização do julgamento justo, o direito do particular já foi lesado previa e gravemente pela Administração.
34. Assim sendo, é difícil imaginar quais são as razões pelas quais o Secretário para a Segurança decidiu aplicar à recorrente a medida de interdição de entrada por um período tão longo, isto é, de 5 anos, nomeadamente o Secretário para a Segurança não indicou o grau de gravidade dos factos, o nível de perigo causado pelo recorrente para a segurança pública e o grau de culpa do recorrente.
35. Nestes termos, a decisão do Secretário para a Segurança que mantém a interdição de entrada do recorrente pelo período de 5 anos é absolutamente irrazoável e é inválida.
36. Pelos acima expostos, nos termos do artigo 5.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo e do artigo 12.º n.º 4 da Lei n.º 6/2004, o despacho recorrido violou o princípio de proporcionalidade, devendo ser anulado.
37. Ao abrigo do artigo 21.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Administrativo Contencioso, a violação do princípio de proporcionalidade constitui o fundamento do recurso contencioso.”
*
A entidade recorrida apresentou contestação, na qual formulou as seguintes conclusões:
- “O Recorrente impugna o Despacho do Secretário para a Segurança de 9.3.2017 que, decidindo do recurso hierárquico necessário, confirmou o despacho de 2016.08.31, proferido pelo Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, pelo qual foi determinado aplicar-lhe a medida de interdição de entrada na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), pelo período de 5 anos, ----
- Alegando, por um lado, que não existem fortes indícios da prática de crime pelo Recorrente e, por outro, que a medida é desproporcional.
- Todavia, o acto administrativo ora impugnado assenta sobre dois pressupostos evidentes e inquestionáveis, ----
tanto o pressuposto fáctico (o acto administrativo antecedente, cuja legalidade não foi impugnada, e pelo qual, em 2016.02.23, foi determinada a revogação da autorização de permanência na RAEM do Recorrente, ao abrigo do artigo 11.º, n.º 1, alínea 3) da Lei n.º 6/2004),-------
como o pressuposto legal (a alínea 2), n.º 2, do 12.º da Lei 6/2004, que prevê que pode ser aplicada medida de interdição de entrada quando for aplicada medida de revogação de autorização de permanência ao abrigo de qualquer das alíneas do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 6/2004).
- Por outro lado, a interdição de entrada na RAEM por 5 anos, aplicada ao Recorrente, constituiu uma medida adequada e necessária para, actuando no caso concreto, assegurar objectivos gerais de paz social e ordem pública, protecção dos interesses da comunidade e satisfação das necessidades colectivas de estabilização social.
- Sendo que tal prazo, aliás, está bem longe do limite máximo legal, que tem sido situado em 10 anos.
- Segundo já explicitou o Tribunal de Última Instância “… quando o acto resultado do exercício do poder discricionário ou da margem de livre decisão está manifestamente contrário aos princípios jurídicos fundamentais a que as actividades administrativas devem respeito, o tribunal pode anular o acto por este fundamento no uso da competência da fiscalização da legalidade. Fica, assim, garantidos adequadamente os direitos e interesses legais prejudicados através do meio jurisdicional sem detrimento do pleno exercício dos poderes discricionários pela Administração”. (Acórdão de 27.4.2000, do, Processo nº 6/2000).
- Ora, no caso concreto, e como resulta de todos os elementos referidos supra, ao valorar a necessidade da medida de interdição de entrada e a respectiva dosimetria, a Entidade recorrida não cometeu qualquer erro (e muito menos manifesto) nem foi desrazoável (e muito menos totalmente desrazoável) no exercício desses poderes discricionários.
Termos em que, e nos mais de Direito que esse Venerando Tribunal douta mente suprirá, por não existir qualquer vício que deva conduzir à anulação do acto recorrido, deve manter-se integralmente a decisão impugnada, negando-se provimento ao presente recurso, assim se fazendo JUSTIÇA.”
*
Não houve alegações facultativas.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer final:

“Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 9 de Março de 2017, da autoria do Exm.º Secretário para a Segurança, que, em sede de recurso hierárquico, confirmou a interdição de entrada do recorrente A na Região Administrativa Especial de Macau pelo período de cinco anos.
A interdição, tal como decorre do despacho impugnado, que alterou parcialmente a fundamentação adoptada no despacho de 31 de Agosto de 2016, do Comandante do CPSP, foi sustentada na circunstância de haver sido revogada a autorização de permanência do recorrente, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alínea 3), da Lei 6/2004, ou seja, devido a ter-se entendido que este constituía perigo para a segurança ou ordem públicas, nomeadamente pela prática de crimes na RAEM, o que, à face do artigo 12.º, n.º 2, alínea 2), da mesma Lei, permite que seja interditada a entrada.
O recorrente põe em causa a existência de fortes indícios de ter praticado os crimes em que se baseou a revogação da sua autorização de permanência e, por arrastamento, a interdição de entrada, o que aponta para o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto. Diz, com efeito, que a Administração ter-se-ia baseado na investigação da Polícia Judiciária para chegar à conclusão da existência de fortes indícios, quando é certo que ainda nem sequer há acusação do Ministério Público, e, mesmo que a houvesse, não decorreria daí a existência dos necessários fortes indícios, já que ela se basta com indícios suficientes.
Além disso, insurge-se contra o prazo da interdição, sustentando que o acto padece de manifesta irrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários, o que aponta para violação de lei por ofensa do princípio da proporcionalidade.
Vejamos.
Perante a fundamentação adoptada no procedimento de 2.º grau, que alterou, em parte, a fundamentação convocada na decisão de 1.º grau, o perigo para a segurança ou ordem públicas devido à prática de crimes, ou à sua preparação, na Região Administrativa Especial de Macau, foi fundamento da revogação da autorização de permanência, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alínea 3, da Lei 6/2004. E esta revogação, por sua vez, esteve na base da interdição que ora vem questionada, por força do artigo 12.º, n.º 2, alínea 2), da Lei 6/2004.
A autoridade recorrida diz que a revogação da autorização de permanência não foi objecto de impugnação, o que pode suscitar a questão de saber se é agora possível sindicar os pressupostos em que assentou aquela revogação, que, ao cabo e ao resto, são os que acabam por estar também na base da interdição de entrada. Crê-se que, apesar de se haver firmado na ordem jurídica o acto de revogação da autorização de permanência, nada impede que, no presente recurso contencioso, o recorrente possa vir sindicar a correcção dos pressupostos daquele acto, na medida em que eles acabam por ser causais da interdição agora em escrutínio. Se assim não fosse, o recorrente, por não haver atacado a revogação da autorização de permanência, ficaria despido de tutela jurisdicional efectiva quanto ao acto de interdição, que é um acto novo e diverso, o qual, embora surja em decorrência daquela revogação, não constitui um seu efeito necessário. Afigura-se, pois, viável conhecer do invocado erro nos pressupostos, dado que a interdição e os pressupostos desta não se podem considerar firmados na ordem jurídica como caso decidido.
A norma a este propósito convocada no despacho recorrido não fala propriamente de fortes indícios da prática de crime, mas alude à prática de crimes ou sua preparação, o que, segundo cremos, redundará no mesmo. Nesta matéria, o recorrente verbera o juízo administrativo sobre a atribuída prática de crimes, escudando-se na inexistência de acusação e julgamento penal. Mas este argumento afigura-se-nos irrelevante. A ponderação, por parte da Administração, no exercício da sua actividade, de realidades e conceitos ligados ao cometimento de crimes, como sejam a prática ou a preparação de crimes, a existência de indícios ou de fortes indícios, é uma tarefa que o legislador, no âmbito do seu poder de conformação, comete à Administração, porque indispensável à actividade administrativa na prossecução do interesse público. O facto de realidades e conceitos atinentes à prática de crimes merecerem, por via de regra, tratamento em sede judicial, não impede que a Administração, adentro das suas competências, possa lidar com os mesmos conceitos e realidades. Se assim não fosse, ficaria a Administração condicionada por um necessário julgamento penal, que nem sempre tem lugar - basta atentar nos crimes particulares e semi-públicos, cuja prossecução está dependente de iniciativas reservadas para os ofendidos - e, por vezes, conhece dilações manifestamente incompatíveis com uma defesa célere do interesse público em matéria administrativa.
O que interessa é que o juízo administrativo sobre a existência de crime ou de indícios não assente em erro. E, no caso em análise, nenhum erro se detecta, nem o recorrente, em bom rigor, o identifica. Conforme elementos recolhidos pela Polícia Judiciária, o recorrente integra uma rede que, para obter enriquecimento à custa do correspectivo prejuízo de UnionPay, se dedica a travestir informaticamente as operações de levantamento automático de dinheiro em Macau como se tivessem origem na China continental. Esses elementos, para além da audição de pessoas, reportam uma intervenção policial, relatada com algum pormenor, onde a estrutura criada para dar execução à actividade da rede foi surpreendida em pleno funcionamento. Estão, assim, em causa, e fortemente indiciados,1 os crimes de burla informática em que participou o recorrente e cuja prática foi erigida em pressuposto do acto de revogação e do se quente acto de interdição de entrada, não se divisando, neste particular, razão para dirigir qualquer censura ao acto.
Improcede o vício de erro nos pressupostos de facto.
Também vem imputado ao acto o vício de violação de lei por ofensa do princípio da proporcionalidade, pretendendo o recorrente ver censurado, por manifesta desrazoabilidade do exercício do inerente poder discricionário, o excessivo prazo da interdição, que diz mostrar-se desconforme com a moldura da pena prevista para a burla informática.
Nesta matéria, temos por bem chamar aqui à colação a doutrina do Tribunal de Última Instância, expressa, v.g., no seu acórdão de 19 de Novembro de 2014, exarado no Processo 112/2014, segundo o qual não compete ao tribunal dizer se o período de interdição fixado foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade do facto que a determinou, sendo essa uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. Só em caso de erro manifesto ou de total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro, é que o tribunal deve intervir.
Pois bem, crê-se que, no caso em análise, face aos elementos indiciários com que lidou o acto, essa hipótese de erro palmar ou ostensiva desrazoabilidade não ocorre, pelo que o tribunal não deverá imiscuir-se no juízo formulado pela Administração.
Soçobra, de igual forma, este argumento do recurso.
Nesta conformidade, deve ser negado provimento ao recurso.”
*
Cumpre decidir.
***
II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III – Os Factos
1 - A Polícia Judiciária enviou ao o seguinte ofício:
Região Administrativa Especial de Macau
da República Popular da China
POLÍCIA JUDICIÁRIA
Para o Exmo. Sr. Comandante
do CPSP da RAEM
Depart. : Departamento de Investigacão Criminal
Div./Sec. : Divisão de Investigação e Nossa referência: Data:
Combate ao Banditismo 0396/NDI/2016 23 de Fevereiro de 2016
Crim. Investig. : TXXXX
Proc.N.º : Inq 3181/2016
Assunto: entrega de suspeito da prática de crime
Anteriormente a PJ recebeu informações indicando que uma associação criminosa, usando da lacuna de que se cobram menos taxas se se paga com cartão de crédito da China UnionPay no Interior da China que em Macau, alterou ilegalmente máquinas POS da China UnionPay, o que induziu em erro a companhia do cartão de crédito China UnionPay, que pensava que os pagamentos efectuados em Macau se tivessem realizado no Interior da China, e desta maneira ganhou os interesses ilegítimos, i.e., a diferença entre as taxas.
Através da investigação, descobriu-se que a associação criminosa tinha loja, gabinete e 2 residências para empregados.
Pelas 17h00 de 22 de Fevereiro de 2016, esta Secção realizou uma operação. Foram encontrados nos 4 endereços acima referidos 12 arguidos masculinos e 3 arguidos femininos, 8 máquinas POS, cerca de HKD$600000,00 em numerário.
No gabinete situado no EDF. XXX, 1.º andar “B”, Avenida da Amizade, foram encontrados o arguido A e 5 máquinas POS que se suspeita terem sido alteradas. Segundo as informações anteriormente obtidas, o arguido A controlava a operação da associação através de telefone e era o líder, enquanto os outros arguidos indicaram que usavam as máquinas POS de acordo com as instruções dadas por ele.
Como existem indícios mostrando que o arguido A terá praticado o crime de “associação criminosa” p. e p. pelo art.º 288.º, n.º 1 do CP, punível com pena de prisão de 3 a 10 anos, conjugado com o crime de “burla informática” p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, alínea 1) e n.º 3, alínea 2) da Lei n.º 11/2009, punível com pena de prisão de 2 a 10 anos.
No presente dia, depois de ter entregado o arguido A ao MP para ser investigado, ele foi mandado de volta à PJ. Ora nos termos da Lei n.º 6/2004, como o arguido A está suspeito de ter praticado crimes na RAEM, entrega-se para ser acompanhado pelo CPSP.
Eis as informações de identificação do arguido:
1) Nome: A, do sexo masculino, data de nascimento: 18/11/1987, portador do Salvo-Conduto da RPC n.º XXXX.
Com os melhores cumprimentos,
O Chefe da Divisão
(ass.: vd. o original)
XXX
2 - O Comandante do Corpo de Polícia da PSP proferiu o seguinte despacho, em 31/08/2016:
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
CORPO DE POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
Despacho
Assunto: medida de interdição de entrada na RAEM
Segundo mostra o resultado da investigação realizada pela PJ, A (do sexo masculino, data de nascimento: 18 de Novembro de 1987, portador do Salvo-Conduto Duplo da RPC n.º XXXX) praticou crimes em Macau, que passo a relatar em detalhes:
Segundo as informações obtidas pela PJ, uma associação criminosa, usando da lacuna de que se cobram menos taxas se se paga com cartão de crédito da China UnionPay no Interior da China que em Macau, alterou ilegalmente máquinas POS da China UnionPay, o que induziu em erro a companhia do cartão de crédito China UnionPay, que pensava que os pagamentos efectuados em Macau se tivessem realizado no Interior da China, e desta maneira ganhou os interesses ilegítimos, i.e., a diferença entre as taxas; através da investigação, descobriu-se que a associação criminosa tinha loja, gabinete e 2 residências para empregados. Mais tarde, foi realizada uma operação. Foram encontrados nos 4 endereços acima referidos 15 indivíduos do sexo masculino ou feminino, 8 máquinas POS, cerca de HKD$600000,00 em numerário. Durante o processo, no gabinete situado no EDF. XXX, 1.º andar “B”, Avenida da Amizade, foram encontrados A e 5 máquinas POS alteradas. Os outros arguidos indicaram que A controlava a operação da associação através de telefone; indicaram também que usavam as máquinas POS de acordo com as instruções dadas por A. Ao mesmo tempo, no gabinete acima referido, foi interceptado um trabalhador ilegal contratado por A que trabalhava como cozinheiro.
Após da investigação realizada pelo agente policial da PJ, como existem fortes indícios mostrando que A terá praticado o crime de associação criminosa p. e p. pelo art.º 288.º, n.º 1 do CPM, conjugado com o crime de burla informática p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, alínea 1) e n.º 3, alínea 2) da Lei n.º 11/2009 e o crime de emprego p. e p. pelo art.º 16.º da Lei n.º 6/2004, o processo foi remetido ao MP para ser tratado.
Tendo em conta os factos objectivos acima referidos e as demais circunstâncias criminosos, se ele entrar na RAEM, constituirá perigo à ordem e segurança pública da RAEM. Para defender os interesses públicos e exercer as atribuições específicas do CPSP, o signatário, exercendo as competências delegadas pelo Secretário para a Segurança, nos termos do art.º 4.º, n.º 2, alínea 3) da Lei n.º 4/2003, conjugado com º art.º 12.º, n.º 2, alíneas 1), 3) e 4) da Lei n.º 6/2004, manda proibir o indivíduo acima referido a entrar na RAEM durante o prazo de 5 anos (a contar do dia 24 de Fevereiro de 2016).
Da presente decisão pode-se interpor recurso hierárquico necessário ao Secretário para a Segurança. Avisa-se juntamente o interessado que se não obedecer às medidas ora aplicadas, então violará o art.º 21.º da Lei n.º 6/2004 e será punido com pena de prisão.
Aos 31 de Agosto de 2016, no CPSP
O Comandante do CPSP da RAEM
(ass.: vd. o original)
XXX
Superintendente geral
3 - Em Setembro de 2016, o recorrente recebeu o despacho proferido pelo Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública que decidiu aplicar ao recorrente a medida de interdição de entrada na RAEM pelo período de 5 anos (contados a partir de 24 de Fevereiro de 2016).
4 - Não se conformando com a aludida decisão do Comandante do CPSP, o recorrente, em 20 de Outubro de 2016, mediante o advogado por si constituído, interpôs oportunamente o recurso hierárquico necessário para o Secretário para a Segurança, superior do Comandante do CSSP, pedindo a anulação (revogação) da referida decisão do Comandante do CPSP.
5 - O conteúdo do despacho do Secretário para a Segurança é o seguinte:
“Assunto: Recurso hierárquico
Recorrente: A
Avaliando o teor do despacho de 2016.08.31, do Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, e da petição de recurso hierárquico, que aqui se dão por reproduzidos, concluo que não são apresentadas, pelo Recorrente, razões que aconselhem a opção de revogar o acto administrativo impugnado, pelo qual foi determinada a aplicação da medida de interdição de entrada na RAEM pelo período de cinco anos.
Com efeito, está suficientemente comprovada, no processo, designadamente através de prova testemunhal, a existência de fortes indícios de que o Recorrente, no início de 2016, exercia uma actividade, em conjunto com outros indivíduos, que consistia em bancários UnionPay ilegalmente alteradas, de forma a iludir o sistema informático, fazendo crer que as operações eram realizadas na China Continental, e não na RAEM, de modo a obter, por essa via, ganhos materiais ilegítimos. (destaque nosso em “fortes indícios”).
Os factos referidos indiciam, objectivamente, que o A é pessoa que potencia, em si, perigo para a ordem, segurança eram realizadas na China Continental, e não na RAEM, de modo a obter, por essa via, ganhos materiais ilegítimos.
Os factos referidos indiciam, objectivamente, que o A é pessoa que potencia, em si, perigo para a ordem, segurança e tranquilidade públicas da RAEM (destaque nosso). E foi por essa razão, aliás, que o Recorrente viu ser revogada a sua autorização de permanência, por despacho de 2016.02.23, no qual expressamente se invoca como fundamento legal, e bem, a alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 6/2004.
E, em consequência, é legítimo e legalmente admissível que lhe seja aplicada uma medida de interdição de entrada, ao abrigo da alínea 2) do n.º 2 do artigo 12.º da referida n.º Lei n.º 6/2004.
Na sua petição de recurso hierárquico, o Recorrente alega, no essencial, que os factos estão a ser investigados no inquérito penal e que ainda houve qualquer decisão judicial; no entanto, este argumento improcede por estarmos no domínio de um procedimento administrativo, de carácter securitário (não sancionatório), onde não relevam considerações sobre a efectiva punição criminal dos factos subjacentes, nem está em causa a apreciação da responsabilidade penal do Recorrente.
Desde modo, tudo ponderado, afigura-se que o acto administrativo impugnado é legal e está adequadamente motivado. Assim, ao abrigo do artigo 161.º, n.º 1, do CPA, decido confirmá-lo, ajustando-o tão somente à fundamentação supra referida, e negando provimento ao presente recurso.” (cfr. Doc. 1)
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IV – O Direito
1 – Questão prévia
A entidade recorrida advoga que, por não ter sido impugnada em seu devido tempo o acto administrativo de revogação da autorização de residência do recorrente, não podem os respectivos pressupostos ser postos em causa no presente processo, uma vez que, agora, o que está em discussão é a decisão que aplica a medida de interdição de entrada daquele na RAEM.
Pois bem. É certo que não houve impugnação do acto que revogou a autorização de residência do recorrente. Todavia, essa circunstância não pode obstar à impugnação do despacho ora em crise com base nos mesmos ou parcialmente idênticos factos. É que, afinal de contas, o que está assente sob a forma de caso decidido é a decisão administrativa, não os factos de que o respectivo autor se tenha servido, os quais até podem não ser verdadeiros.
Se fosse de entender que o recorrente não podia pôr em causa no presente recurso contencioso a factualidade subjacente à 1ª decisão, isso corresponderia a dizer que, em virtude dessa omissão, dessa letargia, ficaria automaticamente sem tutela em relação a outra decisão administrativa posterior assente em requisitos, fundamentos e efeitos diferentes. E isso não pode o direito tolerar.
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2 – Do recurso
2.1 – Do vício de erro nos pressupostos de facto
O recorrente defende que não está verificado o pressuposto de facto constante do art. 4º, nº2, alínea 3), da Lei nº 4/2003 que permitisse à entidade recorrida, ao abrigo do art. 12º, nº2, alínea 1) e nºs 3 e 4 da Lei nº 6/2004, interditá-lo da entrada na RAEM.
E isto, por não estão se encontrarem apurados “fortes indícios” de ter praticado algum crime ou de se preparar para a prática de algum crime.
Não tem razão, salvo o devido respeito.
Antes de mais nada, “Fortes indícios” de se haver praticado um crime deve ser considerado como um conceito indeterminado, “que a Administração deve preencher e valorar devidamente e com os factos certos, nisso não havendo, em princípio, discricionariedade.”(Ac. do TSI, de 29/09/2016, Proc. nº 813/2013). Trata-se de um preenchimento “ex post” que recai sobre elementos disponíveis reveladores de um passado ilícito, mais ou menos remoto ou próximo, por parte do interessado.
Como a Administração tem que densificar correctamente aquele conceito em cada caso concreto e com os pertinentes factos verídicos, é possível concluir que os tribunais possam sindicar essa tarefa de subsunção administrativa (Ac. do TUI, de 3/05/2000, Proc. nº 9/2000 e de 27/04/2000, Proc. nº 6/2000).
O mesmo não se pode afirmar já relativamente a certas situações mais dúbias, como é aquela em que os fortes indícios são reportados à “preparação para a prática de crimes”, bem como aquelas outras em que o conceito está vocacionado para a evicção de um “prejuízo para a ordem e segurança públicas”, onde o juízo de prognose é, naturalmente, “ex ante” a respeito da possibilidade de actuação futura antijurídica por parte do administrado cabe à Administração com alguma margem de liberdade e apreciação (Ac. do TUI, de 3/05/2000, Proc. nº 9/2000).
Ora, quanto a este aspecto de indícios alusivos à presença de prática de crimes (já cometidos) “Indícios são factos que encaminham presuntivamente o intérprete para uma determinada realidade. E nesse sentido, os mesmos factos, enquanto subsistirem intocáveis, podem constituir indícios para efeitos administrativos e indícios diferentes para efeitos criminais”.
Por outro lado, “Tem-se entendido haver fortes indícios da prática de crime quando, de acordo com os elementos probatórios recolhidos em determinada fase processual, se prevê que o agente terá muito provavelmente que ser condenado numa pena ou medida de segurança. Se os indícios podiam existir na ocasião em que a situação foi detectada, eles podem vir a ser desmontados ou abatidos por revelação factual em contrário mais tarde, seja no próprio procedimento, seja no recurso contencioso, seja até noutro domínio, como o penal. O que queremos dizer é que a medida pode deixar de subsistir se, supervenientemente, se vier a apurar que, ou os indícios não eram fortes, ou desapareceram por prova em sentido diferente” (Ac. do TSI, de 12/05/2016, Proc. nº 769/2015).
E, no caso em apreço, segundo a aparência forte e provável que os dados do processo administrativo apenso nos fornecem, o recorrente integra uma rede de indivíduos que se dedica à burla informática com vista a obter por essa via a obtenção ilícita elevadas somas de dinheiro através dos cartões bancários de débito, ilegalmente alterados, de forma a iludir o sistema informático, fazendo crer que as operações eram realizadas na China Continental, e não na RAEM, de modo a obter, por essa via, ganhos materiais ilegítimos, causando prejuízo à Union Pay.
Muito provavelmente seria punido em sede penal, porque os indícios são fortes.
O recorrente, aliás, não nega, sequer, de uma forma clara estes factos. Limita-se a argumentar que o próprio Ministério Público ainda não deduziu acusação contra si.
Só que o âmbito penal e da investigação criminal não obedece necessariamente aos mesmos tempos, nem sequer aos mesmos parâmetros, pelo que nem sequer o art. 265º do CPP tem aqui um decisivo préstimo auxiliativo.
Isto significa, sem esforço e sem necessidade de maiores considerandos, que os indícios fortes para efeitos administrativos estão presentes, não havendo motivo para anulação do acto com este fundamento.
De resto, na medida em que o acto também remete para o art. 11º, nº1, al. 3), “ex vi” art. 12º, nº2, al. 2), da Lei nº 6/2004 (a permanência do recorrente na RAEM constituiria perigo para a segurança e ordem públicas), então já então estaremos mais uma vez naquele âmbito onde a Administração goza, como atrás dizíamos, de grande margem de livre apreciação e prognose e “ex ante” do conceito indeterminado, caso em que a sindicância judicial sempre se apresenta muito mais apertada e limitada aos casos de erro grosseiro e intolerável.
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Cremos, em suma, que por qualquer dos fundamentos estudados, nada pode o tribunal fazer, senão sufragar o acto, pois não vemos nele qualquer ponta de erro grosseiro que mereça censura.
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2.2 – Do vício de violação do princípio da proporcionalidade
Neste passo, o recorrente ocupa-se em tentar demonstrar que a medida de interdição por 5 anos é excessiva.
Nesta parte, isto é, na dosimetria temporal da medida, estamos já no âmbito da actividade discricionária, que deve obedecer aos princípios gerais estabelecidos nos arts. 3º e sgs. do CPA, nomeadamente o da proporcionalidade (art. 5º, nº2, do CPA), e que constituem limites internos da Administração.
Contudo, na análise dessa actuação administrativa discricionária, o tribunal já só pode intervir se a Administração incorrer em erro manifesto, grosseiro e tosco.
E no caso em apreço, estamos convencidos que o acto não é desrazoável, desproporcional, nem excessivo, nem atentou contra aquele limite interno do poder discricionário, pelo menos de forma grosseira, tosca e intolerável, atendendo à gravidade do ilícito, perigosidade e censurabilidade dos actos que o determinaram (art. 12º, nº4, da Lei nº 6/2004). Neste sentido, entre tantos, o Ac. do TUI, de 22/03/2018, Proc. nº 83/2016; 12/07/2017, Proc. nº 22/2017; de 15/10/2014, Proc. nº 103/2014 e de 27/04/2000, Proc. nº 6/2000; também do TSI, de 19/01/2017, Proc. nº 137/2016.
Improcede pois, o vício.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar o recurso contencioso improcedente.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 8 UC.
T.S.I., 26 de Julho de 2018
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa





1 Tenha-se presente que, contrariamente à tese que perpassa pela alegação do recorrente, os conceitos de fortes indícios e indícios suficientes se equivalem ao nível da exigência probatória do juízo de probabilidade em processo penal, pressupondo ambos uma convicção da probabilidade da futura condenação do arguido. No mesmo sentido opina Jorge Noronha Silveira, no seu trabalho intitulado "O conceito de indícios suficientes no processo penal português", acessível através de www.odireitoonline.com, para quem as expressões processuais "indícios suficientes" e "fortes indícios" têm um alcance semelhante.
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484/2017 1