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Processo nº 765/2018 Data: 16.08.2018
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.

SUMÁRIO
1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,
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José Maria Dias Azedo

Processo nº 765/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 63 a 71 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da procedência do recurso; (cfr., fls. 73 a 75).

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Em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta douto Parecer pugnando também no sentido da procedência do recurso; (cfr., fls. 82 a 83).

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Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do T.S.I. de 06.07.2017, (e alterando-se o antes decidido pelo T.J.B.), foi, A, ora recorrente, condenado como autor da prática de 1 crime de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, fixando-se-lhe a pena de 3 anos de prisão;
– o mesmo recorrente deu entrada no E.P.C. em 02.07.2016, e em 02.07.2018, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 02.07.2019;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com a sua família, em JIANGXI, R.P.C., de onde é natural, tencionando procurar emprego como operário de construção.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).

Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 02.07.2016, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 10.05.2018, Proc. n.° 338/2018, de 17.05.2018, Proc. n.° 337/2018 e de 07.06.2018, Proc. n.° 457/2018, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Tendo presente o que se deixou consignado, e ponderando na situação em questão, cremos que de sentido positivo deve ser a resposta.

Com efeito, o ora recorrente era primário antes da condenação na pena que cumpre, tem demonstrado arrependimento pela sua conduta, reconhecendo o seu desvalor, – v.d., v.g., as várias cartas juntas aos autos e o parecer da técnica de serviço social – em reclusão tem tido um “bom comportamento prisional”, participando em actividades ocupacionais – vd., Parecer do Director do E.P.C. – possuindo também vontade e apoio da família para levar uma “vida nova”.

Assim, cremos pois que se mostra verificado o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. a) do C.P.M., ou seja, viável se nos apresenta o necessário “juízo de prognose favorável” quanto à sua futura vida em liberdade.

Por sua vez, atento o tipo de crime, de “auxílio”, (no caso, simples), visto que já cumpriu mais de 2 anos e 1 mês da referida pena, (sendo de 2 anos de prisão o limite mínimo da pena para o crime cometido), faltando-lhe cumprir cerca de 11 meses de prisão, e considerando ser esta a última oportunidade para poder beneficiar da pretendida liberdade condicional, afigura-se de considerar igualmente verificado o pressuposto da al. b) do mencionado art. 56° do C.P.M. desde que – como igualmente se sugere no Parecer do Ministério Público – se condicione a sua concessão à observância de “regras de conduta” nos termos do art. 50° e 51° do mesmo código, ficando o arguido proibido de regressar a Macau no período da liberdade condicional, devendo também pagar as custas processuais em que foi condenado no prazo de 2 meses.

Assim, em face das expostas considerações, há que revogar a decisão recorrida.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam julgar procedente o recurso, concedendo-se a pretendida liberdade condicional.

Sem custas.

Passem-se os competentes mandados de soltura.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Oficie à P.S.P. remetendo cópia do acórdão.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 16 de Agosto de 2018
José Maria Dias Azedo
Leong Sio Kun
Chan Kam Tim

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