打印全文
Processo n.º 55/2018
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança
Data da conferência: 31 de Outubro de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Produção de prova no recurso contencioso

SUMÁRIO
1. Sobre a admissibilidade de provas apresentadas no recurso contencioso, este Tribunal de Última Instância tem entendido que no recurso contencioso o recorrente não pode requerer a produção de provas, que pôde requerer no processo disciplinar, mas que não requereu, salvo nos caso em que tenha sido impedido de produzir provas no processo disciplinar.
2. Tal entendimento não vale para todos os casos, mas sim apenas quando está em causa um processo disciplinar e, ainda eventualmente, para outros casos em que estejam assegurados todos os meios de defesa para o interessado, que tem ampla possibilidade de defesa.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho do Senhor Secretário para a Segurança, de 4 de Maio de 2016, que determinou a sua eliminação do 15.º Curso de Formação de Instruendos das Forças de Segurança de Macau.
Por Acórdão proferido em 19 de Abril de 2018, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso.
Inconformado, vem A recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as alegações com as seguintes conclusões:
1) O presente recurso tem por objeto o acórdão de 19 de Abril de 2018 do Tribunal a quo que negou provimento ao recurso do recorrente.
2) Salvo o devido respeito por diferente opinião, o recorrente crê que o teor do seu recurso contencioso deve ser entendido no sentido de negar a veracidade dos factos em que se fundamenta o despacho do Secretário para a Segurança.
3) Acresce que, o recorrente requereu no recurso contencioso produção de prova, pedindo que o CCAC investigasse se ele tinha apresentado a falada declaração de rendimentos, mas dos autos não consta qualquer documento apresentado pelo CCAC sobre a causa.
4) No que diz respeito à boa decisão da causa, o recorrente é da opinião de que o Tribunal a quo não ordenou as diligências de investigação necessárias para o apuramento da verdade.
5) Por conseguinte, o mesmo entende que o acórdão recorrido viola o princípio da produção de prova consagrado na lei processual.

Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que se deve negar provimento ao recurso jurisdicional.
E o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, opinando pelo não provimento do recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos Provados
Nos autos foram considerados provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:
- O recorrente A é o candidato do 15º Curso de Formação de Instruendos das Forças de Segurança;
- O recorrente foi candidato do Curso de Formação do Pessoal do Corpo de Guardas Prisionais do Estabelecimento Prisional de Macau, mas foi excluído em 2007 durante o período de formação;
- O mesmo foi excluído com fundamento em diversas alegações falsas por ele apresentadas durante o período do dito curso de formação do EPM ao seu superior hierárquico respeitante a se ele tinha submetido declaração de rendimentos patrimoniais e interesses ao CCAC (vide processo administrativo apenso aos autos);
- Por despacho de 18 de Abril de 2011, o Secretário para a Segurança decidiu, tendo em conta o facto acima mencionado, a exclusão do recorrente da lista de candidatos do 15º Curso de Formação de Instruendos das Forças de Segurança;
- Por acórdão de 13 de Abril de 2016, processo n.º 85/2015, o TUI confirmou e manteve a decisão do TSI de anular o atrás aludido despacho do Secretário para a Segurança por falta de fundamentação.
- Posteriormente, o Secretário para a Segurança proferiu o novo despacho a seguir exposto a 4 de Maio de 2016, decidindo eliminar o recorrente de provado 15º Curso de Formação de Instruendos das Forças de Segurança:
Despacho n.º 28/SS/2016
Assunto: novo acto administrativo respeitante à eliminação do candidato do 15º Curso de Formação de Instruendos das Forças de Segurança em resposta ao acórdão do TUI da RAEM proferido em relação ao recurso de decisão jurisdicional no âmbito do processo n.º 85/2015
Por acórdão de 13 de Abril de 2016, processo n.º 85/2015, o TUI confirmou a anulação do acto administrativo de 18 de Abril de 2011 do Secretário para a Segurança por vício de forma de falta de fundamentação (originalmente processo de recurso contencioso n.º 75/2013 do TSI). No que diz respeito à decisão do ex-secretário para a Segurança no sentido de excluir o candidato A do 15º Curso de Formação de Instruendos das Forças de Segurança, venho agora suprir o vício, decidindo:
1. Ao abrigo do disposto na Lei n.º 1/2013, os trabalhadores da Administração Pública ficam obrigados a apresentarem declaração de rendimentos e interesses patrimoniais junto do CCAC. Segundo mostram os dados de candidatura ao respectivo curso de formação, o candidato A do 15.º Curso de Formação de Instruendos das Forças de Segurança não só não observou tal obrigação no decurso da frequência do curso de formação ministrado pelo EPM em 2007, mas também prestou declarações falsas, alegando já ter feito a dita declaração, só que na realidade tal não aconteceu. Tais comportamentos constituíram infracção, de que resultou punição disciplinar e, afinal, a rescisão do respectivo contrato.
2. Ao afirmar ter feito a referida declaração (embora não o tenha feito), A praticou actos irregulares e ignorou os deveres dos trabalhadores da Administração Pública, mostrando assim uma personalidade que não está em linha com as exigências de transparência das condutas dos cidadãos e que não respeita os deveres gerais dos cidadãos e os dos funcionários públicos. E o mais importante é que estamos a discutir a possível integração dessa pessoa com características negativas nas forças de segurança, nomeadamente o CPSP.
3. Na verdade, só através das forças policiais podem o cidadão comum e a sociedade saber que a lei local está a ser respeitada e cumprida, e a sua aplicação supervisionada. Se o próprio agente policial não cumprir a lei nem observar as regras, como pode ele convencer os cidadãos a respeitarem a lei?
4. Permitir a frequência do curso de formação básico do pessoal policial a um indivíduo que já revelou comportamentos desrespeitadores da lei e não declarou claramente a sua condição pessoal a que se devia (exactamente as condutas do destinatário deste despacho) sabota a imagem de fiabilidade e transparência que as forças policiais e os seus agentes têm aos olhos dos cidadãos.
5. Face ao exposto, dos factos respeitantes ao candidato A e constantes do processo de candidatura do respectivo Curso de Formação de Instruendos das Forças de Segurança resulta que este mesmo candidato não satisfaz as exigências de idoneidade moral e confiança necessárias ao exercício de funções nas forças de segurança de Macau. Por conseguinte, o mesmo é excluído do 15º Curso de Formação de Instruendos das Forças de Segurança nos termos do disposto na al. 1) do n.º 2 do art.º 3º da Lei n.º 6/2002.
Notifique o recorrente do teor deste despacho e de que pode interpor recurso contencioso do mesmo para o TSI no prazo de 30 dias.
4 de Maio de 2016, no Gabinete do Secretário para a Segurança
Secretário para a Segurança
(ass. vide o original)
Wong Sio Chak
- Inconformado com o novo despacho acima transcrito do Secretário para a Segurança, o recorrente interpôs recurso para o TSI pedindo a anulação desse despacho.

3. Direito
Imputa o recorrente a violação do princípio da produção de prova, alegando que o Tribunal recorrido não ordenou as diligências de investigação necessárias para o apuramento da verdade.
Constata-se na petição inicial do recurso contencioso apresentada pelo recorrente que este rquereu ao tribunal que ordenasse ao Comissariado contra a Corrupção a exibição do documentos comprovativo para verificar se o recorrente apresentou a declaração de rendimentos e interesses patrimoniais enquanto frequentava o curso de formação do Estabelecimento Prisional no ano de 2007, pedido este que não foi atendido pelo Tribunal recorrido.
Ora, sobre a admissibilidade de provas apresentadas no recurso contencioso, este Tribunal de Última Instância tem entendido que no recurso contencioso o recorrente não pode requerer a produção de provas, que pôde requerer no processo disciplinar, mas que não requereu, salvo nos caso em que tenha sido impedido de produzir provas no processo disciplinar.1
Tal entendimento não vale para todos os casos, mas sim apenas quando está em causa um processo disciplinar e, ainda eventualmente, para outros casos em que estejam assegurados todos os meios de defesa para o interessado, que tem ampla possibilidade de defesa.2
Na realidade, “perante os trâmites totalmente contraditórios do processo disciplinar em que o arguido tem ampla possibilidade de defesa, não faria sentido que o recurso contencioso fosse uma repetição do processo disciplinar, com uma segunda oportunidade de produção de prova, até com as mesmas testemunhas que podem contradizer do que depuseram, tendo por objecto a matéria da acusação disciplinar. A admitir a nova produção de prova sobre esses factos, retiraria o carácter definitivo, no domínio do procedimento administrativo, da decisão punitiva da Administração Pública, deslocando o centro da formação da vontade punitiva administrativa daquela para o Tribunal, subverteria o princípio da separação das funções administrativas e judiciais.
O que se pode fazer no recurso contencioso da decisão punitiva disciplinar é discutir se essa decisão é correcta ao considerar provados determinados factos, arguindo o vício de erro nos pressupostos de facto. Mas não pode vir pretender produzir nova prova quando o pôde fazer oportunamente”.3
Expostas tais considerações, é de voltar ao nosso caso concreto.
Não estamos perante uma decisão punitiva disciplinar, pelo que há de ver se no processo administrativo ao recorrente foi concedida a oportunidade de defesa.
No despacho administrativo impugnado, a entidade recorrida afirmou que, no decurso da frequência do curso de formação ministrado pelo EPM em 2007, o recorrente não cumpriu a obrigação legal de apresentar declaração de rendimentos e interesses patrimoniais junto do Comissariado Contra a Corrupção e prestou declarações falsas, alegando já ter feito a dita declaração, o que não sucedeu.
E na tese do acórdão recorrido, e aquando da apreciação sobre o vício imputado de erro nos pressupostos de facto, salienta o Tribunal recorrido que o recorrente nunca contestou a veracidade dos factos em que se fundamenta o despacho recorrido; antes pelo contrário, sempre admitiu ter feito falsas declarações sobre a apresentação daquela declaração de rendimentos e interesses patrimoniais. E no âmbito do processo administrativo também não apresentou contraprova nem requereu a produção de prova para contradizer tais factos dados como provados pela Administração.
Constata-se no processo administrativo instrutor que antes da decisão administrativa e no exercício do seu direito de audiência, foi o recorrente ouvido em declarações.
A audiência foi motivada por uma informação oferecida pelo Estabelecimento Prisional de Macau, sobre a exclusão do mesmo recorrente do Curso de Formação daquele Estabelecimento em 2007, em virtude de os seus comportamentos se revelarem não possuir qualidades pessoais e cívicas indispensáveis ao serviço, precisamente por ter o recorrente afirmado falsamente por várias vezes que havia apresentado a declaração de rendimentos e interesses patrimoniais ao Comissariado Contra a Corrupção.
E conforme revela a acta de audiência, o recorrente foi indagado sobre a veracidade da informação oferecida pelo Estabelecimento Prisional de Macau e expressamente admitiu que tinha prestado por várias vezes falsas declarações sobre a apresentação de declaração de rendimentos e interesses patrimoniais ao Comissariado Contra a Corrupção (fls. 110 e 112 do P.A.).
Ao recorrente foi assegurada toda a possibilidade de se defender contra a imputação de incumprimento da obrigação legal e ele nunca foi impedido de produzir provas, só que ele não apresentou nenhuma prova nem requereu a produção de prova para o efeito, tendo admitido, pelo contrário, que prestou falsas declarações.
Estamos perante uma situação em que, mesmo tendo toda a possibilidade e estando em condições de apresentar a prova ou requerer a produção da prova, não o fez o recorrente.
Como se sabe, aquando da apresentação da declaração de rendimentos patrimoniais e interesses, é entregue um duplicado à pessoa que faz tal apresentação (art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 11/2003), documento este que é suficiente para comprovar o cumprimento da obrigação, pelo que não é difícil para o ora recorrente contradizer a acusação contra ele feita.
Assim sendo, é de concluir que no recurso contencioso já não pode o recorrente requerer a produção da prova.
Não se verifica o vício de violação do princípio da produção de prova.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, que beneficia do apoio judiciário.

Macau, 31 de Outubro de 2018
                  
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
                  
1 Cfr. Ac. do TUI, de 2-6-2004 e 31-7-2013, Proc. n.ºs 17/2003 e 39/2013.
2 Cfr. Ac. do TUI, de 15-3-2017, Proc. n.º 74/2016.
3 Cfr. Ac. do TUI, de 2-6-2004 e 31-7-2013, Proc. n.ºs 17/2003 e 39/2013.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




1
Processo n.º 55/2018