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Processo nº 331/2017
(Autos de recurso contencioso)

Data: 1/Novembro/2018

Assuntos:
- Suspensão preventiva do exercício de funções
- Princípio da proporcionalidade
- Fundamentação de acto administrativo
- Audiência do interessado

SUMÁRIO
Sendo o recorrente funcionário público e considerando que o mesmo poderá vir a ser sujeito a uma pena de aposentação compulsiva ou uma pena de demissão em processo disciplinar, nos termos previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 315.º do ETAPM, verificados estão os pressupostos da aplicação da medida de suspensão preventiva previstos no n.º 1 do artigo 331.º do ETAPM.
No que respeita à questão de saber se deve ser aplicada ao recorrente a medida de suspensão preventiva prevista no n.º 1 do artigo 331.º do ETAPM, está em causa o exercício de poderes discricionários pela Administração, só podendo o tribunal sindicar o mérito do acto quando se verifica o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
Consagra-se nos termos do artigo 115.º, 1 do CPA que “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto”.
Encontrando-se os fundamentos contidos na proposta submetida à apreciação da entidade recorrida, ao concordar expressamente com os termos e soluções nela contidos, o acto recorrido vem absorver os fundamentos que se encontram ínsitos nessa proposta no seu todo.
Verificando-se que o recorrente, exercendo funções num serviço de atendimento ao público, tem vindo a praticar actos de injúria, calúnia ou difamação contra colegas, perturbando os colegas, bem assim o normal funcionamento do serviço; até consta dos autos que o responsável pelo serviço onde trabalhava o recorrente pediu à entidade competente para que tomasse medidas necessárias, nomeadamente ser o mesmo transferido para outro serviço, é compreensível, e razoável, aplicar com a maior celeridade possível e sem necessidade de audiência do interessado, a medida de suspensão preventiva do exercício de funções, com vista a assegurar o funcionamento normal da própria instituição, nos termos consentidos pela alínea a) do artigo 96.º do Código do Procedimento Administrativo.
       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 331/2017
(Autos de recurso contencioso)

Data: 1/Novembro/2018

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Secretária para a Administração e Justiça

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, com sinais nos autos, notificado do despacho da Exm.ª Secretária para a Administração e Justiça de 7 de Março de 2017, que lhe aplicou a suspensão preventiva do exercício de funções até à tomada de decisão final do processo disciplinar contra si instaurado, por prazo não inferior a 90 dias, dele não se conformando, interpôs o presente recurso contencioso de anulação de acto, formulando na petição do recurso as seguintes conclusões:
“1. O Venerando Tribunal por despacho proferido no Processo n.º 331/2017, datado a 20/04/2017 e notificado ao Recorrente a 21/04/2017, rejeitou liminarmente a petição inicial do presente recurso contencioso por erro na identificação do autor do acto recorrido, nos termos do disposto no artigo 46º, n.º 1 e n.º 2, alínea f).
2. O Recorrente, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 47º, n.º 1 do CPAC, apresenta assim nova petição de recurso contra a entidade recorrida devida.
3. Ora, o presente recurso contencioso de anulação é interposto do acto da Recorrida, notificado em 8/3/2017 através do ofício n.º 122/DSAJ/DARN/2017, cuja cópia aqui se junta (cfr. Doc. 2), que aplicou ao Recorrente a suspensão preventiva do exercício de funções, até à tomada de decisão final do referido processo mas por prazo não inferior a 90 dias.
4. O acto recorrido foi praticado no âmbito do processo disciplinar em epígrafe, cuja fase de instrução está a decorrer, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 331º, n.º 1 do ETAPM.
5. Nenhuma prova dos fundamentos invocados para aplicação do acto recorrido foi feita.
6. A medida cautelar de suspensão preventiva, apenas pode ser decretada com base em dois fundamentos.
6.1) Sempre que a presença do arguido se revele inconveniente para o serviço;
6.2) Sempre que a presença do arguido se revele inconveniente para o apuramento da verdade.
7. A suspensão preventiva aparentemente apenas se baseia na inconveniência para o serviço, não demonstrada, em virtude de alegados conflitos reiterados, na violação do dever de correcção e num súbito impedimento físico/psíquico ao exercício das funções sem nenhuma elaboração jurídica autónoma.
8. Não demonstrou ou provou a entidade recorrida que a manutenção do arguido seja intolerável para o interesse público ou possa comprometer seriamente o prestígio do serviço ou a dignidade da função pública exercida; Consequentemente,
9. Não se verificando os pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 331º do ETAPM, está o acto administrativo de suspensão provisório inquinado do vício de ilegalidade, por violação do artigo 3º do CPA, sendo como tal anulável; Mais,
10. Em segundo lugar, “é fora de dúvida que a suspensão preventiva do exercício de funções é susceptível de causar prejuízos ao Recorrente, na medida em que pode insinuar um pré-juízo de censurabilidade que ainda não existe, pelo facto de ainda não ter transitado em julgado a decisão de condenação do Recorrente no respectivo processo penal.” (entendimento do Tribunal de Segunda Instância); Pelo que,
11. A Administração ao decidir a suspensão preventiva do arguido está a obrigada a ponderar os interesses em crise com o devido cuidado e, ao não o fazer, sacrificou de forma desnecessária e excessiva os interesses do ora Recorrente, agindo assim em violação expressa do princípio da proporcionalidade, contido no artigo 5º, n.º 2 do CPA, sendo como tal anulável.
12. Em terceiro lugar, a decisão recorrida padece de falta de fundamentação da matéria de facto nos termos dos artigos 114º e 115º do CPA, pois a decisão é insuficiente e não explica as circunstâncias que levam a entidade recorrida a determinar a suspensão preventiva, devendo assim a decisão ser anulável nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 124º do CPA.
13. Acresce ainda, em quarto lugar, que não se verificando qualquer das circunstâncias que permitem a inexistência da audiência nos termos do disposto no artigo 97º do CPA, verifica-se a falta da audiência dos interessados, estando por isso o acto impugnado inquinado de vício de forma, por violação do 93º, n.º 1 do CPA, devendo assim a decisão ser anulável nos termos das disposições conjugadas dos artigos 124º, 125º e 130º, todos do CPA.
14. Pelo exposto, por a decisão recorrida incorrer em violação de lei ao não respeitar os preceitos legalmente prescritos e os princípios gerais do direito administrativo, deve ser revogada.
15. O pedido do Recorrente é legítimo e possui base legal estando o despacho recorrido, inquinado de ilegalidade, por violação do 93º, n.º 1 do CPA, ilegalidade, por violação do artigo 86º, n.º 1 e do artigo 3º e incompetência, nos termos do artigo 124º.
16. Pelo que, o presente recurso contencioso deve proceder devendo a decisão recorrida ser anulada, a pena de suspensão preventiva aplicada revogada.”
*
Regularmente citada, apresentou a entidade recorrida contestação, pugnando pela improcedência do recurso.
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Notificadas as partes para, querendo, apresentarem alegações facultativas, apenas a entidade recorrida usou desta faculdade, nelas foi suscitada a inutilidade superveniente do recurso contencioso, com fundamento de que o recorrente já retomou as suas funções em Junho de 2017.
Notificado o recorrente, o mesmo não se pronunciou.
Aberta vista ao Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público, foi emitido o seguinte douto parecer:
“Nas alegações de fls. 276 a 279 dos autos, a entidade recorrida pediu a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, alegando que a suspensão preventiva das funções aplicada ao recorrente pelo despacho em escrutínio terminou em inícios de Junho de 2017.
Bem qualificado, o fundamento alegado pela entidade recorrida para apoiar o seu pedido de extinçãoda instância se traduz em se verificarem a expiração do prazo da duração da da dita suspensão preventiva e, em consequência disso, da caducidade desta medida cautelar.
Quid juris?
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Proclama a brilhante doutrina que a impossibilidade ou inutilidade da lide surja «quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado, aqui por ele já ter sido atingido por outro meio.» (José Lebre De Freitas, João redinha, Rui Pinto: Código do Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra 1999, p. 247)
No seio do recurso contencioso, perfilhamos a sensata jurisprudência que assevera (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 11/2006): Os casos previstos no art. 87º do CPAC não são os únicos que releva para a extinção da instância do recurso contencioso por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, ao abrigo da al. e) do art. 84º do CPAC, e verifica-se a inutilidade superveniente da lide do recurso contencioso quanto se tornou impossível a reconstituição da lide do recurso contencioso quanto se tornou impossível a reconstituição da situação actual hipotética, sem que tenha sido apresentado o pedido de indemnização cumulativo.
No nosso modesto prisma, também há lugar à inutilidade superveniente da lide quanto o prosseguimento do recurso contencioso nos seus ulteriores termos e, sobretudo, uma sentença de anulação não puder, sem margem para dúvida, trazer uma utilidade prática ao recorrente, devido a um facto ocorrido na pendência de tal recurso contencioso.
No caso sub judice, é inquestionável que a suspensão preventiva das funções aplicada ao recorrente pelo despacho em causa cessou definitivamente em inícios de Junho de 2017 por ter expirado o prazo máximo de 90 dias consagrado no n.º 2 do art. 331º do ETAPM.
Repare-se que no art. 30º da petição inicial, o recorrente arrogou só um eventual «pré-juízo de censurabilidade» como lesão decorrente do despacho in questio e, de todo em todo lado, não alegou prejuízo efectivo material ou moral. O que implica que a suspensão preventiva consubstanciada no acto recorrido não lhe provoca prejuízo patrimonial.
Importa ainda ter presente que em 14/07/2017 o recorrente interpôs recurso contencioso do despacho proferido em 19/06/2017 pela Exma. Sra. Secretário para a Administração e Justiça, despacho que consiste em aplicar a pena de aposentação compulsiva (vide. Processo n.º 675/2017 desse TSI).
Ressalvado elevado respeito pela opinião diferente, os factos acima referidos levam-nos a inferir que se verifica in casu a impossibilidade da reconstituição da situação actual hipotética, e que o prosseguimento deste processo não trará utilidade prática ao recorrente – só o recurso do sobredito despacho da aplicação da aposentação compulsiva, caso merecendo a procedência, poderia trazer-lhe a utilidade prática.
Nesta ordem de perspectiva, e em conformidade com as inspirativas doutrinas e jurisprudências aludidas, inclinamos a entender que o presente recurso encontra com a inutilidade superveniente da lide, devido à caducidade da suspensão prevenção de funções derivada da expiração do prazo de 90 dias consagrado no n.º 2 do art. 331º do ETAPM. O que determina a extinção da instância (art. 84º, alínea e) do CPAC).
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Por todo o exposto acima, propendemos pela extinção da instância do presente recurso.”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, estão devidamente representadas e têm interesse processual.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
O recorrente desempenha funções de 2.º ajudante no Primeiro Cartório Notarial da RAEM.
Contra o recorrente foi instaurado o Processo Disciplinar n.º 01/PD/2017, tendo a instrutora do referido Processo elaborado a seguinte proposta:
“事由: 建議採取防範性停職的措施 第01/PD/2017號紀律程序
建議書編號: 21/DSAJ/DARN/2017
日期: 02/03/2017

法務局局長 閣下:

根據代局長於2017年2月20日對16/DSAJ/DARN/2017號建議書所作的批示,委任本人為第01/PD/2017號紀律程序的預審員。茲根據十二月二十一日第87/89/M號法令所核准的《澳門公共行政工作人員通則》(以下簡稱《通則》)第331條第1款的規定,建議對嫌疑人A作出防範性停職,有關說明理由如下:
1. 根據第一公證署分別於2017年1月10日、1月12日、2月15日,以及2月24日的來函,由於嫌疑人A屢與多名同事發生口角(包括不客氣的指責、騷擾及恐嚇)及肢體衝撞,以至到治安警察局報案,情況嚴重,已影響該公證署的日常運作及職員的工作情緒,甚至可能損害巿民對該公證署的印象。
2. 另外,隨第115/DSAJ/DRH/2017號內部通知附上健康檢查委員會於2017年2月10日對嫌疑人A所作出的審查記錄,有關報告指出其目前身體狀況不適宜擔任現時的工作,並須接受相關專科治療後再作評估。
3. 根據《通則》第331條第1款的規定,必須符合以下四個要件方可採取防範性停職的措施:
i. 涉及之違紀行為可被科處停職二百四十一日至一年、強迫退休或撤職之處分;
ii. 嫌疑人在職將對部門的工作或對查明真相造成不便;
iii. 直至就程序作出最後裁定為止,但停職期間不得超過九十日;
iv. 經預審員或命令提起紀律程序之實體建議,並透過行政長官的批示命令採取有關措施。
4. 考慮到嫌疑人A與同事產生磨擦的次數頻密,且按本建議書第1點所述,嫌疑人A的行為明顯地影響了其任職部門的運作,與作為公務人員須履行的一般義務有所抵觸,尤其是《通則》第279條第2款f)項及第8款所指的有禮義務。
5. 根據《通則》第315條第1款及第2款a)項的規定,嫌疑人A作出上述的行為,在一般和抽象(em termo geral e abstrato) 的情況下,可被科以強迫退休或撤職的紀律處分。
6. 此外,按本建議書第2點,健康檢查委員會於2017年2月10日所作出的審查,初步認為嫌疑人A目前的身體狀況並不適宜擔任現時的工作,加上嫌疑人一旦知悉被提起紀律程序後,基於積怨,極有可能把矛頭指向第一公證署的同事,在存在敵意的工作氛圍下,將更不利於該署的運作,甚至使到嫌疑人與同事之間發生更大的衝突。
7. 綜上所述,為預防在進行有關紀律程序的期間,嫌疑人A與其他共事的人員再度發生爭執,且為確保第一公證署的正常運作,謹建議對嫌疑人A採取防範性停職的措施,自嫌疑人收到有關決定通知的翌日起開始,直至就本紀律程序作出最後裁定為止,但停職期間不超過九十日。
8. 倘 局長閣下同意上述建議,謹請 閣下根據《通則》第331條第1款,以及第109/2014號行政命令第1款的規定,將本建議書上呈 司長審批。
上呈此建議書,敬請 閣下審閱。”
Por despacho da Exmª. Secretária para a Administração e Justiça, de 7.3.2017, foi aplicada ao recorrente a medida de suspensão preventiva do exercício das funções por um período não superior a 90 dias, nos termos a seguir transcritos:
“1. 同意預審員的建議,對嫌疑人採取防範性停職措施。
2. 由預審員依法通知嫌疑人。”
O recorrente foi notificado do despacho em 8.3.2017.
A referida medida de suspensão preventiva de funções entrou em execução no dia imediato ao da notificação, ou seja, em 9 de Março de 2017, tendo o recorrente retomado funções em inícios de Junho de 2017.
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Como questão prévia, a entidade recorrida invoca em sede de alegações facultativas a inutilidade superveniente da lide, com fundamento de que o recorrente já retomou as suas funções em inícios de Junho de 2017, daí que se encontra precludido o efeito prático do recurso contencioso.
Vejamos.
Conforme decidido no Acórdão do TUI, no Processo n.º 11/2006, citado pelo Digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer, os casos previstos no artigo 87.º do Código de Processo Administrativo Contencioso não são os únicos que relevam para a extinção da instância do recurso contencioso por impossibilidade ou inutilidade da lide, antes haverá outras causas susceptíveis de produzir o mesmo efeito.
Observam Viriato Lima e Álvaro Dantas1: “muitas vezes, as pretensões de que ele (particular) pode ser titular perante a Administração são pretensões complementares em relação à anulação que, sem integrarem o objecto do recurso, lhe vão permanecer subjacentes, aguardando que ele termine com a anulação do acto para poderem ser accionadas, primacialmente no âmbito do chamado processo de execução das sentenças”,
No caso vertente, foi aplicada ao recorrente a medida de suspensão preventiva de funções por um período não superior a 90 dias. A referida medida já foi cumprida, tendo o recorrente retomado as suas funções após decorrido aquele período.
É verdade que, se vier a ser anulado o acto recorrido, a reconstituição da situação actual hipotética tornar-se-á impossível, na medida em que o passado não pode ser refeito, mas nada impede que o recorrente venha a formular, no futuro próximo e em acção autónoma, pedido de indemnização, sendo assim, o facto de o recorrente ter retomado as suas funções não implica necessariamente a inutilidade do presente recurso.
Improcede, pois, a questão prévia da inutilidade superveniente.
Sendo assim, vamos apreciar agora os fundamentos do recurso.
Da alegada violação do disposto no n.º 1 do artigo 331.º do ETAPM
Entende o recorrente que preenchidos não estão os pressupostos de que depende a aplicação da medida de suspensão preventiva de funções.
Ora bem, preceitua-se no n.º 1 do artigo 331.º do ETAPM: “Sob proposta do instrutor ou da entidade que mandou instaurar o processo disciplinar e mediante despacho do Governador, os funcionários e agentes arguidos em processo disciplinar por infracção punível com pena de suspensão de 241 dias a 1 ano, aposentação compulsiva ou demissão, podem ser preventivamente suspensos do exercício das suas funções, sem perda do vencimento de categoria, até decisão final do processo mas por prazo não superior a 90 dias, sempre que a sua presença se revele inconveniente para o serviço ou para o apuramento da verdade.”
Observa Manuel Leal-Henriques2 que “a suspensão do arguido só se justifica se a sua presença no posto de trabalho puder prejudicar o apuramento da verdade, isto é, se essa presença puder frustrar, impedir ou simplesmente influenciar o esclarecimento dos factos” ou “…sempre que a Administração possa vir a sofrer prejuízos com a continuação do arguido no exercício de funções, o mesmo é dizer, sempre que a conduta que motivou a instauração do procedimento se mostre incompatível com o decoro que é de exigir a quem serve uma instituição pública”.
De facto, perante os factos sumariamente provados, aponta-se a existência de fortes indícios de que o recorrente teria violado o dever de correcção previsto na alínea f) do n.º 2 e n.º 8 do artigo 279.º do ETAPM, em virtude de o mesmo ter praticado frequentemente actos agressivos e ameaçadores para com colegas de serviço, afectando o funcionamento normal do serviço onde trabalha.
A nosso ver, não é conveniente nem é aceitável que a Administração continua a manter um funcionário ao seu serviço que frequentemente pratica actos de injúria, calúnia ou difamação contra colegas, sendo certo que esses comportamentos são passíveis de prejudicar a imagem e o funcionamento do próprio serviço, especialmente quando está em causa um serviço de atendimento ao público.
Ademais, considerando que o recorrente poderá vir a ser sujeito a uma pena de aposentação compulsiva ou uma pena de demissão, nos termos previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 315.º do ETAPM, verificados estão os pressupostos da aplicação da medida de suspensão preventiva previstos no n.º 1 do artigo 331.º do ETAPM.
Assim, improcede o recurso quanto a esta parte.
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Da alegada violação do princípio da proporcionalidade
Entende o recorrente que ao lhe aplicar a medida de suspensão preventiva, o acto recorrido sacrificou de forma desnecessária e excessiva os seus interesses, na medida em que insinua um pré-juízo de desvalor que não existe.
Dispõe o artigo 5º, nº 2 do Código do Procedimento Administrativo que “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar” – sublinhado nosso.
No concernente à questão de violação do princípio da proporcionalidade, decidiu o Acórdão do Venerando TUI, no Processo nº 38/2012:
“De acordo com este princípio, as limitações de direitos e interesses das pessoas devem revelar-se idóneas e necessárias para garantir os fins visados pelos actos dos poderes públicos.
Como se sabe, nos casos em que a Administração actua no âmbito de poderes discricionários, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica fora de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
E a jurisprudência também entende assim, tendo este Tribunal de Última Instância decidido que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.”
A propósito da questão de intervenção dos tribunais na fiscalização da Administração em virtude da violação do princípio da proporcionalidade, tem sido entendido que as decisões da Administração só são justiciáveis desde que violem de um modo intolerável aquele princípio.
Aliás, é que o está previsto no artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do CPAC, quando se refere a “erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários”.
No caso vertente, não obstante que a suspensão preventiva do exercício de funções é susceptível de causar, de certo modo, algum prejuízo ao recorrente, na medida em que pode insinuar um pré-juízo de censurabilidade, sobretudo quando a medida foi aplicada numa fase em que ainda não houve acusação em processo disciplinar ou em processo-crime, mas ponderando os interesses conflituosos em causa, nomeadamente o facto de que a permanência do recorrente em funções pode resultar inconveniente para o serviço e para a imagem da Administração, há-de concluir que o acto recorrido ora impugnado não é manifestamente desrazoável nem desproporcional.
Pelas razões acima apontadas, improcede o vício apontado.
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Da alegada falta de fundamentação
O recorrente entende que há falta de fundamentação do acto recorrido, alegando que a descrição das razões de facto que fundamentam a aplicação da medida de suspensão preventiva é insuficiente.
A nosso ver, e salvo o devido respeito por melhor opinião, julgamos não lhe assistir razão.
Consagra-se nos termos do artigo 115º, 1 do CPA que “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto”.
Como observa Diogo Freitas do Amaral3, “na interpretação do acto administrativo há que recorrer simultaneamente à lei e à vontade do autor do acto, para apurar o sentido da decisão tomada pela Administração”.
Em boa verdade, podemos verificar que na proposta submetida à apreciação da entidade recorrida foram invocados fundamentos de facto e de direito com base nas quais se fundamenta a aplicação da medida de suspensão preventiva de funções em relação ao recorrente.
Daí que, estando os fundamentos contidos na referida proposta, ao concordar expressamente com os termos e soluções nela contidos, o acto recorrido vem absorver os fundamentos que se encontram ínsitos nessa proposta no seu todo.
Isto posto, não se vislumbra que o acto recorrido está inquinado do vício de falta de fundamentação, para já qualquer destinatário comum (por referência à diligência normal do homem médio que tal deve ser aferido) fica a saber quais as razões de facto e de direito que levaram à aplicação daquela medida.
Improcede, assim, o vício invocado.
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Da alegada falta de audiência do interessado
Alega ainda o recorrente que o acto administrativo ora em crise fere do vício de forma por falta de audiência prévia, na medida em que não lhe foi dada a oportunidade de se pronunciar sobre a eventual aplicação da medida de suspensão preventiva das funções.
Com todo o respeito por melhor opinião, julgamos igualmente não lhe assistir razão.
De facto, a audiência de interessados é uma formalidade importante no procedimento administrativo, encontrando-se a respectiva previsão legal plasmada no CPA, nomeadamente, no nº 1 do artigo 93º do Código onde se refere que “salvo o disposto nos artigos 96º e 97º, concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”.
Por sua vez, preceitua-se no artigo 10º do CPA que “os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência, nos termos deste Código”.
Ora bem, o que se pretende com a audiência dos interessados é assegurar o direito do contraditório dos interessados, evitando a chamada decisão surpresa, e permitir os mesmos, no caso de se ter realizado alguma diligência instrutória, manifestarem os seus pontos de vista adquiridos no procedimento e, ao fim e ao cabo, permitir à Administração colher elementos necessários com vista a dar uma decisão acertada.
Entretanto, está em causa no presente caso a aplicação de uma medida preventiva, por se verificar que o recorrente, exercendo funções num serviço de atendimento ao público, tem vindo a praticar actos de injúria, calúnia ou difamação contra colegas, perturbando os colegas, bem assim o normal funcionamento do serviço. Até consta dos autos (fls. 51 do P.A.) que o responsável pelo serviço onde trabalhava o recorrente pediu à entidade competente para que tomasse medidas necessárias, nomeadamente ser o mesmo transferido para outro serviço. Face a essas circunstâncias, somos a entender que é compreensível, e razoável, aplicar a medida com a maior celeridade possível, com vista a assegurar o funcionamento normal da própria instituição.
Assim sendo, entendemos que, no caso concreto, não há lugar a audiência do interessado, nos termos consentidos pela alínea a) do artigo 96.º do CPA.
Improcede, assim, o recurso quanto a esta parte.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso, mantendo o acto administrativo impugnado.
Custas pelo recorrente, com 8 U.C. de taxa de justiça.
Registe e notifique.
***
RAEM, 1 de Novembro de 2018
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Mai Man Ieng
1 Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, CFJJ, 2015, pág. 275
2 Manual de Direito Disciplinar, CFJJ, 2005, pág. 222 e 223
3 Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. III, pág. 282
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Recurso Contencioso 331/2017 Página 10