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Processo n.º 60/2018. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorrida: B.
Assunto: Equidade. Danos. Responsabilidade contratual. Liquidação em execução de sentença. N.º 6 do artigo 560.º do Código Civil. N.º 2 do artigo 564.º do Código de Processo Civil.
Data do Acórdão: 19 de Outubro de 2018.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
  I – O disposto no n.º 6 do artigo 560.º do Código Civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual como à responsabilidade extracontratual.
II – O disposto no n.º 2 do artigo 564.º do Código de Processo Civil também se aplica naqueles casos em que o pedido é líquido, mas os factos da liquidação da obrigação não se provam.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A, intentou acção declarativa com processo comum ordinário contra B, pedindo a declaração da resolução de contrato celebrado entre as partes e a condenação da ré no pagamento à autora da quantia de HK$583.908,90 e RMB$715.091,81, acrescidas de juros vincendos.
A ré B, em reconvenção, pediu a condenação da autora A, no pagamento à ré da quantia de HK$6.088.632,50, acrescida de juros vencidos e vincendos.
Por sentença da Ex.ma Presidente do Tribunal Colectivo, foram a acção e a reconvenção julgadas parcialmente procedentes, condenando a ré a pagar à autora determinadas quantias em dinheiro, condenando a autora a pagar à ré as despesas que teve para solucionar o problema dos defeitos das janelas fornecidas pela Autora, cujo valor será liquidado em execução de sentença e absolvendo a autora da restante parte do pedido reconvencional formulado pela ré.


Recorreram a autora A e a ré B para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) que, por Acórdão de 8 de Março de 2018:
- Negou provimento ao recurso interposto pela autora;
- Concedeu parcial provimento ao recurso interposto pela ré, condenando a autora a pagar a esta última as despesas relacionadas com os vidros, acessórios e estores de alumínio em falta, no montante que se vier a liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de o juiz de execução fixar por equidade o valor indemnizatório se assim for necessário.
- Confirmou a sentença em tudo o mais decidido.

Recorre, agora, a autora A para este Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando duas questões:
- O disposto no n.º 6 do artigo 560.º do Código Civil não se aplica à responsabilidade contratual, mas apenas à responsabilidade extracontratual;
- O acórdão recorrido violou o disposto no n.º 2 do artigo 564.º do Código de Processo Civil, já que não se verificava inexactidão quanto ao valor dos danos, apenas a ré não os conseguiu demonstrar.

II – Os factos (no caso, sem qualquer relevância para a solução das questões suscitadas)
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido, para o qual se remete, nos termos do n.º 6 do artigo 631.º do Código de Processo Civil.
  

III – O Direito

1. Questões a apreciar
Há que conhecer das questões suscitadas pela recorrente.


2. Aplicação do disposto no n.º 6 do artigo 560.º do Código Civil à responsabilidade contratual
 Trata-se de saber se o disposto no n.º 6 do artigo 560.º do Código Civil (Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julga equitativamente dentro dos limites que tiver por provados) não se aplica à responsabilidade contratual, mas apenas à responsabilidade extracontratual.
O Livro II do Código Civil é dedicado ao Direito das Obrigações.
Está dividido em dois Títulos, o I, Das Obrigações em Geral e II, Dos Contratos em especial.
O Título I divide-se em oito capítulos, sendo o III dedicado às Modalidades das Obrigações.
A Secção VIII deste Capítulo rege a Obrigação de indemnização.
Logo pelo enquadramento sistemático parece evidente que a obrigação de indemnização se refere tanto à responsabilidade extracontratual como à responsabilidade contratual.
Dispõem o seguinte os artigos integrantes da Secção VIII:
SECÇÃO VIII
Obrigação de indemnização
Artigo 556.º
(Princípio geral)
 Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Artigo 557.º
(Nexo de causalidade)
 A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Artigo 558.º
(Cálculo da indemnização)
1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente é remetida para decisão ulterior.
Artigo 559.º
(Indemnização provisória)
 Devendo a indemnização ser fixada em execução de sentença, pode o tribunal condenar desde logo o devedor no pagamento de uma indemnização, dentro do quantitativo que considere já provado.
Artigo 560.º
(Indemnização em dinheiro)
 1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível.
 2. Quando a reconstituição natural seja possível mas não repare integralmente os danos, é fixada em dinheiro a indemnização correspondente à parte dos danos por ela não cobertos.
 3. A indemnização é igualmente fixada em dinheiro quando a reconstituição natural seja excessivamente onerosa para o devedor.
 4. Quando, todavia, o evento causador do dano não haja cessado, o lesado tem sempre o direito a exigir a sua cessação, sem as limitações constantes do número anterior, salvo se os interesses lesados se revelarem de diminuta importância.
 5. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
 6. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julga equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Artigo 561.º
(Indemnização em renda)
 1. Atendendo à natureza continuada dos danos, pode o tribunal, a requerimento do lesado, dar à indemnização, no todo ou em parte, a forma de renda vitalícia ou temporária, determinando as providências necessárias para garantir o seu pagamento.
 2. Quando sofram alteração sensível as circunstâncias em que assentou, quer o estabelecimento da renda, quer o seu montante ou duração, quer a dispensa ou imposição de garantias, a qualquer das partes é permitido exigir a correspondente modificação da sentença ou acordo.
Artigo 562.º
(Cessão dos direitos do lesado)
 Quando a indemnização resulte da perda de qualquer coisa ou direito, o responsável pode exigir, no acto do pagamento ou em momento posterior, que o lesado lhe ceda os seus direitos contra terceiros.
Artigo 563.º
(Indicação do montante dos danos)
 Quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos.
Artigo 564.º
(Culpa do lesado)
 1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.
Artigo 565.º
 (Culpa dos representantes legais e auxiliares)
 Ao facto culposo do lesado é equiparado o facto culposo dos seus representantes legais e das pessoas de quem ele se tenha utilizado.
Artigo 566.º
(Prova da culpa do lesado)
 Àquele que alega a culpa do lesado incumbe a prova da sua verificação; mas o tribunal pode conhecer dela, ainda que não seja alegada

O teor da regulamentação confirma inteiramente a aplicação destes preceitos em geral e norma em causa, em especial, à responsabilidade contratual. Aliás, a recorrente não fornece nenhum argumento para a sua tese.
Como explica ANTUNES VARELA1 “Os trabalhos preparatórios da nova legislação civil vieram, entretanto, pôr em relevo os traços comuns que unem as obrigações do devedor inadimplente e do autor do facto ilícito e as vantagens (tanto teóricas como práticas) que adviriam da regulamentação conjunta dos dois núcleos de matérias”.
O que confirma que as normas da obrigação de indemnização também se aplicam à responsabilidade contratual.

3. Liquidação em execução de sentença
Alega a autora que o disposto no n.º 2 do artigo 564.º do Código de Processo Civil (Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.) só tem aplicação quando no momento da sentença não for possível conhecer de todos os factos necessários à liquidação, mas não quando a parte não os conseguiu demonstrar.
Esclarecem J. LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO, que a esmagadora maioria da doutrina e da jurisprudência tem considerado que a norma também se aplica naqueles casos em que o pedido é líquido, mas os factos da liquidação da obrigação não se provam2:
«Pode acontecer que, em acção de condenação, os factos provados, embora conduzam à condenação do réu, não permitam concretizar inteiramente a prestação devida.
Tal pode acontecer tanto nos casos em que é deduzido um pedido genérico não subsequentemente liquidado (ver o n.º 6 da anotação ao art. 471 e o n.º 1 da anotação ao art. 378) como naqueles em que o pedido se apresenta determinado, mas os factos constitutivos da liquidação da obrigação não são provados (ALBERTO DOS REIS, CPC anotado cit., I, p. 615, e V, p.71; AUGUSTO LOPES CARDOSO, O pedido e a sentença, RT, 93, p.57-58; RODRIGUES BASTOS, Notas cit., III, ps. 184-185); ver, em contrário, MANUEL GONÇALVES SALVADOR, Pedidos genéricos, RT, 88, ps. 5-62.

O STJ perfilhou, no acórdão de 17.1.95 (FERNANDO FABIÃO), BMJ, 443, p. 395, tirado por maioria, uma interpretação restritiva do preceito do art. 661-2, apenas aplicável quando, embora se tenha deduzido pedido líquido, ainda não for possível, no momento da sentença, conhecer todos os factos necessários à liquidação (por não se terem verificado ou “estarem em evolução”), mas não quando eles já tiverem todos ocorrido e, muito menos, quando, como ocorria no caso concreto, tiverem sido alegados, mas não provados.

Mas a jurisprudência dominante é no sentido inicialmente referido (por todos: ac. do STJ de 29.1.98, SOUSA INÊS, BMJ, 473, p. 445».
Posição que se subscreve integralmente.

IV – Decisão
Face ao expendido, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela autora.
Macau, 19 de Outubro de 2018.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
  
     1 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Coimbra, Almedina, 10.ª edição, I volume, 2003, reimpressão. Volume I, p. 877.
     2 J. LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO E RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2008, p. 682 e 683.

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