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Processo n.º 71/2018
Recurso penal
Recorrente: A
Recorrido: Ministério Público
Data da conferência: 31 de Outubro de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Art.º 14.º da Lei n.º 17/2009
- Produção e tráfico de menor gravidade

SUMÁRIO
1. Ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 14.º da Lei n.º 17/2009, se a quantidade das plantas, substancias ou preparados que o agente cultiva, produz, fabrica, extrai, prepara, adquire ou detém para consumo pessoal exceder cinco vezes a quantidade do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à mesma Lei, são aplicáveis as disposições dos art.ºs 7.º, 8.º ou 11.º, consoante os casos.
2. A punição pelo crime de produção e tráfico de menor gravidade depende da consideração sobre se a ilicitude dos factos de produção ou tráfico da droga se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta as circunstâncias apuradas no caso concreto, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade da droga, devendo o tribunal atender especialmente a quantidade da droga.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 13 de Março de 2018, A (arguido nos presentes autos) foi condenado, pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p.p. pelo art.º 8.º n.º 1, conjugado com os n.ºs 2 e 3 do art.º 14.º da Lei n.º 17/2009, um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p.p. pelo art.º 14.º n.º 1 do mesmo diploma e um crime de falsas declarações sobre a identidade p.p. pelo art.º 19.º n.º 1 da Lei n.º 6/2004, nas penas de 7 anos e 9 meses de prisão, 7 meses de prisão e 9 meses de prisão, respectivamente.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 8 anos e 3 meses de prisão efectiva.
Inconformado com a decisão, recorreu o arguido para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu julgar parcialmente procedente o recurso, absolvendo o arguido do crime de falsas declarações sobre a identidade e mantendo as penas parcelares aplicadas pelos crimes de tráfico ilícito e de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, passando o arguido a ser condenado na pena única de 8 anos de prisão.
Vem agora o arguido recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões:
1 - O crime de tráfico ilícito de estupefacientes previsto no artigo 8.º da Lei n.º 17/2009 visa punir o verdadeiro e nefasto crime de tráfico ilícito de estupefacientes, onde a venda é movida pelo lucro.
2 - Para situações de menor gravidade, de menor ilicitude, e de menor quantidade, o legislador desenhou o tipo-de-ilícito-penal de produção e tráfico de menor gravidade no artigo 11.º da mesma lei.
3 - É facto assente que inexistem elementos probatórios bastantes para o Tribunal formar a convicção de que a droga encontrada se destinava na sua maioria para venda a terceiros, e nem tão pouco logrou prova bastante para se convencer que o dinheiro apreendido fosse lucro proveniente de tráfico de droga.
4 - O acórdão recorrido julgou válido, legal e de manter o fundamento de que de como a quantidade de droga encontrada ultrapassa em 5 vezes o limite diário fixado no “Mapa da quantidade de referência de uso diário”, logo, é de afastar a aplicação ao caso concreto do crime previsto no artigo 11.º, devendo, pois, tal como aconteceu, ter punido o recorrente pelo crime de tráfico ilícito de estupefacientes consagrado no artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009.
5 - Tal forma de interpretação legal das normas em questão viola gravemente o princípio da culpa, que, como é sabido, constitui um dos pilares fundamentais do nosso ordenamento jurídico-penal, já que, através de tal interpretação estaria a ser construída uma presunção legal inilidível num dos elementos essenciais constitutivos do tipo de ilícito.
6 - Correctamente interpretando e aplicando a lei, constitui um dos factores a ter em conta a quantidade de droga encontrada não exceder cinco vezes a quantidade constante do mapa da quantidade de referência de uso diário. E esse é apenas “um dos factores” a ter em conta. Não significa que em caso algum poderá ser excedido esse “limite” de 5 vezes, impreterivelmente, para aplicar a norma punitiva constante do artigo 11.º daquela Lei.
7 - No caso sub judice, melhor indagados os factos e ponderados todos os factores que compõem o quadro de circunstancialismo fáctico envolvente, e não apenas cerrar-se exorbitantemente no factor da quantidade de 5 dias, deveria o acórdão recorrido (do TSI) ter convolado a condenação do arguido para a prática de um crime de produção e tráfico de menor gravidade, pp artigo 11.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 17/2009, e puni-lo na pena de 4 anos de prisão.
8 - Operando-se o cúmulo jurídico com o crime de consumo ilícito de estupefacientes, deveria o recorrente ter sido condenado na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.
9 - Agindo diversamente, o acórdão recorrido violou a lei, a norma incriminadora constante do artigo 11.º da Lei n.º 17/2009.
Ou,
10 - Não obstante, caso entenda ser de manter a punição pelo crime do artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, considerando que a droga se destinava ao consumo próprio e que inexistem provas de que a droga se destinava maioritamente para venda a terceiros e de que o dinheiro era proveniente de venda, mesmo com a agravante resultante do artigo 22.º da Lei n.º 6/2004, a pena adequada deveria situar-se no mínimo legal, 6 anos e 6 meses de prisão.
11 - Operando-se o cúmulo jurídico com o crime de consumo ilícito de estupefacientes, deveria o recorrente ter sido condenado na pena única de 6 anos e 11 meses de prisão.
12 - Agindo diversamente, o acórdão recorrido, nessas partes, violou a lei, as normas constantes do artigo 65.º n.ºs 1 e 2, alíneas a), b) e d) do Código Penal de Macau.

Respondeu o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:
1) Após a audiência verifica-se: o recorrente adquiriu, deteve e consumiu as Ketamina e MDMA sujeitas ao controlo da Lei n.º 17/2009, encontradas na posse e no quarto dele, com pesos líquidos excedentes às quantidades de uso por cinco dias. Na audiência, o recorrente admitiu que pertenciam a ele próprio as drogas encontradas na posse e no quarto dele, declarou que serviam para consumo pessoal, negou o tráfico das drogas, mas sabia que era ilegal o consumo de drogas.
2) Por isso, de acordo com o art.º 14.º, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 17/2009 (alterada pela Lei n.º 10/2016), deve ser punido pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 (alterada pela Lei n.º 10/2016).
3) Além disso, o art.º 14.º, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto (alterada pela Lei n.º 10/2016) tem o ratio legis: a lei antiga não regula no crime de consumo de droga a quantidade das drogas detidas pelo agente, o qual, apesar de deter grande quantidade de drogas, substâncias ou preparados e visar ao tráfico, se esquiva de ser condenado pelo crime de tráfico de drogas por meio de declarar que estas servem para consumo pessoal. Assim sendo, a lei nova (Lei n.º 10/2016) faz alteração no art.º 14.º, n.º 2: “a sua quantidade exceder cinco vezes a quantidade deste mapa, aplicam-se, consoante os casos, as disposições dos artigos 7.º, 8.º ou 11.º”.
4) Por isso, o tribunal a quo não ignora o requisito previsto no art.º 11.º da Lei n.º 17/2009, ou seja, não viola os art.ºs 11.º e 14.º da Lei n.º 17/2009, mas cumpre o princípio da legalidade.
5) Nos termos do art.º 40.º do Código Penal, a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. A função da pena constitui as prevenções geral e especial, visando a proteger a sociedade e o agente corrigir-se.
6) No presente caso, o colectivo a quo, ao determinar a medida da pena, não viola o art.º 40.º do Código Penal, nem a pena aplicada excede a culpa do recorrente na prática dos factos. Já são ponderadas as necessidades das prevenções geral e especial.
7) Nos termos do art.º 65.º do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal. Além disso, devem ser atendidos o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres; a intensidade do dolo; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais e a situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este; e outras circunstâncias.
8) No presente caso, o recorrente é indivíduo de imigração ilegal, deteve grande quantidade de Ketamina e MDMA sujeitas ao controlo da Lei n.º 17/2009, com peso líquido superior àquela de uso por cinco dias. São altos o grau da ilicitude e a intensidade do dolo.
9) De facto, comparado com outros países ou locais, o direito penal de Macau aplica ao tráfico de drogas pena relativamente agravante. No caso concreto, não é demasiado severa a pena aplicada pelo colectivo a quo, a qual é no critério relativamente baixo fixado pelo direito penal de Macau.
10) Por isso, o colectivo a quo já pondera suficientemente os factos favoráveis ao recorrente e não viola, na determinação da medida da pena, os art.ºs 40.º e 65.º do Código Penal. As penas não são demasiado severas, mas adequadas.

Nesta instância, a Digna Procuradora-Adjunta do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que se deve julgar improcedente o recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Os factos
Nos autos foram dados como assentes os seguintes factos:
- Num dia de Dezembro de 2016, o arguido A entrou por barco, com apoio de um homem desconhecido, em Macau sem passar pelos postos de migração do Interior da China e de Macau. Para este efeito, o arguido pagou a este homem uma despesa de HKD 6.000,00.
- Em 2017.03.29, pelas 9H00 da tarde, o arguido foi interceptado por agente da Polícia de Segurança Pública perto do Kou Dim Hot Pot na Rua Cidade de Santarém. Nessa altura, o a gente encontrou, no saco direito nas calças do arguido, uma caixa rotunda metal com características “京都念慈菴枇杷潤喉糖”, na qual havia dois sacos vermelhos transparentes de pós brancos, dois sacos de estanho com características “靈芝” de pós amarelos claros, bem como dois sacos de estanho com palavras “荷蘭wete” e “CKOnlyoneHK” de pós amarelos claros. (vide auto de apreensão a fls. 12 dos autos)
- De acordo com a análise, os dois sacos vermelhos transparentes de pós brancos continham Ketamina prevista na Tabela II C da Lei n.º 17/2009, alterada pelas Lei n.º 4/2014 e Lei n.º 10/2016, com peso líquido de 22.43g, e após a análise quantitativa, a Ketamina ocupando 85.3%, de 19.1g. Os dois sacos de estanho com características “靈芝” de pós amarelos claros continham MDMA prevista na Tabela II A da mesma Lei, Nimetazepam prevista na Tabela IV da mesma Lei e 3,4-Metilenodioxif enil-2- propanona prevista na Tabela V da mesma Lei, com peso líquido de 3.558g e após a análise quantitativa, a MDMA ocupando 35.9%, de 1.28g. Os dois sacos de estanho com palavras “荷蘭wete” e “CKOnlyoneHK” de pós amarelos claros continham MDMA prevista na Tabela II A da mesma Lei, Nimetazepam prevista na Tabela IV da mesma Lei e 3,4-Metilenodioxif enil-2- propanona prevista na Tabela V da mesma Lei, com peso líquido de 3.089g e após a análise quantitativa, a MDMA ocupando 35.1%, de 1.08g. Na caixa rotunda metal com características “京都念慈菴枇杷潤喉糖” havia vestígio de Ketamina prevista na Tabela II C da mesma Lei. (vide relatório pericial a fls. 124 a 132 dos autos)
- Depois, o agente de polícia levou o arguido ao Corpo de Polícia de Segurança Pública para investigação. Durante a investigação, o arguido declarou ao CPSP que ele se chamava A1. (a declaração de identificação já foi apreendida nos autos, vide fls. 39 a 40 dos autos)
- O arguido bem sabia que o nome declarado ao CPSP não era o verdadeiro.
- Durante a investigação, o agente de polícia encontrou na posse do arguido numerário de HKD 9.920,00 e um telemóvel. (vide auto de apreensão a fls. 19 dos autos)
- Pelas 10H30 da tarde no mesmo dia, o agente de polícia levou o arguido ao Centro Hospitalar Conde de São Januário para exame de medicamento. O resultado mostrou que a urina do arguido tinha reacção positiva a Ketamina prevista na Tabela II C, Metanfetamina prevista na Tabela II B e MDMA prevista na Tabela II A da Lei n.º 17/2009, alterada pelas Lei n.º 4/2014 e Lei n.º 10/2016. (vide guia a fls. 48 dos autos)
- Uns dias anteriores à intercepção feita pelo agente de polícia, o arguido tinha consumado substâncias de Ketamina, Metanfetamina e MDMA.
- Posteriormente, o agente de polícia levou o arguido à residência em [Endereço], para investigação. Encontrou uma garrafa de plástico de marca INFINIYUS na gaveta da mesa no quarto do arguido, na qual havia pós brancos, um saco vermelho transparente de pós brancos, bem como uma caixa de cigarro de marca MARLBORO, na qual havia cinco cigarros e quatro cigarros rolados de mão. Encontrou, na primeira gaveta do armário de cama, numerários de HKD 20.000,00, três telemóveis e o passaporte do Interior da China do arguido. (vide auto de apreensão a fls. 25 e 29 dos autos e fotos a fls. 61 a 64 dos autos)
- De acordo com a análise, os pós na garrafa de plástico de marca INFINIYUS continham Ketamina prevista na Tabela II C da Lei n.º 17/2009, alterada pelas Lei n.º 4/2014 e Lei n.º 10/2016, com peso líquido de 15.649g, após a análise quantitativa, a Ketamina ocupando 84.2%, de 13.2g. Os pós no saco vermelho transparente também continham Ketamina, com peso líquido de 13.2g. Os pós no saco vermelho transparente também continham Ketamina, com peso líquido de 0.229g, após a análise quantitativa, a Ketamina ocupando 85.1%, de 0.254g. Dois dos cigarros rolados por mão na caixa de cigarro continham Canabis prevista na Tabela I C da mesma Lei, com peso líquido de 1.055g. (vide fls. Relatório pericial a fls. 124 a 132 dos autos)
- Foram adquiridos pelo arguido de indivíduo desconhecido as substâncias sujeitas ao controlo da lei encontrados na posse do arguido e na residência dele em [Endereço], os quais foram usados para consumo pessoal.
- O agente de polícia detectou a incompatibilidade entre o nome declarado anteriormente pelo arguido na declaração de identificação no CPSP entre aquele constante no passaporte do Interior da China. Por isso, inquiriu o arguido. Só neste momento, o arguido declarou o nome verdadeiro A. (vide fls. 6 dos autos)
- A arguido praticou livre, voluntaria e conscientemente os actos acima referidos.
- O arguido bem sabia que eram sujeitos a controlo as substâncias encontradas na posse dele e na residência dele, mas adquiriu e deteve-os, visando a consumo pessoal. Apesar de ser descontada a quantidade por 5 dias prevista pela lei, a quantidade de Ketamina e MDMA detida por arguido já era superior àquela de 5 dias para este tipo de droga.
- O arguido bem sabia que as substâncias consumadas eram sujeitas ao controlo da lei, mas ainda consumiu-as.
- O arguido, bem sabendo que ele estava na situação de imigração ilegal, prestou dados falsos de identificação à administração para ocultar a identidade verdadeira, visando a enganar a administração, o que prejudicou o efeito da lei contra a imigração ilegal de Macau.
- Não foi permitido por lei o acto do arguido.
- O arguido bem sabia que a lei de Macau proibia e punia o acto.
- O arguido estava na situação de imigração ilegal ao praticar o acto.
- O arguido declarou que tinha vindo a Macau para o trabalho de bata-fichas e tinha contas de crédito e de depósito nas várias salas de VIP em Macau.
- O arguido tinha uma quantia não inferior a 2,560,000 no [Grupo].
- O arguido declarou que tinha a habilitação de curso de ensino secundário, era comerciante, auferindo anualmente mais de RMB 1,000,000 e tinha dois filhos com a mulher que também era comerciante.
- De acordo com o CRC, o arguido era delinquente primário.
Não ficaram provados os seguintes factos:
- O arguido ia vender a maioria das drogas apreendidas a outros.
- Todos os numerários encontrados na posse e na residência do arguido foram adquiridos pela prática da actividade de droga.
- Outros factos na acusação e na contestação incompatíveis àqueles acima referidos.

3. Direito
Pretende o recorrente a convolação do crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas para o crime de produção e tráfico de menor gravidade p.p. pelo art.º 11.º da Lei n.º 17/2009, com a aplicação da pena de 4 anos de prisão e a redução da pena para 6 anos e 6 meses de prisão, no caso de assim não se entender.
Alega que inexistem elementos probatórios bastantes para o Tribunal formar a convicção de que a droga encontrada se destinava na sua maioria para venda a terceiros e nem tão pouco logrou prova bastante para se convencer que o dinheiro apreendido fosse lucro proveniente de tráfico de droga; e a quantidade de droga encontrada (que não excede cinco vezes a quantidade constante do mapa da quantidade de referência de uso diário) é apenas “um dos factores” a ter em conta para a qualificação jurídica da conduta ilícita, não significando que em caso algum poderá ser excedido esse “limite” de 5 vezes, impreterivelmente, para aplicar a norma punitiva constante do art.º 11.º da Lei n.º 17/2009.
Não se nos afigura assistir razão ao recorrente.

3.1. Crime de produção e tráfico de menor gravidade
Como se sabe, a Lei n.º 17/2009 estabelece medidas de prevenção e de repressão da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas e foi alterada pela Lei n.º 10/2016, que entrou em vigou no dia 28 de Janeiro de 2017.
O art.º 14.º da Lei n.º 17/2009, com a redacção dada pela Lei n.º 10/2016, prevê o seguinte:
“Artigo 14.º
Consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas
1. Quem consumir ilicitamente ou, para seu exclusivo consumo pessoal, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, adquirir ou detiver ilicitamente plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a IV, é punido com pena de prisão de 3 meses a 1 ano ou com pena de multa de 60 a 240 dias, salvo o disposto no número seguinte.
2. Caso as plantas, substâncias ou preparados que o agente referido no número anterior cultiva, produz, fabrica, extrai, prepara, adquire ou detém constem do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à presente lei, da qual faz parte integrante, e a sua quantidade exceder cinco vezes a quantidade deste mapa, aplicam-se, consoante os casos, as disposições dos artigos 7.º, 8.º ou 11.º
3. Para determinar se a quantidade de plantas, substâncias ou preparados que o agente cultiva, produz, fabrica, extrai, prepara, adquire ou detém excede ou não cinco vezes a quantidade a que se refere o número anterior, são contabilizadas as plantas, substâncias ou preparados que se destinem a consumo pessoal na sua totalidade, ou aquelas que, em parte, sejam para consumo pessoal e, em parte, se destinem a outros fins ilegais.”

Daí decorre que se a quantidade das plantas, substancias ou preparados que o agente consumidor cultiva, produz, fabrica, extrai, prepara, adquire ou detém exceder cinco vezes a quantidade do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à mesma lei, são aplicáveis as disposições dos art.ºs 7.º, 8.º ou 11.º, consoante os casos. E para determinar se a quantidade de plantas, substancias ou preparados, excede ou não cinco vezes a quantidade indicada no referido mapa, a lei manda contabilizar toda a quantidade das plantas, substancias ou preparados, independentemente se se destinem a consumo pessoal na sua totalidade ou se destinem uma parte para consumo pessoal e outra parte para outros fins ilegais.
E nos termos do art.º 11.º da Lei n.º 17/2009, se a ilicitude dos factos descritos nos art.ºs 7.º a 9.º se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, das substâncias ou dos preparados, o agente é punido com o crime de produção e tráfico de menor gravidade. E na ponderação da ilicitude consideravelmente diminuída, deve considerar-se especialmente o facto de a quantidade das plantas, das substâncias ou dos preparados encontrados na disponibilidade do agente não exceder cinco vezes a quantidade constante do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo.
A punição pelo crime de produção e tráfico de menor gravidade depende da consideração sobre se a ilicitude dos factos de produção ou tráfico da droga se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta as circunstâncias apuradas no caso concreto, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade da droga, devendo o tribunal atender especialmente a quantidade da droga.
Mesmo não sendo o único elemento a considerar na ponderação da ilicitude consideravelmente diminuída dos factos, a quantidade da droga é, sem dúvida, um factor relevante que merece a consideração especial pelo tribunal.
No caso vertente, a factualidade assente revela que na posse do recorrente foram encontradas as drogas que contêm, respectivamente, Ketamina com peso líquido de 32.554g (19.1g+13.2g+0.254g), MDMA com peso líquido de 2.36g (1.28g+1.08g) e Canabis com peso líquido de 1.055g.
Tais drogas foram adquiridas pelo recorrente, que as detiveram para consumo próprio.
E as quantidades de Ketamina e MDMA são muito superiores a cinco vezes das quantidades indicadas no mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à Lei n.º 17/2009, que são respectivamente 0.6g e 0.15g.
As quantidades das drogas apreendidas na posse do recorrente não demonstram que é consideravelmente diminuída a ilicitude dos factos ilícitos praticados pelo recorrente. E nos autos não há outros elementos que apontem para o mesmo sentido.
E ao abrigo dos n.ºs 2 e 3 do art.º 14.º da Lei n.º 17/2009, a conduta do recorrente deve ser punida coma aplicação do art.º 8.º da mesma Lei, e não do art.º 11.º.
É de salientar que não é relevante a alegação do recorrente sobre a inexistência de elementos probatórios bastantes para provar que as drogas encontradas na sua posse se destinavam para venda a terceiros e o dinheiro apreendido foi lucro proveniente do tráfico de droga, pois os n.ºs 2 e 3 do art.º 14.º se aplicam evidentemente a casos em que o agente detém a droga para consumo pessoal.
Vistas as circunstâncias apuradas nos autos, especialmente os tipos e as quantidades das drogas adquiridas e detidas pelo recorrente, afigura-se-nos correcta a qualificação jurídica operada pelo tribunal recorrido, não se devendo punir o recorrente pelo crime de tráfico de menor gravidade.

3.2. Medida concreta da pena
Pretende ainda o recorrente a redução da pena aplicada pelo crime de tráfico ilícito de estupefacientes, invocando que as drogas se destinavam ao consumo próprio e o dinheiro apreendido nos autos não era proveniente de venda da droga.
Nos termos do art.º 40.º n.º 1 do Código Penal de Macau, a aplicação de penas visa não só a reintegração do agente na sociedade mas também a protecção de bens jurídicos.
E ao abrigo do art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos, nomeadamente os elencados no n.º 2 do mesmo artigo.
No caso em apreciação, o crime pelo qual foi condenado o recorrente é punível com a pena de 5 a 15 anos de prisão.
O recorrente é delinquente primário e confessou a detenção da droga para consumo pessoal.
Face à situação de flagrante delito, é de dizer que não se releva a confissão do recorrente para a pretendida redução da pena.
A factualidade apurada nos autos não demonstra que é de diminuído grau o dolo do recorrente nem da ilicitude dos factos.
No que tange às finalidades da pena, são prementes as exigências de prevenção geral, impondo-se prevenir a prática do crime em causa.
Saliente-se que, aquando da prática do crime, o recorrente se encontrava na situação de imigrante ilegal, pelo que milita contra ele a circunstância agravante prevista no art.º 22.º da Lei n.º 6/2004, que se refere ao “facto de o agente ser um indivíduo em situação de imigrante ilegal”, que é exactamente o caso do recorrente.
Ponderado todo o circunstancialismo do caso concreto, nomeadamente as circunstâncias acima referidas e as quantidades das drogas, não se nos afigura excessiva a pena de 7 anos e 9 meses de prisão aplicada ao recorrente, que foi encontrada dentro da moldura penal e em função da culpa do recorrente e das exigências de prevenção criminal.
Tal como tem entendido este Tribunal, “Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”1, pelo que se não se estiver perante essas situações, como é no caso vertente, o Tribunal de Última Instância não deve intervir na fixação da dosimetria concreta da pena.
Quanto ao cúmulo jurídico, também não se mostra violadas as regras estabelecidas no art.º 71.º do Código Penal de Macau para a fixação da pena única resultante do cúmulo jurídico das penas aplicadas ao recorrente.
É de concluir pela improcedência do recurso.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça que se fixa em 5 UC.

               Macau, 31 de Outubro de 2018

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

1 Ac. do TUI, de 23 de Janeiro de 2008, 19 de Setembro de 2008, 29 de Abril de 2009 e 28 de Setembro de 2011, nos Processos n.ºs 57/2007, 29/2008, 11/2009 e 35/2011, respectivamente.
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Processo n.º 71/2018 1