打印全文
Proc. nº 419/2017
Recurso contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 18 de Outubro de 2018
Descritores:
- Caducidade preclusiva
- Prorrogação do prazo da concessão
- Actividade vinculada
- Lei Básica (arts. 6º, 7º, 103º)
- Abuso de direito

SUMÁRIO:

I - A caducidade-preclusiva pelo decurso do prazo geral máximo da concessão impõe-se, inevitavelmente, à entidade administrativa competente. É, pois, um acto vinculado, por ter a sua raiz mergulhada na circunstância de esse efeito caducitário decorrer directamente ope legis, sem qualquer interferência do papel da vontade do administrador. É da lei que advém fatalmente a caducidade.

II - Os princípios da boa fé e da eficiência constituem limite intrínsecos à actividade administrativa discricionária e não vinculada.

III - Os artigos 6º, 7º e 103º da Lei Básica não apresentam qualquer relevância para os casos em que é declarada administrativamente a caducidade de uma concessão e em que, consequentemente, não está em causa propriedade privada da concessionária.

IV - O abuso de direito, para vingar no recurso contencioso, impõe a prova de um exercício ilícito de direito, implica a demonstração de que o titular do direito o exerceu em termos clamorosamente ofensivos da justiça e que excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art. 334º, do CC). E não preenche estes requisitos a actuação administrativa que se limita, como no caso vertente, a cumprir as cláusulas do contrato e a acatar as normas imperativas de direito público sobre o regime legal das concessões.
Proc. nº 419/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A Companhia de Construção Cheong Kong, Limitada, com sede em Macau, Avenida Conselheiro Ferreira de Almeida, nº 121, rés-do-chão, lojas C e D, registada sob o nº 3036(SO), concessionária do terreno com a área de 5 980 m2, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, lote “SQ2”, ------
Interpõe neste TSI recurso contencioso -----
Do despacho do Chefe do Executivo, de 27.03.2017, publicado no Boletim Oficial nº 14, II série, de 05.04.2017 e notificado à ora recorrente em 18.04.2017, ----
Que declarou a caducidade da concessão do terreno com a área de 5 980 m2, situado na ilha de Coloane na zona industrial de Seac Pai Van, lote “SQ2”, para a instalação de uma unidade de produção de asfalto, ficando a área descoberta remanescente destinada a armazenamento de equipamento e de materiais e para a construção de uma casa para a residência do guarda, titulado pelo Despacho n.º 167/GM/89, publicado no 4.º suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989.
*
Na petição inicial formulou as seguintes conclusões:
“1. Do alegado conclui-se que, a caducidade prevista no artigo 166º da Lei de Terras corresponde a uma caducidade-sanção, porquanto:
2. Em primeiro lugar, porque a declaração de caducidade prevista do artigo 166º, nº 1, 1) da Lei n.º 10/2013 (tal como na Lei de 1980) - as concessões caducam quando se verifique a não conclusão do aproveitamento ou reaproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais - é um acto vinculado do Chefe do Executivo, correspondendo ao exercício de um poder-dever, compreendido na própria lógica subjacente a este diploma, que é “assegurar um aproveitamento efectivo dos terrenos vagos”, orientado para o crescimento económico, o progresso social e a melhoria das condições de vida da população da RAEM”, e que tem expressão normativa concreta no “dever de aproveitamento” dos terrenos concessionados que impende sobre o concessionário (artigo 103.º da Lei 6/80/M; e artigo 103.º da Lei n.º 10/2013).
3. Neste sentido, o que o legislador fez, foi integrar a caducidade do direito no quadro sistemático de sanções por incumprimento do contrato de concessão, onde para além das multas, a caducidade do direito sanciona os concessionários que não cumpram, por causas que lhes são imputáveis, o dever de aproveitamento, dentro dos prazos aí estipulados ou, na falta dessa estipulação, dentro dos prazos legalmente determinados, o que constitui nessa perspectiva inequivocamente uma caducidade sanção.
4. Isto porque a Lei de Terras não faz menção apenas ao decurso do prazo, mas também aos termos contratuais como manifestação dos vínculos contratuais estabelecidos, nos quais se inclui, como obrigação principal, o dever de aproveitamento do terreno que compete ao concessionário que, como se sabe, está ainda dependente do comportamento licenciador do concedente, isto para além de poder estar sujeito, na dinâmica da prossecução do interesse público contratual, às alterações que a Administração legitimamente imponha.
5. Em segundo lugar, o prazo de 25 anos invocado na fundamentação do acto, por referência ao artigo 47º, nº 1, da Lei nº 10/2013 (aplicável por força do disposto no artigo 215º, nº 1, da: mesma lei), é apenas um limite para o prazo máximo da concessão inicial a estabelecer no contrato, não constituindo um prazo de caducidade do contrato, uma vez que o artigo 47º não exclui, por si, as eventuais prorrogações dos prazos de aproveitamento que venham a ser autorizadas pelo Chefe do Executivo, nos termos do disposto no nº 5 do artigo 104.º da Lei de Terras.
6. Isto porque o princípio subjacente ao regime da Lei de Terras é o da regulação eficiente do aproveitamento privado dos terrenos, em nome do interesse público.
7. E para a regulação eficiente do aproveitamento privado dos terrenos, em nome do interesse público, uma forma de assegurar a eficácia do regime da concessão é também o facto de a concessão ser inicialmente provisória até à conclusão do aproveitamento dos terrenos conforme os termos contratualizados (artigos 103º a 106º), procurando assegurar que o concessionário cumpre efectivamente o contrato e, se fizer prova desse cumprimento, a concessão passará a definitiva (artigos 130º e 131º).
8. Assim, a outorga de um contrato de concessão de arrendamento exige que se estabeleça, para a relação jurídica que assim se constitui (por isso, se sujeita a concessão a renovações), a concessão inicial não poder exceder 25 anos e cada renovação não poder exceder 10 anos, de modo que, se não for pedida ou não for concedida a renovação, esses prazos valem como prazos de caducidade preclusão, sendo esse o sentido do disposto nos artigos 47º e 52.º.
9. Outra coisa diferente são os prazos para a realização dos aproveitamentos dos terrenos contratualizados, que hão-de assegurar a respectiva afectação aos usos pretendidos pela RAEM, prazos que podem ser prorrogados nos termos do artigo 104º/5, e cujo incumprimento determina também a caducidade da concessão, mas, neste caso, uma caducidade-sanção (artigos 166º a 168º).
10. Até porque é normal que durante o período da concessão possam surgir adversidades, dificuldades na execução dos projectos e até alteração das circunstâncias que imponham uma gestão do contrato pelas partes no sentido de assegurar o permanente equilíbrio entre as prestações, sobretudo quando as relações jurídicas em causa são relações jurídicas no âmbito do Direito do Urbanismo reguladas por contratos de concessão que, na ausência de planos urbanísticos vinculativos, têm uma eminente função pública de planeamento e gestão urbanística da RAEM.
11. Para tais problemas, existem alguns institutos que permitem dar resposta a estas situações, não só na Lei de Terras, como é o caso da prorrogação dos prazos (artigo 104º/5) ou da revisão da concessão (artigos 139º a 143º), mas também nas regras gerais do Código Civil em matéria de causas impeditivas da caducidade (artigo 323º), institutos que pressupõem justamente o funcionamento de uma caducidade-sanção.
12. O disposto no artigo 52º insere-se no conjunto de regras relativas à renovação das concessões e a caducidade aí mencionada refere-se à falta ou indeferimento dos respectivos pedidos (não aplicável às concessões provisórias), tendo de ser interpretado como constituindo apenas uma cominação da caducidade para a circunstância de um concessionário não solicitar a renovação da concessão, quando esteja em condições deo fazer.
13. Viola os princípios jurídicos da proporcionalidade, da justiça e da boa fé concluir-se que o prazo inicial máximo pelo qual uma concessão pode ser outorgada consubstancia um limite máximo improrrogável para a realização das acções de aproveitamento dos terrenos, mesmo quando esse aproveitamento não seja possível por vicissitudes alheias à vontade do concessionário, ou até, como sucede aqui, por obstáculos impostos pela Administração, que inviabilizam aquele aproveitamento, é algo que não só não resulta do sentido, como não decorre da razão de ser da norma.
14. Por isso, o fundamento do acto. recorrido, que pretende atribuir à norma, não é compaginável com aquele que resulta da sua interpretação sistemática, pois o referido artigo 52º há-de ser interpretado em conjugação com o disposto nos já mencionados artigos 104.º/5, 166.º e 215.º/3, todos da Lei n.º 10/2013, dos quais resulta expressamente o reconhecimento pelo legislador de um espaço de livre apreciação quanto à conduta do concessionário, para determinar ou não a verificação de uma caducidade-sanção, por não realização das operações de aproveitamento dentro do prazo estipulado.
15. O que resulta do disposto na nova Lei de Terras em matéria de caducidade é a obrigatoriedade de o Chefe do Executivo declarar a caducidade do direito do concessionário sempre que este, por facto que lhe seja imputável, com fundamento em negligência ou culpa, não conclua o aproveitamento dos terrenos concedidos nos prazos estipulados.
16. A caducidade tem de ser declarada pela entidade administrativa (artigo 167º da Lei n.º 10/2013) - pois pressupõe sempre um juízo quanto à conduta e à culpa do concessionário -, não resultando directamente dos preceitos legais, nem sendo de conhecimento oficioso.
17. Na medida em que a respectiva declaração produz os efeitos “apropriativos'' dos investimentos, previstos no artigo 168º da Lei nº 10/2013, não só a declaração de caducidade (caducidade-sanção) tem efeito constitutivo e não meramente declarativo, como ainda a respectiva validade fica dependente da proporcionalidade da medida, que afaste um eventual carácter confiscatório.
18. Razões, carácter constitutivo da caducidade-sanção e efeito expropriativo dos investimentos realizados, que justificam igualmente a impossibilidade de conhecimento oficioso deste tipo de caducidade.

19. No caso das concessões provisórias, exactamente porque na sua caducidade tem intrínseco um efeito expropriativo, a única forma de caducidade admissível é a caducidade-sanção, devidamente fundamentada.
20. Em terceiro lugar, basta atentar na noção de concessão provisória que é dada pela Lei nº 10/2013 para se concluir, imediatamente, que um acto que declara a caducidade de uma concessão provisória nunca pode ter exclusivamente por fundamento o mero decurso do tempo.
21. De facto, uma concessão deste tipo caracteriza-se, exactamente, por ser inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão e só se converter em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento mínimo previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (cfr. artigo 44.º).
22. Ora, de acordo com aquilo que se prevê expressamente do regime previsto na Lei de Terras, a caducidade de uma concessão provisória não pressupõe apenas a verificação de um facto objectivo, que opera ipso jure e independentemente da vontade das partes, como é o decurso do prazo de concessão.
23. Com efeito, se esse prazo tiver decorrido mas o particular tiver realizado o aproveitamento a que se vinculou, cumprindo as suas obrigações contratuais, a concessão outorgada não se extingue por caducidade, pelo contrário, converte-se em definitiva.
24. Significa isto, portanto, que no momento em que se vence o prazo de vigência de uma concessão provisória, o Concedente está obrigado a avaliar o cumprimento do contrato de concessão por parte do seu co-contratante.

25. Se o aproveitamento foi realizado nos termos e prazos previstos e é feita prova desse facto, a concessão torna-se definitiva, como impõe o artigo 131º, n.º 1 da Lei n.º 10/2013.
26. Se o particular incumpriu a obrigação de realizar esse aproveitamento - e apenas e só nessa circunstância - o Concedente pode declarar a caducidade da concessão.
27. Ora, para além de apreciar se houve ou não incumprimento, o Concedente, quando conclua pela não realização do aproveitamento no prazo previsto, tem igualmente de verificar se tal se deve ou não a facto imputável ao co-contratante, só estando habilitado a declarar a caducidade em caso afirmativo.
28. Isto porque, se o incumprimento em si mesmo constitui um pressuposto inafastável da declaração de caducidade da concessão, ele só se tornará indiscutível após a verificação da imputabilidade desse incumprimento.
29. Em quarto lugar, desta feita para as concessões outorgadas ao abrigo da Lei nº 6/80/M e que no momento da entrada em vigor da Lei nº 10/2013 ainda não se tenham convertido em definitivas, como sucede no caso em apreço, dispõe o artigo 215º da Lei nº 10/2013 que o novo diploma se aplica a estas concessões, com as seguintes ressalvas: i) quando esteja a correr um prazo fixado por legislação anterior e a presente lei o tiver modificado, é aplicado o prazo mais longo; ii) os direitos e deveres dos concessionários são imediatamente regulados pela lei nova, sem prejuízo do convencionado nos respectivos contratos; iii) quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário, aplica-se o disposto no nº 3 do artigo 104.º e no artigo 166º.
30. Neste caso prevê-se que o novo regime jurídico se aplique às concessões provisórias anteriores, também para efeitos da declaração da caducidade dos respectivos direitos, quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário.
31. A expressão “culpa do concessionário” consubstancia um conceito indeterminado, que atribui um espaço de livre apreciação às entidades administrativas competentes na decisão de cada situação concreta.
32. Portanto, na apreciação das situações de incumprimento do dever de aproveitamento das concessões outorgadas na vigência da Lei nº 6/80/M, em que os prazos contratuais já tenham sido ultrapassados, o Chefe do Executivo dispõe de um espaço de livre valoração em relação à culpado concessionário relativamente a essa situação de incumprimento, valoração que pode justificar tanto a declaração da caducidade-sanção como a prorrogação do prazo, ou até, a concessão de um novo prazo para o aproveitamento do terreno pelo concessionário.
33. Sublinhe-se ainda que, também o novo regime jurídico (diversamente do que sucedia no regime jurídico anterior) optou por consagrar um instrumento discricionário para que a administração pudesse avaliar a culpa do concessionário no não aproveitamento atempado dos terrenos, permitindo a prorrogação destes prazos, como resulta expressamente do disposto no actual nº 5 do artigo 104º da Lei nº 10/2013.
34. Disposição normativa que não tinha paralelo no artigo 105ºda Lei n.º 6/80/M;
35. Em resumo, a caducidade da concessão provisória está regulada na Lei de Terras, tanto na actual como na anterior, como uma consequência do não aproveitamento dos terrenos por parte do concessionário e não como mera consequência do decurso do prazo inicial do contrato, ou seja, é consequência do não cumprimento dos deveres nos quais o concessionário fica investido por efeito do contrato de concessão, o que determina que se trate de uma caducidade-sanção.
O poder-dever do Chefe do Executivo de não declarar a caducidade das concessões provisórias sempre que o aproveitamento dos terrenos não tenha sido possível por razão não imputável ao concessionário e, especialmente, se for imputável à RAEM
36. Existe um poder-dever do Chefe do Executivo de não declarar a caducidade das concessões provisórias sempre que o aproveitamento dos terrenos não tenha sido possível por razão não imputável ao concessionário, especialmente se for imputável á RAEM, porquanto;
37. Do que decorre dos artigos 166° e 167° da actual Lei de Terras, a decisão do Chefe do Executivo de declaração de caducidade do contrato de concessão é vinculada, na medida em que os casos que conduzem à caducidade estão aí expressamente enunciados, veja-se, i) Não aproveitamento ou reaproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais (ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo de 150 dias previsto no n.º 3 do artigo 104.º,) independentemente de ter sido aplicada ou não a multa; ii) ou suspensão, consecutiva ou intercalada, do aproveitamento ou reaproveitamento pelo período fixado no contrato ou, iii) no silêncio deste, por prazo superior a metade do previsto para a sua conclusão;
38. Nos termos do disposto no artigo 104.º, relativo ao procedimento de aproveitamento, podemos verificar que a cada etapa do procedimento corresponde um prazo, fixado no contrato ou, supletivamente, no nº 2 deste artigo, e que independentemente destes prazos parcelares, o concessionário pode, nos termos do nº 5 desse artigo, solicitar ao Chefe do Executivo a suspensão ou prorrogação do prazo geral para o aproveitamento, sempre que consiga demonstrar que o motivo pelo qual não consegue cumprir o prazo contratualmente acordado ou legalmente fixado não lhe é imputável, cabendo ao Chefe do Executivo deferir esse pedido sempre que considere que o motivo invocado é justificativo do efeito pretendido,
39. A prorrogação do prazo geral para o aproveitamento, requerida pelo concessionário ao abrigo do disposto no nº 5 do artigo 104º, não é uma faculdade que o Chefe do Executivo possa exercer de forma discricionária, constitui antes um poder-dever, que o mesmo tem de exercer quando fique demonstrado que o não aproveitamento do terreno, em prazo, pelo concessionário se deveu a um motivo que não lhe é imputável e que se deva ter por justificado.
40. Por maioria de razão, o Chefe do Executivo tem o poder-dever de prorrogar o prazo geral para o aproveitamento, sempre que a não conclusão das operações para o aproveitamento do terreno se fique a dever a actos imputáveis à RAEM.
41. A não se interpretar desta forma o disposto na Lei de Terras estaríamos perante uma violação evidente do princípio da segurança jurídica dos investidores (dos concessionários), na medida em que seria fácil ao concedente (à RAEM) impor condicionantes supervenientes à realização das operações de aproveitamento dos terrenos que os concessionários não conseguissem cumprir dentro do prazo geral para o aproveitamento dos terrenos, o que conduziria à reversão dos terrenos para a RAEM e de todos os investimentos aí realizados pelos concessionários, sem direito a qualquer indemnização, constituindo tais acções como acções de natureza confiscatória por parte da RAEM.
42. Tenha-se em conta que, estas concessões de terrenos para arrendamento constituem a via principal de aquisição de propriedade privada e, simultaneamente, são o motor do desenvolvimento planificado do território de Macau envolvendo investimento privado.

43. Estes contratos, que se inscrevem no contexto de uma relação jurídico-administrativa, e que, por essa razão, são contratos administrativos, que se submetem igualmente aos princípios gerais dos contratos, designadamente, da manutenção da equidade entre as prestações, da garantia do equilíbrio económico e financeiro em caso de modificações impostas pelo concedente e, também da boa fé negocial das partes (artigos 431º/1 do Código Civil).
44. Pelo que, se uma das partes, no caso, o concedente, inviabiliza o cumprimento tempestivo das prestações por parte da concessionária, ou se esse cumprimento se toma impossível por exigências supervenientes determinadas pelo interesse público, respeito por novos parâmetros urbanísticos, há uma obrigação de reposição do equilíbrio económico e financeiro que, neste caso, se traduz na prorrogação do prazo geral para o cumprimento das obrigações de aproveitamento dos terrenos.
45. A não aplicação desta regra, associada à declaração da caducidade, conduz a um ilegítimo exercício, por parte da RAEM, do direito à invocação da caducidade-sanção, na medida em que não se verifica o juízo de imputabilidade pelo não cumprimento do prazo, que está subjacente a esta figura.
46. Pelo que, nos termos da Lei nº 10/2013 a caducidade só poderia verificar-se se o concessionário não se tivesse interessado pelo aproveitamento do terreno ou tivesse deixado passar o prazo estabelecido sem solicitar a respectiva prorrogação, tendo o Chefe do Executivo o dever de conceder essa prorrogação quando ela seja solicitada e fundamentada em razões que não sejam imputáveis ao concessionário e, por maioria de razão, que sejam imputáveis à RAEM, bem como quando a mesma seja uma decorrência necessária dos princípios gerais de direito, para garantia do equilíbrio contratual e da boa fé no cumprimento dos contratos.

47. Relativamente às concessões outorgadas ao abrigo da Lei nº 6/80/M que ainda não se tenham convertido em definitivas, como sucede no caso em apreço, dispõe o artigo 215º da Lei nº 10/2013 que o novo diploma se aplica a estas concessões, com as seguintes ressalvas: i) quando esteja a correr um prazo fixado por legislação anterior e a presente lei o tiver modificado, é aplicado o prazo mais longo; ii) os direitos e deveres dos concessionários são imediatamente regulados pela lei nova, sem prejuízo do convencionado nos respectivos contratos; iii) quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 104.º e no artigo 166.º.
48. Esta solução é, como já se disse, não totalmente vinculada, relativo à regulação da caducidade sanção das concessões, ao abrigo do regime transitório, permitindo que o novo regime jurídico se aplique às concessões provisórias anteriores, também para efeitos da declaração da caducidade dos respectivos direitos, quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário.
49. E neste sentido a expressão “culpa do concessionário” consubstancia um conceito indeterminado, que tem como consequência a atribuição de um espaço, de livre apreciação à Administração na decisão de cada situação concreta.
50. O que significa que, na apreciação das situações de incumprimento do dever de aproveitamento das concessões outorgadas na vigência da Lei nº 6/80/M, em que os prazos contratuais já tenham sido ultrapassados, a Administração dispõe de um espaço de livre valoração em relação à culpa do concessionário relativamente a essa situação de incumprimento, valoração essa, como já se disse também, que pode justificar tanto a declaração da caducidade-sanção como a prorrogação do prazo, ou até, a concessão de um novo prazo para o aproveitamento do terreno pelo concessionário dentro dos limites temporais estipulados na nova lei, ou seja, os prazos estipulados no artigo 104º.
Do Impedimento
51. Da descrição fáctica supra (constante no processo instrutor) resulta claro que o não cumprimento da obrigação principal (aproveitamento do terreno) do contrato de concessão não é da responsabilidade da concessionária.
52. Das muitas vicissitudes que ocorreram desde a celebração do contrato há algumas delas que constituem verdadeiros impedimentos, quer legais, quer materiais ao início do procedimento da caducidade do contrato, reconhecidos expressamente pela própria Administração.
53. Um primeiro impedimento, é a decisão em 1993 do então SATOP, de afectar o loteamento de Seac Pai Van à finalidade habitacional, de atribuir a obra de regularização e loteamento do terreno a uma empresa com capacidade técnica para a sua execução e ainda pela falta de infra-estruturas para aproveitamento do lote.
54. A Administração depois de concessionar o terreno com a celebração do contrato através do Despacho nº 167/GM/89, veio assumir a falta de condições materiais de aproveitamento do terreno por falta de infras-estruturas no loteamento da zona de Seac Pai Van e o elevado custo das mesmas, pelo que nunca a concessionária poderia ter apresentado qualquer projecto de aproveitamento, (veja-se despacho do SATOP de 30.08.1993), e como consequência dessa falta de infra-estruturas e do seu elevado custo, a Administração veio decidir afectar o loteamento de Seac Pai Van já não para indústria, mas para habitação.

55. A alteração da finalidade foi comunicada à concessionária para- efeitos de aceitação da mesma, uma vez que tal alteração tinha consequências, quer para a definição de um novo prazo de aproveitamento compatível com o prazo previsto para a disponibilização do lote, quer quanto ao ajustamento do montante do prémio.
56. A concessionária veio aceitar a alteração da finalidade do lote, bem como a revisão do contrato através de carta dirigida à Administração em 20.12.1993.
57. Assim, por esta via a Administração reconheceu o direito da concessionária à revisão do contrato no que respeita ao respectivo prazo, em função da indisponibilidade do lote e este reconhecimento, nos termos do artigo 323º, n.º 2 do Código Civil, conduziu a que ficasse impedida a caducidade até que tivesse lugar (i) a revisão do contrato e (ii) a disponibilização do terreno.
58. Um segundo impedimento, é a ausência de Plano de Urbanístico da zona de Seac Pai Van que segundo a Administração tinha como consequência a impossibilidade de revisão do contrato de concessão, veja-se a informação ofício nº 8119.01/DSODEP/2013 de 23/10 onde se informa a concessionária: que o prosseguimento da revisão do contrato de concessão do terreno estava condicionado à aprovação do Plano Urbanístico de Zona de Seac Pai Van de Coloane”.
59. Sendo que a declaração da Administração, no sentido de “prosseguimento da revisão do contrato de concessão”, constitui o reconhecimento do direito do concessionário ao aproveitamento do lote após a aprovação do Plano Urbanístico.
60. Um: terceiro impedimento, prende-se com o uso do terreno por parte da Administração para a apoio à execução de infra-estruturas.
61. Com efeito, em 21 de Janeiro de 2011, a concessionária foi notificada pelo Administração solicitando o empréstimo do loteSQ2 até 30 de Junho de 2011 para depósito e guarda temporária das britas produzidas· pelos rebentamentos de explosivos a realizar durante a construção do “Complexo de Habitação Pública de Seac Pai Van”.
62. A concessionária aceitou emprestar o lote para os fins pretendidos, o que significa que a concessionária ficou impedida de executar o contrato de concessão.
63. Ora, o uso temporário do terreno para um fim específico de apoio à obra pública, significa que a Administração reconhece o direito do concessionário a aproveitar o lote, após o período temporário de uso do terreno, caso contrário, nunca teria avançado para um acordo desta natureza com a concessionária.
64. Um quarto impedimento, prende-se com a modificação do objecto do contrato de concessão, designadamente os limites e área do Lote SQ2 da concessão, imposta pela Administração, em reunião de 9 de Março de 2011, devido à execução das obras das infra-estruturas da la Fase.
65. Apesar da aceitação pela concessionária dessa alteração, esta modificação carecia de uma nova revisão contratual, constituindo o acordo entre a Administração e a concessionária, sobre a alteração dos limites e áreas do lote, um reconhecimento expresso da Administração do direito do concessionário ao aproveitamento do lote.
66. Em suma, os impedimentos acima referidos constituem o reconhecimento expresso da Administração ao concessionário de este ter o direito ao aproveitamento do lote na nova finalidade definida, o que nos termos do artigo 323º, n.º 2, do Código Civil, conduziu a que ficasse impedida a caducidade até que tivesse lugar (i) a revisão do contrato; e (ii) a disponibilização do terreno.
67. Pelo que, as impossibilidades temporárias do aproveitamento do lote pelas razões acima referidas, constituem verdadeiros impedimentos ao decurso do prazo contratual inicial de 25 anos, previsto na cláusula 2a do respectivo contrato de concessão, ao abrigo do artigo 323º nº 2 do Código Civil, que reconhecido expressamente pela Administração esta fica impedida de iniciar o procedimento de declaração de caducidade, estabilizando-se o direito do concessionário.
68. Comportamento esse que a Administração teve no contrato anexo ao Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 15/2012, publicado no BO nº 18, II série, de 02.05.2012, onde se diz na cláusula 4ª, no. 1 que “o aproveitamento do terreno deve operar-se no prazo de 42 (quarenta e dois) meses, contados a partir da data de comunicação, por parte do primeiro outorgante, de que o mesmo reúne condições para o início do seu aproveitamento, por se encontrarem concluídas as obras de infra-estruturas envolventes” para se verificar que, mesmo em 2012, a Administração continua a reconhecer a existência de um impedimento para o aproveitamento do loteamento
69. A interpretação que acaba de se defender é, de resto, a única solução que, no entender da recorrente, que se apresenta conforme à Lei Básica e aos princípios fundamentais do Estado de Direito, sob pena de se admitir e promover o “confisco”, uma vez que, em caso de caducidade do contrato de concessão, por motivo imputável à RAEM pelas razões supra expostas, o concessionário perderia para ela todos os seus investimentos, sem direito a qualquer indemnização.
70. Uma solução que viola frontalmente a protecção da propriedade privada e dos investimentos reconhecida no artigo 103º da Lei Básica.
Da violação do princípio da boa fé e do abuso do direito
71. Noutra frente, tendo em conta a matéria de facto alegada, ficou manifestamente demonstrado que a Administração violou os deveres decorrentes do princípio da boa fé e do princípio da protecção da confiança, porquanto tendo a impossibilidade de aproveitamento do lote, no decurso do prazo inicial, ocorrido exclusivamente por causas imputáveis ao concedente, o acto recorrido foi praticado em abuso de direito (venire contra factum proprium e tu quoque) e em violação do princípio da boa fé, previstos nos artigos 326.º do Código Civil e 8.º do CPA, porquanto;
72. A RAEM parece não estar a honrar o compromisso firmado na Declaração Luso-Chinesa no que toca à questão de terras, onde expressamente se previa que todos os rendimentos obtidos pelo Governo Português de Macau provenientes dos contratos de concessão de terras e da renovação dos contratos de concessão de terras eram divididos em partes iguais entre o Governo Português de Macau e o futuro Governo da Região Administrativa Especial de Macau, em que metade serviriam para o desenvolvimento das terras e execução das obras públicas de Macau antes da transferência de soberania e a outra metade seria para a criação de um fundo de reserva da RAEM depositado em bancos da futura Região.
73. Naqueles tempos a concessão de terras era, assim, vista como uma fonte de rendimentos para os cofres da então Administração Portuguesa do Território, visando o objectivo da realização de obras públicas que se pretendia deixar no Território, após a transição do exercício da soberania, pelo que muitos dos terrenos eram concessionados, ainda que sem as necessárias infra-estruturas, apenas com o objectivo de realização de capital, através dos prémios contratuais, que permitiam suportar parte das ditas obras, ficando a execução das infra-estruturas para mais tarde como foi, e é, o caso da ora recorrente.
74. A RAEM de hoje, que sucedeu política e juridicamente à antiga Administração Portuguesa em Macau, beneficiou de todo aquele comportamento da Administração Portuguesa, veja-se toda a infra-estrutura física construída no Território e bem assim o Fundo de Reserva vindo das receitas das concessões de terras, pelo que, vir agora pretender caducar contratos de concessão de terras, como é o caso, que foram na altura concessionados como forma de obter receitas para benefício da Região, é, com todo o respeito, pôr em causa o próprio espírito daquela regrada declaração conjunta, que foi desenhada e acordada entre as partes com a ideia subjacente de usar a colaboração e a concertação dos particulares de boa-fé no desenvolvimento do Território, prática que foi ratificada pela grupo de ligação Luso-Chinês, que aceitou a disponibilização e concessão de terrenos nestas condições.
75. O comportamento da Administração durante a relação jurídica contratual é um claro e manifesto venire contra factum proprium, um evidente abuso de direito e uma deslealdade gritante pela concessionária.
76. Venire contra factum proprium, porque até à notificação da concessionária em 23 de Outubro de 2013, pelo ofício n.º 945/8119.01/DSODEP/2013, onde se informou que o prosseguimento da revisão do contrato de concessão do terreno estava condicionado à aprovação do Plano Urbanístico de Zona de Seac Pai Van de Coloane”, bem como o cálculo do respectivo prémio seria efectuado de acordo com a lei em vigor à data de revisão - a Administração teve sempre um comportamento coerente, consistente, previsível através de comportamentos e declarações de vontade que à luz da boa-fé subjectiva e ética mostravam que a Administração mantinha e queria prosseguir a execução do contrato.
77. Foram, assim, os factos determinantes da relação jurídica.
78. O primeiro, reconhecido expressamente pela Administração, é o facto de o lote ter sido adjudicado, sem infra-estruturas, para ser aproveitado.
79. O segundo, o facto de a Administração ter alterado a finalidade do loteamento de industrial para habitação, pelo despacho do SATOP de 30.09.1993, e solicitado à ora recorrente se aceitava essa alteração de finalidade, para efeitos de revisão do contrato e cálculo de novo prémio.
80. O terceiro, a aceitação por parte do concessionário, ainda em 1993, dessa alteração de finalidade.
81. O quarto, a não revisão do contrato causado pelo facto de o Plano Urbanístico de Seac Pai Van ainda não estar elaborado e publicado.
82. O quinto, o empréstimo do terreno para apoio à obra de execução do empreendimento das habitações públicas de Seac Pai Van.
83. O sexto, a alteração dos parâmetros do lote, designadamente a área e os limites do mesmo.
84. O sétimo, a aprovação do projecto de arquitectura para o lote agora com as novas finalidades.
85. Perante este cenário, qualquer homem diligente, representaria na sua mente que aqueles comportamentos encerravam em si, actos criadores de confiança no particular que o concedente iria cumprir o contrato.
86. Ou ainda que, qualquer homem diligente, representaria na sua mente que o comportamento da Administração configura um cenário de conduta de continuidade, consistência e colaboração, criando a legítima expectativa que o contrato iria ser cumprido.
87. Vir indeferir os pedidos feitos pelo recorrente que serviriam de instrumentos jurídicos para o cumprimento do contrato, que, sublinhe-se não foi cumprido por exclusiva responsabilidade da Administração, após conduta contínua de actos criadores de confiança e comportamentos consistentes de que não o iria fazer, a Administração manifestamente está a venire contra factum proprium, está a ter um comportamento flagrante e injustificadamente contraditório com os seus comportamentos anteriores, onde tinha suscitado, no concessionário, a fundada e legítima expectativa de que o contrato iria ser cumprido.

88. O Chefe do Executivo estava juridicamente vinculado a respeitar a confiança que toda a actuação da Administração supra referida despertou no concessionário, e a decidir em sentido consequente e em conformidade com essa actuação e não indeferir os pedidos formulados pela recorrente.
89. O acto recorrido é também manifestamente um evidente abuso do direito.
90. Com efeito, a boa-fé aparece assim como um princípio que encerra um “super-conceito” de natureza vaga e indeterminada, dotado de uma dimensão ética, apelando a um agir honesto, correto e leal de todas as partes entendido como justo e solidário, convocando ainda as ideias de confiança e de tutela da aparência, à luz de uma metodologia decisória de ponderação, em busca da primazia da materialidade das soluções.
91. No seu sentido positivo, a boa-fé do direito administrativo integra-se no princípio da colaboração mútua entre as partes intervenientes, do qual resultará por exemplo, para os interessados, o dever de prestar a sua colaboração para o esclarecimento dos factos e a descoberta da verdade e, para a Administração, o dever de ordenar e promover tudo o que for necessário ao seguimento do processo e à justa e oportuna decisão devendo, por isso, evitar prolações dilatórias do procedimento, que possam prejudicar os interessados.
92. Ora, com bem resulta dos autos, os factos determinantes que impediram a execução do contrato foram inteiramente e exclusivamente da responsabilidade da Administração.
93. O primeiro, reconhecido expressamente pela Administração é o facto de o lote ter sido adjudicado sem infra-estruturas para ser aproveitado.
94. O segundo, o facto de a Administração ter a alterado a finalidade do loteamento de industrial para habitação pelo despacho SATOP 30.09.1993, ao que acresce o compromisso inserto nesse despacho que a Administração iria realizar as infra-estruturas.
95. O terceiro, a aceitação por parte do concessionário, ainda em 1993, dessa alteração de finalidade.
96. O quarto, a não execução do Plano Urbanístico de Seac Pai Van.
97. Perante este cenário é indiscutível dizer que a Administração não cumpriu o dever de ordenar, de promover tudo o que fosse necessário ao seguimento do processo de execução do contrato, não decidiu justa e oportunamente, prolatou decisões nos procedimentos que prejudicaram o recorrente.
98. Ora, prevalecendo-se desses comportamentos omissivos e ilícitos, indeferir os pedidos do recorrente é manifestamente um absoluto abuso do direito.
99. Com efeito, nos termos do artigo 326.º do Código Civil, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
100. A fórmula do tu quoque é uma manifestação do abuso de direito, genericamente previsto nesta disposição do Código Civil, que consiste na regra segundo a qual a pessoa que viole uma norma jurídica não poderá, sem abuso, exercer a situação jurídica que essa mesma norma lhe tivesse atribuído.
101. Esta é, pois, uma situação típica de exercício inadmissível de posição jurídica.
102. Como é manifesto, se a concessionário não cumpriu o contrato foi porque, manifestamente a Administração não procedeu à remoção dos impedimentos que ela própria foi criando ao longo do procedimento, não promoveu tudo o necessário ao seguimento do processo de execução do contrato, não decidiu justa e oportunamente todas questões que tinha de decidir e foi prolatando resoluções no procedimento que prejudicaram todos os interessados.

103. Ora, assim tendo sucedido, não pode o mesmo concedente, valendo-se do facto, a que deu origem de o aproveitamento não ter sido concluído no prazo, vir, sem mais, declarar essa falta de aproveitamento como fundamento para a declaração de caducidade.
104. Essa é uma posição jurídica que lhe é negada pela proibição de actuação em abuso de direito e pelos ditames de conduta que lhe impõe a boa fé.
105. Mas o acto recorrido é também de uma deslealdade gritante pela concessionária.
106. Depois de tudo o que ficou dito sobre o venire contra factum proprium supra, após à notificação da concessionária em 23 de Outubro de 2013 pelo ofício n.º 945/8119.01/DSODEP /2013, onde se informou que o prosseguimento da revisão do contrato de concessão do terreno estava condicionado à aprovação do Plano Urbanístico de Zona de Seac Pai Van de Coloane, a Administração encetou um comportamento que não se pode compreender e aceitar, à luz da racionalidade do exercício do poder público, e dos dados da intuição humana.
107, Com efeito, a base desse comportamento é a ideia que o prazo contratual se tinha esgotado.
108. Contudo, o prazo de aproveitamento nunca se esgotou porque ele nunca chegou a correr pela falta de condições materiais de aproveitamento do lote do terreno.
109. Basta para tanto convocar o Despacho SATOP de 30.08.1993 para que o Chefe do Executivo ficasse impedido de indeferir os pedidos do recorrente e de avançar para a declaração de caducidade de um contrato de concessão que o concessionário não conseguiu aproveitar desde o inicio do contrato, quer para a finalidade industrial, quer para a finalidade habitacional por responsabilidade exclusiva da Administração.
110. É que não se pode compreender e aceitar, à luz da racionalidade do exercício do poder público, das regras da lógica das coisas e dos dados da intuição humana, que a Administração tivesse adjudicado o terreno sem as condições de infra-estruturação necessárias para o seu aproveitamento, situação que foi reconhecida pela Despacho SATOP de 30.08.1993, tenha depois solicitado por empréstimo o terreno para apoio a obras de construção do complexo de habitação pública de Seac pai Van, imposto uma alteração aos parâmetros urbanísticos do lote, emitir uma licença de nivelamento terreno, aprovar um projecto de arquitectura e condicionar a revisão do contrato à aprovação do Plano Urbanístico de Seac Pai Van etc etc, e venha agora declarar a caducidade do contrato de concessão por decurso do prazo do mesmo, por este não se mostrar aproveitado.
111. Tal comportamento encerra em si uma actuação profundamente chocante, inadmissível, arbitrário, imprevisível, contraditório e desleal, contrário aos mais elementares princípios de relacionamento num Estado de Direito.
112. O comportamento é arbitrário porque a Administração tinha o dever jurídico de honrar o compromisso de executar as infra-estruturas na área para que os concessionários pudessem cumprir o contrato que com ela celebraram, ou então, caso optasse por outro tipo de políticas públicas na sua prossecução do interesse público e que exigisse a quebra do vinculo contratual, deveria ter actuado nos termos da lei, com uma conduta leal, informando e negociando com a concessionária a desvinculação do contrato e não vir bruscamente declarar a caducidade do contrato, após alimentar anos e anos direitos e expectativas da concessionária.
113. O comportamento é ainda imprevisível porque todos os comportamentos iam em sentido contrário da declaração de caducidade, desde o Despacho do SATOP de 30.08.1993, à elaboração do Plano de Urbanização de Seac Pai Van, criaram na concessionária um quadro representativo de que o contrato iria ser cumprido.
114. Isto é, através daquele cenário de conduta de continuidade, consistência e colaboração criaram a legítima expectativa que o contrato iria ser cumprido.
115. O comportamento. é ainda profundamente desleal porque a Administração sabendo desde o princípio que o lote não tinha infra-estruturas, celebrou um contrato de concessão para obter receitas através dos prémios contratuais que favoreceram e favorecem directa e indirectamente o território de Macau, comprometendo-se na realização dessas infra-estruturas e continuando as politicas públicas para o local já visadas aquando da alteração da finalidade do loteamento, veja-se o Plano de Urbanização de Seac Pai Van, ao que acresce a prática de actos criadores de confiança, que criaram a convicção na recorrente que o contrato iria ser cumprido e de repente, declara a caducidade do contrato.
116. Pelo que, por força dos princípios que regem a actuação da Administração Pública, tem ela o dever especial de ser a primeira a dar o exemplo de probidade, credibilidade, correcção, previsibilidade, lealdade, confiança, que honra os compromissos assumidos perante os administrados e que não afecta a esfera jurídica destes, quando o seu comportamento anterior é idóneo a convencê-los de que não viriam a ser afectados.
117. Assim, porque o acto recorrido não se conforma materialmente com o padrão objectivo de comportamento que era exigido pela boa fé à Administração, especialmente sob o prisma do artigo 8.º, n.º 2, alínea a) do CPA, ficou o mesmo a padecer do vício de violação de lei por desrespeito do princípio da boa fé e da protecção da confiança.

118. Não se olvide que, a relação jurídica em causa é uma relação jurídica no âmbito do Direito de Urbanismo, regulada por um contrato de concessão que na ausência de planos urbanísticos vinculativos tem uma eminente função pública de planeamento e gestão urbanística da Região Administrativa Especial de Macau.
119. Ora, esta função pública de planeamento que detém os contratos de concessão faz com que na dinâmica da prossecução do interesse público urbanístico, a Administração possa modificar ou defina prioridades urbanísticas que possam vir a colidir com os interesses legítimos dos concessionários que tem de ser salvaguardados, sendo que o primeiro instrumento para essa salvaguarda é o princípio da boa-fé.
Da violação do princípio da proporcionalidade
120. Padece igualmente a decisão recorrida do vício de violação de lei por violação do princípio da proporcionalidade.
121. Princípio, este, que é uma clara manifestação constitutiva do princípio do estado de direito, impondo que as medidas dos poderes públicos não devem exceder o necessário para a realização do interesse público prosseguido.
122. É a exigência que o CPA consagra ao estabelecer que “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
123. A vinculação da Administração ao princípio da proporcionalidade implica, por um lado, a necessidade da adequação da medida aos objectivos a serem prosseguidos e, por outro lado, a necessidade de equilíbrio entre os interesses públicos e privados, não podendo ser infligidos sacrifícios desnecessários aos destinatários das decisões administrativas.
124. No que respeita a este princípio, sublinha a doutrina três dimensões fundamentais: adequação, necessidade e equilíbrio ou proporcionalidade em sentido estrito, correspondendo aos três modos diferenciados por que o mesmo pode ser violado.
125. Pela exigência de adequação, a medida tomada deve ser causalmente ajustada ao fim que se propõe atingir, pela exigência de necessidade, a medida tomada, para além de idónea para o fim que se pretende alcançar, deve ser a que lese em menor medida os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares e pela exigência de equilíbrio, “os benefícios que se esperam alcançar com uma medida adequada e necessária suplantam, à luz de certos parâmetros materiais, os custos que ela por certo acarretará”.
126. Ora, face a toda a matéria de facto acima ex pendida, designadamente a partir do Despacho SATOP de 30.08.1993 onde se aprovou a construção de infra-estruturas não existentes desde a celebração do contrato, a alteração da finalidade do loteamento e a revisão do contrato de concessão, a decisão de indeferir os pedidos da recorrente e avançar para a declaração de caducidade do contrato mostra-se desadequada e desequilibrada.
127. A medida é totalmente desadequada porque face à palavra dada e escrita pela Administração, através do Despacho do SATOP de 30.08.1993, ao que acresce as politicas públicas desenvolvidas em toda área do loteamento, veja-se a apresentação do Plano de Urbanização de Seac Pai Van que tem como objectivo a criação de uma zona habitacional na área do loteamento e a construção de centenas de fogos de habitação pública no local, o que manifestamente seria e é adequado, não era praticar o acto em crise, mas sim a revisão da concessão, com a alteração da finalidade do loteamento para habitação.
128. O não cumprimento da palavra dada e escrita pela Administração, através do Despacho do SATOP de 30.08.1993, quando a Administração segue as políticas visadas por aquele despacho, quer com o Plano de Urbanização da zona do loteamento, quer com a construção das habitações públicas, decidindo ao invés pela prática do acto em crise, revela-se ser, claramente, a solução mais gravosa para os interesses da Recorrente, porquanto, a revisão do contrato em nada afectaria o interesse público, antes pelo contrário, satisfaria a palavra dada e escrita pela Administração pelo Despacho do SATOP de 30.08.1993, e seguiria as políticas gizadas pela Administração, quer com o Plano de Urbanização da zona do loteamento, quer com a construção das habitações públicas, protegendo todos os interesses do recorrente no caso em apreço.
129. Tendo decidido como decidiu, numa situação em que claramente se não justificava tal medida, mostrando-se não terem sido observadas minimamente as exigências matriciais do principio fundamental da proporcionalidade, que conferia à Recorrente o direito à «menor ingerência» ou à «menor desvantagem possível», ficou o acto recorrido a padecer do vício de violação de lei por violação do mencionado principio.
Da violação do Princípio da Igualdade
130. O princípio da Igualdade está previsto no CP A de Macau no artigo 5º nº 1 onde se prescreve que nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.
131. Isto é, a Administração no seu agir tem o dever jurídico de não introduzir desigualdades, cuja identidade é substancialmente a mesma.
132. Basta ver a matéria de facto alegada, para verificar a discriminação, o tratamento desigual, que a Administração está a fazer em relação a outros concessionários que tem lotes no local do loteamento.
133. Veja-se a revisão do contrato realizada pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 58/2011, de 29.12.2011, onde foi autorizada a transmissão onerosa, a favor da sociedade «New Hong Yee Investimentos, S.A.», dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 33 814 m2, situado na ilha de Coloane, junto à Estrada de Seac Pai Van, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22 603, titulada pela escritura pública outorgada em 5 de Dezembro de 1972 e revista pelo Despacho n.º 93/84, de 7 de Abril nos termos e condições constantes do contrato em anexo, que faz parte integrante do presente despacho, a concessão, por arrendamento, do terreno identificado no número anterior, para ser aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, destinado a habitação, comércio e estacionamento.
134. E ainda o Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 15/2012 que foi publicado no BO nº 18, II série de 02.05.2012, onde foi concedido, por arrendamento, a favor da referida sociedade, nos termos e condições constantes do contrato em anexo, que faz parte integrante do presente despacho, o terreno com a área de 2 260 m2, situado na ilha de Coloane, junto à Estrada do Altinho de Ká Hó, na Zona Industrial de Seac Pai Van, designado por lote «SI1», não descrito na referida conservatória, para ser aproveitado com a construção de um edifício destinado a habitação, comércio e estacionamento e declarada a desistência pela sociedade «Fabrico de Artigos de Plástico e Desenvolvimento Imobiliário Xin Zhi Zhong Hua, Limitada» da concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 2 260 m2, situado na ilha de Coloane, junto à Estrada do Altinho de Ká Hó, na Zona Industrial de Seac Pai Van, designado por lote «5N», descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22 976, titulada pelo Despacho n.º 106/SATOP/90, prescrevendo a Cláusula quarta - Prazo de aproveitamento que: O aproveitamento do terreno deve operar-se no prazo de 42 (quarenta e dois) meses, contados a partir da data de comunicação, por parte do primeiro outorgante, de que o mesmo reúne condições para o início do seu aproveitamento, por se encontrarem concluídas as obras de infra-estruturas envolventes.
135. Tais comportamentos são claramente discriminatórios, provando que a Administração beneficia, privilegia determinados concessionários em relação a outros.
136. É que o contrato de concessão por arrendamento tem uma eminente função pública de planeamento e gestão urbanística da RAEM, de instrumento enquadrador e disciplinador da ocupação e transformação do solo, portanto com valores constitutivos de planeamento urbanístico, pelo que o princípio da igualdade no âmbito do planeamento urbanístico aparece também no caso concreto.
137. Com efeito, o princípio da igualdade aparece aqui em duas dimensões.
138. A primeira é constituída pelo princípio da igualdade imanente ao plano, o do princípio da proibição do arbítrio, onde o comportamento da Administração ainda na feitura ou a revisão de um plano urbanístico, como no caso o do plano urbanístico de Seac Pai Van em continuidade com o Despacho SATOP 30.08.1993, não pode ser arbitrário e discriminatório, avançando com a revisão de determinados contratos de concessão e não avançar com outros que-estão na mesma situação.
139. A segunda dimensão do princípio da igualdade é o princípio da igualdade transcendente ao plano, o qual tem uma dupla incidência: como “princípio da igualdade perante os encargos públicos e como princípio da igualdade de chances ou de oportunidades urbanísticas.
140. Interessa-nos a segunda incidência, a igualdade de chances.
141. Pois, não se compreende como é que estando muitos dos concessionários em situação idêntica, desde o Despacho de 30.08.1993 (pelo menos, se não já desde o inicio do contrato) e abrangidos ainda pelos “putativos” efeitos do Plano Urbanístico para Seac Pai Van ainda em elaboração, se avance para a revisão de contratos em relação a uns, dando-lhes a chance de aproveitar o mesmo lote ou outro lote, em detrimento de outros, os quais vêm a caducidade dos seus contratos declarados, como o caso da ora recorrente, que não puderam executar tais contratos por manifesta responsabilidade da concedente.
142. Tais comportamentos violam assim o princípio da igualdade previsto no artigo 5º nº 1 do CPA.
Da preterição da audiência prévia
143. A decisão recorrida padece do vício de procedimento, por preterição da formalidade essencial da audiência dos interessados, uma vez que estava vinculada a ouvir a Recorrente antes de proferir a decisão final, conforme o impõe o artigo 93º do CP A, mas, todavia, não o fez nem fundamentou a sua preterição;

144. A decisão recorrida apanhou a Recorrente de surpresa, dado que não teve oportunidade de carrear para o procedimento, em momento prévio à tomada de decisão, todos os factos e aspectos reveladores dos seus legítimos direitos e interesses, tentando demonstrar, entre o mais, que não teve culpa e que não lhe é imputável o incumprimento contratual;
145. A falta de cumprimento da audiência de interessados, violando os princípios da imparcialidade e da participação dos particulares na formação das decisões que lhe dizem respeito, faz inquinar a decisão recorrida de ilegalidade, por violação da norma referida.
146. A falta de audiência dos interessados não se degrada em mera irregularidade procedimental, mas sim num vício gerador de anulabilidade do acto ablativo.
147. Não tendo tido lugar a audiência prévia dos interessados, foi violado o artigo 93.º do CPA.”
*
Contestou a entidade recorrida, pugnando pela improcedência do recurso, em termos que aqui damos por reproduzidos.
*
Nas alegações facultativas, a recorrente reiterou no essencial a posição assumida na petição inicial
*
Alegou, igualmente, a entidade recorrida, concluindo como na contestação.
*
O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“I. Quanto à reclamação:
A recorrente contenciosa, “Companhia de Construção Cheong Kong, Limitada”, reclama para a conferência do despacho do relator, a fls. 140 dos autos, que não admitiu a produção de prova por inquirição de testemunhas.
Na sua petição de recurso, a recorrente bate-se pela tese de que o acto que declarou a caducidade não podia ater-se apenas à constatação do termo do prazo contratual e da falta de aproveitamento do terreno, mas deveria ter tomado em conta a responsabilidade pelo não aproveitamento, o que a leva, a considerar estar-se perante um caso de caducidade sanção. E neste entendimento, a requerida produção de prova visava demonstrar a culpa da Administração e, do mesmo passo, afastar a da concessionária.
Porém, a jurisprudência vem afirmando invariavelmente que a caducidade pelo decurso do prazo da concessão e sem que se tenha realizado o aproveitamento do terreno é declarada independentemente de qualquer juízo de imputabilidade - cf., v.g., o acórdão do Tribunal de Última Instância, de 11 de Outubro de 2017, in Processo n.º 2812017.
Assim, é forçoso concluir que a questão da culpa não apresenta, no caso, qualquer relevância para a decisão sobre a legalidade da caducidade da concessão, o que exclui a necessidade e utilidade da produção de prova.
Por isso, e não obstante nada termos oportunamente objectado à realização da requerida inquirição, temos por bem apontar agora para a improcedência da reclamação, face ao entendimento jurisprudencial que entretanto se foi sedimentando sobre a caducidade das concessões de terrenos.

  II. Quanto ao recurso contencioso
Objecto do presente recurso contencioso é o acto de 27 de Março de 2017, da autoria do Exm.º Chefe do Executivo, que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno com a área de 5.980 m2, designado por lote “SQ2”, situado na Ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van.
Na sua petição de recurso e nas alegações facultativas, a recorrente, “Companhia de Construção Cheong Kong, Limitada”, atribui ao acto os diversos vícios aí explicitados, a saber: erro quanto ao decurso do prazo de caducidade, abuso do direito, violação do princípio da boa fé, violação do princípio da imparcialidade, violação do princípio da proporcionalidade, violação do princípio da igualdade e preterição da formalidade de audiência prévia.
Por seu turno, a autoridade recorrida assevera a legalidade do acto.
No desenvolvimento do seu argumentário relativo aos vícios, a recorrente começa por dizer que o acto ofende normas atinentes à caducidade, nomeadamente por não ter considerado o efeito impeditivo da caducidade, nos termos do artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, resultante do reconhecimento, pela Administração, dos direitos que assistem à concessionária.
Esta tese apoia-se essencialmente no facto de haver sido aprovada, em 1993, a alteração da finalidade do terreno, de este haver sido usado pela Administração, na primeira metade do ano de 2011, para apoio à execução de infra-estruturas, e de haver sido modificado, na sua área e limites, em reunião de 9 de Março de 2011, o que, segundo a recorrente, teria a virtualidade de impedir o decurso do prazo de caducidade à luz do artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil.
Não divisamos, nem em bom rigor a recorrente explica, de que modo as referidas incidências têm esse efeito impeditivo da caducidade pelo decurso do prazo de 25 anos. Aliás, o Tribunal de Última Instância, no seu recente acórdão de 23 de Maio de 2018, exarado no processo n.º 7/2018, considerou que ...nenhuma norma permite à Administração considerar suspenso o prazo de concessão provisória ou prorrogá-lo e que ...relativamente ao decurso do prazo de 25 anos nenhuma norma permite que o Chefe do Executivo autorize a prorrogação desse prazo ou que o mesmo se considere suspenso, se considerar que o não aproveitamento do terreno não é imputável ao concessionário.
Improcede, pois, esta suscitada violação de lei.
A recorrente afirma também que o acto incorreu em abuso do direito.
A este propósito, cabe lembrar o acórdão de 19 de Outubro de 2017, do Tribunal de Segunda Instância, onde, no âmbito do recurso contencioso n.º 179/2016, se ponderou que o abuso de direito, para vingar no recurso contencioso, impõe a prova de que o titular de um direito o exerceu em termos clamorosamente ofensivos da justiça e excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, situação que não resulta preenchida quando a actuação administrativa vai dirigida ao cumprimento das cláusulas do contrato e ao acatamento das normas imperativas de direito público sobre o regime legal das concessões. Também o Tribunal de Última Instância, no seu acórdão de 23 de Maio de 2018, tirado no processo n.º 7/2018, alvitrou que a declaração de caducidade pelo decurso do prazo da concessão sem o aproveitamento do terreno constitui um poder-dever, prescrito por normas imperativas, pelo que não pode traduzir qualquer abuso de direito ou violação do princípio da boa-fé.
No caso em análise, verificados que estavam os pressupostos da caducidade, a Administração não podia deixar de a declarar, pois está obrigada a agir sob vinculação legal, pelo não pode falar-se de actuação em abuso do direito.
Improcede igualmente este vício.
Vem invocada, ainda, a violação de vários princípios que regem a actividade administrativa tais como, o da boa fé, o da imparcialidade, o da proporcionalidade e o da igualdade.
Trata-se de princípios cuja acuidade releva no exercício de poderes discricionários, funcionando como limite da actividade administrativa discricionária - cf. acórdão de 19 de Outubro de 2017, citado supra.
Ora, como vem sendo repetidamente afirmado pela jurisprudência dos tribunais superiores de Macau, verificados os pressupostos “falta de aproveitamento” e “decurso do prazo da concessão provisória”, a Administração está estritamente vinculada a declarar a caducidade dos contratos de concessão. Foi o que sucedeu no presente caso. Estando em causa, como estava, o exercício de poder vinculado, aqueles princípios mostram-se inoperantes em termos de poderem influir na validade do acto.
Improcede igualmente a suscitada violação de tais princípios.

Finalmente, a recorrente acha que o acto padece da preterição da formalidade de audiência.
Nesta matéria, o princípio da participação dos interessados na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito, proclamado no artigo 10.º do Código do Procedimento Administrativo, encontra expressão prática no exercício do direito de audiência previsto nos artigos 93.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo. Finda a instrução, os interessados são convocados ou notificados para exercitarem tal direito. Só assim não será nos casos de inexistência e de dispensa de audição, incluindo-se nos primeiros as hipóteses em que a decisão se revele urgente ou possa ver comprometida a sua execução ou utilidade pela própria audiência, bem como os procedimentos em massa, e pontuando entre os segundos as situações em que os interessados já se hajam pronunciado no procedimento sobre as provas produzidas e sobre as questões pertinentes para a decisão, bem como quando o procedimento aponte para uma decisão favorável aos interessados. Nenhuma destas hipóteses estava em causa, pelo que, tendo havido instrução, havia lugar ao exercício do direito de audição, sendo seguro que não foi facultada à recorrente a possibilidade de exercitar esse direito.
Posto isto, importa ponderar que o acto administrativo em crise é proferido no exercício de poderes estritamente vinculados, como já se frisou supra. Entendemos, tal como defende a entidade recorrida, que, preenchidos que se mostrem os pressupostos da declaração da caducidade preclusiva, tem a Administração a obrigação vinculada de produzir essa declaração. Então, a preterição daquela formalidade, que, como referido, temos por verificada, mostra-se indiferente para o resultado a que tem que chegar a decisão final do procedimento. Qualquer desvio que conduza a um resultado diverso daquele que vinculadamente se impõe há-de relevar noutra sede que não a da falta de audição do interessado. O que significa que, em casos tais, e quando, como no presente, não esteja em causa um direito fundamental de audição, visto que o procedimento não pode considerar-se sancionatório, a formalidade degrada-se em não essencial, sendo de dar prevalência ao interesse inerente ao princípio do aproveitamento do acto.
Tendemos, pois, a pronunciarmo-nos pela improcedência, porque despido de relevância anulatória, do invocado vício de falta de audiência.
Ante o exposto, o nosso parecer vai no sentido de ser recusado provimento ao recurso.”

*
Cumpre decidir.
***
II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III – Os Factos
Damos por assente a seguinte factualidade:
“1. Através do Despacho n.º 167/GM/89, publicado no 4.º suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi autorizada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 5 980 m2, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, lote “SQ2”, a favor da Companhia de Construção Cheong Kong, Limidada, ora recorrente, para a instalação de uma unidade de produção de asfalto, ficando a área descoberta remanescente destinada a armazenamento de equipamento e de materiais e para a construção de uma casa para a residência dos guardas.
2. A concessão foi titulada por escritura pública outorgada em 21 de Junho de 1991.
3. De acordo com o estipulado na cláusula segunda do contrato da concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública do contrato.
4. Conforme o previsto na cláusula quinta do contrato da concessão, o prazo global de aproveitamento do terreno é de 24 meses, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial de Macau do despacho que autoriza o contrato, ou seja, até 28 de Dezembro de 1991.
5. A concessionária pagou integralmente o montante do prémio no valor de $1 564 631,00 patacas, conforme previsto na cláusula décima do contrato.
6. O terreno em epígrafe encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 23 197 e o direito resultante da concessão encontra-se inscrito a favor da recorrente sob o n.º 31047F, onerado com promessa de oneração registada em 23 de Novembro de 2015 a favor do Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A., adiante designado por BICC ou ICBC (sigla comercial na língua inglesa), sob o n.º35726F na mesma conservatória, para efeitos de abertura de crédito em concessão de facilidades bancárias gerais à concessionária, no valor de $2 414 000 000,00 patacas, conforme o contrato-promessa com eficácia real, autenticado em 15 de Outubro de 2015 pelo notário privado Vong Hin Fai.
7. Em cumprimento do despacho emitido em 30.08.1993 pelo Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas, exarado na informação n.º 063/SOTSDB/93, de 6 de Agosto de 1993 (a seguir “Despacho do SATOP de 1993”), a DSSOPT, através de ofício n.º 849/8119.l/SOLDEP/93, de 2 de Dezembro de 1993, comunicou à concessionária o seguinte:
Sobre o aproveitamento do lote concedido a V. Exa. cumpre-nos informar que devido à sua localização e ao elevado custo e dificuldade na execução das infra-estruturas de uma zona com as características de Seac Pai Van, foi decidido por despacho do Exmo. Senhor Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas, de 30 de Agosto de 1993, o seguinte:
1) Afectar o loteamento do Seac Pai Van à finalidade habitacional em vez de industrial;
2) Atribuir a obra de regularização e loteamento do terreno a uma empresa com capacidade técnica para a sua execução.
Assim, e porque a referida regularização do terreno, o tratamento paisagístico e comparticipação nos custos das infra-estruturas dos lotes concedidos, constituem encargos dos respectivos concessionários torna-se necessário, a fim de se evitarem contratempos, obter um acordo, por escrito, de V. Exa., quanto à aceitação de revisão do contrato de concessão, face à nova finalidade do terreno o qual implicará, nomeadamente:
a) A definição de um novo prazo de aproveitamento compatível com o prazo previsto para a disponibilização do lote;

b). O ajustamento do montante do prémio.
Caso V. Exa. continue a ter preferência pela concessão com finalidade industrial, deverá igualmente informar esta Direcção de Serviços com vista à concessão, por troca, de um terreno equivalente, em local mais adequado a essa finalidade.
Tornando-se necessário programar rapidamente o início dos trabalhos, solicita-se uma resposta de V. Exa. até dia 20 de Dezembro de 1993.”
8. A concessionária, através da carta apresentada em 20 de Dezembro de 1993, manifestou aceitar a alteração da finalidade do terreno para fins habitacionais.
9. Em 16.05.2000 é publicada a ordem executiva nº 29/2000 no BO da RAEM nº 21, I Série, onde se determina que os activos do fundo de terras da Região ficam depositados na conta de operações de tesouraria com nº 5994 - Fundo de Reserva da RAEM.
11. Ao requerimento da concessionária em 22 de Junho de 2006, o director da DSSOPT responde que:
Sobre o assunto a que se refere ó requerimento em referencia informa-se V.Exas de que se mantem o despacho de 30 de Agosto de 1993, do Exmo. Secretário Adjunto paras os Transportes e Obras Publicas, o qual foi comunicado a V. Exa. pelo nosso oficio 849/8119.1/SOLDEP/1993, de 02 de Dezembro de 1993. Mais se informa que não foi ainda aprovado para aquele local qualquer plano de urbanização e que esta Direcção de Serviços dará conhecimento a V. Exas e aos restantes concessionários daquela zona do plano que vier a ser aprovado para efeitos dos contratos de concessão.
12. Após ter concordado com a alteração da finalidade do terreno, a concessionária solicitou, várias vezes (conforme processo instrutor) desde 17 de Março de 2010, à DSSOPT a emissão de Planta de Alinhamento Oficial (PAO).
13. Porém, não tendo a revisão do “Plano Urbanístico para a Zona de Seac Pai Van de Coloane” sido aprovada pela Administração, a respectiva PAO nunca foi emitida e a concessionária ficou impedida de realizar o aproveitamento do terreno.
14. Em 21 de Janeiro de 2011, a concessionária foi notificada pela Administração solicitando o empréstimo do lote SQ2 até 30 de Junho de 2011 para depósito e guarda temporária das britas produzidas pelos rebentamentos de explosivos a realizar durante a construção do “Complexo de Habitação Pública de Seac Pai Van”.
15. A concessionária aceitou emprestar o lote para os fins pretendidos.
16. Em reunião de 9 de Março de 2011, a DSSOPT informou os concessionários dos Lotes SQ1, SQ2, SQ3 e SL, que os limites e as áreas dos referidos lotes deveriam ser alterados como consequência da execução do Plano Urbanístico da Zona de Seac Pai Van, designadamente devido à execução das obras das infra-estruturas da 1ª Fase.

17. Em carta de 25 de Março de 2011, com o número de entrada 36926, a concessionária veio aceitar a alteração dos limites e área do lote e solicitou os novos parâmetros urbanísticos para o lote.
18. Através da CSI nº 513/DPU/2011, de 7 de Abril, o DPUDEP respondeu ao Departamento de Gestão de Solos que: Do ponto de vista do planeamento urbanístico nada ter a opor à finalidade do terreno, à altura permitida do edifício e ao respectivo JUS; a altura do pódio não deve ser superior a 13,5 m.
19. A DSODEP remeteu o parecer referido no número anterior à concessionária através do ofício de 13 de Abril de 2011.
20. Em 14 de Dezembro de 2011, a concessionária deu entrada, pelo requerimento nº 145733/2011, de um projecto de arquitectura, para Lote SQ2, visando a construção de um complexo hoteleiro, comercial, habitacional e de estacionamento.
21. Através de uma informação de 15 de Dezembro.de 2011, o Departamento de Gestão de Solos solicitou ao DPUDEP a emissão do parecer sobre o projecto de arquitectura apresentado.
22. O DPUDEP elaborou a informação nº 778/DPU/2011, de 30 de Dezembro, referindo que concordava com o projecto de arquitectura, tendo notificado a concessionária do respectivo Despacho em 18 de Janeiro de 2012.
23. Em 7 de Julho de 2012, foi emitida à concessionária a licença de terraplanagem do terreno.
24. Ainda em 2012 requereu a concessionária a devolução do terreno, tendo a Administração informado que iria limpar o local antes do final de Outubro de 2012.

25. Em 7 do Outubro de 2013, a concessionária apresentou um requerimento na DSSOPT, com o n.º 119390/2013, solicitando: i) a revisão do contrato de concessão; ii) a emissão da P AO com a fixação das condicionantes urbanísticas; iii) a utilização dos critérios, em vigor à data do requerimento, para o cálculo do prémio devido pela alteração do contrato de concessão.
26. Em 23 de Outubro de 2013 a concessionária foi notificada pelo ofício n.º 945/8119.01/DSODEP/2013, informando-a que o prosseguimento da revisão do contrato de concessão do terreno estava condicionado à aprovação do Plano Urbanístico de Zona de Seac Pai Van de Coloane” e o cálculo do respectivo prémio seria efectuado de acordo com a lei em vigor à data de revisão.
27. Desde a entrada em vigor da “Lei do planeamento urbanístico” em 21 de Maio de 2014, a concessionária solicitou mais de uma vez à DSSOPT a emissão da Planta de Condições Urbanísticas (PCU).
28. Dado, dado que o prazo de arrendamento iria terminar em 2016, a concessionária solicitou várias vezes à Administração que, quando estivessem reunidas as condições para a revisão do contrato, lhe fosse concedido um novo prazo de arrendamento de 25 anos, veja-se a título de exemplo o requerimento de 7 de Novembro de 2014.

29. O pedido referido no número anterior foi objecto de análise pela Administração, através da proposta nº 147/DSODEP/2015, de 4 de Junho, na qual indicou os seguintes motivos que impossibilitaram a concessionária em concluir o aproveitamento do terreno:
1) A falta de infra-estruturas na respectiva zona;
2) A Administração informou a concessionária que, só depois da aprovação da revisão do “Plano Urbanístico para a Zona de Seac Pai Van de Coloane”, e autorizada a revisão do contrato, é que pode proceder ao aproveitamento do terreno;
3) A Administração solicitou à concessionária o empréstimo do lote para apoio à construção de habitação pública naquela zona e emitiu a licença de obra de nivelamento do terreno.
30. O DSODEP considerou por fim que, uma vez que a concessão do terreno tem ainda carácter provisório, nos termos do artigo 48.º da Lei nº 10/2013 (Lei de terras), a mesma não pode ser renovada, pelo que propôs que o processo fosse enviado ao Departamento Jurídico (DJUDEP) para efeitos de análise e parecer, tendo o Sr. Director da DSSOPT, em 18 de Junho de 2015, proferido despacho para o envio do respectivo processo ao grupo de trabalho referente à caducidade de terrenos para o tratamento de forma uniformizada.
31. Em 2 de Dezembro de 2015, a concessionária, através da carta n.º 08841/GSTOP/EM/2015, fez três pedidos:
1) troca de terreno devido à expropriação do terreno para construção das infra-estruturas viárias;

2) aproveitamento do terreno de acordo com o contrato de concessão de 1989, antes do termo do prazo de arrendamento e,
3) alteração da data de início do prazo (do) arrendamento (a contar) de revisão de contrato de concessão.
32. Posteriormente, em 3 de Fevereiro de 2016, o “Industrial and Commercial Bank of China (Macau) Limited (ICBC)” ou “Banco da Comercial e Industrial da China (Macau), S.A.” através do requerimento nº 19730/2016, solicitou a conclusão da actualização dos limites do terreno acima referido e do procedimento de revisão do contrato de concessão de arrendamento dentro do prazo de arrendamento válido, por forma a proteger os seus direitos sobre o terreno.
33. O banco justificou o pedido pelo facto:
1) De a concessionária ter solicitado o crédito de $2 414 000 000,00 patacas para efeitos de desenvolvimento do terreno, constituindo a promessa de oneração a favor do banco dos direitos relativos ao terreno em causa.
2) Todavia, a fim de articular com o Governo da RAEM na implementação do “Plano Urbanístico para a Zona de Seac Pai Van de Coloane” e na execução das infra-estruturas do empreendimento da habitação pública de Seac Pai Van, foram reajustados os limites, a área e a localização do terreno em causa, pelo que a situação deste lote deixou de corresponder à que consta no despacho, registo predial e planta cadastral.
34. Através da proposta nº 81/DSODEP /2016, de 8 de Março, o DSODEP analisou os respectivos requerimentos, tendo formulado a conclusão seguinte:

1) É de indeferir o pedido de troca devido à falta de fundamentos e por não estar em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 47º da Lei de terras;
2) O terreno em causa não reúne actualmente condições para aproveitamento na finalidade industrial:
3) A alteração da data de início de contagem do prazo de arrendamento não obedece ao disposto nº 1 do artigo 47º da Lei de terras, o qual estabelece que o prazo de concessão por arrendamento não pode exceder 25 anos;
35. Em 3 de Junho de 2016, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP) aderiu às conclusões da proposta nº 81/DSODEP/2016, de 8 de Março, indeferindo os pedidos da concessionária, tendo o respectivo despacho sido comunicado à concessionária e ao ICBC em 30 do mesmo mês.
36. No entanto, em 26 de Abril de 2016, o ICBC apresentou, em conjunto com a concessionária, o requerimento registado com o nº 63057/2016, a solicitar mais uma vez o aperfeiçoamento dos procedimentos administrativos relativos aos limites, finalidades e revisão do contrato de concessão, bem como a conclusão das respectivas tramitações e a sua publicação no Boletim Oficial da RAEM dentro do prazo de arrendamento, a fim de definir expressamente a eficiência, legalidade, integridade, veracidade e· tempo oportuno desta garantia, a favor do respectivo banco e concessionária, bem como assegurar os seus direitos legais sobre o terreno.
37. A DSSOPT emitiu em 26 de Abril de 2016 a PCU do terreno em epígrafe.
38. Em 11 de Maio de 2016 a Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC) emitiu a respectiva planta cadastral.
39. Em 29 de Abril de 2016, a concessionária deu entrada da PCU junto da DSSOPT para efeitos de revisão do contrato de concessão.

40. Em 12 de Maio de 2016, a concessionária deu entrada da Planta Cadastral junto da: DSSOPT para efeitos de revisão do contrato de concessão
41. Através da proposta nº 181/DSODEP /2016, de 18 de Maio, o DSODEP analisou os pedidos formulados pelos interessados e, de acordo com o despacho do STOP de 13 de Junho de 2016, o Departamento de Gestão de Solos notificou no dia 30.06.2016 a concessionária que:
… em virtude da mesma não ter apresentado o plano de aproveitamento do terreno, não estão reunidas as condições para prosseguir o procedimento de revisão do contrato de concessão, conforme o disposto na alínea 2) do n.º 1 do artigo 119º da Lei de terras e que a concessão provisória do referido terreno não é renovável, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48º da mesma lei.
De acordo com o disposto na cláusula segunda do contrato da concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública do contrato, ou seja, o prazo terminou em 20 de Junho de 2016. No entanto, uma vez que o terreno não foi aproveitado, a respectiva concessão ainda provisória e, assim sendo, não pode ser renovada, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48º da Lei de terras.
42. Nestas circunstâncias, o Departamento de Gestão de Solos procedeu à análise da situação e, através da proposta nº 285/DSODEP/2016, de 14 de Julho de 2016, propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer e tramitações ulteriores sobre a declaração da caducidade da concessão provisória, nos termos do artigo 167º da Lei de terras, proposta esta que mereceu concordância do STOP por despacho de 18 de Julho de 2016.
43. Através do requerimento n.º 85744/2016 de 13 de Junho, a Concessionária solicitou ao Chefe do Executivo a renovação da concessão e a nova fixação do prazo de aproveitamento do terreno, nos termos dos números 2 e 3 do artigo 50º da Lei n.º 10/2013, uma vez que, tendo-se ultrapassado o prazo de 25 anos, previsto no contrato, o não aproveitamento do lote não é imputável à mesma.
44. Posteriormente, a requerente através do requerimento nº 87727/2016 de 20 de Junho, veio requerer ao Chefe do Executivo a revisão do contrato de concessão.
45. Em 16 de Novembro de 2016, o Chefe do Executivo, com os fundamentos previstos na informação nº 357/DSODEP/2016, indeferiu os pedidos de renovação do prazo de arrendamento da concessão e bem assim de um novo prazo de aproveitamento dó terreno em causa, e ainda o pedido de revisão da concessão porque se ter verificado a caducidade do contrato de concessão em 20.06.2016.
46. Em 18/08/2016, a Comissão de Terras emitiu o seguinte parecer:
“PARECER N.º 101/2016

Proc. n.º 45/2016 - Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento e com dispensa de concurso público, do terreno com a área de 5 980 m2, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, lote “SQ2”, a favor da Companhia de Construção Cheong Kong, Limitada, pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 20 de Junho de 2016, cuja concessão foi autorizada pelo Despacho n.º 167/GM/89 e titulada pela escritura pública outorgada em 21 de Junho de 1991.
I
1. Através do Despacho n.º 167/GM/89, publicado no 4.º suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi autorizada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 5980 m2, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, lote “SQ2''; a favor da Companhia de Construção Cheong Kong, Limidada, para a instalação de uma unidade de produção de asfalto, ficando a área descoberta remanescente destinada a armazenamento de equipamento e de materiais e para a construção de uma casa para a residência dos guardas. Esta concessão foi titulada por escritura pública outorgada em 21 de Junho de 991.
2. De acordo com o estipulado na cláusula segunda do contrato da concessão, o arrendamento é válido pejo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública do contrato, ou seja, terminou em 20 de Junho de 2016.
3. Conforme o previsto na cláusula quinta do contrato da concessão, o prazo global de aproveitamento do terreno é de 24 meses, contados a: partir da datada publicação no Boletim Oficial de Macau do despacho que autoriza o contrato, ou seja, até 28 de Dezembro de 1991.
4. Da leitura das informações da folha de acompanhamento financeiro, a concessionária pagou integralmente o montante do prémio no valor de $1 564 631,00 patacas conforme previsto na cláusula décima do contrato.
5. O terreno em epígrafe encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 23 197 e o direito resultante da concessão encontra-se inscrito a favor da concessionária sob o n.º 31047F, onerado com promessa de oneração registada em 23 de Novembro de 2015 a favor do Banco Industrial e Comercial da China (Macau), S.A., adiante designado por BICC, sob o n.º 35726F na mesma conservatória, para efeitos de abertura de crédito em concessão de facilidades bancárias gerais à Companhia de Construção Cheong Kong, Limdada, no valor de $2 414 000 000,00 patacas, conforme o contrato-promessa com eficácia real, autenticado em 15 de Outubro de 2015 pelo notário privado Vong Hin Fai.
6. Em cumprimento do despacho emitido em 30 de Agosto de 1993 pelo Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas, exarado na informação n.º 063/SOTSDB/93, de 6 de Agosto de 1993, a DSSOPT, através de oficio n.º 856/8109.1/SOLDEP/93, de 2 de Dezembro de 1993, comunicou à concessionária o seguinte:
“……devido à sua localização e ao elevado custo e dificuldade na execução das infra-estruturas de uma zona com as características de Seac Pai Van, foi decidido por despacho do Exmo. Senhor Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas, de 30 de Agosto de 1993, o seguinte:
1) Afectar o loteamento do Seac Pai Van à finalidade habitacional em vez de industrial;
2) Atribuir a obra de regularização e loteamento do terreno a uma empresa com capacidade técnica para a sua execução.
Assim, e porque a referida regularização do terreno, o tratamento paisagístico e comparticipação nos custos das infra-estruturas dos lotes concedidos, constituem encargos dos respectivos concessionárias torna-se necessário, a fim de se evitarem contratempos, obter um acordo, por escrito, de V. Exa., quanto à aceitação de revisão do contrato de concessão, face à nova finalidade do terreno o qual implicará, nomeadamente:
a) A definição de um novo prazo de aproveitamento compatível com o prazo previsto para a disponibilização do lote;
b) O ajustamento do montante do prémio.
Caso V. Exa. continue-a ter preferência pela concessão com finalidade industrial, deverá igualmente informar esta Direcção de Serviços com vista à concessão, por troca, de um terreno equivalente, em local mais adequado a essa finalidade.
Tornando-se necessário programar rapidamente o início dos trabalhos, solicita-se uma resposta de V. Exa. até dia 20 de Dezembro de 1993.”
7. A concessionária, através da carta apresentada em 20 de Dezembro de 1993, manifestou aceitar ti alteração da finalidade do terreno para fins habitacionais.
8. Após ter concordado com a alteração da finalidade do terreno, a concessionária solicitou, várias vezes desde 17 de Março de2010, à DSSOPT a emissão de Planta de Alinhamento Oficial (PAO). Todavia, uma vez que a revisão do “Plano Urbanístico para a Zona de Seac Pai Van de Coloane” nunca chegou a ser aprovada pela Administração, a respectiva PAO nunca foi emitida e a concessionária nunca conseguiu realizar o aproveitamento do terreno.
9. A fim de articular com a execução das Infra-estruturas da 1.ª fase do “Plano Urbanístico para a Zona de Seac Pai Van de Coloane”, em 2011 a concessionária concordou com a Administração para o ajustamento da área e limites do terreno em causa de acordo com o respectivo plano.
10. Desde a entrada em vigor da “Lei do planeamento urbanístico” em 21 de Maio de 2014, a concessionária solicitou mais de uma vez à DSSOPT a emissão da Planta de Condições Urbanísticas (PCU).
11. Por outro lado, dado que o prazo de arrendamento iria terminar em 2016, a concessionária solicitou várias vezes à Administração que, quando estivessem reunidas as condições para a revisão do contrato, lhe posse concedido um novo prazo de arrendamento de 25 anos. Este pedido foi objecto de análise pelo DSO através da proposta n.º 147/DSODEP/2015 de 4 de Junho, na qual indicou os seguintes motivos que impossibilitaram a concessionária em concluir o aproveitamento do terreno:
14.1 A falta de infra-estruturas na respectiva zona;
14.2 A Administração informou a concessionária que só depois da aprovação da revisão do “Plano Urbanístico pára a Zona de Seac Pai Van de Coloane” e autorizada a revisão do contrato é que pode proceder ao aproveitamento do terreno;
14.3 A Administração tomou a iniciativa de solicitar o empréstimo do referido terreno para apoio à construção de habitação pública naquela zona e emitiu a licença de obra de nivelamento do terreno
12. Contudo, o DSO considerou por fim que, uma vez que ii: concessão do terreno tem ainda carácter provisório, nos termos do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), mesma não pode ser renovada pelo que propôs que o processo fosse enviado ao Departamento Jurídico (DJUPEP) da DSSOPT para efeitos de análise e parecer, tendo o Sr. Director da DSSOPT proferido em 18 de Junho de 2015 O seu, despacho para o envio do respectivo processo ao grupo de trabalho referente à caducidade de terrenos para o tratamento de forma uniformizada.
13. Em 2 de Dezembro de 2015, a concessionária através da carta n.º 08841/GSTOP/EM/2015 fez 3 pedidos: 1) “troca de terreno devido à expropriação do terreno para construção das infra-estruturas viárias”, 2) “aproveitamento do terreno de acordo com o contrato de concessão de 1939 antes do termo do prazo de arrendamento e 3) “alteração da data de início do prazo arrendamento de revisão de contrato de concessão”.
14. Posteriormente, em 3 de Fevereiro de 2016, o BICC, através do requerimento n.º 19730/2016, solicitou, a conclusão da actualização dos limites do terreno acima referido e dó procedimento de revisão do contrato de concessão de arrendamento dentro do prazo de arrendamento válido, por forma a proteger os seus direitos sobre o terreno. O banco justificou o pedido pelo facto da concessionária, ter solicitado o crédito de $2 414 000 000,00 patacas para efeitos de desenvolvimento do terreno, constituindo a promessa de oneração a favor do banco o terreno em causa. Todavia, a fim de articular com o Governo da RAEM na implementação do “Plano Urbanístico para a Zona de Seac Pai Van de Coloane” e na execução das infra-estruturas do empreendimento da habitação pública de Seac Pai Van, foram reajustados os limites, a área e a localização do terreno em causa, pelo que a situação deste lote deixou de corresponder à que consta no despacho, registo predial e planta cadastral.
15. Através da proposta n.º 81/DSODEP12016, de 8 de Março, o DSODEP analisou os respectivos requerimentos tendo formulado a conclusão seguinte:
15.1 É de indeferir o pedido de troca devido à falta de fundamentos e por não estar em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 47.º da Lei de terras;
15.2 O terreno em causa não reúne actualmente condições para aproveitamento na finalidade industrial;
15.3 A alteração da data de início de contagem do prazo de arrendamento não obedece ao disposto n.º 1 do artigo 47.º da Lei de terras, o qual estabelece que o prazo de concessão por arrendamento não pode exceder 25 anos.
15.4 Deve ser realizada uma audiência prévia relativa à intenção de tomada da respectiva decisão, conforme os artigos 93.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo.
16. O STOP proferiu em 3 de Junho de 20L6 o seu despacho concordante, que foi comunicado à concessionária e ao BICC em 30 de mesmo mês.
17. Nó entanto, em 26 de Abril de, 2016, o BICC apresentou, em conjunto com a concessionária, o requerimento registado com o n.º 63057/2016, a solicitar mais uma vez o aperfeiçoamento dos procedimentos administrativos relativos aos limites, finalidades e revisão do contrato de concessão, bem corno a conclusão das respectivas tramitações e a sua publicação no Boletim Oficial da RAEM dentro do prazo de arrendamento, a fim de definir expressamente a eficiência, legalidade, integridade, veracidade e tempo oportuno desta garantia, a favor do respectivo banco e concessionária, bem como assegurar os seus direitos legais sobre o terreno.
18. A DSSOPT emitiu em 26 de Abril de 2016 a PCU do terreno em epígrafe e a DSCC emitiu a respectiva planta cadastral em 11 de Maio de 2016, que foram submetidas pela concessionária àquela Direcção de Serviço, respectivamente em 29 de Abril e 12 de Maio, para efeitos de prosseguimento do pedido de revisão do contrato de concessão,
19. Através da proposta n.º 181/DSODEP/2016, de 18 de Maio, o DSODEP analisou os pedidos formulados pelos interessados e, de acordo com o despacho do STOP, de 13 de Junho de 2016, o DSO comunicou, no dia 30 do mesmo mês, à concessionária que em virtude da mesma não ter apresentado o plano de aproveitamento do terreno, não estão reunidas as condições para prosseguir o procedimento de revisão do contrato de concessão, conforme o disposto na alínea 2) do n.º 1 do artigo 119º da Lei de terras e que a concessão provisória do referido terreno não é renovável, nas termos do disposto no n.º 1 do artigo 48.º da mesma lei.
20. De acordo com o disposto na cláusula segunda do contrato da concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública do contrato, ou seja, o prazo terminou em 20 de Junho de 2016. No entanto, lima vez que o terreno não foi aproveitado, a respectiva concessão ainda provisória e, assim sendo, não pode ser renovada, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei de terras. Nestas circunstâncias, a DSO procedeu à análise da situação e, através da proposta n.º 285/DSODEP/2016, de 14 de Julho de 2016, propôs que seja autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o enviado processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer e tramitações ulteriores sobre a declaração da caducidade da concessão provisória, nos termos do artigo 1670 da Lei de terras, proposta esta que mereceu a concordância do STOP por despacho de 18 de Julho de 2016.

21. Face ao exposto, esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que a concessão provisória em apreço se encontra já caducada pelo facto de ter expirado em 20 de Junho de 2016 o prazo de arrendamento, de 25 anos, fixado na cláusula segunda do respectivo contrato (caducidade preclusiva).
Com efeito, de acordo com o artigo 44.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável ao caso vertente por força do disposto nos seus artigos 212.º e 215.º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130.º e 131.º).
Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48.º da Lei de terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por força da verificação daquele facto (decurso do prazo de arrendamento).
De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de terras anterior), que no caso da concessão revestir natureza provisória em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cf. artigos 49.º, 132.º e 133.º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do artigo 55.º era aplicável apenas às concessões definitivas.
Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, pata tornar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção ou não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167.º da Lei n.º 10/2013.
Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opor à declaração de caducidade da concessão do terreno em epígrafe pelo decurso do prazo de arrendamento, perdendo a concessionária a favor da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.
II
Reunida em sessão de 18 de Agosto de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e ter tido em consideração o parecer e proposta constantes na proposta n.º 285/DSODEP/2016, de 14 de Julho de 2016, bem como o despacho nela exarado pelo STOP, de 18 de Julho de 2016, considera que verificada a caducidade da concessão pelo termo do prazo de arrendamento em 20 de Junho de 2016, deve esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Comissão de Terras, aos 18 de Agosto de 2016.”
47. O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, em 20/09/2016, emitiu o seguinte parecer:

“Parecer
Proc. n.º 45/2016 - Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento e com dispensa de concurso público, do terreno com a área de 5980 m2, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, lote “SQ2”, a favor da Companhia de Construção Cheong Kong Lda.”, pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 20 de Junho de 2016.
1. Através do Despacho n.º 167/GM/89, publicado no 4.º suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989) foi autorizada à concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, do terreno com a área de 5 980 m2, situado na ilha de Coloane, na Zona industrial de Seac Pai Van, lote “SQ2”, a favor da Companhia de Construção Cheong Kong Lda., cuja concessão foi titulada por escritura pública outorgada em 21 de Junho de 1991.
2. De acordo com a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos; contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, ou seja, até 20 de Junho de 2016.
3. Conforme a cláusula terceira do contrato, o terreno seria aproveitado com a construção de uma unidade de produção de asfalto, ficando a área descoberta remanescente destinada a armazenamento de equipamento e de materiais e de uma casa para a residência dos guardas.
4. Uma vez que o prazo de arrendamento do terreno terminou em 20 de Junho de 2016 e o aproveitamento do terreno não foi concluído, a DSSOPT propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 18 de Julho de 2016.
5. Reunida em sessão de 18 de Agosto de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, tendo em consideração que o prazo de arrendamento já terminou, sem que o aproveitamento estabelecido no contrato se mostre realizado, e que, sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável por força dos seus artigos 212.º e 215.º. Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.

Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno.
Aos 20 de Setembro de 2016.
O Secretário para os Transportes e Obras Públicas,
Raimundo Arrais do Rosário”
48. Em 27/03/2017, o Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho (fls. 74 dos autos):
“Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento, e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo nº 45/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 20 de Setembro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho”
***
III – O Direito
1 - Da Reclamação
A fls. 140 dos autos, o relator proferiu o seguinte despacho:
“Como temos observado em outras situações semelhantes à presente – em que se discute simplesmente a validade do acto administrativo que declara a caducidade da concessão com fundamento no decurso do prazo geral desta – entendemos mais uma vez que não se torna necessária a inquirição de testemunhas, bastando, para a decisão dos autos, o acervo documental nelas existentes e no p.a.
Assim sendo, notifique as partes para apresentarem, querendo, as suas alegações facultativas (art. 63º, do CPAC)”.
Não há que fazer censura a este despacho.
Com efeito, está em causa a apreciação da validade do acto que declara a caducidade da concessão pelo decurso do prazo geral desta. Isto é, o fundamento para a prática do acto é a objectividade do tempo, sem interferência de qualquer carga subjectiva traduzida em juízos de imputabilidade de culpa. Estamos, pois, em sede de uma caducidade preclusiva em que o que releva é somente o facto objectivo do decurso do prazo, é o que a jurisprudência da RAEM tem por adquirido (v.g., Acs. do TUI, de 6/06/2018, Proc. nº 43/2018 e de 11/10/2017, Proc. nº 28/2017; Ac. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016; de 1/02/2018, Proc. nº 26/2017 e de 26/04/2018, Proc. nº 767/2016).
Ora, para se apurar da validade da decisão administrativa não são mais precisos elementos de prova do que aqueles que a própria recorrente aportou ao processo e aqueles que o processo administrativo apenso contém. Aliás, sempre se acrescenta que a maior parte dos factos aludidos aos que as testemunhas deporiam, como se pode ver do rol de fls. 69, acabaram por ser vertidos na factualidade assente acima transcrita, face à não impugnação pela entidade recorrida, omissão que se compreende pela circunstância de serem factos com suporte documental no p.a.
Face ao exposto, é de indeferir a reclamação.
Pelo incidente, taxa de justiça em 4 UCs.
**
2 - Do Recurso Contencioso
2.1 – Do erro sobre o prazo da caducidade
Acha a recorrente que o prazo de caducidade de 25 anos constante da cláusula 2ª do contrato não podia contar-se ininterruptamente, face à alteração da finalidade verificada em 1993 e às vicissitudes que ocorreram a partir de então, nomeadamente ao uso pela Administração em 2011 de parte do lote para apoio à execução de infra-estruturas e à modificação na sua área e limites em reunião de 9/03/2011. E estas circunstâncias funcionariam, em sua tese, como causas impeditivas de caducidade, nos termos do art. 323º, nº2, do Código Civil.
Todavia, entendemos que lhe falta razão.
Em primeiro lugar, nem o contrato, nem a Lei de Terras (Lei nº 10/2013) estabelecem qualquer norma que contemple situações a que possa ser atribuída eficácia suspensiva ou interruptiva do decurso do prazo (neste sentido, também, o Ac. do TUI, de 23/05/2018, Proc. nº 7/2018; de 6/06/2018, Proc. nº 43/2018).
Em segundo lugar, e como este TSI teve já oportunidade de referir por mais do que uma vez, estamos em matéria de direito público, de natureza vinculada e de carácter indisponível (v.g., Ac. de 24/11/2016, Proc. nº 1074/2015).
Ver, ainda, neste sentido:
- Ac. do TUI, de 11/10/2017, Proc. nº 28/2017;
- Ac. do TSI, de 24/11/2016, Proc. nº 1074/2015;
- Ac. do TSI, de 2/03/2017, Proc. nº 432/2015;
- Ac. do TSI, de 25/05/2017, Proc. nº 434/2015;
- Ac. do TSI, de 13/07/2017, Proc. nº 743/2016;
- Ac. do TSI, de 21/09/2017, Proc. nº 672/2015;
- Ac. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016.
- Ac. do TSI, de 26/04/2018, Proc. nº 767/2016.
Por conseguinte, entendemos que o art. 323º do Código Civil não presta qualquer apoio à recorrente quanto a esta questão.
*
2.2 – Da violação da boa-fé e do abuso do direito
Quanto à boa-fé, somos a entender que o vício não pode proceder, pela simples razão que se trata de um princípio de direito administrativo (art. 8º, do CPA) que constitui um limite interno da actividade administrativa discricionária. Neste sentido:
- Ac. do TUI, de 8/06/2016, Proc. nº 9/2016;
- Ac. do TUI, de 22/06/2016, Proc. nº 32/2016;
- Ac. do TSI, de 7/07/2016, Proc. nº 434/2015;
- Ac. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016;
- Ac. do TSI, de 15/03/2018, Proc. nº 299/2013;
- Ac. do TSI, de 26/04/2018, Proc. nº 767/2016
- Ac. do TSI, de 14/06/2018, Proc. nº 16/2017;
- Ac. do TSI, de 5/07/2018, Proc. nº 633/2017.
Ora, a actividade em apreço é vinculada ope legis, portanto, sem qualquer relevância do papel da vontade do administrador. É da lei que advém fatalmente a imperiosidade da declaração caducidade.
Isto é, têm entendido os tribunais de Macau, e com razão, que, decorrido o prazo da concessão sem que o aproveitamento tenha sido efectuado tal como contratualmente convencionado, à contraente pública outra solução não resta senão declarar a caducidade (ver arestos citados).
Desta maneira, sem mais considerandos, somos a dar por improcedente este fundamento do recurso.
-
Quanto ao abuso do direito, é também manifesto seu naufrágio.
Com efeito, é patente que a figura do abuso (art. 326º do CC) não presta ao caso qualquer auxílio, visto que a Administração se militou a aplicar a lei imperativa (daí a vinculação a que nos referimos) e a cumprir o contrato no que à duração do mesmo diz respeito (Ac. do TUI, de 23/05/2018, Proc. nº 7/2018).
Dito por outras palavras, “O abuso de direito, para vingar no recurso contencioso, impõe a prova de um exercício ilícito de direito, implica a demonstração de que o titular do direito o exerceu em termos clamorosamente ofensivos da justiça e que excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art. 334º, do CC). E não preenche estes requisitos a actuação administrativa que se limita, como no caso vertente, a cumprir as cláusulas do contrato e a acatar as normas imperativas de direito público sobre o regime legal das concessões” (Ac. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016).
Soçobra, enfim, o vício.
*
2.3 – Da violação dos princípios da proporcionalidade, imparcialidade e igualdade
Advoga a recorrente violação destes princípios para sustentar a invalidade do acto sindicado.
Mas ainda aqui, uma vez mais, carece de razão.
A jurisprudência da RAEM é unânime no sentido de que estes, entre outros, são princípios de direito administrativo (cfr. arts. 5º e 7º, do CPA) que funcionam como limites internos da actividade discricionária (tal como o da boa-fé já acima analisado).
Mas, repetindo o que se disse já, a declaração de caducidade é imperiosa e impõe-se vinculadamente ao Chefe do Executivo (art. 167º da Lei de Terras nº 10/2013). E esta é a posição repetidamente manifestada pelos Tribunais. Sobre este carácter vinculado da actividade em apreço, ver, entre outros:
- Ac. do TUI, de 11/10/2017, Proc. nº 28/2017;
- Ac. do TSI, de 24/11/2016, Proc. nº 1074/2015;
- Ac. do TSI, de 2/03/2017, Proc. nº 432/2015;
- Ac. do TSI, de 25/05/2017, Proc. nº 434/2015;
- Ac. do TSI, de 13/07/2017, Proc. nº 743/2016;
- Ac. do TSI, de 21/09/2017, Proc. nº 672/2015;
- Ac. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016.
- Ac. do TSI, de 26/04/2018, Proc. nº 767/2016.
Improcede, pois, o vício.
*
2.4 – Da omissão de audiência de interessados
Suscitou, por fim, o vício formal de falta de audiência prévia.
É verdade que esta formalidade não foi observada no caso em apreço, sendo certo que, tendo havido instrução, em princípio ela não deveria deixar de observar-se.
No entanto, e como este tribunal tem decidido inúmeras vezes, inclusive em casos semelhantes a este do ponto de vista substantivo, é vinculada a natureza deste acto administrativo concernente à caducidade, no sentido de que, uma vez verificado o facto objectivo do decurso do prazo da concessão sem aproveitamento, à Administração não resta (ope legis) senão declarar a caducidade preclusiva.
Ora sendo assim, isto é, se outra solução não podia encontrar-se neste caso, então a observância da formalidade de audiência nenhum novo “quid” podia contribuir para a formação a decisão, nenhum contributo podia fornecer no sentido propugnado pela ora recorrente. Isto significa que a formalidade, até pelos princípios do aproveitamento do acto administrativo e da celeridade, em tais circunstâncias se degrada em formalidade não essencial. De tal modo que a omissão da audiência não gera, no caso em apreço, invalidade relevante.
Neste sentido, por exemplo:
- Acs. do TUI, de 25/07/2012, Proc. nº 48/2012, 25/04/2012, Proc. nº 11/2012, 23/05/2018, Proc. nº 7/2018;
- Acs. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016; 9/11/2017, Proc. nº 375/2016, 14/06/2018, Proc. nº 16/2017.
Improcede, pois, o vício.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo o acto impugnado.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 20 UCs.
T.S.I., 18 de Outubro de 2018
Fui presente (Relator) Joaquim Teixeira de Sousa José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong


Rec. Cont. 419/2017 59