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Processo n.º 477/2017
(Recurso em matéria cível)

Data: 25 de Outubro de 2018

ASSUNTOS:

- Aditamento de um novo facto resultante de documento junto aos autos não valorado pelo Tribunal a quo
- Mora na restituição do locado e mora no pagamento de rendas (artigo 1027º/1 e 2 do CCM)


SUMÁRIO:

I – Quando a Recorrente/Autora junto com a réplica um documento para comprovar que o Recorrido/Réu foi comunicada da não renovação do contrato de arrendamento, quando este caducava em 10/10/2015, e tal documento não foi impugnado pela parte contrária, errou na apreciação da prova quando o Tribunal a quo não atendeu este documento nem o seleccionou para a base de instrução.
II – Estando em causa um documento relevante para os efeitos do artigo 1014º/2 do CCM, é de aditar este facto assente, comprovado por documento já junto aos autos, à base de instrução, ao abrigo do disposto no artigo 629º/1-a) do CPC.
III – Cessado o contrato de arrendamento sem que o arrendatário procedesse à restituição em tempo do locado, nem ao pagamento de rendas, constituiu-se ele na mora na restituição do locado e no pagamento de rendas, há lugar, assim, à aplicação do artigo 1027º/1 e 2 do CCM.

O Relator,

________________
Fong Man Chong


Processo n.º 477/2017
(Recurso em matéria cível)
Data : 25/Outubro/2018

Recorrente : A (Autora)

Recorrido : B (Réu)


    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
*
    I – RELATÓRIO
A (Autora), Recorrente, devidamente identificada nos autos, não se conformando com a decisão proferida pelo TJB, datada de 01/12/2016 (Processo n.º CV1-15-0008-CPE) veio, em 14/02/2017, recorrer para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 268 a 282, tendo formulado as seguintes conclusões:
     
     (初級法院於2016年12月1日所作判決的敗訴部份)
     沒有考慮上訴人於2015年7月20日附人卷宗的租約期屆滿的不續租通知
     1. 在訴辯書狀來往階段,上訴人於2015年7月20日向法院提交原告的反駁,當中第8點提到原告於2015年7月7日出租又再次向被告發出租約屆滿不續租的書面通知(參見附於原告反駁的文件1-3)。
     2. 被告沒有對有關通知作出任何爭執。
     3. 原告於2015年11月12日在清理批示的異議中要求一審法院將有關事實(於2015年7月7日作出的通知)列入已證事實當中。
     4. 有關聲請沒有被一審法院接納及將之列入已證事實當中。
     5. 原告隨後於2016年2月1日在提出證據方法的書狀中再次要求法院考慮上述之文件(參見提出證據方法的書狀的第1點),該文件及當中的事實亦沒有被一審法院所考慮。
     6. 原告隨後再於2016年10月6日在法律陳述中再次要求法院考慮上述之文件(參見法律陳述書狀的第12點),該文件及當中的事實亦沒有被一審法院所考慮。
     7. 然而,該文件及當中的事實至一審法院作出判決時仍然沒有被考慮。
     8. 儘管製作有關已確定之事實和調查基礎表的批示的法官並沒有將該於2015年7月7日作出的通知列為已確定之事實但鑒於被告沒有作出爭辯,考慮到《民事訴訟法典》第80條及第410條第2款之規定,相關事實在本案中應獲得了完全證實。
     9. 而透過具完全證明力證據的事實,即使沒有在第430條所指的批示之上被列為已確定之事實,亦應被審判法官及上訴法院視為已認定之事實,而考慮到《民事訴訟法典》第549條第4款之規定,審判法院甚至不能對此作出審理。
     10. 為此,根據《民事訴訟法典》第562條第3款的規定,法官在“說明判決之理由時,法官須考慮經協議而承認之事實或未有提出爭執之事實、透過文件或透過以書面記錄之自認予以證明之事實,以及法院視為獲證明之事實"。
     11. 因此,鑒於原告於2015年7月7日以信件方式通知被告其不欲租約續期的意思表示,有關租賃關係已於2015年10月11日起終止。
     
     法院傳喚完全可產生《民法典》第1039條第1款規定的書面方式可產生的法律效力
     12. 在有期限的租賃合同中,如任何一方欲於租約屆滿時終止租賃者,則有義務根據《民法典》第1039條規定以書面方式通知對方其不欲租約續期的意思表示。
     13. 法律要求書面方式作出終止合同通知的立法精神是為了確保被通知人可藉著一嚴謹和穩當的方式獲知對方不欲續約的意願。
     14. 在本案中,租賃合同的首次屆滿目為2013年10月10日(參見附於起訴狀的文件1)。
     15. 作為出租人的原告於2013年7月7日以信件方式(參見附於起訴狀的文件4)向作為承租人的被告通知其欲終止租賃關係的意思表示,並要求被告適時遷出。
     16. 然而,原告在租約屆滿日(2013年10月10日)沒有遷出,原告為此其後多次親身及以口頭方式著被告遷出單位,然而仍被被告拒絕。
     17. 為此,原告於2015年2月17日向法院針對被告提起勒遷之訴和請求返還單位。
     18. 在訴辯書狀來往階段,上訴人於2015年7月20日向法院提交原告的反駁,當中第8及第9點提到,由於原告已於2015年2月17日向法院針對被告提起勒遷之訴和請求返還單位,而被告已於2015年4月21日依法被傳喚,且於2015年7月7日作為出租人的原告又再次向被告發出租約屆滿不續租的書面通知(參見附於原告反駁的文件1-3) ,參照中級法院第410/2013號裁判的司法見解,原告認為即使上述的通知沒有被一審法院認定,被告早於2016年10月10日租約屆滿前90天,已通過一個較一般書面方式更嚴謹和穩當的方式(本訴的傳喚)獲清楚告知出租人決定單方終止租約的意思表示。
     19. 參照中級法院第410/2013號裁判的司法見解,法律僅要求以一般書面方式的通知,而實際上被告經法院傳喚而獲知原告不欲續約、單方終止租約和承租人必須遷出的明確意思表示,因此,基於更強的理由的理據(a fortiori) ,法院傳喚完全可產生《民法典》第1039條第1款規定的書面方式可產生的法律效力。
     20. 因此,被告於2015年4月21日在本勒遷之訴被傳喚的事實成就了《民法典》第1039條的形式要件,有關租賃關係已於2016年10月11日起終止。
     
     在一審法院作出判決時上訴人仍然欠繳租金及賠償,租貸因而解除
     21. 一審法院於判決書的第10頁指出被上訴人於2015年10月19日已支付2013年5月以及由2014年1月至2015年2月的雙倍租金,其後被告就2015年3月至2016年4月支付了雙倍租金,並支付了2016年5月至11月的租金。
     22. 一審法院隨後於判決書的第12頁指出被上訴人已分別支付直至提起訴訟日的欠繳租金、在提起訴訟後延遲租金、以至支付了直至11月的所有租金,在作出判決時已不存在任何欠繳租金。
     23. 然而,上訴人透過簡單的計算,仍無法算出被上訴人已全數支付欠繳租金及因延遲而引起的賠償(參見文件1)。
     24. 根據附人卷宗及判決中所認定的事實,被上訴人於2013年5月10日沒有支付到期的租金,而相關的欠租至2013年6月4日(即過了25天才作出支付),為此根據《民法典》第996條第1款的規定,被上訴人需向原告支付相當於該租金金額之一半之損害賠償(即港幣2,750.00元)。
     25. 被上訴人隨後:
a. 於2013年7月3日才向上訴人的銀行戶口支付2013年6月10日的租金(即過了23天才作出支付),為些該遲延相應產生了港幣2,750.00元的損害賠償;
b. 於2013年8月5日才支付2013年7月10日的租金(即過了26天才作出支付),為些該遲延相應產生了港幣2,750.00元的損害賠償;
c. 於2013年9月24日才支付2013年8月10日的租金(即過了45天才作出支付),為些該遲延相應產生了港幣5,500.00元的損害賠償;
d. 於2013年10月16日才支付2013年9月10日的租金(即過了36天才作出支付),為些該遲延相應產生了港幣5,500.00元的損害賠償;
e. 於2013年11月15日才支付2013年10月10日的租金(即過了36天才作出支付),為些該遲延相應產生了港幣5,500.00元的損害賠償;
f. 於2013年12月13日才支付2013年11月10日的租金(即過了33天才作出支付),為些該遲延相應產生了港幣5,500.00元的損害賠償。

26. 為此,從2013年5月10日至2013年12月9日,上述遲延相應產生合共港幣30.250.00元的損害賠償。
     27. 被上訴人隨後便沒有支付2013年12月10日至2015年9月10日(共22個月)於訴訟期間需支付的租金及相關損害賠償。
     28. 至2015年10月9日,相關的欠租及損害賠償已累積至港幣272,250.00元。
     29. 直至2015年10月19日,被上訴人才向法院存入港幣165,000.00元,僅足夠支付部份的欠租及損害賠償。
     30. 也就是說,至2015年11月9日,被上訴人仍欠上訴人港幣118,250.00元 (272,250-165,000+5,500+5,500)。
     31. 事實上,被上訴人可將有關租金及賠償直接存入原告的帳戶、又或在銀行作出提存後通知法院,而不用向法院作出支付。
     32. 即使被上訴人:
     a. 再於2016年7月2日向法院存入港幣154,000.00元;
     b. 於2016年10月5日向法院存入澳門幣28,325.00元;
     c. 於2016年7月2日向法院存入澳門幣11,330.00元,
     仍未足夠付清所累積計算的租金和相關損害賠償(參見文件1)。

     33. 至判決作出日,被上訴人仍欠合共港幣78,595.00元的租金和相關損害賠償。
     34. 為此,鑒於被上訴人沒有根據相關的法律規定,提存了所有租金及相關的賠償,有關租賃合同應被解除。
* * *
B (Réu), Recorrido, com os sinais identificativos nos autos, veio, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 613º, n.º 2, in fine, do CPC, apresentar a sua RESPOSTA, tendo formulado as seguintes conclusões :
1. 就上訴人於2017年03月28日提交之上訴理由陳述所主張的理由,被上訴人對此不予認同,並認為應維持被上訴批示(載於卷宗第239-245頁)的決定。
2. 歸納上訴人提出之理由陳述,可以得出上訴人下列主要理據:
           i. 一審法院未予考慮上訴人於2015年07月20日附入卷宗的租約期屆滿的不獲續租通知的事實。
           ii. 一審法院的傳喚可產生單方終止通知的效力。
           iii. 在作出判決時,被上訴人仍欠繳租金及賠償。
3. 在尊重上訴人的情況下,被上訴人依次有以下之微見:

上訴人逾期提起上訴聲請
4. 根據《民事訴訟法典》第591條第1款的規定,提起上訴之期間為十日,自作出裁判之通知時起算。
5. 一審法院在2016年12月01日作出終局裁判(載於卷宗第239-245頁),並於翌日寄出,各當事人在同月05日應視為獲得通知。
6. 然而,上訴人在2016年12月09日根據《民事訴訟法典》第570條第1款及第572條a)項的規定向一審法院聲請更改錯漏及解釋。
7. 從上訴人上述的聲請書狀中可以發現,上訴人認為一審法院在計算被上訴人欠租金額方面存有錯誤,因而不應視被上訴人能夠阻卻上訴人行使解除租約的權利。
8. 《民事訴訟法典》第570條第1款,所謂判決的錯漏,是指法官寫出的事物與其希望寫出的事物不相同,即裁判內容與其心目中希望的內容不久相符合,或表示的意思與真實意思不相符。
9. 而《民事訴訟法典》第572條第a)項,所謂判決的解釋,是指判決中某些部分顯出含糊或多義,當事人可以請求解釋或澄清。
10. 實際上,依據上訴人上述聲請書的內容,難以認為其申請目的合符法律要求的目的。
11. 相反,我們認為上訴人對一審法院認定被上訴人已沒有欠繳租金的不服的理據是屬於審判的錯誤,而非錯漏或解釋。
12. 申言之,上訴人提出更正錯漏及解釋的申請目的在於利用此一機制從而延長其上訴聲講的期限。
13. 並因此,上訴人方於2017年02月12日提起上訴聲請。
14. 因此,上訴人不善意地行使權利的情況下,上訴法院應裁定上訴人逾期提起上訴,駁回上訴人的上訴。
     
未予考慮上訴人附入卷宗的文件
15. 上訴人指稱,被上訴人沒有就上訴人提交的反駁書狀中第8點的事實提出爭執,應視有關事實獲得證實。
16. 根據《民事訴訟法典》第420條第1款a)項的規定,上訴人提出反駁的作用僅就被上訴人在答辯中提出的抗辯作出答覆。
17. 被上訴人在答辯中沒有提出反訴,因此上訴人也不能在反駁中作出任何抗辯防禦。
18. 既然上訴人不能提出任何抗辯,意味著被上訴人也沒有任何爭執的義務。
19. 而且,即使上訴人認為其提出的不是抗辯,退步而言,另一可採的方法便是根據《民事訴訟法典》第217條第1款的規定追加訴因,但上訴人沒有這樣做。
20. 被上訴人如沒有對無義務提出爭執的事實提出爭執,也不會構成自認的法律後果。
21. 根據《民事訴訟法典》第5條規定的處分原則,法官僅得以當事人陳述之事實作為裁判基礎。
22. 因此,倘上訴人要將其反駁書狀中第8點的事實作為裁判基礎,其必須按照訴訟法的規定將該事實組成訴因範團 否則法官不能考慮該等事實。
傳喚可產生單方終止通知的效力
23. 上訴人引用中級法院第410/2013號裁判的司法見解,認為本案情況應獲得相同的解決方法。
24. 一方面,被上訴人認為本案與上述裁判不是完全相同的情況,不能直接得出應採用相同的解決方法。
25. 另一方面,本案中不存在已被認定的事實能夠足以支持上訴人這一方面的結論。

在作出判決時,被上訴人仍欠繳租令及賠償
26. 從卷宗內的所有資料,可以得出被上訴人在訴訟待決期間,一直有聲請存放租金及賠償。
27. 且上訴人未曾對被上訴人存放租金一事提出任何爭執,應視上訴人對存放的金額已作出接受。
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    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    III – FACTOS
Como o presente recurso tem por objecto a sentença de primeira instância, importa alinhar os factos que o Tribunal a quo considera assentes com interesse para a decisão da causa, que são os seguintes:
A. No dia 10 de Outubro de 2011, a Autora e o Réu acordaram, por escrito, que o segundo tomaria de arrendamento o rés-do-chão do imóvel sito na Rua Direita Carlos Eugénio nº 9, pelo prazo de dois anos, com a renda mensal de HKD5.500,00 (cinco mil e quinhentas dólares de Hong Kong), em conformidade com o teor do documento junto a fls. 11 e 12 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
B. A partir de 10 de Outubro de 2011, o Réu começou a depositar o valor da renda na conta de poupança nº 04-11-10-015806 da Autora, no Banco da China;
C. Tendo o Réu depositado o valor de HKD5.500,00 (cinco mil e quinhentos dólares de Hong Kong) na conta bancária da Autora nos dias 7 de Novembro de 2011, 6 de Dezembro de 2011, 5 de Janeiro de 2012, 2 de Fevereiro de 2012, 1 de Março de 2012, 5 de Abril de 2012, 4 de Maio de 2012, 6 de Junho de 2012, 5 de Julho de 2012, 2 de Agosto de 2012, 4 de Setembro de 2012, 4 de Outubro de 2012, 5 de Novembro de 2012, 4 de Dezembro de 2012, 3 de Janeiro de 2013, 4 de Fevereiro de 2013, 6 de Março de 2013, 5 de Abril de 2013, 4 de Junho de 2013, 3 de Julho de 2013, 5 de Agosto de 2013, 24 de Setembro de 2013, 16 de Outubro de 2013, 15 de Novembro de 2013 e 13 de Dezembro de 2013;
D. O Réu não depositou a renda de Maio de 2013 na conta bancária da Autora, tendo feito o pagamento apenas em 4 de Junho de 2013;
E. Desde de 13 de Dezembro de 2013 até à presente data o Réu nunca mais efectuou o pagamento de renda à Autora;
F. Desde 10 de Outubro de 2013 que a Autora se recusa a receber o pagamento de rendas;
G. O Réu efectuou depósito nos autos, no montante de MOP169.950,00, nos termos e para os efeitos do artigo 933º do Código de Processo Civil;
H. O Réu procedeu ao depósito do valor em dobro das rendas de Março de 2015 a Abril de 2016 no montante de MOP158,620.00 e de Maio a Novembro do corrente ano em singelo nos montantes de MOP28,325.00 e MOP11,330.00 tudo conforme consta a fls. 154, 220 e 232.

* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO

Tempestividade do recurso interposto pela Recorrente:
- A sentença foi proferida em 01/12/2016;
- A mesma foi notificada às partes por correio de 02/12/2016 (fls. 247);
- Em 09/12/2016 a Recorrente veio ao abrigo dos artigos 570º/1 e 5720/-a) do CPC pedir esclarecimentos e proceder à correcção de lapsos;
- O pedido foi indeferido com base nos artigos 569º e 572º do CPC (fls. 261);
- Em 14/02/2017 a Recorrente veio a apresentar o recurso (fls. 264).
Perante estes factos, o Recorrido veio a defender que o recurso foi interposto fora do prazo legal, já que o pedido de esclarecimento foi indeferido, por a Recorrente utilizar este mecanismo (pedir esclarecimento) para tentar “dilatar” o prazo de interposição do recurso.”
Não tem razão, pois o pedido do esclarecimento da Recorrente foi formulado com base no artigo 571º do CPC, e o artigo 592º (Interposição do recurso quando haja rectificação, aclaração ou reforma da sentença) do CPC estipula:
1. Se algumas das partes requerer a rectificação, aclaração ou reforma da sentença, nos termos dos artigos 570.º e 572.º, o prazo para o recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento.
2. Estando já interposto recurso da primitiva sentença ou despacho ao tempo em que, a requerimento da parte contrária, é proferida nova decisão, rectificando, esclarecendo ou reformando a primeira, o recurso fica tendo por objecto a nova decisão; mas o recorrente pode alargar ou restringir o âmbito do recurso em conformidade com a alteração que a sentença ou despacho tiver sofrido.
Para as partes, pode entender-se que a sentença é ambígua em determinados aspectos, mas para o Tribunal não existe ambiguidade, a este último cabe apreciar e decidir. São situações normais, e assim, ao formularem os pedidos nesse sentido, as partes devem fundamentá-los. No caso, a Recorrente/Autora cumpriu.
Nestes termos, feitas as contas, o recurso da Recorrente foi interposto tempestivamente, razão pela qual é de julgar manifestamente improcedente o argumento do Recorrido nesta parte.
*
Prosseguindo,
Na presente acção verificam-se várias “anormalidades”, a saber:
- Pelo Tribunal a quo foi decidido, em 13/04/2016, passar mandato de despejo (fls. 116), por o Réu não ter cumprido o dever legalmente imposto (depósito de rendas atrasadas), mas tal decisão acabou por vir a ser revogado pelo julgador a quo (fls. 155) em 03/06/2016;
- Quando o Réu contestou a acção, em vez de fazer já prova de que já depositou as rendas em atraso, veio a requerer um prazo para o fazer. O que contraria o disposto no artigo 933º/3 do CPC.
- O depósito só foi feito em 31/05/2016 conforme o teor de fls. 154;
- Desde o início a Autora reclamou junto do Tribunal a quo contra a posição de não atender o documento de fls. 63 a 65.
- Em 07/06/2017, a pedido da Recorrene/Autora, foi feita a notificação avulsa dirigida ao Réu (arrendatário), à luz da qual a senhoria não renovaria o contrato de arrendamento, quando este chegasse ao termo.
*

Recurso interlocutório interposto pela Recorrente/Autora:
Contra o despacho de fls. 147 que admitiu o depósito de rendas feitos pelo Réu, veio a Recorrente/Autora recorrer com os fundamentos de fls. 151 a 152, por entender que tal depósito foi feito fora do prazo legal (artigo 933º/3 do CPC), e, pediu a passagem de mandato de execução de despejo (artigo 935º do CPC).
Tal recurso foi admitido mediante despacho de fls. 155, tendo sido fixado o efeito meramente devolutivo com subida diferida.
Assim, só agora é que o Tribunal ad quem é chamado para decidir esta questão. Em bom rigor, tal recurso devia subir imediatamente, mas não foi isso que ocorreu.
Efectivamente, nos termos fixados pelo artigo 933º/3 do CPC, as rendas vencidas deviam ser depositadas até à resposta, e não depois de passar o prazo para a resposta é que vinha a pedir um novo prazo para esta finalidade.
Mais, depois de recepção pelo Recorrido/Réu do mandato de execução de despejo (fls. 116), em 18/04/2016, este veio em 21/04/2016 responder ao requerimento da Recorrente/Autora, pedindo que lhe fosse autorizado depositar as rendas vencidas, o que foi autorizado pelo Tribunal a quo (depositar as rendas vencidas).
Chegada a esta fase processual, todas as questões acima suscitadas acabam por ser inúteis, uma vez que:
1) – O Recorrido/Réu continua a ocupar o locado até hoje;
2) – O contrato de arrendamento, nos termos que demonstraremos mais adiante, caducou em 10/10/2015 e a partir daí, o Recorrido passou a sujeitar-se às “sanções” legalmente fixadas: mora no pagamento de rendas e mora na restituição do locado.
3) – Despois, a legislação vigente não diz o que aconteceria se o mandato de execução de despejo não fosse cumprido com sucesso (salvo as situações expressamente previstas nos artigo 936º e 937º do CPC)?
Pelo que, como os efeitos do recurso nesta parte (tentativa de obter a restituição imediata do locado mediante mandato de execução de despejo) passarão a ser “incorporados” nos efeitos decorrentes do acórdão que decidirá sobre o recurso contra a sentença final (conhecedor de márito), é de julga inútil o recurso interlocutório.
*
Continuando,
Neste recurso a Recorrente/Autora veio a suscitar essencialmente as seguintes questões:
1) - O Tribunal a quo não valorou um facto demonstrativo da intenção de não renovação do contrato de arrendamento em causa, junta aos autos em 20/07/2105 (fls. 63 a 65) e não atendeu ao pedido de aditamento de um facto assente relativo a este ponto (fls.77);
2) – A citação do Réu para contestar a acção, ordenada pelo Tribunal de 1ª Instância, produz efeitos de interpelação, nomeadamente o efeito de cessação do contrato de arrendamento;
3) – O Réu deveu, aquando da prolação da sentença de primeira instância, ainda rendas e não procedeu ao depósito das rendas vencidas e vincendas
*
Ora, como foi suscitada a questão da admissibilidade (ou inadmissibilidade) de um facto, que terá repercussões na decisão da causa, temos de analisar esta questão em primeiro lugar.
1) 1ª questão: o Tribunal a quo não valorou um facto demonstrativo da intenção de não renovação do contrato de arrendamento em causa, junta aos autos em 20/07/2105 (fls. 63 a 65)
Ora, está em causa um documento particular, em que a Recorrente/Autora declarou que não renovaria o arrendamento do imóvel identificado nos autos, exigindo que o locado fosse devolvido até 11/10/2015.
A Recorrente critica o Tribunal a quo por este não ter valorado este facto, provado por documento de fls. 63 a 65, apresentado com a réplica, senão o contrato teria caduco e assim terminaria o presente litígio.
Terá razão a Recorrente?
Está em causa um documento particular, relativamente ao qual importa realçar o seguinte:
1) - Tal documento foi enviado para o endereço do locado e o talão demonstrou que foi recebido;
2) - Conforme o tero de tal documento (fls.64), a Recorrente/Autor veio a declarar que o contrato de arrendamento celebrado com o Recorrido caducaria em 10/10/2015 e pedir que lhe fosse devolvido o locado até essa data.
3) – O que gera os efeitos dos artigos 1013º/1-c), 1014º/2, 1038º e 1039º do CCM.
4) – Pois, tal carta foi manda para o endereço do locado e o talão de fls. demonstra que foi recebido tal carta, logo produzem-se os efeitos do artigo 216º do CCM (declaração que chegou à esfera do destinatário).
5) – Perante este facto e o documento em causa, o Recorrido não chegou a impugná-los.
6) – Pelo que, tal facto dever ser aditado com o seguinte teor:
“A Autora comunicou o Réu, através da carta de 07/07/2015 (fls. 63 a 65, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais), a vontade de não renovar o contrato de arrendamento, exigindo que o Réu lhe devolvesse o locado até 11/10/2015, para evitar indemnizações adicionais a suportar.”
7) – Ora, como a Autora veio impugnar a matéria de facto, e o artigo 629º (Modificabilidade da decisão de facto) do CPC permite o Tribunal ad quem alterar a matéria de facto, pois ele manda:
1. A decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 599.º, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
2. No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, o Tribunal de Segunda Instância reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham servido de fundamento à decisão de facto impugnada.
3. (…)
Nestes temos, e como o facto a aditar deve ser comprovado por documento e por aceitação, neste caso, e, este já se encontra junto aos autos, então o facto em causa será tido como ASSENTE nos termos acima formulados.
8) Pelo que, é de julgar procedente o recurso nesta parte apresentado pela Recorrente/Autora.
*
Prosseguindo, passemos a ver as outras questões suscitadas.
Como o objecto deste recurso tem por objecto a sentença do Tribunal de primeira instância, importa ver o que este decidiu. Este afirmou:

A, do sexo feminino, viúva, maior, com meio de contacto em Macau na XXX
Vem instaurar acção especial de despejo contra,
B, do sexo masculino, maior, residente na Taipa, na XXX.
Alega a Autora que entre si e Réu foi celebrado um contrato de arrendamento relativamente a fracção autónoma que identifica, sendo que, 90 dias antes do termo do contrato a Autora comunicou ao Réu por escrito a não renovação do mesmo, não tendo, contudo o Réu na data do termo do contrato entregue o locado.
Concluindo pede que:
a) Se declare que o prazo do contrato de arrendamento terminou em 10 de Outubro de 2013, devido a denúncia apresentada e determine o despejo do Réu e das pessoas que se encontram no bem imóvel em causa;
b) Se condene, nos termos do artº 1027º do Código Civil de Macau, o Réu efectuar a indemnização sobre o pagamento em mora à Autora, no período entre Maio de 2013 e Setembro de 2013, pagando em cada mês montante de HKD2.750,00 (duas mil e setecentos e cinquenta dólares de Hong Kong), e ainda a renda mensal de HKD5.500,00 (cinco mil e quinhentos dólares de Hong Kong) contado a partir de 10 de Outubro de 2013 até à data da restituição do bem imóvel em causa ou pagar a indemnização sobre o pagamento em mora que corresponde ao dobro da renda mensal, no valor de HKD11.000,00 (onze mil dólares de Hong Kong);
c) Caso não atenda ao pedido das alíneas a) e b), se declare a extinção do contrato, o qual termina em 10 de Outubro de 2015, em virtude da citação da denúncia apresentada, e ainda determine o despejo do Réu e das pessoas que se encontram no bem imóvel em causa;
d) Conforme o nº 1 do artº 996º e artº 1027º do Código Civil de Macau, se condene o Réu efectuar a indemnização sobre o pagamento em mora à Autora, no período entre Maio de 2013 e Novembro de 2013, pagando em cada mês no montante de HKD2.750,00 (duas mil setecentos e cinquenta dólares de Hong Kong), e ainda a renda mensal de HKD5.500,00 (cinco mil quinhentos dólares de Hong Kong) contado a partir de 10 de Dezembro de 2013 até à data da restituição do bem imóvel em causa ou pagar a indemnização sobre o pagamento em mora que corresponde ao dobro da renda mensal, no valor de HKD11.000,00 (onze mil dólares de Hong Kong);
e) Caso não atenda ao pedido das alíneas c) e d), se declare a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento da renda e determine o despejo do Réu e das pessoas que sem encontram no bem imóvel em causa;
f) Segundo ao disposto do nº 1 do artº 996º e artº 1027º do Código Civil de Macau, se condene o Réu a pagar a renda mensal de HKD5.500,00 (cinco mil quinhentos dólares de Hong Kong) desde de 10 de Janeiro de 2014 até à data da resolução do contrato de arrendamento, e a pagar HKD11.000,00 (onze mil dólares de Hong Kong) por mês, a partir da data da resolução do contrato de arrendamento até à data da restituição do bem imóvel.
Citado o Réu para querendo contestar veio este fazê-lo defendendo-se por excepção invocando que o contrato não foi validamente denunciado para o termo do prazo e por impugnação, concluindo pela improcedência da acção e requerendo que sejam emitidas guias para pagamento da renda.
O Autor replicou defendendo-se por impugnação.
Foi proferido despacho saneador relegando-se o conhecimento das excepções peremptórias para final, tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória.
Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal mantendo-se a validade da instância.
*
Cumpre assim apreciar e decidir.

Nos termos do artº 969º do C.Civ. diz-se locação o «contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.»
Face à factualidade apurada, dúvidas não subsistem que o R. com início em 10.10.2011 tomou de arrendamento a fracção autónoma a que se reportam estes autos – artº 970º do C.Civ. -.
Arrendamento, esse celebrado pelo prazo de dois anos.
Nos termos do nº 1 do artº 1038º e alínea b) do nº 1 e nº 2 do artº 1039º ambos do C.Civ., a denúncia tem de ser comunicada por escrito ao outro contraente com a antecedência mínima de 90 dias.
Da prova produzida não resulta que a Autora haja denunciado o contrato de arrendamento por escrito dentro do prazo indicado.
Por outro lado, contrariamente ao que a Autora invoca na sua petição inicial a citação para a presente acção não vale nem pode ser interpretada como vontade de denunciar o contrato para o termo do prazo que virá a ocorrer após a realização da mesma.
Destarte, não tendo o contrato sido validamente denunciado para o termo do prazo só pode a acção improceder nesta parte.

No que concerne à falta de poderes da Autora invocada pelo Réu, o certo é que este celebrou com aquele o contrato de arrendamento a que se reportam os autos, não sendo objecto desta acção o direito de que a Autora seja eventualmente titular o qual para o que aqui importa se apresenta na posse do imóvel tendo cedido o gozo do mesmo ao Réu.
Destarte, pese embora o Réu não retire desta alegação efeito algum, não se tendo a mesma provado em nada afecta a decisão a proferir.
Pede também a Autora, subsidiariamente a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas.
No que concerne à falta do pagamento de rendas o que resulta demonstrado é que aquando da instauração da acção o Réu não pagou a renda de Maio de 2013 e a de Janeiro de 2014 e seguintes.
Em 19.10.2015 o Réu procedeu ao pagamento em dobro das rendas referentes aos meses de Maio de 2013 e Janeiro de 2014 a Fevereiro de 2015 todas inclusive – cf. fls. 71 e facto da alínea g) dos factos assentes –
Posteriormente efectuou o Réu o pagamento em dobro das rendas de Março 2015 a Abril 2016 (cf. fls. 154 e alínea h) dos factos assentes) e efectuou em singelo o pagamento das rendas de Maio a Novembro de 2016 (cf. fls. 220 e 232 e alínea h) dos factos assentes).
Nos termos do artº 983º al. a) do C.Civ é obrigação do locatário aqui Réu proceder ao pagamento da renda.
De acordo com o disposto no nº 1 do artº 996º do C.Civ., constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a metade do montante que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento. Se o atraso exceder 30 dias a indemnização referida é aumentada para o dobro, ou seja, a indemnização passa a ser igual ao valor da renda devida.
Nos termos da al. a) do artº 1034º do C.Civ. a senhoria, aqui Autora, pode resolver o contrato de arrendamento se o arrendatário não pagar a renda no tempo e lugar próprios nem fizer depósito liberatório.
Nos termos do artº 1019º do C.Civ. caduca o direito à resolução do contrato por falta de pagamento de rendas se o Réu até à contestação da acção efectuar o depósito a que alude o artº 996º do mesmo diploma legal.
Na contestação o Réu requereu e depois de deferido veio a efectuar o pagamento das rendas vencidas até à data em que foi proposta a acção e posteriormente veio a efectuar também o pagamento das rendas vencidas após a instauração da acção estando pagas todas as rendas até ao passado mês de Novembro, sem que neste momento hajam rendas em dívida.
Destarte, tendo o Réu efectuado o depósito das rendas e indemnização devida, nos termos da citada disposição legal impediu o Réu a resolução do contrato de arrendamento.
Pelo que, nessa parte também não pode a acção ser julgada procedente, sem prejuízo de ter sido o R. a dar causa à acção para efeitos de condenação em custas.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção improcedente porque não provada e em consequência absolve-se o Réu dos pedidos.

Custas a cargo dos A. e R. na proporção de metade.
Registe e Notifique.
* * *
2ª questão: a citação do Réu para contestar a acção, ordenada pelo Tribunal de 1ª Instância, produz efeito de interpelação, nomeadamente o efeito de cessação do contrato de arrendamento
São os seguintes factos cronologicamente relevantes para avaliar a questão levantada:
1) – Em 17/0/2015 foi proposta esta acção de despejo (fls. 2);
2) – Em 23/04/2015 foi citado do Réu para contestar (fls. 46);
3) – Em 10/10/2013 caducaria o contrato de arrendamento (fls. 11);
4) – Com a renovação (automática) do contrato em causa, esse caducaria em 10/10/2014, depois em 10/10/2015 (artigo 1038º/3 do CCM).
Tem razão quando a Recorrente/Autora afirma que a citação tem efeitos de interpelação do arrendatário, intimando-o de que o contrato de arrendamento não seria renovado quando caducasse.
Como a Recorrente/Autora focou em 10/10/2015, então é este tempo que releva nestes autos.
Nesta matéria importa atender aos 2 preceitos legais do CCM que disciplinam esta situação, o artigo 1038º (Denúncia) do CCM manda:
1. Findo o prazo do arrendamento, o contrato renova-se por períodos sucessivos, se nenhuma das partes o tiver denunciado no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei.
2. No entanto, o senhorio não goza do direito de denunciar o contrato de arrendamento para o seu termo ou para o termo das renovações antes do decurso de 3 anos sobre o início do arrendamento.*
3. O prazo da renovação é igual ao do contrato; mas, salvo estipulação em contrário, é apenas de 1 ano, se o prazo do contrato for mais longo.

Depois, o artigo 1039º (Comunicação da denúncia) do mesmo Código prescreve:
1. A denúncia tem de ser comunicada por escrito ao outro contraente com a antecedência mínima seguinte:
a) 180 dias, se o prazo for igual ou superior a 6 anos;
b) 90 dias, se o prazo for igual ou superior a 1 ano e inferior a 6 anos;
c) 30 dias, se o prazo for igual ou superior a 3 meses e inferior a 1 ano;
d) Um terço do prazo, quando este for inferior a 3 meses.
2. A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao fim do prazo do contrato ou da renovação.

O artigo 1014º (Interpelação) do CCM dispõe:
1. A cessação da locação opera por interpelação dirigida à outra parte, pela forma prevista na lei.
2. A interpelação faz-se pela citação, quando seja exigida acção judicial, ou extrajudicialmente, por comunicação; tratando-se de arrendamento, a comunicação tem de ser escrita.
3. Produz, ainda, os efeitos da interpelação o reconhecimento, pelo locatário, do facto jurídico que conduz à cessação da locação; tratando-se de imóvel, o reconhecimento tem de resultar de documento assinado pelo locatário ou de documento emitido seguramente pelo mesmo.
4. A interpelação feita pelo locador, quando efectuada na forma prevista pela lei, torna exigível, a partir do momento legalmente fixado, a desocupação da coisa locada e a sua entrega com as reparações que incumbem ao locatário.

É de ver que, com a citação, está satisfeito o requisito do artigo 1039º/1-b) do CCM, como em 23/04/2015 foi citado do Réu para contestar (fls. 46), e o contrato em causa terminaria só em 10/10/2015, foi dado ao arrendatário um prazo superior a 90 dias para (este último) saber que teria de devolver o locado à Recorrente/Autora, pelo que, tem de entender que o contrato caducou em 10/10/2015.
Aliás, à mesma conclusão se chegará através da análise da carta dirigida ao Recorrido em 07/07/2015, cujo teor se transporta para o facto aditado nos termos acima analisados.

Pelo que, julga-se procedente o pedido da Autora/Recorrente neste ponto.
* * *
3ª questão: O Réu deveu ainda rendas e não procedeu às rendas vencidas e vincendas aquando da prolação da sentença de primeira instância.
Como na pendência desta acção ocorreram vários factos pertinentes, é de dar cumprimento ao que está fixado no artigo 566º (Atendibilidade dos factos supervenientes) do CPC, que tem o seguinte teor:
1. Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
2. Só são, porém, atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação material controvertida.
3. A circunstância de o facto relevante ter nascido ou se ter extinguido no decurso do processo é levada em conta para o efeito da condenação em custas.
Na sequência da conclusão acima tirada, podemos dividir as questões de rendas em 2 partes (mora no pagamento de rendas e mora na restituição do locado):
A) – Rendas vencidas e atrasadas antes de 10/10/2015:
Tem razão quando a Recorrente alega o seguinte (é também o que resulta do teor dos registos bancários):
- Em 3/07/2013 o arrendatário depositou a renda na conta bancária da senhoria, com um atraso de 23 dias; sendo esta renda reportada ao mês de Junho, o que dá origem a uma indemnização de HK$2,750.00 pelo atraso de pagamento de renda em causa;
- Em 5/08/2013 o arrendatário depositou a renda na conta bancária da senhoria, com um atraso de 26 dias; sendo esta renda reportada ao mês de Julho, o que dá origem a uma indemnização de HK$2,750.00 pelo atraso de pagamento de renda em causa;
- Em 24/09/2013 o arrendatário depositou a renda na conta bancária da senhoria, com um atraso de 45 dias; sendo esta renda reportada ao mês de Agosto, o que dá origem a uma indemnização de HK$5,500.00 pelo atraso de pagamento de renda em causa;
- Em 16/10/2013 o arrendatário depositou a renda na conta bancária da senhoria, com um atraso de 36 dias; sendo esta renda reportada ao mês de Setembro, o que dá origem a uma indemnização de HK$5,500.00 pelo atraso de pagamento de renda em causa;
- Em 15/11/2013 o arrendatário depositou a renda na conta bancária da senhoria, com um atraso de 36 dias; sendo esta renda reportada ao mês de Outubro, o que dá origem a uma indemnização de HK$5,500.00 pelo atraso de pagamento de renda em causa;
- Em 13/12/2013 o arrendatário depositou a renda na conta bancária da senhoria, com um atraso de 33 dias; sendo esta renda reportada ao mês de Novembro, o que dá origem a uma indemnização de HK$5,500.00 pelo atraso de pagamento de renda em causa;
O que totaliza HK$30,250.00 a título de indemnização, ao abrigo do disposto no artigo 996º/1 do CCM.
*
B – Rendas vencidas, vencendas e indemnização a partir de 11/10/2015 (mora no pagamento de rendas e na restituição do locado):
Como o Recorrido chegou a depositar rendas após a cessação do contrato de arrendamento (10/10/2015), mas em singelo e interruptamente, depois deixou de o fazer, as rendas vencidas e vincendas, acrescidas de indemnizações só podem ser liquidadas em sede de execução da sentença.
Pois, a partir de 11/10/2015, o Recorrido está sujeito a pagar indemnizações nos termos fixados pelo artigo 1027º/1 e 2 (Indemnização pelo atraso na restituição da coisa) do CCM, que manda:
1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro; à mora do locatário não é aplicável a sanção prevista no artigo 333.º
3. Fica salvo o direito do locador à indemnização dos prejuízos excedentes, se os houver.
Nestes termos, com a carta de 07/07/2015 o Recorrido foi já interpelado para sair do locado até 11/10/2015, mas este não cumpriu, logo a sua conduta cai na alçada do artigo 2017º/2 do CCM.
Assim, o Recorrido está sujeito ao pagamento à Recorrente/Autora a quantia mensal de MOP$11,000.00 (dobro do valor da renda mensal contratualmente fixada: MOP$55,000.00 X 2), a título de renda e de indemnização (artigo 1027/1 e 2 do CCM), desde 11/10/2015, até à restituição do locado.
O valor total que o Recorrido deve pagar será liquidado nos termos prescritos no artigo 564º/2, ex vi do disposto no artigo 930º, ambos do CPC.
*
Síntese conclusiva:
I – Quando a Recorrente/Autora junto com a réplica um documento para comprovar que o Recorrido/Réu foi comunicada da não renovação do contrato de arrendamento, quando este caducava em 10/10/2015, e tal documento não foi impugnado pela parte contrária, errou na apreciação da prova quando o Tribunal a quo não atendeu este documento nem o seleccionou para a base de instrução.
II – Estando em causa um documento relevante para os efeitos do artigo 1014º/2 do CCM, é de aditar este facto assente, comprovado por documento já junto aos autos, à base de instrução, ao abrigo do disposto no artigo 629º/1-a) do CPC.
III – Cessado o contrato de arrendamento sem que o arrendatário procedesse à restituição em tempo do locado, nem ao pagamento de rendas, constituiu-se ele na mora na restituição do locado e no pagamento de rendas, há lugar, assim, à aplicação do artigo 1027º/1 e 2 do CCM.

*
Tudo visto, resta decidir
* * *
    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida e passando a decidir da seguinte forma:
1) – Declarar caducado em 10/10/2015 o contrato de arrendamento celebrado entre a Recorrente/Autora e o Recorrido.
*
2) – Condenar o Recorrido/Réu pagar à Autora/Recorrente as rendas vencidas e vincendas, acrescida de indemnizações devidas por pagamento atrasado até 10/10/2015 – nos termos fixados no item A da parte dispositiva – sendo o valor liquidado em sede da execução do acórdão ora proferido.
*
3) – Condenar o Recorrido/Réu pagar à Autora/Recorrente a quantia mensal de MOP$11,000.00 (dobro do valor da renda mensal contratualmente fixada: MOP$55,000.00 X 2), a título de renda e de indemnização (artigo 1027/1 e 2 do CCM), desde 11/10/2015 – nos termos fixados no item B da parte dispositiva - sendo o valor liquidado em sede da execução do acórdão ora proferido, até à restituição do locado à Recorrente/Autora.
*
Custas pelo Recorrido (Réu).
*
Registe e Notifique.
                 RAEM, 25 de Outubro de 2018.
                 Fong Man Chong
                 Ho Wai Neng
                 José Cândido de Pinho

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