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Processo n.º 78/2018
Recurso Penal
Recorrente: A
Recorridos: B e C
Data da conferência: 7 de Novembro de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Acidente de viação
- Incapacidade parcial permanente
- Equidade

SUMÁRIO

1. Na fixação da quantia indemnizatória por perda da capacidade de ganho por incapacidade permanente, o tribunal deve atender ao disposto no n.º 5 do art.º 560.º do Código Civil, bem como recorrer à equidade, nos termos do n.º 6 do art.º 560.º do mesmo Código.
2. Deve-se ainda atender a outros factos provados pertinentes, como a idade da vítima, o seu estado físico antes da lesão, o seu salário actual e o seu emprego, as suas habilitações académicas, as suas perspectivas profissionais, etc..

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, o arguido B foi condenado, pela prática de um crime de ofensa grave à integridade física por negligência p.p. pelo art.º 142.º n.º 3, conjugado com o art.º 138.º, al. d) do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos.
Ao mesmo tempo, foi o arguido (1.º demandado cível) absolvido do pedido cível e a 2.ª demandada cível C condenada a pagar ao demandante cível A a indemnização no montante global de MOP$1,340,264.54, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescido de juros legais a contar da data de prolação do acórdão até ao pagamento integral da quantia.
Inconformado com a decisão, recorreu o demandante cível A para o Tribunal de Segunda Instância, que julgou procedente o recurso, condenando os dois demandados cíveis no pagamento solidário no montante de MOP$1,816,372.51, acrescido de juros legais a contar da data de prolação do acórdão até ao pagamento integral da indemnização.
Deste acórdão vem agora o demandante cível A recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando na sua motivação do recurso as seguintes conclusões:
1. No acórdão proferido no dia 26/04/2018: “Nos termos expostos, o TSI julga procedente a motivação do recurso interposto pelo Recorrente A. Em consequência condena o arguido B e a C no pagamento solidário da indemnização ao Recorrente A, no valor total de MOP$1,815,464.54, respectivamente: Despesas médicas: no total de MOP$243,009.80; Perda do rendimento: MOP$282,000; Despesas de transporte: MOP$5,724.74; Danos da motorizada: MOP$9,530; Danos não patrimoniais: MOP$800,000; Incapacidade permanente: MOP$475,200. O montante supracitado é acrescido de juros de mora à taxa legal contado a partir da decretação do presente acórdão até integral pagamento. O valor máximo da indemnização responsabilizada pela companhia de seguro e contrato de apólice é no montante de MOP$1,500,000.00. Mantém-se as outras decisões do Tribunal a quo.”
2. Salvo o devido respeito, o Recorrente não concorda com o acórdão com fundamento seguinte: Violou o princípio da equidade disposto no art.º 560.º, n.º 6 do CC.
3. No acórdão recorrido alega: “O Recorrente nasceu em XX/X/1962, aquando do acidente (XX/X/2015) tinha 52 anos de idade. Presume-se que o Recorrente trabalhasse até aos 65 anos de idade isto é, até XX/X/2027. Nestes termos, o presente acidente de viação fez como que o demandante cível civil diminuísse 25% da sua capacidade de trabalho no período compreendido entre 17/01/2016 a XX/X/2027 (no total de 11 anos e 3 meses e 2 dias, isto é 4052), cujo valor do prejuízo é no montante de MOP$793,513.29. (MOP$783.33 (23,500.00÷30) x 4052 x 25%), uma vez que este valor é recebido de uma só vez, calculado a uma percentagem de 60%, seria MOP$476,107.97. Nestes termos, o ofendido face à indemnização pela incapacidade parcial permanente (perda de rendimentos após o período de recuperação) deve determinar no valor de MOP$476,107.97, mas como o ofendido apenas pediu a indemnização no valor de MOP$475,200, pelo que o presente Tribunal apenas admite decretar tal valor.”
4. Tal como alega no acórdão recorrido, bem como do entendimento geral da jurisprudência e doutrina, face à indemnização por incapacidade parcial permanente (IPP), tem de basear na situação concreta do caso envolvido no processo, decidir de acordo com o princípio da equidade.
5. Porém, o supracitado teor constante no acórdão recorrido manifestamente violou o princípio da equidade, pelo padece do vício previsto no art.º 400.º, n.º 1 do CPP.
6. Segundo a jurisprudência dominante em Portugal, na verdade, certas situações, a incapacidade parcial permanente deve considerar incapacidade absoluta ou total permanente.
7. Tal como relata no acórdão do Tribunal Supremo de Portugal n.º 3323/13.5TJVNF.G1.S1: “a circunstância de a autora se não encontrar a trabalhar profissionalmente à data do acidente não implica que as sequelas com que ficou não devam ser consideradas como causadoras de incapacidade de ganho. A autora trabalhou até pouco mais de um ano antes do acidente e encontrava-se inscrita no Centro de Emprego, como trabalhadora à procura de emprego; o tipo de trabalho que anteriormente desempenhou – operária têxtil e de limpeza – ficou irremediavelmente afastado do seu horizonte, para o caso de conseguir voltar a trabalhar; e a verdade é que, afastada uma hipótese exequível de reconversão profissional cfr. (pontos 51, 52) os 10 pontos de incapacidade acabam por equivaler a incapacidade absoluta para o trabalho: (……) em consequência do acidente, a autora ficou impedida de voltar a trabalhar, perdeu a sua capacidade de trabalho para as profissões que poderia desempenhar.”
8. E ainda relata no acórdão do Tribunal Supremo de Portugal n.º 07/B2978: Tendo em conta a esperança de vida para um homem da sua idade, a idade legal da reforma à data do acidente e os elementos relevantes nos termos do artigo 494.º do Código Civil, é equitativa a fixação de uma indemnização de € 20.000 por danos não patrimoniais e de € 200.000 por danos patrimoniais decorrentes “do grau e duração da redução da sua capacidade laboral” a um lesado num acidente de viação que à data do acidente tinha 41 anos de idade e gozava de boa saúde, auferia um vencimento mensal de 96.700$00, subsídio de Natal e de férias de igual montante, com ajudas de custo de 16.116$00 por mês e que, em consequência do mesmo, ficou a sofrer de uma incapacidade física geral de 40%, a aumentar para 45%, e de incapacidade total para o trabalho.
9. Primeiro é de salientar o significado do princípio da equidade: “quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias) em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade é resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo”.
10. Dito do ponto de vista da experiência, “a equidade traduz-se na observância das regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida, dos parâmetros da justiça e dos critérios de obtenção de resultados uniformes.”
11. O Recorrente antes do incidente desempenhava trabalhos de decoração.
12. Embora tal como referiu o Tribunal a quo que o presente acidente de viação fez como que o Recorrente diminuísse 25% da sua capacidade de trabalho, mas feito a análise global dos elementos constantes nos autos, designadamente o “relatório médico”, “parecer clínico médico”, “exame médico pericial” nas fls. 71, 72, 295 e 304 dos autos e das declarações prestadas pela testemunha D na audiência sabemos de facto que foi precisamente por causa do acidente é que o recorrente ficou lesado e perdeu permanentemente 25% da sua capacidade de trabalho, nomeadamente, o Recorrente perdeu a visão do olho esquerdo (vide fls. 72 dos autos: “ele apenas consegue visualizar as imagens dos objectos de forma vaga a uma distância de 0.5m”), em consequência, perdeu a sua capacidade de trabalho para a profissão que desempenhava, pois já não consegue continuar a fazer trabalhos de decoração.
13. Além disso, se bem que fosse outro trabalho relativamente mais simples, mas o Recorrente perdeu a visão do olho esquerdo, ele sente frequentemente dores de cabeça e em média tem ir mensalmente uma vez a HK para consulta, se presentemente o Recorrente com 56 anos de idade já é difícil de inserir novamente em outros ramos de trabalho, então muito menos em conseguir arranjar um empregador que aceita contratar o Recorrente com essa idade e deficiente.
14. Isto quer dizer que não faz diferença o presente grau de invalidez do Recorrente com incapacidade total de trabalho.
15. Assim sendo, o Tribunal a quo aquando proferiu o acórdão não considerou a situação especial deste caso em concreto (isto é o Recorrente encontra-se de facto situação de incapacidade total permanente de trabalho), somente usou a fórmula geral utilizada para cálculo da indemnização que por sua vez violou o princípio da equidade.
16. Com base no exposto, quanto à indemnização da incapacidade permanente de trabalho, segundo o princípio da equidade, deve calcular de acordo com o último mês do rendimento mensal que auferia antes do acidente (MOP$23,500.00), bem como findo o período da recuperação, até à idade de reforma de 65 anos (isto é 11 anos 3 meses e 2 dias), correspondente ao valor de MOP3,174,053.16 (23,500÷30x4052dias) a que o Recorrente tem direito de receber.
Nos termos expostos, o acórdão recorrido por ter violado o princípio da equidade previsto no art.º 560.º, n.º 6 do CC, padece do vício disposto no art.º 400.º, n.º 1 do CPP, pelo que deve julgar procedente a indemnização pela “incapacidade permanente” no valor de MOP3,174,053.16 constante no pedido de indemnização apresentado pelo Recorrente.

Os demandados cíveis não apresentaram respostas.
Foram corridos os vistos.
Cumpra decidir.

2. Factos
2.1. Nos autos ficaram provados os seguintes factos:
1. Por volta das 12H00 e tal do dia XX/X/2015, o arguido B conduzia o veículo de carga ligeiro com matricula n.º MG-XX-XX(1), procedente da Travessa Marginal da Areia Preta em direcção à Rua da Doca dos Holandeses, seguindo pela faixa direita da Avenida do Dr. Francisco Vieira Machado. Aquando chegou ao cruzamento da Rua da Doca dos Holandeses, o arguido parou a sua viatura, depois, de repente ultrapassou a linha contínua da faixa para virar à direita, a fim de seguir em direcção à Rua da Doca dos Holandeses. Durante a manobra, o lado esquerdo da sua viatura colidiu com a motorizada conduzida pelo ofendido A, de matrícula MG-XX-XX(2), que vinha da Travessa 1.º de Maio em direcção à Travessa Marginal da Areia Preta, tendo o ofendido caído juntamente com a motorizada no chão e ficou ferido.
2. A ocorrência do aludido acidente foi gravada pelo sistema de Monitoramento de Pavimentos (vide fls. 53 a 56 dos autos que se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais).
3. Aquando da ocorrência do acidente o tempo estava bom, a iluminação era suficiente, o pavimento estava seco com tráfego suave.
4. A conduta do arguido causou directamente e inevitavelmente ao ofendido fractura cominutiva e deprimida do osso frontal do lado esquerdo acompanhada de hematoma epidural no topo frontotemporal do lado esquerdo, contusões e lacerações no lóbulo frontal do lado esquerdo, hérnia transtentorial da órbita esquerda, fractura deprimida do maxilar superior, é considerada ofensa grave à integridade física, o qual necessita de 9 a 12 meses para recuperação (vide parecer clínico de medicina legal de fls. 72 dos autos que se dá aqui por integralmente reproduzido).
5. O arguido ao virar à direita violou o art.º 9.º, n.º 3, al. a) do Regulamento de Trânsito Rodoviário, ele ultrapassou a linha contínua da faixa, que por sua vez causou o acidente e ofensa grave à integridade física do ofendido.
6. O arguido agiu livre, consciente e voluntariamente, ele bem sabia que a sua conduta é ilegal e punida por lei.
7. No parecer clínico de medicina legal de fls. 72 dos autos: a conduta do arguido causou directamente e inevitavelmente ao ofendido, invalidez do olho esquerdo e redução acentuada da visão, ele apenas consegue visualizar as imagens dos objectos de forma vaga a uma distância de 0.5m e como consequência o ofendido sofre certo grau de deficiência física que posteriormente será avaliada.
8. Após o acidente, o demandante cível foi conduzido ao CHCSJ para tratamento.
9. Posteriormente, o demandante cível foi transferido ao hospital de HK da especialidade para continuar com o tratamento.
10. Devido às lesões provocadas pelo acidente, teve o demandante cível de pagar as despesas médicas no valor de MOP$243,009.80.
11. O demandante cível necessitou de 12 meses para se convalescer.
12. Durante esses 12 meses, o demandante cível deixou de trabalhar, ele perdeu a sua capacidade de trabalho, pelo que deixou de ter qualquer rendimento durante esse período, sofrendo um prejuízo no valor de MOP$282,000.
13. Aquando do acidente, o demandante cível tinha 53 anos de idade, ele tem a cargo duas crianças menores, uma de 7 e outra de 4 anos de idade.
14. O demandante cível depois de lesado, foi submetido a operação cirúrgica craniana, por influência da operação, o demandante cível de vez em quando sente dores na parte do cérebro que lhe causa insónias.
15. Por causa do acidente, o demandante cível ficou mentalmente e fisicamente frustrado, a sua auto-confiança diminuiu e ficou impressionado com a condução.
16. Este acidente causou ao demandante cível factura cominutiva e deprimida do osso frontal do lado esquerdo acompanhada de hematoma epidural no topo frontotemporal do lado esquerdo, contusões e lacerações no lóbulo frontal do lado esquerdo, hérnia transtentorial da órbita esquerda, fractura deprimida do maxilar superior e aquando do tratamento ele sofreu dores.
17. O demandante cível foi submetido a várias operações cirúrgicas e ficou com cicatrizes permanentes na cara.
18. O demandante cível é o suporte económico da família.
19. Aquando do acidente, o veículo de carga ligeiro de matrícula n.º MG-XX-XX(1) conduzido pelo 1.º demandado cível (ou seja: o arguido), já tinha adquirido a apólice de seguro à 2.ª demandada cível (ou seja C), com n.º MTV-XX-XXXXXX-E0/R1-R, cujo valor máximo da indemnização é de 1 milhão e 500 mil patacas.
20. O demandante cível pagou em despesas de transporte em HK para tratamento médico, no valor total de MOP$5,724.
21. O demandante cível pagou em despesas de reparação da motorizada no valor de MOP$9,530.
22. O demandante cível perdeu a visão do seu olho esquerdo em consequência do ora acidente de viação, sendo que a taxa de deficiência foi avaliada em 25%, mas não influenciou a conduzir o veículo ligeiro.
23. Segundo o CRC e dos elementos constantes nos autos, o arguido é primário.
24. O arguido declara ser condutor de carga, aufere o salário mensal de MOP$11,500, não tem encargo familiar e económico. O arguido tem o ensino primário completo.

2.2. Não foram dados como provados outros factos constantes no pedido de indemnização civil e na contestação que não correspondem com os factos relevantes acima provados, designadamente:
- A visão do olho esquerdo do demandante cível ficou extremamente prejudicado por causa do acidente, com a pouca formação que tem, foi ele forçado a deixar o trabalho de decoração.
- A memória do demandante cível deteriorou por causa das operações cirúrgicas.
- O demandante cível sente humilhado por causa das cicatrizes permanentes na cara que afectaram gravemente a sua fisionomia, sendo abarretado quando saiu.
- Na situação de haver instituição médica em Macau que fornece respectivo tratamento, o demandante cível adoptou por receber tratamento numa instituição médica de HK que é mais caro.

3. Direito
O Tribunal de Segunda Instância condenou os dois demandados cíveis no pagamento da quantia indemnizatória total de MOP$1,816,372.51, incluindo: MOP$243,009.80 por despesas médicas, MOP$282,000 por perda do rendimento, MOP$5,724.74 por despesas de transporte, MOP$9,530 por danos da motorizada, MOP$800,000 por danos não patrimoniais e MOP$476,107.97 por incapacidade parcial permanente.
Impugnando apenas o valor fixado por incapacidade parcial permanente, pretende o recorrente que tal valor seja elevado para MOP$3,174,053.16.
Invoca a violação do princípio da equidade previsto no n.º 6 do art.º 560.º do Código Civil.

Nos termos do art.º 556.º do Código Civil, “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
E “o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” (art.º 558.º n.º 1 do Código Civil). Daí que se fala na distinção entre o dano emergente e o lucro cessante.
No presente caso, decorre da factualidade assente que o recorrente sofre de incapacidade parcial permanente de 25%, pelo que pretende a indemnização por perda da capacidade de trabalho.
Estão em causa danos presentes.
Nos casos em que se discute também a questão de indemnização por perda da capacidade de ganho1, o Tribunal de Última Instância disse o seguinte:
《O lesado já sofreu um prejuízo. Não se trata de danos futuros, mas de danos presentes. O lesado ficou com a sua capacidade de ganho diminuída a partir do momento em que teve alta médica. Está definitiva e irremediavelmente incapacitado para o trabalho, no futuro, em 70% (incapacidade geral). Trata-se de um dano actual e não futuro. O que pode constituir um dano futuro é a diferença de rendimentos do trabalho que pode vir a sofrer se passar a auferir um salário inferior ao actual ou mesmo se deixar de auferir qualquer rendimento do trabalho por força da sua incapacidade. Como bem referiu a recorrente, apenas a perda de ganho é um dano futuro. A perda da capacidade de ganho é um prejuízo sofrido (já existente) e verificável.
Trata-se, portanto, de um dano emergente e não de um lucro cessante.
Mas o lesado não veio pedir ao processo os salários que deixaria de ganhar no futuro. O que o lesado pediu foi a indemnização pela afectação da sua capacidade de trabalho (embora no seu cálculo tenha utilizado o salário mensal que auferia).
Indiscutivelmente que o dano sofrido pelo lesado é ressarcível. Embora o seu salário se mantenha, a sua capacidade para o trabalho ficou afectada. Ora, nada obsta a que qualquer pessoa – salvo incompatibilidades legais – possa efectuar outro trabalho, para além da sua ocupação habitual, e usufruir os respectivos rendimentos. Esta possibilidade ficou afectada substancialmente no que toca ao lesado.
Da mesma maneira, mesmo que alguém não exerça um trabalho – por conta própria ou alheia – seja porque tem rendimentos de outra natureza, como de propriedade fundiária ou intelectual ou de capitais – seja porque não tem quaisquer rendimentos e vive a cargo de outrem, sempre terá direito a ser indemnizado pela incapacidade permanente parcial para o trabalho em geral, porque a sua capacidade para trabalhar, para realizar uma actividade física ou espiritual, foi afectada de forma definitiva e permanente. Foi um activo de que ficou privado para sempre e de que deve ser indemnizado nos termos gerais.
É neste sentido para que tem propendido a doutrina.2》
Na manutenção de tal posição, é de afirmar que, no caso dos presentes autos, deve o recorrente ser indemnizado por perda da capacidade de trabalho, que é avaliada em 25%.
Ora, já não é possível a reconstituição natural da situação que existiria se não ocorresse o acidente de viação, pelo que a indemnização deve ser fixada em dinheiro (art.º 560.º n.º 1 do Código Civil).
De acordo com o n.º 5 do art.º 560.º do Código Civil, “Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”.
E ao abrigo do disposto do n.º 6 do art.º 560.º, “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julga equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
Chama-se aqui à colação o critério da equidade na determinação da quantia indemnizatória, “sem prejuízo de se atenderem aos outros factos provados pertinentes, como a idade da vítima, o seu estado físico antes da lesão, o seu salário actual e o seu emprego, as suas habilitações académicas, as suas perspectivas profissionais antes e depois da lesão”.3
No presente caso, o recorrente nasceu em XX de X de 1962 e tinha 52 anos de idade na altura do acidente de viação (XX de X de 2015). Faltam 12 anos e 3 meses e 2 dias (na totalidade, 4417 dias) para completar 65 anos (XX de X de 2027), que é a idade normal prevista para a reforma.
E após o acidente, o recorrente precisou de 12 meses para se convalescer, período durante o qual não conseguiu trabalhar, pelo que deixou de ter qualquer rendimento durante esse período, sofrendo um prejuízo no valor de MOP$282,000.00, sendo o salário mensal MOP$23,500.00.
Em consequência do acidente de viação, o recorrente perdeu a visão do seu olho esquerdo, ficando com uma incapacidade de trabalho de 25%.
Não ficou provado que, por causa do acidente de viação, o recorrente foi forçado a deixar o trabalho de decoração ao qual tem dedicado nem que com a sua idade já é difícil de inserir novamente em outros ramos de trabalho e conseguir arranjar um empregador que o aceite para trabalhar, pelo que não é de aceitar a alegação do recorrente no sentido de ele encontrar-se de facto numa situação de incapacidade total permanente de trabalho, fazendo equivaler a sua incapacidade parcial de 25% à incapacidade total permanente de trabalho.
Não se sabe o estado físico do recorrente antes do acidente de viação nem as suas habilitações académicas.
O Tribunal recorrido fixou a indemnização no valor de MOP$476,107.97 por incapacidade parcial permanente, seguindo a fórmula de MOP$ 23,500.00 ÷ 30 x 4052 x 25% x 60%, tendo em consideração o período de 11 anos e 3 meses e 2 dias a contar do findo do período da recuperação (17 de Janeiro de 2016) até à idade de reforma de 65 anos (isto é 11 anos 3 meses e 2 dias, na totalidade 4052 dias), a incapacidade parcial de 25% e a percentagem de 60% porque o recorrente vai receber a indemnização por uma só vez.
Não se vê como foi violado o princípio da equidade.
Os factores acima referidos para cálculo da indemnização devem ser mantidos, com excepção de um elemento, que se refere ao período de 4052 dias, que deve ser 4417 dias (12 anos e 3 meses e 3 dias), a contar do dia de acidente de viação até o recorrente completar 65 anos de idade, pois está em causa a indemnização por perda de capacidade de ganho, que se distingue da indemnização a título de lucros cessantes.
Ponderados todos os elementos apurados nos autos, afigura-se-nos razoável e equilibrado fixar equitativamente o valor de MOP$518,997.48 a título de indemnização por perda de capacidade de ganho (23,500.00 ÷ 30 x 4417 x 25% x 60%).
É de julgar parcialmente procedente o recurso, ainda que não por fundamentos alegados pelo recorrente.

4. Decisão
Face ao expendido, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso, fixando o valor de MOP 518.997,48 a título de indemnização por perda de capacidade de ganho, mantendo no restante o decidido no acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, na proporção do seu decaimento.

               Macau, 7 de Novembro de 2018
               
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
               
1 Cfr. Ac.s do TUI, de 25 de Abril de 2007 e de 7 de Novembro de 2012, Proc.s n.ºs 20/2007 e 62/2012.
2 AMÉRICO MARCELINO, Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, Lisboa, Livraria Petrony, 6.ª edição, p. 453 e seg. E não falte mesmo quem defenda, como é caso da mais alta instância judicial italiana, o Tribunal de Cassação, em decisão de 6 de Junho de 1981, que “O dano dito biológico, enquanto lesivo do direito à saúde, que por explícito ditame constitucional é direito fundamental do indivíduo, deve ser ressarcível mesmo que não incidindo sobre a capacidade de produzir ganhos e mesmo independentemente desta última”. Citado por J.A. ÁLVARO DIAS, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Coimbra, Almedina, 2001, p. 131, nota 278.
3 Cfr. Ac.s do TUI já citados, Proc.s n.ºs 20/2007 e 62/2012.
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Processo n.º 78/2018