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Processo n.º 76/2018. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrente: A.
Recorrido: B e C.
Assunto: Responsabilidade civil extracontratual. Dano. Incapacidade permanente. Perda da capacidade de ganho. Cômputo da indemnização por perda da capacidade de ganho. Equidade. Danos não patrimoniais.
Data do Acórdão: 31 de Outubro de 2018.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
  I – A perda da capacidade de ganho por incapacidade permanente parcial ou total é indemnizável, ainda que o lesado mantenha o mesmo salário que auferia antes da lesão.
  II – No cômputo da indemnização por perda da capacidade de ganho por incapacidade permanente parcial, o tribunal deve atender ao disposto no n.º 5 do artigo 560.º do Código Civil, bem como recorrer à equidade, nos termos do n.º 6 do artigo 560.º do mesmo Código.
  III – Os danos não patrimoniais ressarcíveis são os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo tribunal.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 20 de Junho de 2017, condenou o arguido A, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de ofensa grave à integridade física por negligência, previsto e punível pelos artigos 142.º, n.º 3 e 138.º, alínea b) do Código Penal e 93.º, n.º 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, bem como no pagamento das seguintes indemnizações, no valor total de MOP$7.044.630,49:
- Danos não patrimoniais: MOP$1.200.000,00;
- Danos patrimoniais:
- Despesas de tratamento médico – MOP$175.343,35;
- Despesas com cadeira de rodas – MOP$350,00;
- Despesas com bengala – MOP$195,00;
- Salários não auferidos em dois anos: MOP$746.400,00;
- 70% do vencimento até aos 65 anos, por perda da capacidade de ganho – MOP$4.922.342,14.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 24 de Maio de 2018, concedeu provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido A, reduzindo a indemnização por perda da capacidade de ganho para MOP$4.300.000,00 e a indemnização por danos não patrimoniais para MOP$1.000.000,00.
Recorre, novamente, o arguido A para este Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões:
- O ofício passado pela DSF, como instrumento legal, tem força probatória plena, pelo que o vencimento constante do mesmo prevalece sobre a declaração da companhia enquanto documento particular.
- No cálculo do montante indemnizatório, a decisão recorrida não fez dedução adequada das despesas médicas futuras. De acordo com a análise e a liquidação preliminares do recorrente, as despesas médicas futuras eram aproximadamente de MOP$527.664 (valor de mais de dez anos). Esta parte deve ser reduzida adequadamente na indemnização por danos;
- No cálculo do montante indemnizatório, a decisão recorrida não calculou a indemnização da outra Seguradora. Na audiência de julgamento do Tribunal de primeira instância, o Tribunal já admitiu um documento, isto é, o acordo assinado entre o ofendido/assistente e a D, segundo o qual, o ofendido/assistente aceitou a indemnização de MOP$722.050, paga pela referida Seguradora por danos decorrentes do facto ilícito;
- Os danos da incapacidade para o trabalho determinados na decisão recorrida são elevados. Entende o recorrente que o Tribunal deve tomar decisão justa em função do montante indemnizatório pela incapacidade para o trabalho entre MOP$1.324.055 e MOP$3.050.286.
- O montante indemnizatório por danos morais na decisão recorrida é demasiado elevado. Entende o recorrente que o Tribunal deve declarar procedente esta parte da fundamentação do recorrente. E o Tribunal deve tomar decisão justa quanto à indemnização por danos morais ao ofendido/assistente, no valor não superior a MOP$600.000.
- O recorrente solicita ao Tribunal que conheça oficiosamente todos os vícios legais. No cumprimento do dever de assiduidade, caso o douto TUI tome conhecimento do vício legal nos autos de que o Tribunal pode conhecer oficiosamente, e se isso ponha em causa a sanção penal do recorrente e os autos não sejam reenviados para novo julgamento mas sim condenados directamente pelo douto TUI.


II – Os factos
Os factos provados são os seguintes:
- Pelas 6h18 da tarde de 4 de Novembro de 2013, conduzindo o táxi da cor preta n.º MN-XX-XX, o arguido A estava a ir na pista direita ao longo da Avenida dos Jardins do Oceano da Taipa, dirigindo-se da Avenida dos Jardins do Oceano à Rotunda Tenente Pedro José da Silva Loureiro.
- Ao aproximar-se da poste de luz n.º 720D03 na Avenida dos Jardins do Oceano, como não ter conseguido controlar adequadamente a velocidade do carro, o arguido não chegou a tempo de travar o carro, e a parte frontal esquerda do táxi dele colidiu contra a passante B (a vítima). Na altura B estava a atravessar a rua na passadeira ali, e estava a ir da esquerda à direita em relação à direcção na qual o arguido estava a conduzir o carro. A colisão fez com que B caísse por chão e ficasse ferida. Mais tarde 2 ambulâncias levaram-na ao Centro Hospitalar Conde de São Januário para ser tratada; em seguida, foi mandada ao Hospital Kiang Wu para tratamentos de seguimento (vd. o gráfico de descrição do acidente de viação a fls. 12 dos autos).
- Encontram-se em melhores detalhes o relatório do exame do ferimento da vítima e a perícia clínica médico-legal a fls. 21, 37, 43, 44 dos autos, que, para os devidos efeitos jurídicos, são dados por integralmente transcritos aqui.
- A colisão acima mencionada causou directa e necessariamente à vítima a fractura e a deslocação da espinha cervical C5/6 com lesão na medula espinhal da C5/6, contusão no couro cabeludo occipital (1,5cm), contusão no dorso de ambas as mãos, e levou à paralisação parcial dos membros da parte direita, como também o desaparecimento da sensação de dor no membro inferior esquerdo; até o presente momento ainda precisa de fazer tratamentos de reabilitação. O ferimento fez com que a vítima ficasse a ter sequelas de traumatismo, com o aparecimento repetido de dores e desconfortos cervicais, disfunções locomotora e sensorial; tendo-lhe imposto impactos graves na capacidade de trabalho e na possibilidade da utilização do seu corpo; pelo que já lhe provocou ofensas graves à integridade física (vd. a perícia clínica médico-legal a fls. 44 dos autos).
- Quando o acidente aconteceu, era noite, estava a chover, as luzes da rua estavam ligadas, a superfície da rua estava molhada e a densidade de tráfico permitia livre passagem.
- O acidente de viação acima referido foi causado pela condução incauta por parte do arguido, que, ao aproximar-se da passadeira, não desacelerou devidamente o veículo ou não fez parar o veículo quando necessário, a fim de deixar passar a passante que estava a passar pela passadeira. Como consequência, causou o presente acidente de viação e deitou por terra a vítima, e provocou direita e necessariamente ofensas graves à integridade física da vítima.
- O acto dele violou o dever de conduzir com prudência.
- O arguido sabia claramente que os seus actos não eram permitidos pela lei e que seriam punidos nos termos legais.
- Antes do acontecimento da colisão, o arguido já tinha visto não de muito longe que a vítima B estava a passar pela passadeira.
- No entanto, o arguido pensava que julgando pela velocidade do veículo dele, ele passaria pela passadeira mais brevemente que a vítima, então seguiu em frente de carro.
- Quando a vítima estava a aproximar-se a pé da linha média da pista de condução, como o arguido não travou o carro ou desacelerou diante da passadeira, a parte frontal esquerda do táxi dele colidiu contra a vítima.
- Depois de ficar ferida, a vítima foi levada pela ambulância ao Centro Hospitalar Conde de São Januário para ser operada e ficou hospitalizada na área de cuidados intensivos; mais tarde, a 9 de Novembro de 2013, foi transferida à área de ortopedia para continuar a ser hospitalizada e tratada.
- Foi assim até 7 de Janeiro de 2014, quando a vítima foi transferida para o Hospital Kiang Wu, a fim de ser hospitalizada e fazer tratamentos de seguimento. Foi-lhe dada alta aos 20 de Maio de 2014, e ela ficou a precisar de fazer tratamentos físicos de reabilitação.
- Por este motivo, o arguido já foi acusado pela polícia de ter cometido 1 contravenção de tráfico, p. e p. pelo art.º 37.º, n.º 2 da Lei do Trânsito Rodoviário. O arguido já pagou voluntariamente a multa em causa (autos n.º CR1-13-0918-PCT).
- Além disso, também foram averiguados:
- O arguido afirmou ter a escolaridade de conclusão do ensino secundário, ser taxista, que auferia mensalmente cerca de MOP 10.000,00. Tem, com a mulher que trabalha, 2 filha/os; a/os filha/os já trabalham.
- Segundo o registo criminal mais actualizado do arguido, o arguido é primário.
- Mais se provou na parte do pedido cível:
1) O veículo (com a matrícula n.º MN-XX-XX) conduzido pelo arguido (o 1.º requerido) já foi segurado pela 3.ª requerida C., com a apólice n.º XXXXXXXXXXXX; com a quantia compensatória de seguro por acidente máxima de MOP3.000.000,00 (a fls. 221 a 223 dos autos).
2) O 2.º requerido F era o dono do veículo acima referido (com a matrícula n.º MN-XX-XX) ao acontecimento do caso.
3) A requerente (vítima) ficou hospitalizada no Centro Hospitalar Conde de São Januário até 7 de Janeiro de 2014; os custos das operações e dos tratamentos enquanto hospitalizada totalizaram MOP 105.142,00.
4) Segundo o parecer do médico, mesmo depois da alta dada, a vítima sempre precisava de ir à clínica para tratamentos de seguimento, e gastou MOP777,00.
5) Depois de ser transferida para o Hospital Kiang Wu, até 20 de Maio de 2014 quando foi dada a alta, a vítima gastou MOP108.210,00, a título de custos de hospitalização e de tratamentos médicos; uma parte dos custos já foi coberta pelo seguro médico contra acidentes pessoais da própria vítima; através disto a vítima já recebeu a compensação no montante de MOP74.957,65.
6) Por motivo do ferimento, a vítima precisava de deslocar-se em cadeira de rodas; o aluguer custou MOP350,00.
7) A vítima saiu do hospital a 20 de Maio de 2014, mais ainda precisava de continuar a fazer tratamentos de reabilitação.
8) A arguida ficou a fazer tratamentos de reabilitação no Hospital Kiang Wu e no Centro Clínico "E ", e gastou já MOP36.172,00.
9) Seguindo o conselho médico, a vítima necessitou de comprar plasticina para praticar a força de preensão palmar; além disso, precisou comprar uma bengala para ajudá-la a caminhar; por causa disto, gastou no total MOP195,00.
10) O período de recuperação da vítima levou 730 dias (2 anos); no entanto, ainda deve ir à clínica para ser acompanhada e tomar medicamentos a longo prazo, para aliviar desconfortos, dores e angústias.
11) A vítima nasceu aos XX de X de 19XX.
12) No momento do acontecimento do acidente, a vítima era engenheira na Companhia “G”.; e auferiu totalmente MOP373.200,00 (com o 13.º mês de salário e as bonificações) em 2013, a título de rendimento.
13) Como consequência do presente acidente de viação, a vítima sofreu dores e angústias, foram causados incómodos à vida dela; também lhe foram causadas emoções negativas.
14) Por causa do acidente, a vítima fez várias operações, uma destas durou aproximadamente 10 horas.
15) Durante um período, a vítima perdeu sensação dos membros inferiores.
16) Neste momento a vítima ainda precisa de bengala para ser assistida no andar.
17) Avalia-se que a taxa de invalidez da vítima é 70% (incapacidade permanente parcial) no presente momento.
Factos não provados:
- (parte penal) Os outros factos na acusação e na acusação particular do assistente, não correspondentes aos factos provados acima referidos.
- (parte cível) Ao ser levada para ser operada, a vítima estava consciente.
- Os outros factos no pedido cível e na contestação cível, não correspondentes aos factos provados acima referidos.


III - O Direito
1. As questões a resolver
As questões a resolver são as suscitadas pelo arguido, com excepção da seguinte:
- No cálculo do montante indemnizatório, a decisão recorrida não fez dedução adequada das despesas médicas futuras. De acordo com a análise e a liquidação preliminares do recorrente, as despesas médicas futuras eram aproximadamente de MOP$527.664 (valor de mais de dez anos). Esta parte deve ser reduzida adequadamente na indemnização por danos.
Trata-se de uma questão não suscitada no recurso para o TSI. Ou seja, é uma questão nova.
Ora este TUI não conhece de questões novas em recurso, não suscitadas pelo interessado oportunamente, salvo tratando-se de questão oficiosa, o que não é o caso, o que se decide.
Também não se conhece da matéria penal dado que, face à penalidade aplicável, não cabe recurso nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 390.º do Código de Processo Penal, pelo que as questões de conhecimento oficioso só podem ser conhecidas se for possível o recurso, o que não é o caso, o que se decide.

2. Prova do montante salarial auferido
Volta a alegar o recorrente que o ofício passado pela DSF, como instrumento legal, tem força probatória plena, pelo que o vencimento constante do mesmo prevalece sobre a declaração da companhia enquanto documento particular.
O ofício da DSF a dizer quais os salários declarados pelo interessado, para efeitos de pagamento de imposto profissional prova apenas isso: a declaração. Não prova os salários efectivamente auferidos.
Nesta matéria não há prova tarifada, pelo que o Tribunal se podia convencer com quaisquer meios de prova admissíveis em juízo, incluindo prova por documentos, particulares ou não e testemunhal.
Improcede a questão suscitada.

3. Indemnização paga por outra seguradora. Não alegação e prova do facto
Alega o recorrente que no cálculo do montante indemnizatório, a decisão recorrida não calculou a indemnização da outra Seguradora. Na audiência de julgamento do Tribunal de primeira instância, o Tribunal já admitiu um documento, isto é, o acordo assinado entre o ofendido/assistente e a D, segundo o qual, o ofendido/assistente aceitou a indemnização paga pela referida Seguradora por danos decorrentes do facto ilícito.
Esta questão não foi conhecida pelo acórdão recorrido. Não obstante:
Os factos que estão na base da questão não foram alegados nos articulados da acção cível enxertada, designadamente em articulado superveniente, se fosse caso disso. Em consequência, nenhum facto atinente se provou.
Assim, improcede a questão suscitada, por não se saber se os factos alegados ocorreram, nem que danos concretos estariam a ser ressarcidos.

4. Perda da capacidade de ganho
Na tese do recorrente os danos da incapacidade para o trabalho determinados na decisão recorrida são elevados. Entende o recorrente que o Tribunal deve tomar decisão justa em função do montante indemnizatório pela incapacidade para o trabalho entre MOP$1.324.055 e MOP$3.050.286.
Está em causa o montante pela perda da capacidade de ganho, segundo o acórdão recorrido, já que, efectivamente, nem o pedido cível nem o acórdão de 1.ª instância são muito claros na matéria, para não dizer mais.
O acórdão recorrido fixou tal montante em MOP$4.300.000,00, reduzindo-o de MOP$4.922.342,14.
Como referimos no Acórdão de 25 de Abril de 2007, no Processo n.º 20/2007, cujas considerações se aplicam, em grande parte, ao caso dos autos:
«Responsabilidade civil extracontratual. Dano. Perda da capacidade de ganho.

O princípio geral em matéria de responsabilidade por factos ilícitos consta do n.º 1 do art. 477.º do Código Civil, disposição que é idêntica à do n.º 1 do art. 483.º do Código Civil de 1966. Dispõe tal norma que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Como a norma expressamente preceitua, para que haja dever de indemnizar é necessário haver um dano. Escreve ANTUNES VARELA1, pondo logo o dedo na ferida, que “para haver obrigação de indemnização, é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém.
Se o vigilante não cumpriu o seu dever, mas o incapaz não agrediu quem quer que fosse; se o automobilista transgrediu as regras do trânsito, mas não atropelou ninguém nem danificou coisa alheia; se o proprietário não observou as precauções devidas na conservação do prédio e este ruiu, mas não atingiu nenhuma pessoa nem outros bens, não chega a pôr-se nenhum problema de responsabilidade. Este surge apenas quando ao facto ilícito sobrevem um dano”.
A lei e a doutrina distinguem o dano patrimonial do dano não patrimonial ou moral. O dano patrimonial são os prejuízos que, sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, podem ser reparados ou indemnizados. Os danos não patrimoniais são os prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, como as dores físicas, as angústias e os desgostos morais, a perda de prestígio (na parte em que não se reflecte no património do lesado), mas que podem ser compensados com uma obrigação pecuniária imposta ao lesante.2
Dentro do dano patrimonial, é usual distinguir o dano emergente do lucro cessante.
  O dano emergente refere ANTUNES VARELA, 3 “compreende o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão. O segundo (lucro cessante) abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão”.
  É o que consta do art. 558.º, n.º 1 do Código Civil.
  …
Ora, quando o trabalhador sofre uma lesão permanente na sua capacidade de ganho, isto é, quando o trabalhador fica permanente e parcialmente incapacitado para o trabalho mas, por circunstâncias várias, continua a auferir o mesmo salário que auferia antes da lesão (execute ou não o mesmo trabalho), deve ou não ser indemnizado por tal facto?

   O lesado já sofreu um prejuízo. Não se trata de danos futuros, mas de danos presentes. O lesado ficou com a sua capacidade de ganho diminuída a partir do momento em que teve alta médica. Está definitiva e irremediavelmente incapacitado para o trabalho, no futuro, em 70% (incapacidade geral). Trata-se de um dano actual e não futuro. O que pode constituir um dano futuro é a diferença de rendimentos do trabalho que pode vir a sofrer se passar a auferir um salário inferior ao actual ou mesmo se deixar de auferir qualquer rendimento do trabalho por força da sua incapacidade. Como bem referiu a recorrente, apenas a perda de ganho é um dano futuro. A perda da capacidade de ganho é um prejuízo sofrido (já existente) e verificável.
   Trata-se, portanto, de um dano emergente e não de um lucro cessante.4

Indiscutivelmente que o dano sofrido pelo lesado é ressarcível. Embora o seu salário se mantenha, a sua capacidade para o trabalho ficou afectada. Ora, nada obsta a que qualquer pessoa – salvo incompatibilidades legais – possa efectuar outro trabalho, para além da sua ocupação habitual, e usufruir os respectivos rendimentos. Esta possibilidade ficou afectada substancialmente no que toca ao lesado.
Da mesma maneira, mesmo que alguém não exerça um trabalho – por conta própria ou alheia – seja porque tem rendimentos de outra natureza, como de propriedade fundiária ou intelectual ou de capitais – seja porque não tem quaisquer rendimentos e vive a cargo de outrem, sempre terá direito a ser indemnizado pela incapacidade permanente parcial para o trabalho em geral, porque a sua capacidade para trabalhar, para realizar uma actividade física ou espiritual, foi afectada de forma definitiva e permanente. Foi um activo de que ficou privado para sempre e de que deve ser indemnizado nos termos gerais.
É neste sentido para que tem propendido a doutrina.5

Cômputo da indemnização por perda da capacidade de ganho. Equidade
No caso, como é óbvio, a reconstituição natural não é possível. O lesado ficou com uma incapacidade permanente de 70% e não é possível suprimi-la. Logo, a indemnização tem de ser fixada em dinheiro, como resulta do n.º 1 do art. 560.º do Código Civil.
De acordo com o n.º 5 do art. 560.º do Código Civil, “Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”.
Numa situação como a dos autos, em que está em causa a indemnização por perda da capacidade de ganho, a norma transcrita não resolve todos os problemas, por isso que o n.º 6 do mesmo artigo 560.º estatui:
“Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julga equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
É para casos como o dos autos que está indicado, pois, o recurso à equidade [cfr. também a alínea a) do art. 3.º do Código Civil], sem prejuízo de se atenderem aos outros factos provados pertinentes, como a idade da vítima, o seu estado físico antes da lesão, o seu salário actual e o seu emprego, as suas habilitações académicas, as suas perspectivas profissionais antes e depois da lesão».
Neste ponto, importa recordar que:
A vítima nasceu a XX de X de 19XX.
No momento do acontecimento do acidente, a vítima era engenheira na Companhia "G",.; e auferiu totalmente MOP373.200,00 (com o 13.º mês de salário e as bonificações) em 2013, a título de rendimento.
Avalia-se que a taxa de invalidez da vítima é 70% (incapacidade permanente parcial) no presente momento.
Afigura-se-nos adequada uma indemnização de MOP$4.100.000,00 (quatro milhões e cem mil patacas).

5. Danos não patrimoniais
  Os danos não patrimoniais são os prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, mas que podem ser compensados com uma obrigação pecuniária imposta ao lesante.6
  Os danos não patrimoniais ressarcíveis são apenas os “...que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (artigo 489.º, n.º 1 do Código Civil).
  O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 487.º do Código Civil, quando a responsabilidade se fundar na mera culpa (artigo 489.º, n.º 3, 1.ª parte, do Código Civil).
  Vejamos, então, que factos se deram como provados, para sustentar a indemnização por danos não patrimoniais.
- A colisão ocorrida a 4 de Novembro de 2013 causou directa e necessariamente à vítima a fractura e a deslocação da espinha cervical C5/6 com lesão na medula espinhal da C5/6, contusão no couro cabeludo occipital (1,5cm), contusão no dorso de ambas as mãos, e levou à paralisação parcial dos membros da parte direita, como também o desaparecimento da sensação de dor no membro inferior esquerdo; até o presente momento ainda precisa de fazer tratamentos de reabilitação. O ferimento fez com que a vítima ficasse a ter sequelas de traumatismo, com o aparecimento repetido de dores e desconfortos cervicais, disfunções locomotora e sensorial; tendo-lhe imposto impactos graves na capacidade de trabalho e na possibilidade da utilização do seu corpo; pelo que já lhe provocou ofensas graves à integridade física (vd. a perícia clínica médico-legal a fls. 44 dos autos).
- Depois de ficar ferida, a vítima foi levada pela ambulância ao Centro Hospitalar Conde de São Januário para ser operada e ficou hospitalizada na área de cuidados intensivos; mais tarde, a 9 de Novembro de 2013, foi transferida à área de ortopedia para continuar a ser hospitalizada e tratada.
- Foi assim até 7 de Janeiro de 2014, quando a vítima foi transferida para o Hospital Kiang Wu, a fim de ser hospitalizada e fazer tratamentos de seguimento. Foi-lhe dada alta aos 20 de Maio de 2014, e ela ficou a precisar de fazer tratamentos físicos de reabilitação.
- A requerente (vítima) ficou hospitalizada no Centro Hospitalar Conde de São Januário até 7 de Janeiro de 2014; os custos das operações e dos tratamentos enquanto hospitalizada totalizaram MOP 105.142,00.
- Por motivo do ferimento, a vítima precisava de deslocar-se em cadeira de rodas;
- A vítima saiu do hospital a 20 de Maio de 2014, mais ainda precisava de continuar a fazer tratamentos de reabilitação.
- A arguida ficou a fazer tratamentos de reabilitação no Hospital Kiang Wu e no Centro Clínico "E ".
- Seguindo o conselho médico, a vítima necessitou de comprar plasticina para praticar a força de preensão palmar; além disso, precisou comprar uma bengala para ajudá-la a caminhar.
- O período de recuperação da vítima levou 730 dias (2 anos); no entanto, ainda deve ir à clínica para ser acompanhada e tomar medicamentos a longo prazo, para aliviar desconfortos, dores e angústias.
- A vítima nasceu a XX de X de 19XX.
- Como consequência do presente acidente de viação, a vítima sofreu dores e angústias, foram causados incómodos à vida dela; também lhe foram causadas emoções negativas.
- Por causa do acidente, a vítima fez várias operações, uma destas durou aproximadamente 10 horas.
- Durante um período, a vítima perdeu sensação dos membros inferiores.
- Neste momento a vítima ainda precisa de bengala para ser assistida no andar.
Os factos descritos são relativamente escassos. No fundo, não conhecemos com exactidão a situação física actual da ofendida. Não sabemos se se desloca bem ou mal, como menos ou mais dificuldades. Se consegue correr ou não. Se pode estar de pé longo tempo ou não. E não sabemos porque a quem competia alegar e provar os factos, não o fez.
Aos factos provados, parece-nos ajustada a indemnização de MOP$700.000,00 (setecentas mil patacas).
O recurso é, assim, parcialmente procedente.

IV – Decisão
Face ao expendido, concedem parcial provimento ao recurso, fixando as indemnizações por perda da capacidade de ganho e por danos não patrimoniais, respectivamente, em MOP$4.100.000,00 (quatro milhões e cem mil patacas) e MOP$700.000,00 (setecentas mil patacas), no mais se mantendo o decidido pelo acórdão recorrido.
Custas na proporção do vencido.
Macau, 31 de Outubro de 2018.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
1 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Coimbra, Almedina, 2003, Volume I, 10.ª edição, p. 597 e 598.
   2 Sobre estes conceitos, ANTUNES VARELA, Das Obrigações..., Volume I, p. 600 e segs.
   3 ANTUNES VARELA, Das Obrigações..., Volume I, p. 599.
   4 Nota do Relator: o Relator corrige, assim, a afirmação, feita noutro local, que a perda da capacidade de ganho constitui lucro cessante.
5 AMÉRICO MARCELINO, Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, Lisboa, Livraria Petrony, 6.ª edição, p. 453 e seg. E não falte mesmo quem defenda, como é caso da mais alta instância judicial italiana, o Tribunal de Cassação, em decisão de 6 de Junho de 1981, que “O dano dito biológico, enquanto lesivo do direito à saúde, que por explícito ditame constitucional é direito fundamental do indivíduo, deve ser ressarcível mesmo que não incidindo sobre a capacidade de produzir ganhos e mesmo independentemente desta última”. Citado por J.A. ÁLVARO DIAS, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Coimbra, Almedina, 2001, p. 131, nota 278.
   6 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Coimbra, Almedina, 2003, Vol. I, 10.ª ed., p. 600 e segs.
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