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Proc. nº 370/2016
Recurso contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 18 de Outubro de 2018
Descritores:
- Caducidade preclusiva
- Princípios de direito administrativo
- Actividade vinculada
- Lei Básica (arts. 6º, 103º e 120º)
- Abuso de poder

SUMÁRIO:

I - A caducidade-preclusiva pelo decurso do prazo geral máximo da concessão impõe-se, inevitavelmente, à entidade administrativa competente. É, pois, um acto vinculado, por ter a sua raiz mergulhada na circunstância de esse efeito caducitário decorrer directamente ope legis, sem qualquer interferência do papel da vontade do administrador. É da lei que advém fatalmente a caducidade.

II - Os princípios do interesse público, da boa fé, da igualdade e razoabilidade constituem limite intrínsecos à actividade administrativa discricionária e não vinculada.

III - Os artigos 6º, 103º e 120º da Lei Básica não apresentam qualquer relevância para os casos em que é declarada administrativamente a caducidade de uma concessão pelo decurso máximo da concessão e em que, consequentemente, não está em causa propriedade privada da concessionária.

IV - O abuso de poder é exclusivo do exercício dos poderes discricionários, apenas sendo possível invocá-lo quando a Administração, no âmbito da discricionariedade, a Administração age segundo um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir tal poder.

Proc. nº 370/2016

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
TRANSMAC – TRANSPORTES URBANOS DE MACAU, SARL (澳門新福利公共汽車有限公司), com sede em Macau, na Estrada Marginal da Ilha Verde, n.º 2, R/c, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau, sob o n.º SO 3053, vem interpor para este Tribunal de Segunda Instância recurso contencioso do Despacho proferido, em 10 de Março de 2016, pelo Chefe do Executivo, que determinou a caducidade da concessão do terreno com a área de 3 754 m2, situado na ilha da Taipa, no Aterro de Pac On, lote “Q2”, a favor da sociedade Transmac - Transportes Urbanos de Macau, SARL face ao decurso do prazo contratual e legal.
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Na petição inicial, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
“(i) O acto administrativo ora recorrido
1. O presente recurso contencioso foi interposto contra o Despacho proferido, em 10 de Março de 2016, pelo Chefe do Executivo (incluindo o Parecer, de 26 de Fevereiro de 2016, do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, como sua parte integrante) que declarou a caducidade de concessão do terreno em causa.
(ii) Situação geral do terreno concedido
2. No prazo de arrendamento do terreno, o terreno concedido, sito em Pac On, foi sempre aproveitado para estacionamento e reparação de autocarros.
3. Entre 1989 e 2005, devido ao processo de substituição do terreno, a Recorrente solicitou a concessão de um terreno, sito no Sul de Fái Chi Kei, desistindo dum terreno, sito em Pac On, lote “Q2”, e dum terreno, sito na Estrada Marginal da Ilha Verde, que lhe tinham sido concedidos, mas, enfim, a Administração apenas permitiu à Recorrente construir um pequeno terminal de autocarros.
4. Assim sendo, no decurso do procedimento da concessão de terreno, a Recorrente não elaborou nenhum projecto de arquitectura relativo ao terreno em causa. Quanto a isso, a entidade concedente nunca deduziu embargo contra a Recorrente face ao desaproveitamento do terreno. A par disso, entendeu também a Administração que à Recorrente não era imputável o desaproveitamento do terreno no período em causa.
5. Entre 2005 e 2008, a Recorrente precisava de arranjar um terreno destinado, provisoriamente, ao estacionamento, à reparação e à manutenção quotidiana de autocarros, com vista a desocupar o terreno e realizar as respectivas obras de construção logo após a aprovação do projecto pela Administração e a obtenção da licença de obras.
6. Após várias negociações, em 2007, à Recorrente foi emprestado a curto prazo um terreno até 2011. Por conseguinte, a Recorrente tinha de efectuar obras de nivelamento e construir infra-estruturas no aludido terreno, para que a mesma pudesse obter instalações fundamentais para proceder à reparação e manutenção quotidiana de autocarros.
7. Ao longo desse período, devido à liberalização do sector do jogo e à política do Governo Central relativa à liberalização da deslocação de turistas dos vistos individuais a Macau, registou-se um desenvolvimento económico e turístico acelerado em Macau, fazendo aumentar a demanda dos cidadãos de Macau e turistas por serviços de transportes públicos, sendo isto revelado pelo aumento da lotação e do número de veículos.
8. Face à circunstância acima exposta, a Recorrente não podia desocupar, subitamente, o terreno, caso contrário, isto provocaria, necessariamente, impactos negativos de difícil reparação ao funcionamento quotidiano de autocarros e à circulação dos cidadãos e turistas. Por conseguinte, à Recorrente não era imputável o desaproveitamento do terreno no período em causa.
9. Em 22 de Agosto de 2008, a Recorrente apresentou à DSSOPT o projecto de construção no terreno concedido.
10. Porém, a Administração suspendeu a emissão da planta de alinhamento oficial à Recorrente com fundamento na realização do plano de reordenamento da zona industrial em Pac On, na Taipa, impedindo, portanto, o desenvolvimento do projecto de arquitectura pela Recorrente.
11. A Recorrente continuou a apresentar à Administração o projecto de arquitectura e os demais documentos necessários para a realização de obras, bem como pediu informações sobre o andamento da apreciação e autorização do projecto. A Administração só emitiu a versão mais recente da planta de alinhamento oficial em 12 de Setembro de 2013. Assim sendo, entre 2008 e 2014, à Recorrente não era imputável o desaproveitamento do terreno.
12. Face aos problemas relativos ao projecto de arquitectura e ao decurso do prazo de arrendamento do terreno concedido, a Recorrente teve várias reuniões com o pessoal da Administração.
13. Nas reuniões, a DSSOPT disse várias vezes à Recorrente que não teria de se preocupar com o problema da decorrência do prazo de concessão do terreno, já que o terreno seria retomado na data do término do prazo de concessão e, depois, seria o mesmo concedido novamente à Recorrente. Por conseguinte, a Recorrente acreditou que a Administração iria garantir que, após decorrido o prazo, não declararia a retoma do terreno que lhe foi concedido, bem como apresentou o pedido da nova concessão do terreno à Administração, entretanto, até ao presente momento, a Administração ainda não lhe deu nenhuma resposta.
14. Após o decurso do prazo de arrendamento do terreno concedido, a Administração ainda emitiu à Recorrente o projecto de PCU, bem como procedeu à recolha de opiniões da população face ao aludido projecto, reforçando, assim, a confiança da Recorrente na Administração.
(iii) Violação das disposições da Lei Básica
15. A Lei Básica prevê expressamente protecção dos direitos adquiridos pelas pessoas singulares, sobretudo o art.º 120º prevê que a Região Administrativa Especial de Macau reconhece e protege, em conformidade com a lei, os contratos de concessão de terras legalmente celebrados antes da transferência de soberania de Macau e os respectivos direitos.
16. Por Despacho n.º 185/GM/89, publicado em 4º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, a Recorrente adquiriu direito pela concessão do terreno, sito no aterro de Pac On, na Ilha da Taipa, designado por lote “Q2”. Tal direito deve, nos termos da Lei Básica, ser reconhecido e protegido pela R.A.E.M.
17. O n.º 1 do art.º 48º da Lei de Terras prevê que as concessões provisórias não podem ser renovadas, mas não se distingue isto da imputabilidade do concessionário.
18. Conforme o entendimento da entidade recorrida, a inimputabilidade do concessionário em relação à não conclusão do aproveitamento do terreno não será protegida após o decurso do prazo de arrendamento.
19. Se, conforme a lei, o concessionário precisar de assumir a consequência desfavorável, como por exemplo a perda do direito pela concessão do terreno adquirido legalmente pelo mesmo, mesmo que não tenha culpa nenhuma, então, a única explicação é que a lei em apreço não prevê protecção do referido direito do concessionário.
20. A Lei Básica prevê que a R.A.E.M. protege, “em conformidade com a lei”, o aludido direito, mas, na situação efectiva, as disposições legais estipuladas pela R.A.E.M. não protegem o referido direito, violando, ostensivamente, o disposto na Lei Básica.
21. Tal como acima referido, face à inimputabilidade do concessionário em relação à não conclusão do aproveitamento do terreno no prazo de arrendamento, a Administração adopta habitualmente a seguinte solução: primeiro, declara-se caducada a concessão e, depois, procede-se à nova concessão.
22. No caso vertente trata-se duma situação igual à dos casos em apreço, isto é, a não conclusão do aproveitamento do terreno no prazo de arrendamento é inimputável ao concessionário, então, a aplicação duma solução diferente ao presente caso (tratar os iguais de forma desigual) deve ser considerada uma violação da supracitada disposição da Lei Básica.
23. Assim sendo, o art.º 48º da Lei de Terras em que se fundamenta o acto administrativo de declaração de caducidade praticado pela entidade recorrida, violou o disposto na Lei Básica, outrossim, tal acto administrativo também violou o disposto na Lei Básica.
24. Por outro lado, podemos dizer que o acto recorrido ofendeu o direito fundamental da Recorrente – o direito à propriedade privada, bem como os contratos de concessão de terras legalmente celebrados antes da transferência de soberania de Macau e os respectivos direitos.
25. Nos termos da alínea d) do n.º 2 do art.º 122º do Código do Procedimento Administrativo, os Venerandos Juízes devem declarar nulo o acto recorrido. Se houver opinião contrária, ao abrigo do disposto no art.º 124º do Código do Procedimento Administrativo, deve o acto recorrido ser declarado anulado.
Em caso de discordância com a opinião acima exposta, vem ainda a Recorrente apresentar os seguintes motivos:
(iv) Violação do princípio da prossecução do interesse público
26. Primeiro, dos factos enumerados pela Recorrente se vislumbra claramente que poderá a TRANSMAC ser afectada no prosseguimento do fornecimento a Macau de serviço público, seguro, bom e confortável, de transportes colectivos rodoviários de passageiros caso se verifique a perda do terreno concedido em causa.
27. O serviço público em apreço é necessário para a vida social; o Governo tem obrigação de fornecer tal serviço; e todos os cidadãos têm o direito de usufruir do referido serviço.
28. A exclusão do serviço de transportes rodoviários de passageiros fornecido pela Recorrente, que corresponde a 43,5% do total do sistema do referido serviço, impossibilita o fornecimento contínuo e eficaz do serviço público de transportes colectivos de passageiros.
29. Por conseguinte, o Despacho que declarou a caducidade do terreno em causa, não realizou o princípio da prossecução do interesse público, exigido pelo art.º 4º do Código do Procedimento Administrativo.
30. Não obstante a opinião contrária, a Recorrente considera que o Despacho que declarou a caducidade do terreno em causa, visa concretizar o interesse público. Todavia, entende a Recorrente que deve prevalecer a protecção do interesse de serviço público de transportes colectivos rodoviários de passageiros.
31. O terreno em causa é indispensável para a Recorrente no fornecimento do serviço de transportes colectivos rodoviários de passageiros, por isso, da perda do terreno em causa resulta perigo para a segurança da vida e do património do público que usufrui do serviço de transportes colectivos rodoviários de passageiros.
32. Atentando-se aos dois interesses, verifica-se que, obviamente, a não declaração de caducidade do terreno concedido em causa pode garantir, de forma mais próxima, mais acelerada e mais eficaz, o interesse público.
33. Pelo exposto, entende a Recorrente que o acto recorrido violou o princípio da prossecução do interesse público.
(v) Violação do princípio da boa fé
34. Segundo, a Administração deve respeitar ao princípio da boa fé no estabelecimento de qualquer relação com os particulares e na prática de um acto contra os mesmos, mormente assegurar a confiança dos particulares na Administração.
35. Na verdade, a Recorrente sempre tem cumprido as suas obrigações como concessionária no prazo de arrendamento do terreno, bem como requereu à Administração a emissão de todos os documentos e licenças relacionados com aproveitamento do terreno, porém, a Administração causou atraso no aproveitamento do terreno até o decurso do prazo de arrendamento, com fundamento no planeamento de Pac On e em demais motivos.
36. Após o decurso do prazo de arrendamento do terreno, sito em Pac On, na Taipa, lote “Q2”, a Administração ainda emitiu à Recorrente o projecto de PCU, bem como procedeu à recolha de opiniões da população face ao aludido projecto. A par disso, o pessoal de direcção e chefia da DSSOPT garantiu sempre, em várias reuniões, que, após o decurso do prazo de concessão do terreno em causa, a Recorrente poderia continuar a realização das obras de construção, levando, portanto, a Requerente a acreditar que poderia continuar a aproveitar o terreno após o decurso do prazo de concessão do terreno em causa.
37. O Despacho de declaração de caducidade de concessão do terreno proferido pela entidade recorrida causou frustração de expectativa razoável à Recorrente sobre a conclusão do aproveitamento do terreno concedido.
38. Por conseguinte, a conduta da Administração violou o princípio da boa fé.
(vi) Violação do princípio da igualdade
39. Terceiro, face à inimputabilidade do concessionário em relação à não conclusão do aproveitamento do terreno no prazo de arrendamento, a Administração adopta habitualmente a seguinte solução: Na declaração de caducidade de concessão pelo decurso do prazo de arrendamento, o terreno vai ser novamente concedido ao concessionário por meio do novo contrato de concessão celebrado pela R.A.E.M. com o concessionário, e do pagamento do prémio ajustado.
40. Conforme os Despachos do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.ºs 89/2007, 8/2009 e 20/2006, na resolução da supracitada situação, a Administração retomou primeiro o terreno e, depois, procedeu à nova concessão do mesmo.
41. Outrossim, face à inimputabilidade do concessionário em relação à não conclusão do aproveitamento do terreno no prazo de arrendamento, a Administração adoptou solução desigual no tratamento do terreno, sito em Pac On, lote “Q2”, mencionado no presente recurso contencioso, não procedendo, portanto, à nova concessão do terreno à Recorrente.
42. Por conseguinte, o acto recorrido violou o princípio da igualdade.
(vii) Erro na interpretação da Lei de Terras
43. Quarto, a Administração interpretou erradamente as disposições da Lei de Terras no acto recorrido.
44. No caso concreto, muitas vezes acontece a inimputabilidade do concessionário face ao desaproveitamento do terreno no prazo de arrendamento. Embora o legislador não tenha previsto especialmente na Lei de Terras a situação supramencionada, reconhece que tal situação pode ser tratada de forma excepcional ao abrigo da Lei de Terras.
45. Segundo o princípio da culpabilidade, não deve os interesses da concessionária ser prejudicados e deve os mesmos ser juridicamente protegidos quando à concessionária não seja imputável o incumprimento das obrigações estipuladas no contrato de concessão.
46. Assim sendo, face à inimputabilidade do concessionário em relação à não conclusão do aproveitamento do terreno no prazo de arrendamento, a Lei de Terras não previu a suspensão ou prorrogação do prazo de arrendamento do terreno, sendo esta uma lacuna da lei.
47. No n.º 5 do art.º 104º da Lei de Terras, o legislador estabeleceu a suspensão ou prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno no caso em que ao concessionário não é imputável a não conclusão do desenvolvimento do terreno no prazo de aproveitamento por factores exteriores e força maior. Isto tem como objectivo prevenir situações de injustiça para o concessionário.
48. Tal caso é justamente análogo ao da inimputabilidade do concessionário em relação ao desaproveitamento do terreno após o decurso do prazo de arrendamento.
49. Salvo melhor entendimento, a Recorrente considera que pode, ao abrigo do n.º 2 do art.º 9º do Código Civil de Macau, aplicar por analogia o n.º 5 do art.º 104º da Lei de Terras ao caso da inimputabilidade do concessionário em relação à não conclusão do aproveitamento do terreno no prazo de arrendamento, com vista a preencher a lacuna da lei.
50. No presente recurso contencioso, entre 1989 e 2005, devido à realização do processo de substituição do terreno, a Administração referiu que à Recorrente não era imputável o desaproveitamento do terreno concedido no aludido período.
51. Entre 2005 e 2008, a Recorrente não podia desocupar, subitamente, o terreno, antes de encontrar um terreno destinado, provisoriamente, ao estacionamento, à reparação e à manutenção quotidiana de autocarros, caso contrário, isto provocaria, necessariamente, impactos negativos de difícil reparação ao funcionamento quotidiano de autocarros e à circulação dos cidadãos e turistas, pelo que não era imputável à Recorrente o desaproveitamento do terreno no aludido período.
52. Entre 2008 e 2014, a Recorrente apresentou e requereu, nos termos da lei, à Administração os documentos e licenças necessários para a realização de obras, porém, devido ao planeamento urbanístico ou à morosidade na apreciação e autorização do plano pela Administração, a Recorrente não conseguiu concluir, atempadamente, as obras, pelo que à Recorrente não era imputável o desaproveitamento do terreno.
53. A Recorrente solicitou várias vezes à Administração a prorrogação do prazo de concessão do terreno ou a nova concessão do terreno, mas a Administração, não tendo observado o disposto no n.º 5 do art.º 104º da Lei de Terras, não apreciou nem autorizou o pedido formulado pela Recorrente.
54. Assim sendo, o Despacho de declaração de caducidade do terreno proferido pelo Chefe do Executivo violou o disposto no n.º 5 do art.º 104º da Lei de Terras.
55. Se os Venerandos Juízes não concordarem com a aplicação por analogia do n.º 5 do art.º 104º da Lei de Terras à situação supramencionada, a Recorrente ainda entende que a Administração deve, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 9º do Código Civil de Macau, conforme o espírito do legislador, estabelecer uma forma de tratamento específica para o preenchimento de lacunas da lei, mormente implementar, com base nos princípios da equidade e da justiça, as seguintes soluções:
(a) Concede-se um prazo razoável à concessionária para que esta possa concluir, no referido prazo, o aproveitamento do terreno e aguardar conversão da concessão provisória em concessão definitiva do terreno após a conclusão do aproveitamento do terreno e emissão da licença de utilização do terreno; ou
(b) Pelo mesmo Despacho, declara-se a caducidade do terreno e, simultaneamente, procede-se à nova concessão do terreno à concessionária.
56. A Administração não estabeleceu uma forma de tratamento específica para resolver a inimputabilidade da Recorrente em relação à não conclusão do aproveitamento do terreno no prazo de arrendamento.
57. Pelo exposto, no entendimento da Recorrente, face à violação dos princípios da prossecução do interesse público, da boa fé e da igualdade pelo Despacho proferido, em 10 de Março de 2016, pelo Chefe do Executivo, bem como à inimputabilidade da Recorrente em relação ao não desenvolvimento do terreno no prazo de arrendamento, a Administração deve, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 9º do Código Civil de Macau, aplicar por analogia o n.º 5 do art.º 104º da Lei de Terras, ou, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 9º do Código Civil de Macau, estabelecer regra para tratar do aludido caso específico, em vez de declarar a caducidade de concessão do terreno ao abrigo do disposto no art.º 167º da Lei de Terras, pelo que o acto recorrido também enferma do vício de erro na interpretação da Lei de Terras.
(viii) Vício de desvio de poder ou de total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários
58. A par disso, a Administração, por um lado, autorizou a conclusão do aproveitamento do terreno pela Recorrente até o dia 28 de Dezembro de 2014; e, por outro lado, com fundamento na realização do novo planeamento e na redução unilateral da área do terreno concedido, causou obstáculo e atraso no aproveitamento do terreno pela Recorrente.
59. A Administração, ao seleccionar o conteúdo do acto administrativo, não atendeu às aludidas circunstâncias relevantes, causando, portanto, deslealdade do conteúdo do acto administrativo.
60. Assim sendo, o acto administrativo recorrido também enferma do vício de desvio de poder ou de total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, merecendo o mesmo ser anulado.
Nestes termos, pela douta opinião dos Venerandos Juízes, requer-se que seja concedido provimento ao presente recurso contencioso e, em consequência, solicita-se aos Venerandos Juízes:
1) Que seja declarado nulo o acto recorrido, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do art.º 122º do Código do Procedimento Administrativo, por ter ofendido o direito à propriedade privada da Recorrente;
2) Que seja anulado o acto recorrido, ao abrigo do disposto no art.º 124º do Código do Procedimento Administrativo, por se verificar a violação da Lei Básica pelas normas jurídicas em que se fundamenta o acto recorrido;
3) Que seja anulado o acto recorrido, ao abrigo do disposto no art.º 124º do Código do Procedimento Administrativo, por enfermar do vício de violação da lei, nomeadamente a violação dos princípios da prossecução do interesse público, da boa fé e da igualdade, bem como o erro na interpretação das disposições da Lei de Terras; ou
4) Que seja anulado o acto recorrido, ao abrigo do disposto no art.º 124º do Código do Procedimento Administrativo, por enfermar do vício de desvio de poder ou da total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.”
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Contestou a entidade recorrida, pugnando pela improcedência do recurso, em termos que aqui damos por reproduzidos.
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Ambas as partes apresentaram alegações facultativas, em que cada uma reiterou no essencial as posições anteriormente assumidas nos autos.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:

“Objecto do presente recurso contencioso é o acto de 10 de Março de 2016, da autoria do Exm.º Chefe do Executivo, que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno com a área de 3.754 m2, situado em Pac On, Taipa, constituído pelo lote “Q2”, cujo contrato fora titulado pelo Despacho n.º 185/GM/89, de 29 de Dezembro de 1989.
A recorrente, “Transmac - Transportes Urbanos de Macau, SARL”, acha que o acto padece dos vários vícios que lhe imputa na sua petição de recurso, a saber: violação de disposições da Lei Básica; violação do princípio da prossecução do interesse público; violação dos princípios da boa fé e da igualdade; erro na aplicação da Lei de Terras; e desvio do poder ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
A entidade recorrida refuta a ocorrência de qualquer destes vícios, asseverando a legalidade do acto e batendo-se pela sua manutenção na ordem jurídica.
Vejamos, começando pela questão da alegada violação da lei Básica.
O raciocínio da recorrente assenta essencialmente no seguinte: a Lei Básica protege o direito à propriedade privada e reconhece e protege os contratos de concessão de terras celebrados antes da transferência de soberania, de acordo com os seus artigos 6.º, 103.º e 120.º; se, na interpretação que o acto recorrido lhe deu, o artigo 48.º da Lei de Terras cauciona a declaração de caducidade pelo decurso do prazo da concessão, independentemente da ponderação da imputabilidade do concessionário, então esta norma viola a Lei Básica, o mesmo sucedendo com o acto que a aplicou.
Não cremos que tenha razão.
É certo que a Lei Básica manda proteger o direito à propriedade privada, tal como impõe o reconhecimento e protecção dos contratos de concessão de terras celebrados antes do estabelecimento da RAEM e que se prolonguem para além da data de transferência de soberania. Mas relega, para a lei, a forma e as condições que moldam essa protecção, como melhor se vê das normas pertinentes (artigos 6.º e 120.º). Pois bem, no que respeita aos terrenos pertença do antigo Território de Macau e da actual RAEM - terrenos do Estado ―, não há concessões por tempo indeterminado. Há prazos de concessão e há regras para o aproveitamento dos terrenos. Esses prazos e regras estão disciplinados por lei e, na maioria dos casos, até são vertidos para os contratos de concessão. Portanto, a protecção conferida pela Lei Básica é uma protecção subordinada ao cumprimento das regras legalmente instituídas, que se pode esvair com a inobservância dessas regras E as regras, em matéria de terras, têm como pano de fundo a finalidade social dos direitos associados ao seu uso, o que demanda o seu efectivo aproveitamento nos prazos que o legislador teve por razoáveis, adentro do seu poder de conformação. Daí que a impossibilidade de renovação das concessões provisórias, que resulta da nova Lei de Terras, como já resultava da antiga lei de Terras, em nada afronte os princípios vertidos naqueles artigos da Lei Básica, que não resulta violada pela circunstância da existência da modalidade de caducidade preclusiva, tal como não resulta violada pela existência do instituto da usucapião.
Improcede este primeiro vício.
Seguidamente, a recorrente afirma que o acto incorreu na violação do princípio da prossecução do interesse público. E sustenta esta asserção no facto de ser também concessionária do serviço público de transporte colectivo rodoviário de passageiros, para cuja melhoria e comodidade iria contribuir a construção a implantar no terreno concedido, construção que resulta inviabilizada pela declarada caducidade.
O interesse público concretamente visado pelo acto recorrido radica na correcta gestão dos terrenos do Estado, face à sua finalidade social. Outros interesses que possam cruzar-se com este, como o de dotar a população de uma eficaz e cómoda rede de transportes públicos, poderão ser objecto de ponderação se o tipo de decisão, bem como a margem de discricionariedade que lhe possa estar subjacente, o permitir.
Pois bem, o que está em causa, no caso vertente, é a caducidade pelo decurso do prazo da concessão sem o aproveitamento do terreno. Ora, à face da Lei de Terras, verificadas essas circunstâncias, a declaração de caducidade constitui um poder-dever, prescrito por normas imperativas. Ou seja, a Administração não pode prolongar o prazo da concessão, por impedimento legal imperativo. Assim, sendo estritamente vinculado, como é, não pode o acto ser arguido de menosprezar interesses colaterais.
Soçobra também este vício.

Vem também invocada a violação de princípios que regem a actividade administrativa nomeadamente o princípio da boa fé e da tutela da confiança e o princípio da igualdade.
Trata-se de princípios cuja acuidade releva no exercício de poderes discricionários. Ora, como já se referiu supra e vem sendo repetidamente afirmado pela jurisprudência dos tribunais superiores de Macau, verificados os pressupostos falta de aproveitamento e decurso do prazo da concessão provisória, a Administração está estritamente vinculada a declarar a caducidade dos contratos de concessão. Foi o que sucedeu no presente caso. Estando em causa, como estava, o exercício de poder vinculado, aqueles princípios mostram-se inoperantes em termos de poderem influir na validade do acto. De resto, se porventura a Administração decidiu mal noutros casos, não se pode, a coberto do princípio da igualdade, reclamar o nivelamento da actuação administrativa pela bitola da ilegalidade.
Improcede igualmente a suscitada violação de tais princípios.
Em seguida, a recorrente diz que o acto não providenciou uma correcta aplicação da Lei de Terras. Basicamente sustenta que a lei padece de lacuna, ao não prever a possibilidade de suspensão ou prorrogação do prazo de arrendamento, quando o concessionário não é responsável pela falta de realização do aproveitamento no prazo da concessão provisória, como diz ter sucedido no caso vertente. E então sugere que a Administração deveria ter aplicado, por analogia, o artigo 104.º, n.º 5, da Lei de Terras, ou criar a normação que, nos termos do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, permitisse ultrapassar a lacuna.

Não nos parece que haja qualquer lacuna. O articulado do diploma da Lei de Terras, globalmente considerado, permite concluir ter sido intenção legislativa tratar de modo diverso a caducidade ligada aos casos de falta de aproveitamento dos terrenos no prazo estipulado para o efeito e a caducidade pelo decurso do prazo da concessão provisória sem realização do aproveitamento e demarcação definitiva do terreno. Naquela, que é conhecida como caducidade sanção, dá-se relevo à culpa; para esta, que é tratada como caducidade preclusiva, a culpa é indiferente, relevando o decurso do prazo sem que se houvesse operado o aproveitamento que levaria à conversão da concessão em definitiva. Tendo sido este o fito do legislador, não se pode colocar a hipótese de lacuna avançada pela recorrente. Idêntico entendimento parece estar subjacente às considerações tecidas pelo Tribunal de Última Instância, no seu recente acórdão de 23 de Maio de 2018, exarado no processo n.º 7/2018, segundo as quais “nenhuma norma permite à Administração considerar suspenso o prazo de concessão provisória ou prorrogá-lo” e “relativamente ao decurso do prazo de 25 anos nenhuma norma permite que o Chefe do Executivo autorize a prorrogação desse prazo ou que o mesmo se considere suspenso, se considerar que o não aproveitamento do terreno não é imputável ao concessionário”.
Claudica, pois, o alegado erro de aplicação da Lei de Terras.
Finalmente, vem imputado ao acto o desvio do poder e a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
Já vimos, e constitui aliás jurisprudência pacífica, que, verificados os pressupostos “falta de aproveitamento” e “decurso do prazo da concessão provisória”, a Administração está estritamente vinculada a declarar a caducidade dos contratos de concessão, tal como sucedeu no caso em análise.
Ora, o desvio do poder é definido como o vício traduzido no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante não condizente com o fim que a lei visou ao conferir aquele poder - Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Lições, Lisboa 1989, Volume III, pg. 308. Trata-se de um vício típico do poder discricionário. O mesmo sucede com a invocada desrazoabilidade. Não se tendo a Administração movido no âmbito de poderes discricionários, o acto não tem espaço para tais vícios.
Improcedem os aventados desvio do poder e total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
Ante o exposto, o nosso parecer vai no sentido de ser negado provimento ao recurso.”
*
Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III – Os Factos

1. Pelo Despacho n.º 185/GM/89, publicado no 4.º suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi titulada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3 754 m2, situado na ilha da Taipa, no Aterro de Pac On, lote “Q2”, a favor da sociedade Transmac - Transportes Urbanos de Macau, SARL.

2. O referido terreno está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22 152 a fls. 39 do livro B112A e o direito resultante da concessão encontra-se inscrito a favor da concessionária sob o n.º 824 do livro FK3.
3. De acordo com a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura pública (não tendo, porém, sido celebrada a escritura, por força do disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 8/91/M, de 29 de Julho, a concessão passou a ser titulada pelo sobredito despacho, passando o prazo de arrendamento a contar-se da data da sua publicação, ou seja, até 28 de Dezembro de 2014.
4. Conforme a cláusula terceira do respectivo contrato, o terreno seria aproveitado com a construção de um terminal, com 3 pisos, para recolha de autocarros, a explorar directamente pela concessionária.
5. O prazo global de aproveitamento foi fixado em 24 meses, contados a partir da data de publicação do despacho no Boletim Oficial, ou seja, até 28 de Dezembro de 1991.

6. O prémio do contrato, no montante de MOP$1 231 277,00, foi integralmente pago em prestações.
7. O aproveitamento do terreno referido no artigo 3.º desta contestação não chegou a ser concretizado.
8 – Em 19/02/2016, a Comissão de Terras emitiu o seguinte parecer:
“PARECER N.º 22/2016
Proc. n.º 6/2016 - Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3 754m2, situado na ilha da Taipa, no Aterro de Pac On, lote “Q2”, a favor da sociedade Transmac - Transportes Urbanos de Macau, SARL, pejo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 28 de Dezembro de 2014.
I
1. Ao abrigo do disposto no artigo 44.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das suas características e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente. Nos termos do disposto no artigo 48.º da mesma Lei, a concessão provisória não pode ser renovada. Assim, através do despacho do Chefe do Executivo, declara-se a caducidade de concessão, por decurso do prazo de arrendamento, de acordo com o artigo 167.º da mesma lei.
2. De acordo com o disposto no artigo 179.º da Lei de terras e no artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M, o despejo do concessionário ou do ocupante é ordenado por despacho do Chefe do Executivo quando se verifique a declaração da caducidade da concessão.
3. Face ao exposto, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), através da proposta n.º 349/DSODEP/2015, de 18 de Novembro, propôs autorização para dar início ao procedimento de declaração de caducidade das concessões provisórias cujo prazo de arrendamento expirou ou irá expirar, bem como dar início aos respectivos trabalhos por ordem cronológica das datas em que terminou o prazo de arrendamento de cada um daqueles processos, tendo o Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP) aprovada esta proposta por despacho de 25 de Novembro de 2015.
II
4. Pelo Despacho n.º 185/GM/89, publicado no 4.º suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi titulada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3 754m2, situado na ilha da Taipa, no Aterro de Pac On, lote “Q2”, a favor da sociedade Transmac - Transportes Urbanos de Macau, SARL.
5. De acordo com a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga ela respectiva escritura, porém, não tendo sido celebrada a escritura, por força do disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 8/91/M, de 29 de Julho, a concessão passou a ser titulada pelo sobredito despacho, passando o prazo de arrendamento a contar-se da data da sua publicação, ou seja, até 28 de Dezembro de 2014;

6. Conforme a cláusula terceira do respectivo contrato, o terreno é aproveitado com a construção de um terminal, com 3 pisos, para recolha de autocarros a explorar directamente pela concessionária.
7. O prazo global de aproveitamento é de 24 meses, contados a partir da data de publicação do sobredito despacho, ou seja, até 28 de Dezembro de 1991.
8. O prémio do contrato no montante de $1 231 277,00 foi integralmente pago em prestações.
9. O terreno referido em epígrafe está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22 152 a fls. 39 do livro B112A e o direito resultante da concessão encontra-se inscrito a favor da concessionária sob o n.º 824 do livro FK3.
III
10. A data de conclusão da empreitada do aterro e infra-estruturas do Pac On foi adiada para Março de 1992. Deste modo, a concessionária apresentou em 16 de Março de 1993 à entidade competente um requerimento, a referir que uma vez que havia falta de infra-estruturas no Pac On e a ponte da Amizade estava em construção, seria difícil instalar um terminal para autocarros no Pac On, pelo que solicitou a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno por mais 42 meses, isto é, até 28 de Junho de 1995.
11. Dado que o processo relativo ao pedido de concessão do lote “PS1” sito na Baía Sul do Patane feito pela concessionária já tinha sido aberto, o Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas proferiu em 14 de Outubro de 1993 despacho a determinar que era necessário esclarecer o assunto sobre a prorrogação do prazo de aproveitamento elo terreno.
12. A concessionária apresentou um requerimento na DSSOPT em 27 de Agosto de 2008 e outro em 17 de Março de 2011, a solicitar autorização para a construção no terreno em causa de um edifício mais alto. Os respectivos serviços indicaram que só após a conclusão e publicação do Plano de Reordenamento do Parque Industrial do Pac On é que se poderia proceder ao desenvolvimento do terreno, pelo que não foi possível à concessionária iniciar o respectivo projecto.
13. Por outro lado, uma vez que o terreno foi classificado pela entidade competente como terreno não aproveitado, a DSSOPT, através de ofício de 31 de Maio de 2011, solicitou à concessionária a apresentação de justificação razoável sobre o atraso no aproveitamento do terreno.

14. A concessionária apresentou justificação em 29 de Junho de 2011 e a DSSOPT, através das informações n.os 346/DSODEP/2011, de 6 de Dezembro, 01/DJUDEP/2012, de 9 de Janeiro e 144/DSODEP/2012, de 14 de Agosto, procedeu à análise da justificação apresentada, tendo considerado que a concessionária sempre cumpriu a finalidade da concessão porquanto sempre utilizou o terreno para estacionamento dos seus autocarros tendo efectuado uma construção metálica de carácter provisório para oficina de manutenção. Além disso, sendo a concessionária uma das três concessionárias da exploração cio serviço público de transportes colectivos rodoviários de passageiros, mesmo que fosse declarada a caducidade, a Administração teria de providenciar outro terreno para o estacionamento dos autocarros da concessionária, pejo que propôs que não fosse declarada a caducidade da concessão do terreno, procedendo-se à revisão das cláusulas do contrato de concessão, não admitindo qualquer alteração à finalidade ou modificação do aproveitamento do terreno.
15. Por outro lado, o Grupo de Trabalho Jurídico emitiu o seu parecer, através da informação n.º 13/GTJ/2012, de 24 de Maio, em que manifesta a sua concordância com o parecer da DSSOPT, isto é, que não fosse desencadeado o procedimento de declaração de caducidade da concessão do terreno em apreço, devendo no entanto proceder-se à revisão do contrato de forma a introduzir restrições aos poderes de utilização do terreno por parte da concessionária, nomeadamente, a possibilidade de após a realização do aproveitamento, vir a alterar a finalidade da concessão em função dos usos permitidos no novo plano urbano do Pac On.
16. Posteriormente, a Comissão de Terras reunida em sessão em 24 de Janeiro de 2013, através do parecer n.º 15/2013, concordou com o proposto peja DSSOPT de aplicação à concessionária de uma multa máxima de $90 000,00 patacas e de concessão de um último prazo de aproveitamento do terreno, contados a partir da data da notificação da respectiva decisão até à data do fim do prazo de arrendamento, isto é, até 28 de Dezembro de 2014. O referido parecer foi homologado pelo Chefe do Executivo por despacho de 6 de Fevereiro de 2013.
17. Após ter sido prorrogado o prazo de aproveitamento do terreno, a concessionária apresentou em 5 de Fevereiro de 2013 um projecto de alteração de construção, no entanto, visto que as condições urbanísticas para a respectiva zona tinham sido alteradas, esse projecto não foi aprovado. Posteriormente, em Agosto de 2013, a DSSOPT emitiu lima planta de alinhamento oficial (PAO), passando parte do terreno concedido a ser integrada no domínio público, pelo que, a concessionária, em 3 de Dezembro de 2013, solicitou a emissão de uma nova PAO adequada ao projecto apresentado de modo a manter a área inicial do terreno concedido.
18. Visto que a concessionária em causa é uma das três concessionárias da exploração do serviço público de transportes colectivos rodoviários de passageiros, se for declarada a caducidade da concessão do terreno, será ainda necessário disponibilizar terrenos do domínio privado por parte da Administração para a manutenção, conservação e estacionamento dos autocarros, no intuito de assegurar que a concessionária possa prestar o serviço público. No entanto, de acordo com o disposto na cláusula segunda do contrato da concessão, o prazo do arrendamento terminou em 28 de Dezembro de 2014 e a respectiva concessão ainda é provisória, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei de terras, e como tal não pode ser renovada. Nestas circunstâncias, a DSSOPT procedeu à análise da situação e, através da proposta n.º 033/DSODEP/2016, de 15 de Janeiro, propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e enviado o processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer. O STOP manifestou a sua concordância por despacho de 3 de Fevereiro de 2016.
19. Face ao exposto, esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que tendo expirado em 28 de Dezembro de 2014 o prazo de vigência da concessão (prazo de arrendamento), de 25 anos, fixado na cláusula segunda do contrato de concessão, sem que o aproveitamento do terreno definido no contrato se mostre realizado, a concessão provisória em apreço encontra-se já caducada (caducidade preclusiva).
Com efeito, de acordo com o artigo 44.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável ao caso vertente por força cio disposto nos seus artigos 212.º e 215.º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso cio prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130.º e 131.º).
Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48.º da Lei de terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por força da verificação daquele facto (decurso do prazo de arrendamento).
De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de Terras anterior), que no caso da concessão revestir natureza provisória em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cf. artigos 49.º, 132.º e 133.º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do artigo 55.º era aplicável apenas às concessões definitivas.
Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tornar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção ou não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167.º da Lei n.º 10/2013.
Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opôr à declaração de caducidade da concessão do terreno em epígrafe pelo decurso do prazo de arrendamento, perdendo a concessionária a favor da Região Administrativa Especial de Macau todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.

IV
Reunida em sessão de 19 de Fevereiro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e tendo em consideração o parecer e proposta constantes na proposta n.º 033/DSODEP/2016, de 15 de Janeiro, bem como o despacho nela exarado pelo STOP, de 3 de Fevereiro de 2016, considera que verificada a caducidade da concessão pelo termo do prazo de arrendamento em 28 de Dezembro de 2014, deve esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Comissão de Terras, aos 19 de Fevereiro de 2016.”

9 – O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, em 03/03/2016, emitiu o seguinte parecer:
“Parecer
Proc. n.º 6/2016 - Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3 754m2, situado na ilha da Taipa, no Aterro de Pac On, lote “Q2”, a favor da sociedade Transmac - Transportes Urbanos de Macau, SARL, pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 28 de Dezembro de 2014.
1. Pelo Despacho n.º 185/GM/89, publicado no 4.º suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi titulada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3 754m2, situado na ilha da Taipa, no Aterro de Pac On, lote “Q2”, a favor da sociedade Transmac - Transportes Urbanos de Macau, SARL.
2. Conforme a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, porém, não tendo sido celebrada a escritura, por força do disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 8/91/M, de 29 de Julho, a concessão passou a ser titulada pelo sobredito despacho, passando o prazo de arrendamento a contar-se da data da sua publicação, ou seja, até 28 de Dezembro de 2014.
3. O terreno seria aproveitado com a construção de um terminal, com 3 pisos, para recolha de autocarros a explorar directamente pela concessionária.
4. Uma vez que o prazo de arrendamento do terreno terminou em 28 de Dezembro de 2014 e o aproveitamento do terreno não foi concluído, a DSSOPT propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 3 de Fevereiro de 2016.
5. Reunida em sessão de 19 de Fevereiro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, tendo em consideração que o prazo de arrendamento foi terminado, sem que o aproveitamento estabelecido neste contrato se mostre realizado, e que, sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável por força dos seus artigos 212.º e 215.º. Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.

Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno.
3 de Março de 2016.
O Secretário para os Transportes e Obras Públicas,
Raimundo Arrais do Rosário”
10 – O Chefe do Executivo, em 10/03/2016 produziu o seguinte despacho (a.a.):

“Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo n.º 6/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 3 de Março de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.
O Chefe do Executivo,
Chui Sai On”
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IV – O Direito
1 - A recorrente imputou ao acto sindicado os vício:
a) – Violação dos arts. 6º, 103º e 120º da Lei Básica.
b) – Violação dos princípios do interesse público, da boa fé e da igualdade.
c) – Erro na aplicação dos arts. 48º, 104º, nº 5, da Lei de Terras;
d) – Desvio de poder;
e) – Desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários.
*
2 - Da violação dos arts. 6º, 103º e 120º da Lei Básica.
Claramente este vício não pode proceder. Os artigos citados da Lei Básica não prestam qualquer auxílio. O primeiro limita-se a consignar que o direito à propriedade privada é protegido por lei. Ora, em lado nenhum do acto administrativo esta afirmação é desmentida, porquanto nem sequer está em crise qualquer direito à propriedade privada da recorrente, face ao contrato que foi celebrado (concessão).
O segundo reitera, de algum modo, o princípio consagrado no art. 6º, ao referir que a RAEM protege o direito das pessoas à aquisição, uso, disposição e sucessão da propriedade. Ora, mais uma vez a recorrente não dispõe de nenhum título de propriedade privada sobre o tereno em apreço.
O terceiro limita-se a afirmar o reconhecimento dos contratos de concessão celebrados antes do estabelecimento da RAEM. Mas, também se nos afigura inócua esta alegação, já que o despacho em crise não atentou contra a existência válida da concessão convencionada antes de Dezembro de 1999.
Sendo assim, improcede este vício.
*
3 - Da violação dos princípios do interesse público, da boa fé e da igualdade.
Quando ao princípio da prossecução do interesse público (art. 4º) cremos que ele não se verifica. Trata-se de um princípio programático e fundamental que domina toda a actuação da Administração Pública. Ora, o interesse público aqui não é apenas o interesse do transporte público que a concessionária desenvolve em favor da comunidade, mas também o interesse que subjaz a qualquer concessão do respeito pelo contrato e pela lei. E quanto a este a Administração nada podia fazer senão declarar a caducidade se a lei lhe impõe essa decisão.
Quanto à boa-fé (art. 8º, do CPA) e igualdade (art. 5º do CPA e 25º da LB), somos a entender que o vício não pode proceder, pela simples razão que se trata de princípios de direito administrativo que constituem limites internos da actividade administrativa discricionária. Neste sentido:
- Ac. do TUI, de 8/06/2016, Proc. nº 9/2016;
- Ac. do TUI, de 22/06/2016, Proc. nº 32/2016;
- Ac. do TSI, de 7/07/2016, Proc. nº 434/2015;
- Ac. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016;
- Ac. do TSI, de 15/03/2018, Proc. nº 299/2013;
- Ac. do TSI, de 26/04/2018, Proc. nº 767/2016
- Ac. do TSI, de 14/06/2018, Proc. nº 16/2017;
- Ac. do TSI, de 5/07/2018, Proc. nº 633/2017.
Ora, a actividade em apreço é vinculada ope legis, portanto, sem qualquer relevância do papel da vontade do administrador. É da lei que advém fatalmente a imperiosidade da declaração de caducidade.
Isto é, têm entendido os tribunais de Macau, e com razão, que, decorrido o prazo da concessão sem que o aproveitamento tenha sido efectuado tal como contratualmente convencionado, à contraente pública outra solução não resta senão declarar a caducidade (ver arestos citados).
Desta maneira, sem mais considerandos, somos a dar por improcedente este fundamento do recurso.
*
4 - Do erro na aplicação dos arts. 48º, 104º, nº 5, da Lei de Terras
Acha que estes dispositivos da Lei nº 10/2013 não foram bem aplicados.
Está errada a recorrente. Estamos em presença de uma concessão que, por não terem sido cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas, é provisória e que nunca se converteu em definitiva (art. 44º). Por ser assim, e sem prejuízo do art. 48º, nºs 2 e 3, que aqui não têm qualquer préstimo, por se não verificarem os respectivos pressupostos, esta concessão não podia ser renovada (art. 48º, nº1). A concessão não podia manter-se por mais tempo, tal como este TSI tem vindo a afirmar sistematicamente.
Quanto ao art. 104º, ele limita-se a estabelecer os prazos de aproveitamento do terreno concedido, cuja inobservância sujeita o concessionário às consequências sancionatórias estabelecidas no nº3. Mas não é disso que se trata aqui.
Bem se esforça a recorrente em imputar à Administração a culpa no não aproveitamento. Só que isso não está aqui em causa, nem cumpre aqui dilucidar no âmbito da análise deste vício. Com efeito, o acto em crise assenta no mero decurso do prazo de caducidade. É, portanto, a caducidade preclusiva que nele está invocada com alicerce nos arts. 167º e 212º e 215º, da Lei de Terras.
E, como é jurisprudência da RAEM, a culpa, nesse caso, é indiferente à solução do recurso, já que a declaração administrativa da caducidade não tem que ver com razoes impeditivas ou não do aproveitamento. O que releva é somente o facto objectivo do decurso do prazo, é o que a jurisprudência da RAEM tem por adquirido (v.g., Acs. do TUI, de 6/06/2018, Proc. nº 43/2018 e de 11/10/2017, Proc. nº 28/2017; Ac. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016; de 1/02/2018, Proc. nº 26/2017 e de 26/04/2018, Proc. nº 767/2016).
*
5 - Do desvio de poder
Em primeiro lugar, o desvio de poder é, como se sabe, exclusivo do exercício dos poderes discricionários, isto é, só é possível invocá-lo quando a Administração actua no âmbito da actividade discricionária. Em segundo lugar, o vício só pode verificar-se quando, no âmbito da discricionariedade, a Administração age segundo um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir tal poder.
Ora, como já se disse, o Chefe do Executivo estava vinculado a declarar a caducidade no termo do respectivo prazo da concessão (provisória) sem aproveitamento.
Significa, sem mais, que o vício não pode proceder.
*
6 - Da desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários
Não existe desrazoabilidade na actividade administrativa quando nesta se descortinar, em concreto, a prossecução do interesse público e se for de considerar adequado o comportamento da Administração tendo em vista a realização daquele interesse. Neste plano, é de entender que os interesses privados podem ser sacrificados em função da importância do interesse público que pelo acto se procurar salvaguardar1.
Neste sentido, “o papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro”2.
Quer dizer, se é certo que a fiscalização judicial à actividade administrativa só pode ser feita quando ela é manifestamente ofensiva dos limites internos da discricionariedade, então a intervenção do juiz na apreciação do respeito dos princípios gerais do direito administrativo, só deve ter lugar quando as decisões administrativas, de modo intolerável, os violem3.
Contudo, mais uma vez, temos que dizer que a actuação neste caso concreto é claramente de natureza vinculada e não administrativa. Pelo que o vício tem que improceder.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 20 UCs.
T.S.I., 18 de Outubro de 2018
Fui presente (Relator) Joaquim Teixeira de Sousa José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong
1 Ac. TSI, de 5/06/2014, Proc. nº 158/2013
2 Ac. TUI, de 9/05/2012, Proc. nº 13/2012.
3 Ac. TUI, de 9/05/2012, Proc. nº 13/2012; Ac. TSI, de 5/06/2014, Proc. nº 625/2013.
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Rec. Cont. 370/2016 1