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Processo nº 782/2017
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 11 de Outubro de 2018

ASSUNTO
- O vício da falta ou insuficiência de fundamentação
- O exercício do poder discricionário

SUMÁRIO
- Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
- E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA), que é o caso.
- Se à data do seu nascimento, nenhum dos seus pais era residente da RAEM, o Recorrente não tem direito a permanecer na RAEM a título de residente permanente.
- O exercício do poder discricionário por parte da Administração só é sindicável pelo tribunal nos casos de erro manifesto, da total desrazoabilidade e do desvio de poder – als. d) e e) do nº 1 do artº 21º do CPAC.
O Relator,
Ho Wai Neng






















Processo nº 782/2017
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 11 de Outubro de 2018
Recorrente: A (menor – representado pelo seu pai B)
Entidade Recorrida: Secretária para a Administração e Justiça

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
A (menor – representado pelo seu pai B), melhor identificado nos autos, vem interpor o presente recurso contencioso contra o despacho da Secretária para a Administração e Justiça de 07/07/2017, que manteve a decisão de cancelamento do seu Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau, concluíndo que:
1. Vem o ora recorrente vem apresentar recurso contencioso o acto administrativo que decidiu pela manutenção da decisão recorrida do cancelamento do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM de A, consubstanciado na notificação n.º 447/GAD/2017, emitida em 13/07/2017, pela Direcção dos Serviços de Identificação, na pessoa da sua Ilustre Directora, sobre o despacho da Exma. Senhora Secretária para a Administração e Justiça de 07.07.2017, o qual concordou com o teor do Parecer da DSI n.º 51/GAD/2017, e que foi recebida pessoalmente pelos mandatários do ora Recorrente, apenas em 18.07.2017,
2. Entende o Recorrente, salvo o devido respeito, que o despacho recorrido não ponderou todas as situações constituídas à sombra do acto nulo e nessa medida corresponde a uma decisão da Administração que colide com direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, dos particulares, em manifesto excesso da proporcionalidade, justiça e adequação por que se deve reger a sua actuação, nos termos dos princípios consignados no n.º 2 do artigo 5.° do CPA;
3. Por outro lado, sempre se dirá que o próprio regime jurídico da nulidade não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto de correntes de actos nulos - por possuírem aparência de legalidade - por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito (art. 123, n.º 3, do CPA).
4. O Recorrente nasceu em Macau, em 16 de Abril de 2001. Uma vez que os pais do Recorrente não eram residentes de Macau na altura, ficou a constar na sua certidão de nascimento, como pai do Recorrente, o nome de C, avô paterno do Recorrente e Residente Permanente de Macau, tendo-lhe sido emitido o bilhete de identidade de residente de Macau n.º ....
5. Porém, em 26 de Junho de 2014, a Direcção dos Serviços de Identificação recebeu uma declaração da mãe do Recorrente, D, declarando que o pai biológico do ora Recorrente não é C, mas sim B.
6. Em consequência, foi instaurado um processo de Investigação de Paternidade, que correu termos no Juízo de Família e Menores no Tribunal Judicial de Base, sob o processo n.º FM1-16-0007-CAO que, por sentença de 16 de Dezembro de 2016, declarou que o Recorrente não é filho biológico de C, mas sim de B, ordenando o cancelamento da parte do registo de nascimento do menor, ora Recorrente, donde consta que C é pai do Recorrente, ordenando, em simultâneo, o averbamento da qualidade de pai de B no registo de nascimento do menor.
7. Em 16 de Abril de 2017, o Recorrente, menor, foi notificado do despacho da Direcção dos Serviços de Identificação, que ordenou o cancelamento do seu bilhete de identidade de residente por entender que não foram preenchidos os requisitos das disposições legais previstos nos arts.º 5.° do Decreto-Lei 19/99/M e o art.º 1 n.º 1) da Lei 8/1999, o que levou à nulidade do acto nos termos dos arts.º 122.° n.º 1) e n.º 2) al. c) e i) do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
8. Aliás, até hoje, o ora Recorrente, ainda menor, não entende os fundamentos da decisão do cancelamento do seu bilhete de identidade, tudo devido a uma actuação de terceiros, que desconhecia.
9. O artigo 122º do CPA define o que são actos nulos e o artigo 1230 preceitua o regime da nulidade.
10. Conforme muito bem refere o Professor Luiz Cabral de Moncada: "(...) o regime jurídico da nulidade do acto administrativo (e do contrato administrativo) nem sempre pode ser aplicado à letra. Impõem-se distinções em nome da valia de determinados princípios gerais de direito quais sejam a boa fé, a tutela de confiança, o peso de conspícuos interesses públicos, como os ambientais, e dos direitos e interesses privados, a exigir a estabilidade do acto administrativo, a protecção de terceiros, etc... mediante uma adequada ponderação das soluções a dar pela Administração e pelos tribunais administrativos. (...)", em JURISMAT, portimão, n.º 2, 2013, pp. 117-138 - Nulidade do Acto Administrativo.
11. Existem situações em que se justifica que a nulidade apenas possa ser invocada dentro de certo período de tempo, tendo em consideração os efeitos jurídicos que o decurso do tempo consolidou na esfera dos cidadãos por ele afectados.
12. Ora, no caso em apreço, não podemos punir o Recorrente simplesmente porque a Administração, 16 anos depois descobriu que não se encontram preenchidos os requisitos que levaram à atribuição do estatuto de residente ao ora Recorrente, declarando nulo o acto, nos termos do artigo 122, n.º 1 e n.º 2, alínea c) e i) do CPA, por eventual culpa de outrém que não o Recorrente, sem consideração e ponderação pelos efeitos gerados pelo acto administrativo em nome dos princípios gerais relevantes, nomeadamente a tutela da confiança e os interesses de terceiros, como é o caso do Recorrente.
13. Aliás, o próprio regime jurídico da nulidade não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos - por possuírem aparência de legalidade - por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito (art. 123, n.º 3, do CPA)."
14. E a verdade é que o ora Recorrente, nasceu em Macau, e sempre viveu em Macau, celebrando este ano, 16 anos de vivência nesta Região que considera como seu único núcleo de vivência, pois, ao longo destes anos criou uma relação única com o sítio onde nasceu e cresceu em Macau onde encontra os seus laços de amizade com os amigos de longa data e é aqui que cresceu com o seu pai e seus avós paternos.
15. Aliás, nos termos do artigo 24° da Lei Básica "(...) são residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau os cidadãos chineses nascidos na Região Administrativa Especial de Macau (...)".
16. E curiosamente, o Recorrente cumpre de uma forma geral todos os requisitos legalmente exigidos para que lhe seja atribuída a residência. Se o Recorrente tiver que viver fora de Macau, não tem quaisquer condições de vida ou de apoio familiar, pois o pilar familiar e círculo de amigos do Recorrente encontra-se em Macau.
17. Contudo, sempre se dirá que o que aqui está em causa é que foi cancelada ao Recorrente a sua residência em virtude de ter sido apreciado os requisitos do seus progenitores e não do Recorrente, o que considerando a situação em concreto, não é razoável.
18. Salvo o devido respeito por opinião diferente, entende o Recorrente que é uma falácia dizer que, como se refere no parecer que sustenta o despacho recorrido: "Tal como foi referido, o interessado dolosamente adquiriu o BIR de Macau por meio de acto ilícito, tendo prestado informações falsas relativamente à identificação do pai, o que se tornou nulo o acto administrativo da atribuição do BIR de Macau ao interessado, praticado pela DSI, por falta de elementos essenciais e pela existência de crime. Assim sendo, acompanhando o dito entendimento defendido pelo Tribunal da Última Instância, nunca se pode atribuir ao interessado efeitos jurídicos putativos prescritos no n.º 3 do artigo 123º do CPA."
19. Ora não podemos fingir que os 16 anos de residência do Recorrente em Macau nunca existiram, e simplesmente cancelar o seu bilhete de identidade de residente e remetê-lo para fora de Macau, não podemos apagar o passado, tratando o Recorrente como uma encomenda devolvida. Além disso, não podemos deixar de referir que o ora Recorrente para além de nem sequer possuir quaisquer documentos de residência do Interior da China, benefícios ou subsídios, também não tem aí qualquer apoio familiar ou psicológico.
20. Aliás, o próprio o Acórdão do TSI, Processo n.º 444/2013: "1. Os eventuais efeitos putativos do acto nulo situam-se ainda ao nível de alguma juricidade remanescente do acto e não se confundem as consequências e transformações operadas no mundo dos factos que por via da invalidade fatal do acto, não podem desaparecer por um passo de mágica. 2. Dizer que os actos nulos não produzem efeitos é um corolário da noção de nulidade mas, como pura abstracção que é, não atende às realidades. 3. É assim que se entende que, num concurso, a Administração não está impedida de valorar a experiência, em termos meramente factuais, de uma empresa concorrente, prestada em termos de um serviço de interesse público, não obstante um determinado contrato estar eivado de uma nulidade, por ele tendo perpassado uma condenação de corrupção, tendo a própria Administração considerado esse contrato nulo e, dentro desse entendimento, celebrando um novo contrato.".
21. O referido acórdão sublinha esclarece ainda que: ''A verdade é que também há (pode haver) efeitos putativos ligados a outros factores de estabilidade de relações sociais, como os da protecção da confiança, da boa-fé, do sum quique tribuere, da igualdade, do não locupletamento e até da realização do interesse público - princípios que podem, todos, ser chamados a colmatar situações de injustiça derivadas da aplicação do princípio da legalidade e da "absolutidade "".
22. Esta doutrina tem sido acolhida na Jurisprudência por motivos de equidade e segurança jurídica.
23. Nestes termos, havendo o cancelamento repentino do bilhete de identidade de residente do ora Recorrente leva, indubitavelmente, à violação de um direito fundamental, o chamado direito à residência que o Recorrente já goza há cerca de 16 anos.
24. Pelo que, se não houver um exercício de ponderação de valores, violado resulta o direito da tutela da confiança, dado que, quando o Recorrente obteve o bilhete de identidade de residente tomou determinadas opções na sua vida, nomeadamente na sua vida escolar, na sua vida pessoal, (direitos adquiridos) vendo agora, com o referido cancelamento a estabilidade das suas expectativas e direitos se desmoronarem num sopro;
25. Ao se passar por cima dos direitos adquiridos do Recorrente, o acto recorrido e o despacho que o incorpora violaram o referido princípio do respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos (artigo 4° do CPA).
26. E acresce que, precisamente por razões ligadas ao interesse público, a actividade da Administração deve sempre andar em consonância com o princípio da proporcionalidade e dever de fundamentação, e para que isso aconteça o regime da nulidade não tem de perder os seus efeitos, deve apenas mostrar flexibilidade suficiente para permitir soluções diferenciadas de acordo com diferentes critérios de ponderação.
27. No fundo, o que se pede é que a Administração zele pela aplicação da lei de uma forma justa e adequada, dando a confiança na aplicação das leis e o que é certo. Não se podendo cortar com o passado e fazer tábua rasa de 16 anos, que bem podiam ser mais.
28. A decisão de cancelamento do bilhete de residente do Recorrente exige claramente que seja efectuada uma avaliação de vários requisitos e circunstâncias, nomeadamente o grau de afectação dos interesses públicos da sociedade e do Recorrente.
29. Pois a não haver essa ponderação, - in casu considerando nulos todos os actos praticados pela Administração desde a emissão do bilhete de Identidade do Recorrente, - será, esse acto, sim, nulo por desproporcional tendo em consideração o conjunto de interesses e direitos legalmente previstos.
30. E não basta alegar que a decisão de cancelamento em nada prejudicou os direitos do Recorrente, ou que quando a Administração não dispõe, face ao tipo legal do acto, de margem de discricionariedade ou liberdade decisória, é inoperante a alegação de violação dos princípios da boa fé, da igualdade, proporcionalidade ou justiça, para justificar a não atribuição e ponderação dos efeitos putativos do acto, para mais adiante se concluir que "das decisões judiciais sobre os casos do género é atitude aconselhável - no declarar da nulidade da informação de filiação constante do registo de nascimento do indivíduo de legitimidade activa, nos termos do indicado na alínea d) do n.º 1 do artigo 178º do Código fr Registo Civil, se o pai ou mãe biológica desse indivíduo não for residente de Macau ao tempo do seu nascimento, o tal indivíduo perde o direito de residência em Macau."
31. O que revela uma tentativa forçada de impor um regime sem ponderação dos princípios por que se deve reger.
32. E é nestes termos que se apela para a clemência da aplicação das leis, em toda a sua plenitude, sem o efeito de papel químico de conceitos gerais, acreditando-se que se deve reconhecer este caso como um caso excepcional e que deve ser protegido pelo Direito, e se conceda esta oportunidade excepcional do Recorrente continuar a ser um residente de Macau como sempre foi.
33. O despacho recorrido procedeu à destruição total de todas as situações constituídas à sombra do acto nulo e nessa medida corresponde a uma decisão da Administração que colide com direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, dos particulares, em manifesto excesso da proporcionalidade, justiça e adequação por que se deve reger a sua actuação, nos termos dos princípios consignados no nº 2 do artigo 5.º do CPA;
34. Sendo que é jurisprudência afirmada dos Tribunais Superiores de Macau que, em matéria de actos da Administração praticados no âmbito de discricionariedade conferida por lei, todos aqueles actos, tal qualmente os actos praticados e identificados no presente recurso, são passíveis de escrutínio por parte deste Venerando Tribunal por configurarem uma manifesta desproporção e inadequação da decisão, vide entre outros Ac. TSI n.º 167/2009.
35. Pelo que, atento o acima exposto, ressalvado douto entendimento em contrário, considera-se que o acto recorrido comporta uma "ofensa de princípios ou normas jurídicas aplicáveis", a qual, leva ao vício da violação da lei que, ao abrigo do disposto do art.º 122.º al. d) e artigo 122.º n.º 3 do Código do Procedimento Administrativo.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 60 a 72 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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Tanto o Recorrente como a Entidade Recorrida apresentaram alegações facultativas constantes a fls. 80 a 91 e 94 a 100, respectivamente, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
   “Na petição inicial e nas alegações de fls.80 a 91 dos autos, o recorrente assacou, ao despacho em escrutínio, a violação dos princípios nos arts.4º e 5º do CPA, bem como das disposições legais na alínea d) do n.º2 do art.122º e no n.º3 do art.123º deste Código.
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   Antes de mais, vale ter presente que os factos dados por provados pelo douto TJB e integralmente confirmados pelo Venerando TSI tornam irrefutável e inequívoco que na altura do nascimento do recorrente A em 16/4/2001, os seus pais não eram residentes da RAEM (vide. Acórdãos decretados respectivamente nos Processos n.ºCR4-16-0046-PCC e n.º54/2017).
   No Processo n.ºCR4-16-0046-PCC, os seus pais e avô foram condenados, em co-autoria material e forma consumada, na prática de um crime continuado de falsificação de documento de especial valor e, em consequência disso, a pena de um ano e seis meses de prisão para cada um, com a suspensão da execução por período de dois anos. Com efeito, na data do seu nascimento, o recorrente não preenchia nenhum dos pressupostos legalmente estabelecidos para aquisição do estatuto jurídico de residente da RAEM.
   Em esteira das interpretações doutrinais e jurisprudenciais da alínea c) do n.º2 do art.122º do CPA (a título exemplificativo, cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º11/2012 e n.º48/2012, e a doutrina aí citada), colhemos sossegadamente que é nulo o acto administrativo pelo qual foi autorizada a emissão do bilhete de identidade de residente permanente da RAEM ao recorrente, e é vinculado o poder administrativo para declarar essa nulidade.
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Ora bem, prevê o n.º3 do art.123º do CPA: O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito.
A prudente jurisprudência alerta (cfr. aresto do TSI no Processo n.º444/2013): Os eventuais efeitos putativos do acto nulo situam-se ainda ao nível de alguma juricidade remanescente do acto e não se confundem as consequências e transformações operadas no mundo dos factos que por via da invalidade fatal do acto, não podem desaparecer por um passo de mágica.
Perfilhamos a seguinte sentada tese jurisprudencial (cfr. aresto do TSI no Processo n.º265/2015): «I. Quando se fala no tempo decorrido como factor de atribuição de alguns efeitos aos actos nulos (art.123º, nº3, do CPA) geralmente está a pensar-se num período suficientemente longo, capaz de amortecer a necessidade de sancionar atitudes e comportamentos, num papel que, com alguma analogia, se aproxima da prescrição e, de certo modo, da usucapião. A intenção do legislador é temperar o rigor que constitui a destruição total de situações de facto formadas à sombra do acto nulo, transformando uma situação de facto em situação jurídica. II. Mas, além disso, essa atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto duradouras tem que ser feita “de harmonia com os princípios gerais do direito”. E para a densificação desta expressão devem ter-se em conta algumas questões, como a da impossibilidade absoluta de extracção desses efeitos ou a da contribuição do próprio beneficiário para a ocorrência da ilicitude ao abrigo da qual foi proferido o acto nulo.»
Em esteira, inclinamos a entender que o preceito no n.º3 do art.123º do CPA confere certa margem de livre apreciação à Administração para ponderar e decidir se, num caso concreto, deva atribuir efeitos jurídicos a situações de facto duradouras que são derivadas de acto nulo, embora a declaração da correspondente nulidade seja vinculada.
No caso sub judice, não se descortina dúvida alguma de que o ora recorrente não tinha participação e culpa no crime cometido pelos seus pais e avô. E parece-nos convincente e acreditável o seu argumento de que a sua escolaridade vem decorrendo em Macau.
Porém, não se pode perder da vista que os pais biológicos dele não são ainda residentes da RAEM, e se dispõem de capacidade e condição para cuidar e sustentar o recorrente. E vale ter presente que não se verificou a prescrição procedimental do um crime continuado de falsificação de documento de especial valor imputado aos seus pais e avô.
De outro lado, afigura-se que a atribuição de efeitos putativos traduzidos em não cancelar o bilhete de identidade de residente permanente do recorrente poderia instigar dolo análogo de outras pessoas e, deste modo, acarretar sério perigo ao interesse público.
Nesta linha de ponderação, e com todo o respeito pela melhor opinião em sentido diferente, inclinamos, com hesitação, a entender que não se padece o despacho recorrido do vício delineado pelo recorrente, vício que consiste em infringir os princípios e disposições por si invocados.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.

III – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos e no respectivo P.A., é assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. O Recorrente nasceu em Macau, em 16 de Abril de 2001, tendo ficado a constar do respectivo Assento de Nascimento (com o n.º …) que era filho de C, residente permanente de Macau e titular do BIR n.º ..., e de D, residente do Interior da China.
2. Em 23 de Abril do mesmo ano, C requereu, a favor do Recorrente, a emissão do BIR, tendo o mesmo sido emitido (BIR n.º ...), por se tratar (como constava da certidão de nascimento) de filho de residente de Macau à data do seu nascimento e por força das disposições conjugadas da alínea 1) do n.º 1 do artigo 1.° da Lei n.º 8/1999 e do disposto no n.º 1 do artigo 5.° do Decreto-Lei n.º 19/99/M, de 10 de Maio (regime jurídico da emissão do Bilhete de Identidade de Residente, então em vigor).
3. Em 04 de Maio de 2006, C solicitou à DSI a renovação do BIR do Recorrente, tendo o referido documento sido substituído pelo Bilhete de Identidade de Residente Permanente, a que foi atribuído o n.º ..., nos termos das disposições conjugadas da alínea 1) do n.º 2 do artigo 2.° da Lei n.º 8/2002 e de artigo 23.° do Regulamento Administrativo n.º 23/2002.
4. Em 10 de Dezembro de 2010, C voltou a requerer a renovação do BIR do Recorrente, renovação que foi autorizada.
5. Acontece que, em 26 de Junho de 2014, C e sua esposa, E, apresentaram à DSI uma declaração escrita, por eles assinada, onde declaravam que C não é o pai biológico do Recorrente, mas sim avô paterno, e que o Recorrente é filho biológico de B (que ora intervém no processo em representação do Recorrente) e de D.
6. Em 30 de Julho de 2014 a DSI solicitou telefonicamente ao Recorrente, a C, a B e a D que se submetessem a um teste de paternidade, tendo o relatório do exame pericial da Polícia Judiciária (relatório n.º BIO2014-218) concluído pela existência de prova bastante para sustentar que o Recorrente é filho biológico de B e D.
7. Por sentença do Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base de 31 de Outubro de 2016, C, B e D foram condenados pela prática, na forma continuada, de um crime de falsificação de documento de especial valor.
8. Como consta da referida sentença, os Réus prestaram falsas declarações relativamente à paternidade do Recorrente com o intuito de que este pudesse obter a residência da RAEM, para assim poder residir em Macau.
9. Por seu turno, por sentença do Juízo de Família e de Menores do Tribunal Judicial de Base de 16 de Dezembro de 2016, de que a DSI foi notificada em 24 de Janeiro de 2017, foi decretado que o Recorrente não é filho biológico de C e que o verdadeiro pai do Recorrente é B.
10. Consequentemente, foi determinado o cancelamento do registo de nascimento do Recorrente na parte respeitante à paternidade de C e ordenado o averbamento ao respectivo assento de nascimento da qualidade de pai de B.
11. Em 21 de Março de 2017, foi apresentada à DSI a Certidão Narrativa de Nascimento n.º ..., devidamente rectificada, de onde consta que o Recorrente é filho de B e D.
12. Ora, nem B nem D eram residentes da RAEM ou residiam legalmente em Macau à data do nascimento do Recorrente.
13. Em 29/05/2017, o Recorrente interpôs o recurso hierárquico necessário da decisão que determinou o cancelamento do seu BIR.
14. Em 09/06/2017, foi elaborado o Parecer nº 51/GAD/2017 cujo teor seguidamente se transcreve:
“關於A(下稱當事人),由其親生父親委託律師於2017年5月25日就本局於2017年4月26日通知當事人的母親本局決定註銷當事人的澳門永久性居民身份證的事宜向司長閣下提起的必要訴願,根據《行政程序法典》第159條第1款規定,本局意見如下:
一、事實部份
1. 當事人於2001年4月16日在澳門出生,持澳門出生登記局發出的第…號出生紀錄,內載父親為澳門居民C〔持澳門永久性居民身份證第...號〕,母親為內地居民D。
2. 2001年4月23日,C代表當事人向本局申領澳門居民身份證,鑒於當事人出生時父親為澳門居民,故本局根據第8/1999號法律《澳門特別行政區永久性居民及居留權法律》第1條第1款(一)項及五月十日第19/99/M號法令《核准發出澳門居民身份證之新制度》第5條第1款,首次向當事人發出第...號澳門居民身份證。
3. 2006年1月4日,C代表當事人向本局申請續期澳門居民身份證,本局根據第8/2002號法律《澳門特別行政區居民身份證制度》第2條第2款(一)項及第23/2002號《澳門特別行政區居民身份證規章》第23條的規定,向當事人換發第...號澳門特區永久性居民身份證。
4. 2010年12月10日,C再次代表當事人向本局申請續期當事人的第...號澳門特區永久性居民身份證,本局依法批准。
5. 本局於2014年6月26日收到C及其配偶E的聯名書面聲明書,指C並非當事人的親生父親,而是當事人的爺爺,當事人事實上為其兒子B及D的親生兒子。
6. 由於本局對當事人的身份資料存疑,故於2014年7月23日邀請C作聲明筆錄,C於第900/DIR/2014號聲明筆錄中聲明當事人非其與E的兒子,是其孫子,A實為其兒子B與媳婦D的兒子。
7. 基於此,本局於2014年7月30日致電通知要求當事人、 C、B及D進行親子鑑定測試。
8. 2014年9月18日,本局收到司法警察局的第BIO2014-218號親子鑑定報告,報告載明有極強力證據支持B及D為當事人的親生父母,而C不是當事人的生父。
9. 基於此,本局分別於2014年10月16日透過第 2964/DIR/2014號信函及於同月21日透過第4388/DIR/2014 號信函將上述鑑定結果通報檢察院及民事登記局,並於2014年10月21日透過第4389/DIR/2014號信函就上述事宜通知C。
10. 2015年12月10日,C代表當事人向本局申請續期當事人的第...號澳門永久性居民身份證。
11. 2016年11月23日,本局收到初級法院刑事法庭於2016年10月31日作出的判決,指D、B及C為使當事人得以在澳門居留及將來居留澳門的狀態得以維持,由C作為當事人的父親,使當事人父親身份資料不實載於當事人的出生登記及身份證明文件之內,因而被判以連續犯方式觸犯一項偽造具特別價值之文件罪。
12. 本局於2016年12月5日透過第5838/DIR/2016號信函通知當事人母親向本局提交當事人載有正確父親資料的出生記錄正本,並於同日透過第5839/DIR/2016號信函通知民事登記局就當事人第1114號出生記錄父親身份資料不實一事作出更正。
13. 2017年1月24日,本局收到初級法院家庭及未成年人法庭於2016年12月16日作出的判決,宣告A不是C之親生兒子,A為B之親生兒子,並命令註銷當事人的出生登記內C作為當事人親生父親的紀錄,將B身份之資料附註於有關之出生紀錄內。
14. 2017年3月21日,本局收到當事人已更正的第...號出生登記之敘述證明,內載父親為B,母親為D。
15. 鑒於當事人在澳門出生時父親及母親不具有澳門居民身份,亦不在澳門合法居住,且當事人取得澳門居民資格是基於犯罪行為,故當事人不符合第8/1999號法律第1條第1款(一)項的規定,不具有澳門永久性居民身份,本局於 2017年3月28日透過第188/GAD/2017號公函通知當事人, 本局將註銷當事人持有的首次發出日期為2001年4月23日的第...號的澳門特區永久性居民身份證,並透過第188/GAD/2017號信函通知D就該決定進行書面聽證。
16. B及E於2017年4月5日向本局提交書面陳述。
17. 然而,上述書面陳述並未能證明當事人出生時父親或母親已取得澳門居民身份或在澳門合法居住,因此,本局局長於2017年4月25日在本局第41/GAD/2017號建議書上作出批示,宣告向當事人發出第...號澳門居民身份證、換發及續期第...號澳門特別行政區永久性居民身份證的行政行為無效,依法註銷當事人持有的首次發出日期為2001年4月23日的第...號澳門永久性居民身份證。
18. 上述決定於2017年4月26日透過第248/GAD/2017號信函通知D。
19. 2017年4月28日,E到本局簽收上述信函並交回已註銷的第...號澳門永久性居民身份證。
二、法律部份
20. 根據第8/1999號法律第1條第1款(一)項規定,“在澳門特別行政區成立以前或以後在澳門出生的中國公民,且在其出生時其父親或母親在澳門合法居住,或已取得澳門居留權;”為澳門永久性居民。
21. 五月十日第19/99/M號法令《核准發出澳門居民身份證之新制度》第5條第1款規定,“在澳門出生之未成年人,如出生時其父母係依據法律規定獲許可在澳門居留,則視為本地區居民。”
22. 鑒於當事人在澳門出生時,其出生紀錄上所載的父親為澳門居民C,故本局按上述法例規定,向當事人發出澳門居民身份證。
23. 其後,本局按第8/2002號法律《澳門特別行政區居民身份證制度》第2條2款(一)項“澳門特別行政區永久性居民身份證,此證發給澳門特別行政區永久性居民”和第23/2002號《澳門特別行政區居民身份證規章》第23條的規定,分別於2006年及2010年批准向當事人換發及續期第...號澳門特區永久性居民身份證。
24. 然而,E及C聯名聲明及C在本局作的筆錄,均聲稱E的配偶C並非當事人的親生父親,而是當事人的祖父,該事實亦透過司法警察局的親子鑑定報告獲證實,且該報告亦有極強力證據支持B為當事人的生父。
25. 而且,初級法院刑事法庭的判決亦指D、B及C為使當事人得以在澳門居留及將來居留澳門的狀態得以維持,由C作為當事人的父親,使當事人父親身份資料不實載於當事人的出生登記及身份證明文件之內,因而被判以連續犯方式觸犯一項偽造具特別價值之文件罪。
26. 另,初級法院家庭及未成年人法庭的裁決指出【民事登記法典】第66條的項規定虛假的登記無效。根據【民事登記法典】第67條b)項之規定“下列情況下,登記方屬虛假:存在會導致對被登記之事實或當事人之身分產生錯誤之瑕疵”。基於已證實第一被告並非未成人之生父,未成年人於民事登記局之出生登記(編號...)為部份無效;因此,應按【民事登記法典】第70條a)項之規定註銷涉及父親身分部份之登記。故宣告A不是C之親生兒子,A為B之親生兒子,並命令註銷當事人的出生登記內C作為當事人親生父親的紀錄,將B身份之資料附註於有關之出生紀錄內。當事人亦向本局提交已更正的第...號出生登記之敘述證明,內載父親為B,母親為D。
27. 可見,當事人在澳門出生時其父親或母親均不在澳門合法居住或已取得澳門居留權。因此,當事人並不符合第8/1999號法律第1條第1款(一)項的規定,不具有澳門永久性居民身份。
28. 按第19/99/M號法令第5條第1款、第8/2002號法律第2條2款(一)項及第23/2002號行政法規《澳門特別行政區居民身份證規章》第23條,當事人不應獲發澳門居民身份證、換發及續期澳門永久性居民身份證。
29. 基於此,本局向當事人發出第...號澳門居民身份證、換發及續期第...號澳門特區永久性居民身份證的行為,根據《行政程序法典》第122條第1款、第2款c)項及i)項的規定屬無效,依法註銷當事人首次發出日期為2001年4月23日的第...號澳門特區永久性居民身份證。
三、對訴願陳述的分析
     (一) 代表律師指本局的決定違反無效制度(訴願陳述第11點至17點)
30. 按《行政程序法典》第122條第1款的規定,“無效之行政行為,係指欠缺任何主要要素之行政行為,或法律明文規定屬無效之行為。”
31. 參閱José Eduardo Figueiredo Dias著,關冠雄譯,《澳門行政法培訓教程》,法律及司法培訓中心出版,第178頁及179頁:
“儘管法律作出欠缺任何主要要素的行政行為無效的規定,但最終亦沒有讓立法者訂定所有導致無效的瑕疵,而是將在具體個案中識別行政行為主要要素的任務交到司法見解及法律學說手中。這意味著除法律規定的無效之外,亦存在因行政行為本質而導致的無效。......
至於行政行為所欠缺的、可導致其無效的主要要素為何,學說上一直認為是所有與在法律上對每一特定類別的行政行為而言具決定性的重要階段或環節相關的要素,欠缺這些要素則造成異常或特別嚴重的瑕疵,又或造成源自行政當局的異常惡意或故意的普通瑕疵。因此,這屬於法律未予規範的情況中經瑕疵的顯著準則作調節或補充的嚴重程度準則。例如,在構成階段經證明的事實屬虛假的事實,又或欠缺權力的情況,亦即因不存在賦予任何機關(行政機關或非行政機關)使作出行政行為者擬達到的效果得以產生的權限的法律規定而引致的情況。”(底線為本局所強調)
32. 在本個案中,對於向當事人發出身份證明文件的決定是取決於在構成階段屬重要的事實,即當事人在澳門出生時父親或母親是否在澳門合法居住或已取得澳門居留權,但該重要事實其後經初級法院的宣告之訴確認屬虛假(當事人出生登記上所載的父親身份錯誤),因此本局作出的行政行為具有特別嚴重的瑕疵。
33. 基於此,本局向當事人發出身份證明文件的行為因欠缺主要要素,按《行政程序法典》第122條第1款屬無效行為。
34. 此外,當事人的親生父親B、母親D及祖父C已被初級法院刑事法庭於2016年10月31日判處觸犯偽造具特別價值之文件罪。
35. 根據《行政程序法典》第122條第2款c項的規定,“標的屬不能、不可理解或構成犯罪之行為”屬無效行為。
36. 參閱終審法院第11/2012號案(第18-19頁)中對《行政程序法典》第122 條第2款c項的見解:
‘MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA、PEDRO COSTA GONÇALVES JOÃO 和PACHECO DE AMORIM則說:“我們認為c項的末段還應包括 - 儘管立法者僅僅提及行政行為‘標的’的做法似乎有些奇怪 - 雖然其行為標的本身不構成犯罪,但促使作出該行為的動機或目的構成犯罪,且該動機或目的對於作出行政行為又屬至關重要的情況。因此,我們說,不僅僅是那些其標的(內容)構成犯罪的行為屬無效,在作出的過程中牽涉犯罪的行為也屬無效。”’(底線為本局所強調)
37. 由此可見,當事人是基於虛假的父親身份資料而取得澳門居民身份,且初級法院刑事法庭已就上述以虛假的父親身份資料而取得澳門居民身份的行為作出有罪判決,故按《行政程序法典》第122條第2款c)項應屬無效行為。
38. 再者,鑒於本局向當事人換發及續期澳門永久性居民身份證的行政行為屬發出澳門居民身份證的隨後行為,故根據《行政程序法典》第122條第2款i)項,無效行為的隨後行為亦屬無效。
39. 總括而言,按《行政程序法典》第122條第1款、第2款c項和i項的規定,本局向當事人發出澳門居民身份證、換發及續期澳門永久性居民身份證的行政行為因欠缺主要要素及涉及犯罪行為而具有無效的瑕疵。
40. 基於此,本局按《行政程序法典》第123條第2款的規定,宣告向當事人發出澳門居民身份證、換發及續期澳門永久性居民身份證的行政行為無效。
41. 另,須強調的是,即使相關的刑事案件現處於上訴階段,但不妨礙因本局向當事人發出居民身份證的行為欠缺主要要素而按《行政程序法典》第122條第1款須註銷當事人的澳門永久性居民身份證。
(二)無效行為產生的法律效果(訴願陳述第31點至37點及47點)
42. 《行政程序法典》第123條第1款規定,“不論有否宣告無效,無效行為均不產生任何法律效果。”
43. 同條3款規定,“以上兩款之規定,不妨礙因時間經過及按法律一般原則,而可能對從無效行為中衍生之事實情況賦予某些法律效果。”
44. 鑒於當事人在澳門出生時其出生登記載明父親為澳門居民,按第8/1999號法律第1條第1款(一)項及第19/99/M號法令第5條第1款的規定,當事人獲法律賦予在澳門合法居留及居住的權利。
45. 就此,本局根據第8/2002號法律第2條2款(一)項及第23/2002號行政法規第23條的規定,向當事人發出澳門居民身份證、換發及續期澳門永久性居民身份證,作為證明當事人的身份及其在澳門特別行政區居留的民事身份認別文件。
46. 正如第8/2002號法律第3條第2款規定,未滿5歲的澳門居民非強制性領取澳門居民身份證,但在其領取澳門居民身份證前亦屬在澳門合法居留及居住,因為法律已賦予其這一權利。
47. 亦即是說,當事人在澳門合法居留是法律賦予的權利,非由本局發出身份證明文件的行政行為所賦予,故當事人在澳門居留不應被視為《行政程序法典》第123條第3款所指從行政行為中衍生的事實情況,亦不因此而被賦予法律效果。
48. 即使不認同第44點至47點的法律理解,當事人亦不能主張《行政程序法典》第123條第3款所規定的假定法律效果,因為就《行政程序法典》第123條第3款的規定,終審法院法官在第76/2015號案卷的判決中指出(見附件二):
‘E“os efeitos putativos considerados no preceito legal são apenas os derivados do decurso do tempo, ou seja, os que resultam da efectivação prática dos efeitos do acto nulo por um período prolongado de tempo - o que mostra quão falaciosa é, do ponto de vista jurídico-prático, a ideia de que o acto nulo não produz efeitos, independentemente da declaração da sua nulidade.
A verdade é que também aqui há (pode haver)efeitos putativos ligados a outros factores de estabilidade das relações sociais, como os da protecção da confiança, da boa-fé, do suum cuique tribuere, da igualdade, da não locupletamento, e até da realização do interesse público - princípios que podem, todos, ser chamados a colmatar situações de injustiça derivadas da aplicação estrita do princípio da legalidade e da ‘absolutividade’do acto nulo.
Não pode, nunca, é assacar-se efeitos putativos favoráveis ao particular em cuja conduta se funda a nulidade do acto, como nos casos de coacção ou crime, ou até, simplesmente, de dolo ou má-fé do interessado.’ (底線為本局所強調)
49. 正如上文所述,當事人取得澳門居民身份是基於惡意以虛假資料申報父親身份的不法行為,致使本局向其發出澳門居民身份證的行政行為因欠缺主要要素及涉及犯罪而無效。因此,按照上述終審法院的觀點,不得賦予當事人有關《行政程序法典》第123條第3款所規定的假定法律效果。
(三) 本局的決定違反適度原則、其他法律原則及侵犯當事人的權利(訴願陳述第34點至46點)
50. 就《行政程序法典》第5條第2款有關適度原則的規定,中級法院第955/2012號卷宗的判決指出,“上述原則的出現是為了避免行政當局在行使自由裁量權中濫權,不當及過度地損害市民的合法權益。”(底線為本局加上)(見附件三)
51. 正如上文第35及36點所述,面對違反法律及涉及犯罪的行為,本局必須作出無效的宣告。
52. 終審法院於第14/2014號案行政司法裁判上訴案的判決中已清楚說明,“正如我們在2011年12月14日第54/2011號案的合議庭裁判中所談到的,對於法定的行為,行政當局沒有自由裁量空間或是決定的自由,因此,上訴人所提出的存在違反善意、平等、適度或公正原則的觀點不能成立。”(見附件四)
53. 本局依法宣告向當事人發出澳門居民身份證的行為無效,本局按合法性原則宣告違法行為無效,是本局的義務,屬被限定行為,沒有任何自由裁量的空間,故宣告無效不存在當事人代表律師所指的違反了《行政程序法典》第5條第2款、信任、善意、適度等原則。
54. 加上,當事人並不符合第19/99/M號法令第5條第1款及第 8/1999號法律第1條第1款(一)項的規定,不具有澳門永久性居民身份,從過去到現在依法不具有在澳門居留的權利,因此,本局的決定並沒有侵犯當事人的任何權利。
55. 至於當事人在內地的身份事宜,在註銷當事人的澳門永久性居民身份證的最終決定作出後,本局會通知治安警察局協助有關當事人在內地落戶的事宜。
56. 此外,對於為取得澳門居民身份證而虛報父母身份資料的同類型個案,司法裁決的取態是只要在《民事登記法典》第178條第1款d項所指的司法證明特別訴訟程序中,最終宣告具興訴正當性的人士的出生登記在父母身份資料無效時,而倘其真正的生父或生母在其出生時並非澳門居民,則該人便不再擁有澳門居留權和不再有資格持澳門永久性居民身份證(這可參閱行政法院第489/08-ADM號案、中級法院第114/2006號司法上訴案及終審法院第11/2007號對行政司法上裁判的上訴案)。
綜上所述,本局註銷當事人的澳門永久性居民身份證的決定並沒有違反當事人代表律師所指的任何瑕疵,以及沒有侵犯當事人的權利,建議司長閣下維持本局註銷A持有的首次發出日期為2001年4月23日的第...號的澳門特區永久性居民身份證的決定。”
15. Em 07/07/2017, a Senhora Secretária para a Administração e Justiça proferiu o seguinte despacho no Parecer acima em referência:
“1. 根據十月十一日第57/99/M號法令核准之《行政程序法典》的規定,特別是第11條、第159條至第162條,結合第109/2014號行政命令第1款的規定,本人同意本意見書的分析及理據,決定駁回訴願,維持身份證明局原來的決定。
2. 交身份證明局依法作出通知。”
*
IV – Fundamentação
Para o Recorrente, o acto recorrido não ponderou todas as situações constituídas à sombra do acto nulo e nessa medida corresponde a uma decisão da Administração que colide com direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, dos particulares, em manifesto excesso da proporcionalidade, justiça e adequação por que se deve reger a sua actuação, nos termos dos princípios consignados no n.º 2 do artigo 5.° do CPA.
Por outro lado, entende que o próprio regime jurídico da nulidade não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto de correntes de actos nulos - por possuírem aparência de legalidade - por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito.
Além disso, imputa ainda ao acto recorrido o vício da falta ou insuficiência de fundamentação.
Adiantamos desde já que não lhe assiste razão.
Começamos pelo vício da falta/insuficiência de fundamentação.
Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA), que é o caso.
O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram de base de decisão administrativa, ou seja, permitir ao administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar em aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
Contudo, não se deve confundir fundamentação com fundamentos, a primeira refere-se à forma do acto e a segunda refere-se ao seu conteúdo.
Assim, o dever de fundamentação cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados.”
No mesmo sentido, veja-se Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, de Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, anotação do artº 106º, pág. 619 a 621.
Voltando ao caso concreto, será que um destinatário de diligência normal não consegue compreender quais os pressupostos e motivos que estiveram na base da decisão ora recorrida?
Ora, face ao teor do acto recorrido e do parecer integrante, na nossa opinião, o mesmo não só é suficientemente claro no seu texto para dar a conhecer o discurso justificativo da decisão tomada como tem capacidade para esclarecer as razões determinantes do acto, é ainda congruente e suficiente. Dele resulta que foi cancelado o BIR do Recorrente por o seu estatuto de residente permanente ter sido adquirido mediante um processo envolvendo com a prática de crime de falsificação de documento pelos seus pais e avô paternal, o que gera a nulidade do acto da atribuição do BIR. Por outro lado, não lhe atribui efeitos putativos ao abrigo do nº 3 do artº 123º do CPA por entender que se trata duma situação criada de forma dolosa em que o Recorrente é o beneficiário.
Em relação à ofensa dos direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos do Recorrente, cumpre-nos dizer que, à data do seu nascimento, nenhum dos seus pais era residente da RAEM, daí que o Recorrente não tem direito a permanecer na RAEM a título de residente permanente.
Assim, pergunta-se então que direito subjectivo ou interesse legalmente protegido do Recorrente foi ofendido pelo acto recorrido?
Improcedem assim estes dois argumentos de recurso.
Em relação aos eventuais efeitos putativos do acto nulo previstos pelo nº 3 do artº 123º do CPA, salientamos que se trata duma excepção da regra geral prevista no nº 1 do mesmo preceito.
Sendo regra de excepção, cabe à própria Administração ponderar, dentro do seu poder discricionário, se deve ou não atribuir certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes do acto nulo.
É consabido que o exercício do poder discricionário por parte da Administração só é sindicável pelo tribunal nos casos de erro manifesto, da total desrazoabilidade e do desvio de poder – als. d) e e) do nº 1 do artº 21º do CPAC, que não é o caso.
Não ignoramos que o Recorrente não tem qualquer intervenção no processo de crime de falsificação de documento que lhe permitiu obter o estatuto de residente permanente e tem vivido na RAEM há mais de 16 anos.
Perante a necessidade de combate às situações fraudulentas de obter o estatuto de residente e o interesse do Recorrente em continuar viver na RAEM, nada a censurar a Administração em dar mais relevância à primeira, ou à segunda.
Trata-se duma opção político-administrativa dentro do seu poder discricionário.
Pois, ao permitir o Recorrente continuar a residir na RAEM a título de residente permanente pode trazer à sociedade a mensagem errada no sentido de poder obter o estatuo de residente permanente por aquela forma, o que equivale encorajar as pessoas a fazerem o mesmo no futuro.
Pelas razões expendidas, entendemos que o exercício do poder discricionário por parte da Administração no caso em apreço não padece do erro manifesto, da total desrazoabilidade e do desvio de poder, nem violou os princípios orientadores da actividade administrativa, nomeadamente os da boa fé, da justiça, da adequação e da proporcionalidade.
*
Tudo visto, resta decidir.
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V – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso, mantendo o acto recorrido.
*
Custas pelo Recorrente, com 6UC de taxa de justiça.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 11 de Outubro de 2018.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa

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782/2017